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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDipÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'. visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
¡L vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.
Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.

ANO XXXV

JANEIRO
1
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1994
1
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SUMARIO
< PUC

BIBLK
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(O
III 0 Esplendor da Verdade

(O 0 Pecado: 0 que dizer?", por X. Thévenot


LU •* 1.
O Aborto nao é Pecado?

(0
"Bebés para queimar", por M. Litchfield e S. Kentish
<
Em Defesa da Vida
III

Um Padre Católico num Pafs Proibido


O
te.
0. Somente a Biblia?
PERGUNTE E RESPONDEREMOS JANEIRO 1994
Publicacao mensal N9 380

Diretor-Responsável SUMARIO
Estévao Bettencourt QSB
Autor e Redator de toda a materia O Esplendor da verdade 1
publicada neste periódico
Em candente discussao:
"O pecado: o que dizer?", por
Diretor-Administrador:
X. Thévenot 2
D. Hildebrando P. Martins OSB
Entrevista revolucionaria:
Administracao e distribuicáo: Aborto nao é pecado? 17
Edicoes "Lumen Christi" A experiencia de dois jornalistas:
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5? andar - sala 501 "Bebés para queimar" por M. Litchfield
Tel.: (021) 291-7122 e S. Kentish 26
Fax (021) 263-5679
Em defesa da vida . 39

Enderezo para correspondencia: Caso singular:


Ed. "Lumen Christi" Um padre católico num pa ís proibido... 40
Caixa Postal 2666 Somonte a Biblia? 44
Cep 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ
Livros em estante 45
Impreisío e Encadernafao

"MARQUES SARAIVA"
GRÁFICOS E EDITORES S.A.
Tels.: (021 i 273-9498 / 273-9447

NO PRÓXIMO NÚMERO:

"Veritatis Splendor" i(O Esplendor da Verdade). — - Infalibilidade Papal: em que


termos? — Lavagem de Cránio e Seitas. — Juventude e Sexo.

COM APROVAQÁO ECLESIÁSTICA

ASSINATURA ANUAL PARA 1994


(12 números) CR$ 3.800,00 - n? avulso ou atrasado CR$ 380,00

.O pagamento poderá será sua escolha:.


1. Enviar EM CARTA cheque nominal ao Mosteiro de Sao Bento do Rio de Janeiro, cruza
do, anotando no verso: "VÁLIDO SOMENTE PARA DEPÓSITO na conta do favoreci
do" e, onde consta "Cód. da Ag. e o N? da C/C", anotar: 0229 - 02011469-5.
2. Depósito no BANCO DO BRASI L, Ag. 0435-9 Rio C/C 0031-304-1 do Mosteiro de S. Ben
to do Rio dé Janeiro, enviando a seguir xerox da guia de depósito para nosso controle.
3. VALE POSTAL pagável na Ag. Central 52004 - Cep 20001-970 - Rio.
Sendo novo Assinante, é favor enviar carta com nome e endereco legfveis.
Sendo renovacao, anotar no VP nome e endereco em que está recebendo a Revista.
O ESPLENDOR DA VERDADE

Chama a atencao o fato de que o S. Padre, querendo escrever sobre a


Ética crista, tenha tomado, como palavras iniciáis da su a encíclica, a ex-
pressáo "O Esplendor da Verdade".
... Da Verdade. Ebta é colocada como alicerce da toda a vida moral;
tem as características da un ¡versa I id ade e da imutalibidade. O homem nao
a cria, mas a descobre já presente. O contrario da verdade é a mentira; esta
traz as notas do subjetivismo e da improvisacao; é a criatura que a produz.
O Evangelho nos diz que a mentira é obra do demonio; ele é o pai da men
tira e, mediante a mentira, tomou-se o primeiro homicida (cf. Jo 8,44). A
mentira leva á morte.
Por isto o comportamento do homem nao pode estar fundamentado
sobre a falsidade, a arbitrariedade e o subjetivismo; estes elementos ná*o
constroem urna vida bela. Ao contrario, a conduta moral do homem há de
estar baseada na verdade, penhor de vida; torna-se assim mais exigente,
mas é precisamente a fidelidade a verdade que Ihe dá beleza e esplendor!
Os antigos gregos pagaos tinham tanta conviccao disto que, para eles, o
bem era belo e o belo era um bem; kalós kai agathós (belo e bom) era o
binomio usual da linguagem grega.'
O Papa lembra estas proposicoes no intuito de dissipar as teorías mo
dernas que tendem a tirar da Moral o seu valor perene e universal para fa-
zé-la subjetiva e mutável, de acordó com as conveniencias pessoais dos in-
teressados.
Mais: fazendo eco a S. Agostinho, que experimentou o gaudium de
veritate, a alegría decorrente da descoberta da verdade, o Papa fala da ne-
cessidade, para os cristaos, de amar a verdade, a ponto de dar a vida por
ela, se necessário;... dar a vida, nem sempre de maneira violenta, mas na
fidelidade heroica, que se renova todos os dias diante de novos e novos de
safios. "Diante das múltiplas dificuldades que, mesmo ñas circunstancias
mais comuns, pode exigir a fidelidade a ordem moral, o cristao é chama
do... a um compromisso por vezes heroico, amparado pela virtude da for
taleza" (n?93). O horror á traicáo, o amor á lealdade coerente até o extre
mo sá"o valores que já os sabios pré-cristSos elogiavam enfáticamente, co
mo se depreende do testemunho do poeta latino Juvenal: "Considera o
maior dos crimes preferir a sobrevivencia á honra e, por amor da vida físi
ca, perder as razdes de viver" (Satirae VIII, 83s).
O mundo precisa da verdade e da beleza que ela reflete. A procura de
bens materiais na base da mentira e do pecado só Ihe tem trazido infelici-
dade e náusea. Ora ao cristao toca, por excelencia, o dever de dar tal teste
munho de urna vida bela,... bela porque orientada pelo esplendor da ver
dade!
E.B.

1 É por isto que no Evangelho diz o Senhor Jesús: "Eu sou o pastor o be
fo (no poimén ho kalós^" (Jo 10,11). '
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
ANO XXXV - N9 380 - Janeiro de 1994

Em candente discussáo:

O PECADO: O QUE DIZER?

por Xavier Thévenot

Em símese: O livro de X. Thévenot considera o tema "pecado" á


luz das ciencias modernas: psicología, sociología, epistemología e tam-
bém... Teología. Todavía o enfoque teológico, que é o principal (pois o pe
cado é tema integrante da fíeve/acao bíblica e da Tradicao crista), éassaz
apagado; em conseqüéncia, o leitor é colocado diante de ponderacoes de
ordem meramente natural, especialmente de índole psicana/t'tica, quepas-
sam ao largo do auténtico sentido de pecado e podem deixar o leitor con
fuso e perp/exo. O tema "pecado", para um cristao, é, antes do mais, as-
sunto que a luz da fé esclarece devidamente, pois a nocao de pecado supoe
o conceito de Deus... e de Deus como se revelou aos homens ñas Escritu
ras Sagradas.

* * *

Xavier Thévenot, Professor de Teologia Moral na Franca, publicou o


texto de quatro conferencias proferidas sobre o pecado em 1980-81'.
Aborda um tema hoje em dia muito estudado e debatido. Procura penetrar
na nocao de pecado mediante concepcoes de psicanálise, que tendem a re-
lativizar o conceito. As suas explanacoes safo, por vezes, complicadas: di-
zem e nao dizem, afirmam e negam... de modo que o leitor, desejoso de
clareza sobre o assunto, pode terminar a leitura do Mvro sem saber o que é
0 pecado e quando ocorre. Sem dúvida, a Teologia Moral pode-se benefi
ciar pelos subsi'dios que a psicología e a psicanálise Ihe fornecem, mas é ne-
cessário que o teólogo tenha a coragem de dizer que o preto é preto e o
branco branco; leve em conta possi'veis matizes, sim, mas nao se furte a

1 O Pecado. O que dizer? - Edicoes Paulinas, Sao Paulo 1993, 130x200


mm,94pp.
"O PECADO: Q QUE DIZER?'

dizer as coisas com a lucidez e a nitidez que um bom professor deve ter e
transmitir, em vez de querer suavizar e empalidecer coisas graves a fim de
tranquilizar os leitores pela anestesia mental e a confusao de idéias.

Ñas páginas seguintes, exporemos o conteúdo do livro, ao que acres-


centaremos alguns comentarios.

1.0 LIVRO

1.1. A Teología do Pecado

O capítulo I ("A Teología na Conjuntura Atual), pp. 7-26 após


observacSes preliminares, apresenta a evolucák) do sentido do pecado esuas
causas. Xavier Thévenot registra entao o fato de que muitas pessoas em
nossos dias nao sabem mais o que é pecado ("em confissSo eu nao consigo
mais achar os meus pecados"); muito menos ainda, falam de pecado mor
tal; amigamente a concepcáo de pecado era individual, ao passo que atual-
mente as pessoas tendem a falar tao somente de pecado coletívo; outrora o
pecado era tido como ofensa a Deus, enquanto hoje é ofensa ao homem...
registra o autor do livro.

E quais as causas da evolucao, segundo Thévenot?

1) O impacto dos marxismos. As idéias de Marx concebem a Moral


como subproduto de determinada estrutura económica; em conseqüéncia,
o pecado é considerado infracao de normas ditadas pelo capitalismo; tais
normas terao insistido demasiadamente sobre as culpas sexuais e posto de
lado as infracoes da justiga social. Ora quem aceita a ideología marxista,
rebela-se contra o clássíco conceíto de pecado.

2) As correntes psicanalíticas. Tendem a explicar as desondens do


comportamento humano nao como desatinos no plano moral, mas como
expressoes de problemas latentes no inconsciente do individuo. Ademáis a
psicanálise freudiana poe em xeque a existencia da liberdade e da respon-
sabilidade humanas. Donde o apagamento do conceito de pecado.

3) A epistemología contemporánea. Todo ato humano tem varios


efeitos, "uns bons, outros maus". É o que torna ambigua a moralidade do
agir humano, segundo Thévenot. Cita-se como exemplo a greve dos opera
rios na Polonia em 1980: teve o mérito de ativar a resistencia do povo
oprimido, que mais tarde chegaria a se libertar do marxismo, mas, ao
mesmo tempo, abalou a economía do país e aumentou o risco de invasao
da Polonia pelas tropas soviéticas. Por isto torna-se difícil dizer se um ato
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

é bom ou mau; pode-se apenas afirmar que preponderaram as suas conse-


qüéncias boas ou más.

4) A sociología mostra que existe entre os homens urna solidariedade


e interdependencia em escala planetaria. Em conseqüéncia, torna-se difícil
determinar com exatidao as responsabilidades de cada individuo ou de cada
grupo. Por exemplo, ajudar um país subdesenvolvído govemado por um
ditador sanguinario é obra boa ou má? Alguns dirao: obra boa, porque ali
via a miseria do povo; outros dirao que é obra má, porque corrobora o go-
verno desse ditador. Além disto, a influencia dos meios de comunicacao, a
insistencia sobre liberdade e democracia e a existencia da incredulidade no
mundo contribuem para lancar a confusao e o ceticismo sobre a nocao de
pecado.

5) A Teología terá também colaborado para atenuar a idéia de peca


do. Com efeito; hoje em dia enfatiza-se menos a imagem do Pai legislador
do que a do Espirito que liberta, diz Thévenot. Ademáis o afa de construir
um mundo novo sócio-económico-poh'tico dá a crer que pecado é a recusa
de cooperacáo social (é descriacao) e nao tanto urna ofensa a Deus.

As observacoes de Thévenot ficam aqui registradas sem comentarios.


Voltaremos a elas na segunda parte deste artigo.

1.2.0 Pecado Original

Thévenot apresenta, a seguir, no capitulo II "um pecado modelo, ou


seja, o pecado de Adao e Eva" (pp. 27-53), servindo-se de instrumentos
deduzidos da psicanálise" (p. 27). - Este capítulo é faino, porque o autor
parece ignorar as leis de interpretacáo de um texto antigo, como é o texto
de Gn 2,1-3,24. Ensina a boa hermenéutica que o primeiro cuidado do in
térprete há de ser a consulta do texto original a fim de se entender o que o
autor Ihebreu, no caso) quería dizer; é preciso, pois, investigar os exprés-
sionismos e as metáforas utilizadas pelo escritor hebraico, procurar saber
o que tais e tais locucSes podiam significar para ele, e daí deduzir o signifi
cado ou a mensagem do texto. — Ora Thévenot passa ao largo dessa tarefa
delicada; aborda o texto a partir de premissas que ná"o sao filológicas nem
historiográficas, mas derivadas das categorías de pensamento de Freud, La-
can, Melanie Klein... Conseqüentemente, afirma que "Deus castrou o
homem em seu desejo de tudo saber, de tudo dominar. A salvacSo da pes-
soa humana está na proibicao da gnose, quer dizer, na proibicao da onici-
éncia" (p. 40).

A morte que, conforme Gn 2,17, é punicao da culpa dos primeiros


pais, vem entendida do seguinte modo (que, reconhecamo-lo, nao é de fá
cil compreensao):
"O PECADO: O QUE DIZER?"

"A vida, a verdadeira vida, só é possi'vel para o homem no respeito da


prívacao, das mediacoes do nao conhecimento total do bem e do mal. Se
este respeito nSo existe, entao, por necessidade interna, a morte da pessoa
que dese/'a está no fim do caminho" (p. 40).

0 pecado é descrito aínda nos seguintes termos:

"A atividade criadora de Deus... faz surgir nao um mundo supranatu-


ral, mas um mundo onde o homem assume o poder sobre o cosmo pelas
mediacoes do trabalho e da linguagem, onde as diferencas entre as árvores
permitidas e as árvores proibidas, entre Deus e as criaturas, entre o homem
e a mulhersao reconhecidas dentro da fé na palavra proibidora do Criador,
onde, enfim, é possi'vel conhecer momentos alegres de uniao íntima, sem
regredir ao mundo natural de onde o homem surgiu. A narrativa da trans-
gressao vai fazer perceber o quanto o pecado do homem traz urna profun
da desestruturacao deste equilibrio vital por urna especie de descriacao"
(p. 41).

Visto que o texto de Gn 2-3 fo¡ calorosamente estudado e debatido


na Tradicao crista, suscitando varias intervencoes do magisterio da Igreja,
Thévenot deveria ter levado em conta outrossim o teor dos debates dos sé-
culos IV-VI (pelagianismo e semipelagíanismo, relacoes entre natureza e
graca), do século XVI (pensamento luterano e calvinista), dos séculos
XVII/XVIII (baianismo e jansenismo). Ignorar tais fatos ou o aprofunda-
mento realizado á luz da fé crista por ocasiao das varias controversias, é
falha de interpretacao, de mais a mais que o texto pertence estritámente
ao ámbito da Escritura Sagrada e da fé.

Após tratar do pecado dos primeiros pais (pecado original originan


te), o autor considera o pecado original originado ou como se acha nos
.descendentes dos primeiros pais. - Com razao afirma que nao se trata de
um pecado propriamente dito, pois a enanca, ao nascer, nao comete um
ato de ruptura com Deus. Entao que seria o pecado original originado, ou
o pecado atribui'do á enanca quando nasce?

Apo¡ando-se em Schoonenberg e outros teólogos, Thévenot julga que


"consiste na impossibilidade, do homem, de orientar a sua existencia por
urna opcao fundamental conforme o designio de Deus" (p. 52). Com ou-
tras palavras: cada ser humano nasce numa complexa rede de relacoes so-
dais, rede na qual o pecado ganhou corpo, tornando-se "o pecado do
mundo" (Jo 1,30; Uo 5,19). Este mundo no qual cada ser humano está
mergulhado, dificulta a todo homem a orientacao espontánea em direcao
do Criador (cf. p. 53). Seria isto o pecado original originado; afetaria o
mundo primeiramente e, indiretamente, os descendentes dos primeiros
pais.
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

1.3. Interpretacáo crista do pecado

O capítulo III do livro tem o título ácima (pp. 57-94). Entre outras
coisas, Thévenot afirma que

— o pecado é um insulto ao Senhor, Esposo da Igreja, um insulto ao


Deus-Amor (p. 63);

— o pecado só pode ser devidamente entendido se considerado á luz


da Revelacao do Antigo e do Novo Testamento, Revelapao que nos fala
do amor de Deus;

— o nosso conhecimento do pecado nunca é completo (p. 63). Des-


conhecemos a profundidade da nossa responsabilidade (p. 67). Além disto,
nao somos capazes de distinguir, com precisa o, o que é devido aos nossos
condicionamentos e o que decorre da nossa liberdade (p. 69);

— o pecado propriamenteditoé somenteo pecado mortal ou o peca


do que muda a opcao radical ou fundamental por Deus. Ora na grande
maioria das faltas cometidas contra a vontade de Deus o homem nao pre
tende desviar-se de Deus radicalmente; só procura o prazer ou o fruto proi-
bido, mas tenciona manter a orientacao geral da sua vida voltada para
Deus; disto se segué que é raro o pecado mortal ou o pecado propriamen
te dito; desta maneira chega-se á conclusao de que entre os cristaos há
poucos pecados (o que é muito "consolador"):

"Um cristSo que senté que a 'fina ponta de sua vontade' — como di-
ziam os místicos — está enraizada em Deus, percebe que a globalidade de
sua vida, em sua opgao fundamentai, está em coeréncia com o Evangelho;
um tal cristao pode se questionar, com razSo, se as 'quedas' freqüentes
num ponto preciso de sua vida, ponto onde ele se verifica fraco, sao, ver-
dadeiramene, recusas graves do amor de Deus. Neste caso ele poderá, as
vezes, adquirir a certeza moral de que seus erros sSo fraquezas e nao peca
dos; porque finalmente sua liberdade profunda nao está ai verdadeiramen-
te empenhada. Na verdade, pecar 'mortalmente' nSo é tao freqüente, em
razio do amor vivificante de Deus, que 'traba/ha' urna pessoa cuja opgao
fundamental é boa. Pensó, entao, que os pecados moríais na vida de um
cristao que reza, que está em Hgacao com a Igreja e que se esforga em
amar, sao provavelmente bastante raros" (p. 71).

Logo depois de afirmar isto, o autor refere-se á Exortacao "Persona


Humana" da Congregacao para a Doutrina da Fé (29/12/1975): este docu
mento afirma que ná"o é necessário romper fundamentalmente com Deus
para que naja pecado mortal; basta um ato particular ou ¡solado que con-
"O PECADO: O QUE DIZER?"

tradiga voluntariamente á Le¡ de Deus em materia grave (masturbacáo,


homossexualismo, relacoes pré-matrimoniais...) para que haja pecado
mortal; conseqüentemente o pecado mortal nao é tao raro; ele existe mes-
mo na vida de urna pessoa orientada para Deus em suas Hnhas fundamen
táis. Thévenot, cíente desta doutrina da Igreja, cita o texto de "Persona
Humana" n° 10, mas interpreta-o a seu modo, como se percebe abaixo:

"Este documento lembra, com razio, que, se é 'a opcao fundamental


que define, em última instancia, a disposicao moral da pessoa, ela pode ser
tota/mente modificada por acoes particulares, e isto seria preparado, como
acontece com freqüéncia, por acoes anteriores mais superíleíais. .Se/a como
for, nao é verdade que um único destes atos particulares nao pode ser sufi
ciente para que ai ha/a pecado mortal' (...) 'o homem peca entao mortal-
mente, segundo este documento, nao apenas quando sua acao procede do
desprezo : direto do amor de Deus e do próximo, mas ainda quando ele
faz, consciente e livremente, por qualquer motivo que se/'a, urna escolha
cu/o objeto é gravemente desordenado'. Desta forma, este texto nos lem
bra que sao atos tao importantes em nossa vida quepodem comprometer
radicalmente a opcao fundamental e ser sinais de sua transformacao"
(pp.71s).

Como se vé, Thévenot pretende manter sua posicao, supondo que


um ato ¡solado gravemente pecaminoso rompe a opcao fundamental do
cristao por Deus. Ora podemos lembrar a Thévenot que alguém pode pra-
ticar um relacionamento sexual pré-matrimoniaI ou extra-matrimonial sem
querer romper com Deus ou sem retratar a sua opcao fundamental. Alias,
é este o caso de muitas e muitas pessoas que praticam a genitalidade antes
do casamento ou em adulterio. A Igreja ensina, com toda a Tradicao an
terior, que tais práticas constituem pecado mortal, mesmo que o pecador
queira continuar a servir a Deus pelo teor geral de sua vida.

As últimas páginas do livro (74-94) tém por título: "Os Sinais da


Existencia do Pecado e sua Ambigüidade". Detém-se em querer demons
trar que difícilmente alguém pode reconhecer seus pecados, pois nenhum
sintoma de pecado (transgressao, desvio, sofrimento, conteúdo objetivo do
ato, remorso) está ¡sentó de ambigüidades, conforme Thévenot. Este final
da obra pode deixar o leitor perplexo e confuso, pois o livro acaba sendo
mais um repertorio de críticas e distincoes sutis do que a expressao da
doutrina da fé tal como a professa a Igreja Católica.
Passemos, poís, a um comentario mais sistemático da obra, que deixa
o leitor um tanto desconcertado ao ver tantas explanacoes que nao ousam
afirmar ou negar claramente o que abordam.
"PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

2. REFLETINDO...

Tres pontos merecem especial atencao.

2.1. A nocao de pecado evoluiu?

a) O conceito de pecado como tal nao evoluiu nem podía evoluir. Pe


cado é, numa palavra, um Nao dito a Deus. Para que haja pecado propria-
mente dito, requerem-se tres condicoes: 1) haja materia grave (homicidio,
adulterio, aberracao sexual...); 2) haja conhecimento de causa ou conscién-
cia de que o ato é pecaminoso; 3) haja vontade deliberada de o cometer.
Quando ocorrem estes tres componentes, o pecado é grave ou mortal (pois
tira a vida da grapa); quando a materia é leve, o pecado é leve ou venial.

Quando falta o conhecimento de causa ou a vontade deliberada, nao


há pecado propriamente dito ou nao há pecado formal; há, sim, urna acao
que em si é pecaminosa (pecado material), mas que nao é imputável ao su-
jeito que a comete. A pessoa só é responsável por aquilo que faz, na pro-
porpao em que tem conhecimento de causa e vontade deliberada. Os atos
cometidos sem vontade deliberada nao sao imputáveis ao sujeito; é o que
acontece quando um sonámbulo danifica coisas alheias durante o sonó: co
mete atos maus (em si pecaminosos), mas nao imputáveis, porque o so
námbulo age sem saber nem querer.

b) O que evoluiu em Teología Moral, nao é o conceito de pecado;


é a utilizacáo do conhecimento da psicología humana. Amigamente julga-
va-se que qualquer ato mau era pecado formal; só se levava em conta a ma-
terialidade do ato ou o ato como tal (ver o pecado material de Jónatas em
1Sm 14, 23b-30.43-45)'. Em nossos tempos, dado o progresso da psicolo-

1 Eis o texto de JSm 14,23b-30. 43-45, que vem ao caso:


"O combate se estendeu até além de Bet-Horon. Como o pavo de Is
rael se achasse naque/e día fá exausto, Saúl proferíu sobreopovo esta im-
precacao: 'Maldito se/a o homem que comer alguma coisa antes de termi
nar o día, antes que eu me tenha vingado de meus inimigos'. E ninguém
de todo o povo provou qualquer alimento.

Ora, havia em pleno campo um favo de mel. O povo chegava ao lugar


em que estava o favo de mel, o mel escorrendo, mas ninguém o tocava
com a mao e o levava á boca, porque o povo temía o juramento que fora
feito.

Entretanto Jónatas nSo tinha tido conhecimento do juramento a que


seu pai havia obrigado todo o povo. Levantou a vara que tinha consigo, es-
"O PECADO: O QUE DIZER?'

gia das profundidades, sabe-se que mu ¡tos atos maus sao cometidos sem
pleno ou sem algum conhecimento de causa ou sem vontade plenamente
deliberada; muitas pessoas sao obcecadas ou nervosas a tal ponto que
agem inadvertidamente; em tais casos, o seu pecado é atenuado ou mesmo
nulo; pode ser pecado meramente material, nao formal.

c) Hoje em dia também se leva em conta o fato de que muitas pessoas


sao subliminarmente induzidas ao mal pela propaganda comercial, pelos
muitos exemplos apresentados nos meios de comunicacao social (novelas,
filmes...), pela educacao desvirtuada que recebem... Tomam-se menos res-
ponsáveis, porque "manipuladas" pelo ambiente em que vivem. Só Deus
pode ler o fundo das consciéncias e discernir ai o grau de responsabilidade
das pessoas que cometem erras moráis.

d) Verdade é que todo individuo tem severa obrigacá"o de se informar


claramente a respeito do bem e do mal em materia ética; há os que negli-
genciam essa pesquisa, e, por isto, cometem o mal sem saber claramente
que estáo cometendo o mal, mas nem por isto sao inocentes, pois na raiz

petou-a no favo e, com a mao, saboreou o mel, e logo a sua visao melho-
rou. Mas alguém do grupo, vendo-o, Ihe disse: 'Teu pai impós este jura
mento ao povo: Maldito se/a o homem que comer alguma coisa hojeY Jó-
natas respondeu: 'Meu pai cometeu o maior erro da terral Vede como eu
tenho os olhos mais claros por ter provado um pouco deste mel. Quanto
mais se todo o povo tivesse comido Hvremente dos despojos que tomou
dos seus inimigos'. Nao teria sido muito maior a derrota dos filisteus?'

Entao Saúl disse a Jónatas: 'Conta-me o que fizeste'. Jónatas respon


deu: 'Eu somente proveí um pouco de mel com a ponta da vara que tinha
na mao. Estou pronto para morrer'. Saúl replicou: 'Que Deus me faca este
mal e me a/unte aínda este outro, se tu nao morreres, Jónatasl'. Todavía o
povo disse a Saúl: 'Jónatas, aquele que alcancou esta grande vitaría em Is
rael, vai morrer? De maneira a/guma1. Tao certo como vive o Senhor, nao
caira um só cabe/o da sua cabeca, porque foi com Deus que ele fez hoje o
que fezl'Assim o povo resgatou Jónatas, e ele nao morreu".

Este texto é muito interessante, porque, de um lado, mostra como


Saúl quis levar em conta e punir o pecado material cometido por Jónatas,
ou se/a, o pecado cometido sem conhecimento de que era um ato mau. De
outro fado, o povo compreendeu que só sao imputareis e passíveis de san-
cSo os atos em que a pessoa se empenha toda, com conhecimento de causa
e vontade deliberada (tais sao os pecados formáis). Por isto o povo eximiu
Jónatas da punigSo que seu pai Ihe quería infligir.
JO "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

da sua ignorancia há um desleixo culposo. Há outras pessoas que nSo con-


seguem esclarecer-se ou nem desconfiam de estar procedendo mal; tais
pessoas nao tém culpa, porque agem por ignorancia nao culpada.

2.2. A "epistemología" do pecado

Pode haver pecados que redundem em benefi'cio para o próximo,


como seria o furto cometido para ajudar urna pessoa pobre. Nem por isto
tais fatos deixam de ser pecaminosos. O fim nao justifica os meios. De mo
do geral, os eventuais efeitos bons de um ato mau nao tornam esse ato
bom.

Pode haver reciprocamente atos bons, que acarretem efeitos maus.


Pode ser o caso de urna aula de biología dada segundo o programa de urna
escola bem orientada; tal aula, ministrada com dignidade, pode despertar
no educando curiosidade e desejos moralmente maus. Nem por isto a aula
foi pecaminosa. — Dizemos isto em atenpao a urna passagem do livro de X.
Thévenot, que afirma:

"De um ato considerado bom, surgem sempre atos bons e maus. E,


de um ato considerado mau, surgem também atos bons e maus. Esta toma
da de consciéncia da ambigüidade de nossos atos torna de pronto mais di
fícil o discernimento que permite saber se é o bem ou o mal que predo
mina. Na realidade, o julgamento de bondade ou maldade de um ato será
sempre um julgamento de predominancias. Assim, quando digo: esta con-
duta é boa ou esta conduta é má, faco urna abreviacao de linguagem. Para
ser tota/mente exato, seria preciso dizer: esta conduta faz surgir elementos
predominantemente bons ou humanizadores, ou, ao contrario, elementos
predominantemente alienantes ou desumanizadores. É entao dese/'ávef as-
sumir plenamente a ambigüidade em nossas vidas. Agir moralmente é, ine-
vitaveimente, se 'macular', porque a agio é sempre ambigua" (pp. 21s).
0 relativismo que essas frases incutem, é desorientador e falso. Ba-
seia-se na mera consideracao dos fenómenos ou do que aparece, sem levar
em conta que, por baixo de todo fenómeno, há sempre urna esséncia {as
sim, por exemplo, a agua gelada pode ter efeitos ambiguos ou contraditó-
rios, pois faz bem a uns e mal a outros, mas é sempre a mesma agua, com
a mesma esséncia bem definida: H20). De mddo análogo, a moralidade de
um ato humano ná"o é julgada pelos seus efeitos1, mas á luz de tres fatores,
que passamos a expor sob o item seguinte:

. . c^aro c¡ue os Gfeitos maus de determinado ato podem agravar a ma


licia desse ato. Assim a mentira é sempre pecaminosa; todavía é especial
mente grave e pecaminosa quando prejudica o próximo. O roubo é sempre
mau; contudo é mais grave, quando deixa o próximo na penuria.

10
"O PECADO: O QUE DIZER7"

2.3. Como determinar a moralidade do ato humano?

Sao tres os elementos que devem ser levados em conta para que se
possa dizer que determinado ato é bom ou mau: 1) o objeto do ato;
2) a finalidade de quem age; 3) as circunstancias dentro dasquaisé prati-
cada a acao.

2.3.1. O Objeto

O objeto do ato humano é a materia sobre a qual versa esse ato: o


amor ao próximo, a oracáo..., que a Lei de Deus recomenda; o desrespeito
á propriedade alheia, que a Lei de Deus condena... Há, pois, atos que, por
seu objeto mesmo, sao bons ou maus. Há outros atos que, considerados
em si, sao moralmente indiferentes: o comer, o dormir, o passear...

Ora a moralidade do ato humano é definida primeira e básicamente


pelo objeto moral desse ato (ou pelo objeto colocado sob a luz da Lei de
Deus); por exemplo, o adulterio tem como objeto a violacao da fidelidade
conjugal; esta torna o adulterio intrínsecamente mau, quaisquer que sejam
as ¡ntencoes e as circunstancias daqueles que o cometem.

2.3.2. A Finalidade de quem age

A finalidade pode ser entendida como aquilo que move alguém a


praticar determinado ato; é o bem (ou o mal) que a pessoa tem em vista ao
agir; chama-se entao "a finalidade do sujeito operante". Distingue-se da
finalidade imánente que existe no próprio ato ("finalidade da obra"). As-
sim, por exemplo, dar esmola é ato que tem urna finalidade intrínseca ou
imánente: aliviar os pobres. Mas posso praticar esse ato para me enaltecer
vaidosamente; neste caso a finalidade do sujeito operante nao coincide
com a da obra. Outro exemplo: alguém pode comer para conservar a saú-
de (finalidade da obra), mas pode também comer para satisfazer.á gula,
prejudicando a saúde (finalidade do sujeito operante). Vé-se, pois, que a fi
nalidade do sujeito operante influí na moralidade dos seus atos.

2.3.3. As Circunstancias do Ato

As circunstancias sa"o os fatores que contornam (circum-stant) o ato


humano; podem ter repercussáo na moralidade do mesmo. Dizem respeito
ou ao objeto do ato ou ao sujeito que age, ou ao desenrolar do ato. Enu-
meram-se sete circunstancias capazes de modificar a moralidade: quem, o
qué, onde, com que meios, por qué, como, quando. Examinemos cada
qual de per si. .

11
J2 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

Quem refere-se ao sujeito do ato: á sua profissao, á sua idade, ao car


go que exerce... Assim, porexemplo, a injuria cometida por um adulto sa-
dio é muito mais grave do que aquela cometida por uma crianca ou por
um doente mental; um professor que dé maus exemplos aos seus alunos,
tem mais responsabilidade do que um funcionario da administracao... Uma
pessoa semi-adormecida tem menos responsabilidade que uma pessoa lúci
da e consciente.

O qué refere-se as particularidades do objeto do ato: a ofensa cometi


da por um filho contra seus país é mais grave do que se a cometesse contra
outras pessoas; roubar um objeto sagrado (cálice, porexemplo) é mais gra
ve do que roubar outro objeto. Furtar algo de uma pessoa pobre é mais
grave do que furtar o mesmo de um proprietário rico.

Onde refere-se ao lugar em que o ato é praticado: difamar alguém pe-


rante uma assembléia é diferente de difamar em conversa com um amigo.
Matar alguém no recintode uma igreja é diverso de matar na praca pública.

Com que meios diz respeito aos recursos aplicados por quem age. Fa-
zer a guerra com armas atómicas é algo de especialmente grave; ajudar o
próximo com dinheiro roubado é diferente (em mau sentido) de ajudar
com recursos próprios.

Porque refere-se á intencáo de quem age (finalidadedo sujeito). Po


de modificar, por completo, a moralidade do ato; tenha-se em vista o ca
so de quem dá esmola para ajudar o próximo e o de quem a dá únicamente
para ter seu nome elogiado.

Como diz respeito á maneira de agir: obter um favor legítimo em


contexto de fingimento e mentira muda a moralidade de um ato que po-
deria ser moralmente bom.

Quando designa o tempo em que se realiza um ato:trabalharem do


mingo, para o cristao, ná"o é o mesmo que trabalhar em día útil; conceber
odio momentáneo nao é o mesmo que alimentar odio duradouro.

Como se vé, há circunstancias agravantes e circunstancias atenuantes;


por exemplo, quem rouba dinheiro, fere a justica; quem rouba um objeto
sagrado, lesa nao somente a justica, mas também a virtude da religiao.
Há também circunstancias que mudam a moralidade de um ato (ajudar o
próximo é, em si, louvável; torna-se censurável, se feito exclusivamente
por vaidade). Além, disto, existem circunstancias meramente fi'sicas, que
sao indiferentes á moralidade; assim , via de regra, pode-se dizer que tanto
faz roubar na segunda como na terca-feira — A importancia das circunstán-

12
"OPECADO:OQUED1ZER?"

cias é tal que a Igreja ensina que, no sacramento da Penitencia, o cristao


deve confessar os seus pecados e também as circunstancias que mudam a
especie dos mesmos.

Em alguns casos, é difícil a alguém definir exatamente os fatores que


¡ntegram determinado ato. Nao se pode identificar um ato humano como
se identifica um ser físico. Em tais circunstancias, a pessoa deve entregar
a Deus o julgamento da sua conduta e acautelar-se contra futuras insi'dias
do mal sorrateiro.

2.4. E o pecado dos primeiros país?

X. Thévenot dedica todo o capítulo II do seu livro ao tema "Pecado


Original". Tal materia so pode ser devidamente abordada á luz da fé. Ora
esta ensina o seguinte:

2.4.1. Elevacao á filiacao divina

Os primeiros homens, logo no inicio de sua existencia, foram eleva


dos ao estado dito "de justica original", ou seja, foram enriquecidos por
dons que os elevavam ao estado de graca ou á ordem sobrenatural1. Tais
dons eram:

a) a graca santificante, que tornava os primeiros homens filhos de


Deus em sentido muito denso, aptos a viver em comunhao e intimidade
com Deus;

b) os dons preternaturais ou dons que aperfeicoavam a natureza hu-


mana:

— a imortalidade ou a isencao de morte violenta e arrebatadora como


ela é hoje; o fim de vida terrestre do homem seria suave transicao para a
gloria; ver Gn 2,17;3,19;

— a impassibilidade ou a ausencia de dores geralmente precursoras da


morte; cf. Gn 3,16-19;

— a integridade ou a imunidade de cobicas desregradas, que tornam o


homem contraditório (vé o que é melhor, e realiza o que é pior- cf Rm 7
15-19). Ver Gn 2,25; 3,7.21;

1 Sobrenatural, no caso, nao significa extraordinario ou maravilhoso, mas


designa a riqueza espiritual de que eram dotados os primeiros pais.

13
.14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

— a ciencia moral infusa, para que pudesse agir responsavelmente pe-


rante o designio de Deus.

É de notar que tais dons ná*o implicavam beleza física para os primei-
ros homens. Eram realidades latentes no íntimo do ser humano; só trans-
pareceriam no físico se os prímeiros pais se mostrassem fiéis ao designio
de Deus.

2.4.2. A transgressao

Os dons de Deusaos primeiros homens deveriam ser confirmados pela


conduta dos primeiros pais ou pelo Sim do homem. Daí a historia da árvo-
re da ciencia do bem e do mal. Esta é símbolo1 de um modelo de vida a
que o homem se devia submeter pelo fato mesmo de estar elevado a urna
dignidade superior; já nao competía ao homem ditar as normas racionáis,
"prudenciáis", do seu comportamento, mas, feito filho de Deus em grau
especial, devia viver conforme as normas da nova ordem de coisas a que
pertencia. É isto que vem simbolizado pelo preceito de nao comer do fru
to da árvore da ciencia do bem e do mal. O homem devia dar o seu assenti-
mento ao dom de Deus, comportando-se nao como autónomo, mas como
teónomo.

Todavía os primeiros pais rejeitaram o modelo divino por orgulho.


Com efeito; o tentador (sob forma de serpente é designado o demonio em
Gn 3,1) sugeriu aos primeiros pais que, se transgredissem a ordem de Deus,
seriam como Deus, arbitros do bem e do mal. A soberba humana foi assim
bajulada e cedeu á mentira.

2.4.3. Fato histórico

A fé crista professa que a desobediencia dos prímeiros pais elevados


ao estado de justica original foi um acontecimento real, histórico, que con-
dicionou a subseqüente historia da humanidade. O fato de estar o relato
de Gn 3 marcado por urna linguagem simbolista nao pode ser invocado pa
ra se negar a historicidade da queda original. É o que afirma Joao Paulo 11:

1 As literaturas e a arte antigás atestam que, para os povosprimitivos, a ár


vore e a vegetacao tinham, nao raro, o valor de símbolo religioso. Tenha-
mos em vista a ambrosia e o néctar dos deuses ñas mitologías. A inda ho/e
certas tribos primitivas julgam queprodutos vegetáis (folhos, frutas...) dso
uniao com a Divindade. A crenca na eficacia do Santo Daime da Amazonia
é um espécimen desse modo de pensar.

14
"O PECADO: O QUE DIZER?" 15

"Na descricao do pecado, tratase de um evento primordial, isto é, de


um fato que, segundo a Reve/acao, teve fugar no inicio da historia da ñu-
manidade" (Catequese de 10/9/1986, n? 11).

2.4.4. Conseqüéncias

1} A falta dos primeiros pais é chamada pecado original originante.


Teve conseqüéncias graves e duradouras.

Com efeito. Os primeiros pais perderam os dons gratuitos que recebe-


ram logo depois de criados. Isto quer dizer que

— a morte passou a ser o que ela naturalmente é: arranco violento,


que contraria profundamente o instinto de conservacao da pessoa;

— os impulsos ou instintos sensi'veis nao se harmonizaram sempre


com a razao, mas antecipam-se desordenadamente aos criterios do racio
cinio, provocando o que se chama "a cobica desregrada";

— o ser humano sofre os choques dolorosos e embates naturais, de-


correntes da fragilidade da sua natureza;

— o homem é obnubilado em seu entendimento das coisas de Deus.


Este é invisível, ao passo que as criaturas sao coloridas, sonoras e mais
atraen tes para os sentidos.

2) Despojados dos dons iniciáis, os primeiros pais só puderam gerar


prole carente, também ela, da justica original. Ora essa carencia é o que se
chama pecado original originada. Nao é pecado propiamente dito da par
te da enanca, mas é conseqüéncia do pecado dos primeiros pais. Deus nao
é injusto ao permitir que a crianca nasca despojada da graca, pois a graca é
gratuita; ademáis toda crianca é naturalmente solidaria com seus genitores;
recebe o que estes tém, e nao recebe o que estes nao possuem.

0 Concilio de Trento afirma que o pecado dos primeiros pais se


transmite por geracáo. Isto nao significa que o ato de gerar seja pecami
noso, mas, apenas, que é o veículo pelo qual se transmite a natureza huma
na destituida da graca e dos dons preternaturais.

Por conseguinte, o pecado original na crianca nao implica culpa da


crianca, mas resulta da solidariedade dos pequeninos com os seus antepas-
sados, especialmente com os primeiros pais. Consiste na ausencia da justica
original, que tem por conseqüéncia o desencadeamento das paixoes e co-
bicas desordenadas.

15
_16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

Vé-se, pois, que o tema do pecado original originante e originado nao


é assunto de livre discussSo na Igreja; ná*o está subordinado aos pareceres
de teólogos e pesquisado res, mas é objeto de definieres por parte dos ma
gisterio ordinario e extraordinario da Igreja.

A propósito veja PR 365/1992, pp. 450-455 (Catequeses do Papa


Joao Paulo II sobre o assunto).

* * *

Em suma, o livro de X. Thévenot, por mais que tencione esclarecer a


noca o de pecado, contribu i para tomá-la confusa, a tal ponto que se corro
bora no leitor a impressao errónea, já existente em muitos cristaos (como
nota o próprio autor), de que o pecado é coisa vaga, talvez mesmo rara.
Isto nao somente contradiz á doutrina da fé, mas também prejudica o pró
prio leitor, pois é inegável a existencia de males moráis em nossos días
(e outrora). É mais reto e sadio reconhecer os males ou os pecados e fazer
que a sociedade assuma a responsabilidade dos mesmos (na medida em
que isto Ihe toca) e procure coibi-los..., mais sadio do que atenuar
"simpáticamente" a realidade do pecado que pesa sobre o mundo de hoje,
empalidecendo assim as respectivas responsabilidades.

* * *

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16
Entrevista revolucionaria:

ABORTO NAO É PECADO?

Em sintese: A Irma Ivone Gebara propugna o aborto numa entrevista


a VEJA de 6/10/93. A sua posicao, aparentemente compassiva para com
as mulheres grávidas carentes, redunda em maiores males para a sociedade,
pois o aborto é violencia e homicidio. Ora nao se dá remedio a um mal
mediante outro mal. Em vez de pleitear a fegafizacao do aborto, deveriam
os pensadores e as autoridades civis planejar os meios de permitir que a
mulher, vítima de gravidez indese/ada, possa dar á luz sem sofrer os graves
traumas do aborto; urna vez gerada a enanca, seria entregue a familias ou
a instituicoes públicas que a educariam, aliviando a respectiva mSe. A lega-
lizacao do aborto abre brecha para que a muiherseja mais aínda vítima de
serios abusos, como atestam os jornalistas Michael Litchfield e Susan Ken-
tish em seu livro "Bebés para queimar. A industria do aborto na Inglater
ra". A Igreja Católica é contraria ao aborto nao por motivos culturáis e
contingentes, mas por fidelidade á lei de Deus, queproibe matar o ¡nocen
te; a Moral Católica está baseada nos difames de Deus, que fa/a nao somen-
te através do Evangelho, mas também mediante a lei natural, que é a mes-
ma para todos os homens e todos os tempos.

* * *

A revista VEJA de 6/10/1993, pp. 7-10 publicou urna entrevista da


Irma Ivone Gebara relativa ao aborto. Esta Religiosa, nascida em Sao
Paulo e residente em Recife (PE), fez declarares que contradizem fron-
talmente á Moral Católica: o aborto seria lícito e nao pecaminoso; a Igreja
deveria adaptarse ao mundo de hoje; os preceitos da Ética Católica seriam
ditados por pessoas que nao conhecem a problemática social de nossos
dias, etc. Tais afirmacoes merecem atencao, pois nao sao exatas e podem
iludir os leitores. Eis por que nos voltamos agora para o assunto.

1. ABORTO: LICITO OU PECAMINOSO?

O aborto é um homici'dio, pois em nossos dias, após os estudos do


Dr. Jéróme Lejeune, está comprovado que no concepto se acha toda a

17
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

programacao de um novo ser humano; basta alimentare proteger esse fru


to da uniao do espermatozoide com o óvulo para que se tenha uma crian-
ca; aínda que seja do tamanho de uma cabeca de alfinete, o concepto é
verdadeiro ser humano. A propósito vejam-se as declaracoes do Dr. Jéró-
me Lejeune em PR 305/1987, pp. 457-461.

Por conseguinte, essa nova criatura tem direito á vida, como o tem
qualquer pessoa inocente (ainda que seja deficiente físico ou mental).
Quem pleiteia o aborto, nao pode combater a pena de morte, sem cair em
incoeréncia; alias, é mais grave matar um inocente do que matar um cri
minoso.

Vé-se, pois, que a prática do abortamento é pecaminosa, pois fere a


lei de Deus: "Nao matar (Ex 20,12). Por esta razáo a Igreja se opoe ao
aborto. Alias, o preceito divino de nao matar está incutido na própría
consciéncia de todo homem; é um dita me da lei natural, lei natural que
nao somente o cristao é capaz de perceber, mas também todo e qualquer
ser humano. A lei natural é universal; é ela que, incutida pelo Criador no
íntimo do homem, preceitua: "Nao matar, Nao roubar, Nao mentir, Res-
peitar pai e mae...".

Vé-se também que a rejeicao do aborto nao depende de alguma cul


tura contingente ("fabricada ao longo dos séculos", como diz a Ir. Ivone
Gebara) ou da mentalidade de clérigos ou de alguma fase da historia da
Igreja; ela é anterior ao próprio Cristianismo. Observa-se mesmo que, vinte
séculos antes de Cristo, o mais antigo código de leis gerais que se conhece,
o Código Sumérico, condena o aborto. Quatro séculos antes de Cristo,
Hipócrates, o grego, conhecido como o pai da Medicina moderna, conde-
nou o aborto e a eutanasia1. Para repudiar a prática do aborto, nao é ne-
cessário apelar para principios religiosos.

Quanto á Biblia, ela professa a realidade da vida humanado feto no


seio materno. Assim, por exemplo, na época de Antíoco Epífanes (sécu-

1 "Há mais de vinte séculos, os médicos dos países civilizados adotaram o


juramento de Hipócrates. Ora Hipócrates tornou a Medicina uma profissao
honrada justamente por separar o 'matar' e o 'tirar a vida'do 'curar' e sal
var a vida'. O juramento de Hipócrates diz expressamente: 'Nao darei á
mufher pessário abortivo'. Da mesma forma a Declaracao da Associacao
Médica Mundial em Genebra: 'Hei de manter o mais absoluto respeito pe
la vida humana, a partir do momento de sua concepcao e, mesmo sob
ameaca, nSo farei uso dos meus conhecimentos médicos contrariamente
ésleisdahumanidade'" (Urbano Zules, Homem e Mulher no Caminhoda
Vida.p. 40).

18
ABORTO NAO É PECADO? 19

lo 11 a.C.) a mae dos heróis macabeus descreve a grandeza da vida contida


em seu ventre como dom de Deus (cf. 2Mc 7,20-23); Jeremías foi escolhi-
do por Deus antes de nascer, aínda no ventre materno (cf. Jr 1,5); Joao
Batista exultou no seio materno por ocasiao da visita de María, portadora
de seu Divino Filho (cf. Le 1,41). O Evangelho condena o morticinio dos
inocentes quando refere o diálogo entre o jovem rico e Jesús; Este apresen-
ta ao seu interlocutor o caminho para entrar na vida: "Nao matarás, nao
adulterarás, nao roubarás..." (Mt 19,18; cf. Ex 20,12-16; Dt 5,16-20). Pre
cisamente porque "prega a misericordia e a construcao do ser humano"
(como diz Ivone Gebara) é que o Evangelho rejeita o aborto. Nao somente
a má"e é ser humano; o filho também o é, de modo que qualquer proposta
de violencia ou morticinio fere o Evangelho e a construcao do homem.

Alias, Ivone Gebara reconhece textualmente:

"Outro día socorrí urna mulher que abortou e fiquei impressionada


ao ver o feto. É um bebezinho, é como se estivéssemos tirando a chance de
aqueta vida florescer. O aborto é violento. É sempreuma opcao traumática,
nunca um caminho de alegría. Mas é urna violencia que existe e como tal
deve ser legislado" (p.8).

Na verdade, um mal (a gravidez indesejada) nao se remedia com ou


tro mal (a violencia e o homicidio). O aborto só contribuí para aumentar a
cota de violencia existente em nossa sociedade. Em vez de oficializar e
"legalizar" a violencia e o morticinio, devem as autoridades civis pensar em
atender as gestantes, a fim de que nao sejam constrangidas ao aborto; este
traumatiza profundamente a mulher. Tendo dado á luz, a mae que nao
possa guardar seu filho, deveria poder contar com o auxilio da sociedade
e do Estado para que Ihe seja assegurada a subsistencia e a educacao. A
adocao de filhos por parte de casáis beneméritos é altamente louvável.

2. ADAPTAR A MORAL A VIDA CONTEMPORÁNEA

É freqüente dizer-se que a Igreja deveria "adaptar a Moral a vida e as


carencias dos homens" (Ivone Gebara).

Nao há dúvida, a Moral tem que levar em conta as circunstancias em


que se encontram os individuos, mas ela nao se define apenas mediante
circunstancias contingentes; ela traz em si elementos perenes, que sao pre
cisamente os da lei natural ou da leí de Deus. Está claro que as sucessivas
épocas da historia ajudam a explicitar e compreender melhora lei natural;
esta pode ser adaptada aos tempos em aspectos secundarios, nunca, po-
rém, em seus termos essenciais. É de notar que toda evolucao de um ser

19
20 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

vivo, para ser auténtica, deve olhar tanto para o presente e o futuro como
para o passado. Quem corta a continuidade com o passado, perde a sua
¡dentidade, transformase em outra coisa;é preciso sempre voltarasfontes
e ás raizes para guardar a própria autenticidade. Por isto a Moral Católica
nao pode ser definida apenas pelo contexto dessas diversas fases da histo
ria nem por plebiscito ou pelo voto da maioria, mas ela faz ressoar valores
perenes a ser encarnados na diversidade das molduras da hsitória.

Com outras palavras: retroceder ou recuar no tempo nem sempre é


condenável. Há mesmo um recuo obrigatório, que é o do retorno ás ori-
gens para revigorar a própria identidade.

3. E AS MULHERES POBRES?

Ivone Gebara trabalha em bairro pobre do Recife, onde tem contato


com muiheres pobres, que muito a ¡mpressionaram:

"Meu convivio comas muiheres pobres de Cámaragibe me levou a re-


fletir mais sobre esse assunto. As muiheres sao extremamente pobres, sao
vendedoras de bolo e lavadeiras. Elas nao tém ¡nformacoes para desenvol
ver sua vida sexual de forma saudável. Nao sabem como evitar filhos e,
mesmo que o soubessem, nao teriam condicoes financeiras para fazé-lo
porque nao dispoem de assisténcia. Essa situacao me levou a urna poslcao
pragmática de defesa do aborto" (p. 8).

Urna situacáo de pobreza sempre toca muito a quem a observa; susci


ta o desejo de atendimento pronto. 0 aborto, porém, nao é a solucao
adequada por motivos diversos: 1) é morticmio, é violencia, como dito, o
que agrava a situacSo geral da nossa sociedade; 2) nao toca na raiz funda
mental do problema, pois sugereque as muiheres pobres podem continuar
desinformadas e incultas, procurando os prazeres sensuais ou deixando-se
atrair por eles, na falta de melhor ocupacao do tempo.

A auténtica solucao consiste em

— de ¡mediato, promover a alimentacáo e a educacá*o dos filhos de


tais muiheres grávidas mediante obras sociais adequadas, a fim de que essas
criancas possam nascer e viver como é de direito;

— a medio prazo, oferecer educacao e instrucao á populacho carente


do Brasil, a fim de que tome consciéncia da dignidade humana e trace urna
escala de valores correspondente a essa conviccao. A educacao é o proble
ma n? 1 do Brasil; quem tem um pouco de escola, sabe valorizar a vida

20
ABORTO NAO É PECADO?

humana, cuida de sua saúde e adquire habilitado para um emprego mais


satisfatório. Como se compreende, porém, a educacao, por ser tao impor
tante e valiosa, exige mais esforco e dinheiro do que a prática do aborto.

Nao há Moral especial para a classe pobre como nao a há para a classe
rica. Tanto ricos como pobres estao sujeitos á ¡ei natural e ao respeito á
vida do inocente.

Verdade é que o abortamento se tomou meio de enriquecimento em


países nos quais foi legalizado. A compaixao dos legisladores para com as
mulheres grávidas descontentes tomou-se exploracáo grosseira da mu I he r
em geral. É o que relatam os jomalistas ingleses Michael Litchfield e Susan
Kentish em seu interessante livro "Babies for burning" (Bebés para quei-
mar), das Edícoes Paulinas 1977, livro que é apresentado ás pp. 26-39
deste fascículo.

4. DUALISMO GREGO E CRISTIANISMO

a) Em determinada passagem de sua entrevista, declara Ivone Gebara:

"A trad¡qao crista se constituí sobretudo a partir do século III de


nossa era, época marcada pelo dualismo grego. A tgreja apresentava o ho-
mem como um pecador em oposicao ao Deus bom, o corpo em oposicao
ao espirito. Explicava o mundo de urna forma dual: céu/inferno, bem/mal.
Essa especie de antropología dualista fez a Igre/'a considerar o homem me-
Ihor que a mulher. Automáticamente o sacerdocio é dado aos homens,
mas as mulheres tém de conquistá-lo. É um comportamento discriminato
rio, fruto de urna concepcao equivocada tanto do ser humano como de
Deus" (p. 10).

Ora a Tradicao crista comeca com Jesús Cristo e os Apostólos. Nos


tres primeiros séculos, os cristaos tiveram que enfrentar doutrinas dualistas
oriundas tanto da filosofía grega quanto do Gnosticismo. O dualismo con
sistía em afirmar que a materia, como tal, é má e o espirito, como tal, é
bom; haveria bondade e maldade na constituicao mesma dos seres. Ora os
doutores da Igreja sempre se opuseram ao dualismo; basta ler as obras de
S. Ireneu (Contra as Heresias), Tertuliano (Contra Marciao, Sobre a Res-
surreicao da Carne, Sobre a Carne de Cristo), Clemente de Alexandria
(Exortacao aos Gentíos), Hipólito (Philosophumena)... O dualismo nunca
foi cristao.

Todavía entre o dualismo e o monismo (= a reducao á unidade) exis


te a dualidade; esta distingue dois elementos um do outro, sem os opor

21
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

entre si. É o que ocorre entre o homem e a mulher; nao estao em dualis
mo, mas também nao em monismo, e, sim, em dualidade; distinguem-se
um do outro, sem antagonismo.

Ora a Igreja, que nao professa o dualismo, professa a dualidade. O


corpo e a alma sao distintos entre si, mas complementares um para o ou
tro. Este modo de ver é verídico e cristao. Nao há porque o censurar.

No plano moral ou ético, nao há dúvida de que estao em oposicao o


pecado e a virtude. O inferno é o estado de alma decorrente da impeni-
téncia final; o céu é o estado correspondente ao amor de Deus exercitado
até o último momento. A distincao e a oposicao entre o bem e o mal no
plano da Ética é imprescindi'vel, se nao se quer dizer que a honestidade e a
desonestidade sao equivalentes entre si.

b) O fato de que as mulheres nao sao ordenadas como os homens


presbi'teros, nada tem que ver com dualismo ou com discriminacao. Deve-
se, antes, á ¡nstituicao realizada por Jesús Cristo; este só chamou para a Úl
tima Ceia e a ordenacao ai' conferida seus Apostólos, nem mesmo sua Mae
Santíssima. A Igreja sempre observou o exemplo do Divino Mestre, confe-
rindo o sacramento da Ordem tao somente aos homens; até hoje ela guar
da fielmente esta praxe, embora isto a sujeite a mal-entendidos. De resto,
como ese revé o S. Padre Joao Paulo II em sua Carta sobre a Dignidade da
Mulher, o que faz a grandeza de urna pessoa nao sao as funcoes que ela
exerce, mas a sua virtude e a sua santidade (cf. nos 26-27). Alguém pode
ocupar elevados cargos, mas ser monstruoso no plano ético, ao passo que
urna pessoa virtuosa é sempre grande, quaisquer que sejam as suas atri-
buicoes.

c) O celibato e a virgindade (a vida una ou indivisa), abracados por


amor do Reino dos céus, sao inestimáveis valores, que Sao Paulo muito
recomenda em 1Cor 7,25-35. Significam a concentracao de toda a capa-
cidade de amar em torno de Jesús Cristo e da sua obra salvífica; aqueles e
aquelas a quem Deus concede tal carisma, nao de valorizá-los adequada-
mente, felizes por poder viver a sua vocacao; sejam para o mundo um si-
nal..., sinal de que os bens definitivos já entraram na historia da humanida-
de e podem satisfazer plenamente ás aspiracSes de quem os reconheca e
cultive. Conscientes disto, desde os prímeiros séculos, os presbíteros da
Igreja abracaram espontáneamente o celibato; o primeiro Concilio (regio
nal) que legislou sobre o assunto, foi o de Elvira (Espanha) no comeco do
sáculo IV. Até hoje a Igreja conserva a praxe do celibato sacerdotal, certa
de que contribuí para a maior disponibilidade dos ministros de Deus para
o seu servipo a Cristo e á Igreja.

77
ABORTO NAO É PECADO? 23

5. O AVANQO DO PENTECOSTALISMO

Ivone Gebara julga que este avanco "se deve, em parte, ao fato de
que o pentecostalismo tem apelos que respondem as necessidades da popu-
lacao cada vez mais carente. Promete as solucoes de curto prazo".

É inegável o crescimento das denominacoes pentecostais e de outras


que apregoam curas, milagres, revelacSes, fim do mundo ¡mínente... O
seu avanco, em grande parte, se deve a fatores emocionáis, pouco ou nada
racionáis ou lógicos; muitas pessoas, carentes de ajuda e desiludidas dos
meios convencionais (medicina, economía, política...), se voltam para solu
coes mágicas, "maravilhosas", que sao "¡mediatas", mas ilusorias, porque
baseadas em sugestionamento e afetividade momentánea. A religiao nao é,
em primeira instancia, uma terapia ou um meio de resolver problemas; é,
sim, o culto a Deus prestado de acordó com a mensagem revelada por
Deus; este culto ná"o pode deixar de beneficiar o ser humano, pois "conhe-
cer a Deus é viver, e servir a Deus é reinar" (Missal Romano); milagres e
curas podem ser obtidos pela oracao, mas nao sao o objetivo principal da
fé e da prática religiosas.

Nao poucas das pessoas que deixam o Catolicismo para procurar em


alguma nova corrente religiosa a resposta para as suas dificuldades, arre-
pendem-se de o ter feito, pois se sentem frustradas e vazias. A razáo e a ló
gica tém que orientar as emocoes; nao podem ser sufocadas pelo sentimen
talismo mais ou menso cegó, sem grave detrimento para o crente.

De resto, verifica-se que, por tras das solucoes ¡mediatas oferecidas


pelo protestantismo, há, nao raro, desonestidade e crime. É o que se de-
preende de uma reportagem do jornal O GLOBO de 10/10/93, pp. 14s,
que evidencia certa conivéncia de templos e pastores protestantes com o
narcotráfico:

Evangélicos e traficantes fazem pacto ñas favelas

Para garantir seu crescimento e a criacao de cinco templos por sema


na no Rio, as igrejas evangélicas adotaram uma tática de conivéncia com os
traficantes ñas favelas. Na chacina de Vigárío Geral, urna familia de eren-
tes foi moría porque escondía traficantes em casa; na Favela do Cornado,
em Acari, o bunker do tráfico ficava sobre um templo evangélico. A pre-
gacao contra as drogas é cautelosa. O pastor Odalírio Luís da Costa, que
atua em dez favelas, admite já ter alimentado traficantes. O presidente da
AssociacSo Evangélica Brasiieira, Caio Fábio, aconselha os pastores a evita-
rem qualquer confronto com o tráfico e a manterem distancia da policía,
"que é a quadrilha oficial".

23
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

Cresci mentó das igrejas protestantes em favelas criou


urna convivencia toreada entre tráfico e religiáo

Traficantes usam templos evangélicos como escudo

A morte de urna familia de crentes na chacina de Vigário Geral e a


destruicio a granadas da fachada de um templo na Favela do Cornado, em
Acari — onde, no andar de cima funcionava o bunker dos traficantes — co-
mecou a manchar de sangue a trajetória dos evangélicos ñas favelas do Rio.
Quem poderla supor que o dono do tráfico de urna favela da Zona Norte
esco/hesse a casa de urna familia de crentes para se esconder ou aínda que
em cima de um templo funcionasse um quartel-general do tráfico? Mesmo
parecendo insólita, a convivencia ñas favelas do Rio de um grupo que pre
ga contra o vicio e de outro que vive do vicio já se tornou urna rotina.

— Os traficantes querem a igre/'a na favela porque ela é a aparencia do


bem. A igreja significa que o bem está a/i e, com o bem na favela, a policía
se afasta. E eu quero o traficante pertinho de mim, sem ser con¡ven te —
discorre o pastor Odalirio Luis da Costa, que através de urna rede de radío
comunitaria atinge dez favelas da Zona Norte, onde estao presentes 25
templos evangélicos — e apenas urna ¡greja católica.

O crescimento da religiao evangélica — em tres anos foram fundados,


em media, um templo a cada día útil, sendo a maioría deles ñas comuni
dades mais pobres — e a máxima de, a qualquer custo, por em prática a
missao de evangelizacüo ("levar Cristo a todos, sem olhar a quem") criou
urna convivencia intima entre os dois grupos.

No andar de cima, drogas; no debaixo, oracoes

Abragada a Biblia, Josefa de Jesús Costa ouviu mais do que viu du


rante as quatro horas de tiroteio entre a policía e os traficantes da Favela
do Cornado, em Acari, há pouco mais de 15 dias. Os traficantes estavam
sobre o telhado de sua casa. Josefa, fiel da /greja Pentecostal Voz da Sal-
vacSo — que funciona exatamente ao fado de sua casa e também embaixo
do bunker dos traficantes —, foi ferida por esti/hacos de granadas. Seu ma
rido, Manoel Avelino Costa, foi ferido na perna. A Biblia foi manchada de
sangue e as paredes do seu quarto t§m as iniciáis da Delegada de Repres-
sSo a Entorpecentes (DRE), pichadas por policiais. Josefa e Manoel já esta
vam, no día seguinte, ajudando a preparar o templo para mais um culto.

— Nunca soube que em cima de meu telhado e da igreja estava escon


dido um grupo de traficantes — diz Josefa.

24
ABORTO NAO É PECADO? 25

A deputada Benedita da Silva alega que casos como esse, em que tra
ficantes ocupavam o predio de urna igreja evangélica, sSo excecoes:

— Mas essa historia vai servir de licao para os crentes.

* * *

Sao estas algumas ponderacoes que a entrevista de Ivone Gebara nos


sugere. A fé católica nao fecha os olhos á miseria da populacao brasileira;
muito ao contrario...; e precisamente por causa disto é avessa á oficializa-
cao da violencia e do morticinio em nossa sociedade.

APÉNDICE

Em certa Faculdade de Medicina, um professor propós aos seus alu


nos um caso a resolver. ■ Pedia-lhes que indicassem o conselho a dar a urna
senhora grávida do quinto filho ñas circunstancias abaixo:

O marido sofría de sífilis, e ela de tuberculose. Seu primeiro filho


nascera cegó; o segundo morrera; o terceiro nascera surdo; o quarto era tu
berculoso. Ela estava pensando seriamente em abortar o quinto filho. Que
caminho deveria ela tomar?

Com base nos dados apresentados, a maioria dos alunos opinou que
o aborto seria a melhor alternativa.

O professor entao respondeu aos estudantes:

"Se voces disseram sim é idéia do aborto, acabaram de matar o gran


de compositor Ludwig van Beethoven, que viveu 57 anos (1770-1827).
Quando tinha aproximadamente trinta anos, comecou a ficar surdo, e
morreu sem poder ouvir suas obras mafs amadurecidas, que sao de alto
valor musical (Nona Sinfonía, Missa Solene, os últimos Quartetos para
Cordas)".

Na verdade, o pai de L. van Beethoven era sifilítico, sua mae tubercu


losa, seu primeiro irmao cegó de nascenca, o terceiro surdo e o quarto
tuberculoso, sendo que o segundo morreu logo depois do nascimentó. Nao
obstante, L. van Beethoven foi considerado um menino-prodigio, que se
apresentava como pianista, e aos quatorze anos de idade era organista as-
sistente da Cápela do Eleitor de Bonn (Alemanha).

25
A experiencia de dois jornal istas:

'BEBÉS PARA QUEIMAR'

por M. Litchfield e S. Kentish

Em sin tese: Este artigo reproduz o conteúdo do livro "Bebés para


Queimar" fBabies for BurningJ dos jornalistas ingleses Michael Litchfield
e Susan Kentish. Estes, munidos de gravador e dissimulando-se como se
fossem casados ou namorados entre si, foram ter a diversas Clínicas e va
rios médicos, a fim de pedir aconselhamento, pois "suspeitavam estar Su
san grávida". Puderam entao perceber a trama existente a fim de orientar
os dientes de tais casas para a prática do aborto: embora Susan nao esti-
vesse grávida, o laudo resultante do exame de urina era geralmente "Grá
vida"... Mais: puderam os jornal¡stas averiguar que mais de um médico
vendía as enancas extraídas do seio materno a fábricas de sabonetes e cos
méticos, visto que a gordura natural é a mais recomendada para a confec-
cao de tais artigosl

Certas Clínicas da Inglaterra tinham entao agentes no estrangeiro,


que faziam a publicidade comercial de suas "vantagens": aborto em fim
de semana com todas as garantías e comodidades desejávei$\

Alias, também nos Estados Unidos da América e na Holanda Michael


e Susan averiguaram procedimentos seme/hantes aos da Inglaterra.

O livro é de grande valor, pois despena o público para urna realidade


que a imaginacSo e o bom senso difícilmente poderiam conceber. E ajuda a
refletir sobre os inconvenientes da legalizacSo do aborto no Brasil.

* * *

A prática do aborto, autorizada pelos govemantes das nacoes a título


de atendimento aos interesses das mulheres grávidas, pódese tomar urna
fonte de exploracao da mulher e do seu filho. é o que atestam dois joma-
listas ingleses, que relatam os resultados de suas pesquisas no livro "Bebés

26
"BEBÉS PARA QUEIMAR" 27

para Queimar. A Industria do Aborto na Inglaterra"1 (Edicoes Paulinas,


1977); verificaram que na Inglaterra existe "a industria do aborto" como
existe a da fabri cacao de sabonetes e cosméticos com a gordura das crian-
cinhas abortadas.

Já em PR 213/1977, pp. 377-390 fo¡ exposto o conteúdo de tal livro.


Reproduzimos este artigo, visto que oferece oportunos dados de reflexao
neste momento em que se propugna a legalizacao do aborto no Brasil.

1. A LEÍ DO ABORTO NA INGLATERRA .

Em 1967 o Parlamento inglés aprovou a lei do aborto, que permite


¡nterromper a gravidez nos quatro casos abaixo:

1) A continuacao da gravidez comportaría risco de vida para a muiher


grávida, risco maior do que se se Ínterrompesse a gravidez.

2) A continuacao da gravidez comportaría risco de prejudicar a saúde


física ou mental da muiher grávida, risco maior do que se se Ínterrompesse
a gravidez.

3) A continuado da gravidez comportaría risco de prejudicar a saúde


física ou mental dos filhos já existentes, risco maior do que se se Ínterrom
pesse a gravidez.

4) Existe um risco substancial de que a enanca nasca com anomalías


físicas ou mentáis que a tornaríam um excepcional.

Doís médicos devem decidir, de boa fé, se o aborto entra num dos ca
sos previstos. Dois médicos devem assinar o formulario de consentimento
do aborto, formulario oficial, de cor verde, subscrevendo que chegaram á
decisao em boa fé e indicando as razoes escolhidas para darem o seu con
sentimento.

A lei nao limita o prazo dentro do qual seja legítimo o aborto, de


modo que este pode ser legalmente praticado até mesmo no sétimo mes de
gestacSo (e aínda depois deste, como tém mostrado os fatos recenseados
pelo livro em foco).

1 Babies for Burning. The abortion business in Britain. Serpentme Press


Ltd., 21 Conduit Street, London 1974, by Michael Litchfield and Susan
Kentish.

27
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

Na primavera de 1974, urna comissao nomeada pelo Governo publi-


cou os resultados de pesquisa realizada sobre a aplicacao da leí do aborto,
... pesquisa que durou tres anos. Esses resultados, registrados no relatório
Lañe (assim chamado porque a comissao era presidida pela juíza Dra. La
ñe), simplesmente coonestaram a prática vigente, apesar dos abusos que,
aberta ou clandestinamente, se tém verificado no tocante á prática do
aborto.

Ora, sequiosos de investigar a realidade oculta (como, alias, é da boa


praxe jornalística), Michael Litchfield e Susan Kentish se dispuseram a
averiguar os fatos concernentes ao abortamento tanto em seu país natal
como em outras regioes. Foi dessa "curiosidade" jornal ística que resultou
o livro em foco, o qual apareceu na Inglaterra no fim de 1974.

2. OS AUTORES DO LIVRO

Michael Litchfield nasceu em 1940; é casado e tem um filho. Como


jornalista, trabalhou inicialmente no Daily Herald; depois, passou para a
direcao do Daily Mail e, mais tarde, como free lancer (jornalista autóno
mo), escreveu artigos para o Life Magazine dos Estados Unidos, para o
Daily Telegraph e para o News of the World.

Susan Kentish nasceu em 1947; é divorciada e nao tem filhos. Depois


de trabalhar em varios jomáis de provincia, passou a colaborar no Sun e
no News of the World.

Ambos, há alguns anos, trabalham como jomalistas free lancers, jor-


nalistas autónomos — o que significa que nao estao subordinados a orien-
tacao de algum periódico ou de empresa. Ambos professam a fé crista an-
glicana.

Comecaram a abordar o problema do aborto por ocasiSo de urna pes


quisa a respeito da adocao de filhos... Entao certas afirmacoes de um mé
dico Ihes pareceram estranhas... Puseram-se a investigar também a prática
do aborto. Munidos de gravador oculto dentro da pasta ou da bolsa res
pectiva, Michael e Susan foram ter a Clínicas e outras fontes de informa-
c5es, dialogando com médicos, enfermeiras e outros profissionais... a res
peito do aborto. Os resultados desse trabalho foram publicados primeira-
mente sob forma de artigos no semanario News of the World... Apesar da
pressSo exercida contra os autores, esses artigos foram reunidos no livro
"Babies for burning". Este provocou contestacao ou a acusacao de falso
testemunho... Na verdade, o proced¡mentó dos jomalistas pode ser consi
derado desonesto; todavia ninguém conseguiu demonstrar que transmiti-

28
"BEBÉS PARA QUEIMAR" 29

ram ¡nverdades; nem mesmo a pesquisa pormenorizada empreendida pelo


Sunday Times contra o trabalho de Michael e Susan pode desfazer a credi-
bilidade essencial e intrínseca do livro em questao.

É de notar que a jomalista Susan, antes de iniciar a sua pesquisa, quis


submeter-se a um teste de gravidez... Entao um ginecologista famoso de-
clarou, após minucioso exame, que "nao estava, nem alguma vez estivera,
grávida". Apesar disso, sempre que Susan se apresentou aos médicos que
trabalhavam no mercado do aborto, submetendo-se, por exemplo, a exa
mes de urina, teve o laudo "Grávida". "Todos os ginecologistas que con
sultamos em nossa pesquisa, estavam preparados para fazer um. aborto em
Susan, que nem sequer estava grávida! Bastava pagar em dinheiro, e adian-
tado'Mp. 12).

Passamos agora ao conteúdo dos principáis capítulos do livro.

3. TESTE DE GRAVIDEZ

No primeiro capítulo, Michael e Susan reproduzem os coloquios que


tiveram com as atendentes ou enfermeiras de casas especializadas para o
exame de gravidez em Londres.

A presentavam-se como namorados, noivos ou como cónjuges que sus-


peitavam gravidez em Susan e pediam um aconselhamento. Os exames en
tao realizados davam sempre o resultado "Grávida", de modo que o aborto
era insinuado pelas enfermeiras como algo a ser praticado sem demora:
bastava que os pretensos "país" da enanca mostrassem o desejo de ná*o ter
filhos (por razoes de comodismo, viagem de passeio ou outras) para que os
profissionais consultados Ihes assegurassem a legalidade do aborto; o caso
era enquadrado dentro de urna das quatro situacoes em que a leí permite o
aborto...

Em certa ocasiao, Michael e Susan foram ter ao consultorio do Dr.


Mook-Sang, médico que se interessava por praticar o aborto, porque!ven
día a país adotivos as enancas que ele extraía do se ¡o materno. Ejs 6 depoi-
mento dos repórteres: ' •- -

• "A legalizacao do aborto produziu na Inglaterra urna queda na oferta


de recém-nascidos para adocao. Médicos inescrupulosos, agirido como in
termediarios em leiloes de enancas, chegam até a ganhar mil libras oú mais
por crianca no mercado de adocao. :-•.:..

Médicos como Mook-Sang estao convencidos de quehoje em dia po-


dem ganhar mais dinheiro vendendo enancas do que abortando-as. É

29
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

urna questao de oferta e procura. Mas o Dr. Mook-Sang nao é tao exigente,
contanto que os seus negocios vio bem. A filosofía deste médico, suas
ideologías, sua visSo da vida, sao capazes de deixar estupefatos os mem-
bros mais progresistas e liberáis da sociedade.

... Mook-Sang fala com entusiasmo e paixao do 'pensamento progres-


sista de Hitler'. Fala da nova moralidade, que é simp/esmen te por a socie
dade de cabeca para baixo, chamando o moral de imoral e o imoral de
moral...

Há na Inglaterra uma corrente de médicos aborteiros — uma pequeña


Mafia médica - que compartilham a ideología superavangada e fascista de
Mook-Sang.

Sabe-se que muitos deles tém em suas folhas de pagamento alguns


funcionarios do Governo. A sua fina/idade, o seu empenho é nao deixar es
capar ninguém de suas garras. As jovens grávidas, amedrontadas, desespe
radas, safo a matéria-prima para a conquista da riqueza.

O aborto nao trouxe a libertacao para as mulheres. Possíbilitou, isto


sim, serem mais exploradas por homens como Mook-Sang. Para onde vai o
dínheíro conseguido com os abortos? Diretamente para os bolsos dos ho
mens. Quase todos os médicos que praticam o aborto sao homens. Todos
os intermediarios sá"o homens. Todos os que se enriquecen) com o aborto,
sao homens. Devemos tirar uma ligio desta 'coincidencia'...

Chegamos á clínica do Dr. Mook-Sang e /he dissemos claramente que


queríamos estudar a possibifidade de comprar uma enanca por seu inter
medio... 'Que tipo de crianca tém voces em mente?', perguntou. 'Exigem
que se/a inglés? Pode ser de qualquer país da Europa? Tenho atualmente
uma jovem que pode querer dar seu filho para ser adotado. É bonita, fran
cesa, e está separada do marido. Veio aquí para interromper a gravidez,
mas ¡á está muito adiantada e acho que nao vai conseguir. Conversamos
ontem sobre o assunto e /he disse que sería melhorque ela tivesse a crianca
e a desse para ser adotada. Trato também destes casos. Nao é muito fre-
qüente. Tenho uns tres ou quatro por ano'.

O Dr. Mook-Sang disse que a crianca nos custaría mil libras. Os seus
honorarios seríam duzentas libras e a mae faria uma operagao cesaríana.
Este foi um dos aspectos mais grosseiros da sua proposta. A moga teria de
submeter-se a uma operagSo cesaríana, mesmo que nSo fosse necessária,
para que nao sentísse a emogSo do parto e possivelmente nao se apegasse a
crianca. Seria uma especie de garantía para que nada saísse errado na ope
racao financeira" fpp. 4042).

30
"BEBÉS PARA QUEIMAR" 31

Realmente tais dizeres sao de uma significacáo ¡nacreditável; revelam


que a manipulado do ser humano é tranquilamente negociada e praticada
em vista de lucro financeiro; em última análise, o dínheiro e, conseqüente-
mente, o prestigio que este possa conferir, sa"o colocados muito ácima da
pessoa humana na escala dos valores dos profissionais em pauta.

Aparece no mesmo capítulo a figura da mae de aluguel ou da mae incu


badora. Esta recebe o feto fecundado no seio da mae verdadeira e o traz
em seu seio durante nove meses, após os quais o gera e devolve a quem Iho
confiou:

"O Dr. Mook-Sang nao estava satisfeito de nos impingir somente uma
críanga. Naturalmente ele viu que poderíamos ser fregueses de mais de
uma operagSo fínanceira, possivelmente de uma operagao por ano. Come-
gou a delinear um plano para uma especie de 'familia comprada' - real
mente o p/anejamento familiar mais extravagante que já vi.

Disse-nos entusiásticamente: 'Depois de conseguirem esta primeira


adogSo, devem pensar noutra daqui a um ano. Devem terpelo menos dois
filhos. O segundo podenamos já providenciar, encontrando a moga apro-
priada para conceber o filho do Sr. Litchfield. Leva tempo encontrar a
pessoa certa que queira carregar uma enanca durante nove meses, mas po-
de-se encontrar. É uma idéia digna de ser explorada, porque acho que é
melhor do que uma simples adocao.

Se quisermos conseguir uma moga respeitável, que trabalhe em escri


torio, em Londres, ela irá pedir mais ou menos dez mil libras, muito mais
do que uma call-girl. Qualqueruma se submete, dependendo do prego.

Pensó que uma call-girl se interessaria por cinco ou seis mil libras,
mas uma moga de respeito... feriamos de comprar também a sua morali-
dade. Por outro lado, se usamos a mulher como incubadora, pouco impor
tase é call-girl ou moca de bem' " (pp. 45s).

Muitos outros dados curiosos e importantes se poderiam colherdo pri-


meiro capítulo da obra de Litchfield e Kentish. Passemos, porém, ao ca
pítulo 2.

4. OS MÉDICOS

Os tópicos registrados neste capítulo apresentam a figura corrupta de


médicos que vivem da prática do aborto. Esta observacao nao depoe, em
absoluto, contra a dignidade e o valor moral dos médicos em geral, mas

31
32 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

p5e em evidencia — em vista do bem do público — a desonestidade inomi-


nável de certos profissionais da medicina; alias, é preciso reconhecer que
em toda e qualquer categoría de seres humanos, por mais idealistas que
sejam, há sempre os dignos e honestos (talvez a grande maioria) e os indig
nos (que, embora menos numerosos, podem contribuir para marcar negati
vamente a classe, no conceito dos observadores).

Eis, por exemplo, a carta que o Dr. Bloom escreveu a seu colega, o
Dr. Ashken, a fim de justificar aborto a ser praticado na paciente Susan
Kentish (que nao estava grávida e que se revelara tranquila em entrevista
anterior, como atesta a gravacao da entrevista transcrita no livro):

"A paciente, a mais nova de dois filhos, foi mimada e superprotegida


quando enanca. Seuspais trabalhavam num negocio de que eram proprietá-
ríos e pensó que, talvez em virtude disso, ela sentiu falta de carinho na
infancia.

Há síntomas de alguns disturbios precoces. Molhava a cama, e na ado


lescencia era tímida, insegura e solitaria. Controla as suas emocoes, mas
senté urna certa tensao íntima.

É também obsessiva, o que se revela no fato de ela fumar cinqüenta


cigarros por dia e ter manía de perfeigao em tudo o que faz. De fato, tem
sentímento de culpa, se nao consegue a perfeigao que deseja. Nao tem sen-
timentos maternais, é urna pessoa emociona/mente imatura e podería rea-
gir de maneira neurótica a urna gravidez que /he fosse foreada.

Seu marido era filho único, é urna personalidade passíva e neurótica


mente dominada por ela. Demonstra um estado de ansiedade reativa e
pensó que, em tais circunstancias, estaría de acordó em interromper a gra
videz" (pp. 90s).

Tal seria o retrato de Susan Kentish, feito a fim de persuadir o Dr.


Ashken de que deveria praticar nela o aborto. Comentam os repórteres:

"Esta carta é o comentario mais eloqüente que se podería fazer a tu


do isto. Basta ler a transcrígao da entrevista com o Dr. Bloom e estudar a
sua carta, para se dar conta ¡mediatamente da farsa.

A importancia da transcrícSo da entrevista com o Dr. Bloom estaño


fato, que nao deixa lugar á menor dúvída de que existe um negocio orga
nizado de aborto sob encomenda. Ninguém podería negar o fato de que as
respostas de Susan revelavam urna pessoa adulta, completamente normal e
equilibrada. Se ela. tinha motivos justos para fazer um aborto em conse-

32
"BEBÉS PARA QUEIMAR" 33

qüéncia dessa entrevista, entao nSo existe nenhuma mulher apta a ter um
fiiho. O Dr. Bloom simplesmente perguntou se queríamos ou nao um fi-
Iho. Dizer que nao queremos um fiiho e fazer um aborto baseado neste
motivo é um aborto sob encomenda. Os médicos devem estabelecer, inde-
pendentemente da vontade da mae, se é prejudicial ou nao para ela ter um
fiiho...

Pedimos, nao com muita insistencia, quase tácitamente, um aborto


para Susan, e este aborto foi assinado e selado sem a menor dificuldade.
Bastou urna pequeña quantidade de notas su/as de fibras. Nada mais..."
(p. 91).

Este texto pode deixar o leitor perplexo e interrogativo. Todavía o


livro prossegue...

Um dos capítulos mais impressionantes da obra em focoé o de n. 4,


que passamos a examinar.

5. BEBÉS PARA FÁBRICAS DE SABÁO

Em suas investigares a respeito do aborto na Inglaterra, os dois


jornalistas Litchfield e Kentish vieram a saber algo que jamáis haviam ima
ginado: existiam (e existem?) médicos que vendiam (vendem?) fetos para
fábricas de produtos químicos, a fim de servirem á confeccao de sabao e
cosméticos, visto que a gordura natural é a mais recomendável para tais
fins.

Eis o depoimento de um médico da Harley Street:

"Há um ginecologista aquí em Harley Street, bem pertinho, que...


o Sr. vai achar difícil de acreditar porque é revoltante..., que vende fetos
para urna fábrica de produtos químicos, e eles fazem sabao e cosméticos...
e pagam-lhe muito bem pelos bebés, porque a gordura animal vale ouro no
ramo deles..." (p. 150).

A este depoimento os repórteres fazem o seguinte comentario:

"Tínhamos chegado a um ponto em que acreditábamos que nada


mais nos poderia chocar na industria do aborto na Inglaterra. Estávamos
engañados. Todas as vezes que pensávamos que ¡á estávamos insensíveis a
náusea, por saturacao, acontecía-nos urna nova experiencia, mais repelen
te, que revirava novamente o nosso estómago e reacendia a vergonha que
nos acabrunhava de pertencer a urna sociedade que dera largas a tal degra-
dacao, a tal corrupcao.

33
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

O médico consentiu em dar-nos a identidade do ginecologista envolvi


do na venda de bebés para os fabricantes de sabio. É evidente que o tal gi
necologista nunca teña admitido abertamente suas atividades truculentas,
sub-humanas e subanimais. Entao combinamos conversar com ele como
urna firma concorrente e fazer urna contra-proposta para os fetos. E o
fizemos" (p. 150).

A fim de se assegurar da veracidade da noti'cia, Litchfield fez-se real


mente de representante de urna firma concorrente com aquela a quem o
Or. N.N. fo mecía os fetos extraídos e dispós-se a fazer a este urna propos
ta comercial mais vantajosa. Eis tópicos do diálogo que se travou entre
Litchfield e o médico em questao:

"O Dr. N.N., tendo mostrado urna carta a Litchfield, disse-lhe: 'Esta
carta é do Ministerio da Saúde', e fez urna expressao de aborrecimento.
'Aqui dizem e/es que devemos incinerar os fetos,... que nao devemos ven-
dé-los para coisa alguma... nem mesmo para pesquisa científica. Este é o
problema. Está vendo?'

'Mas o Sr. ¡á vende os seus fetos para urna fábrica de cosméticos...',


disse Litchfield.

'0 Sr. é que está dizendo... Nao estou dizendo que sim, nem estou
dizendo que nao... Veja, desejo colaborar, mas é difícil. Temos que
observar a lei.

As pessoas que moram ñas vizinhancas da minha clínica, tém-se quei-


xado do cheiro de carne humana queimada. O cheiro sai do incinerador.
Nao é propríamente um cheiro agradável. Dizem que cheira como um cam
po de exterminio nazista durante a última guerra. Nao sei como e/es po-
dem saber o cheiro de um campo de exterminio nazista, mas nao quero
discutir o fato. Portanto, estou sempre procurando maneira de me livrar
dos fetos sem precisar de queimá-los.

Veja, encaminá-los para a pesquisa científica nao é rendoso. Tratase


de ver se vale a pena... e desfazer-me deles sem violar a lei'.

'Entao como é que o Sr. faz com a firma do East End de Londres?'

'Bem, agora... o Sr. entende... gostaria de nao saber oficialmente do


que se passa... com os fetos. Quanto eu saiba, eles sao preparados para o
incinerador, e depois desaparecem. Nao sei o que fhes acontece. Desapare-
cem. O Sr. tem de arran/ar um furgao1, ou urna caminhonete, ou coisa se-
me/hante, que deve carregarpela porta dos fundos. Quanto a hora e outros

1 Carro coberto, para transporte de bagagens ou pequeña carga.

34
"BEBÉS PARA QUEIMAR" 35

pormenores, fixaremos depois. Tudo depende naturalmente de entrarmos


em acordó. Existe natura/mente o lado financeiro... nao é verdade? Qual é
a sua oferta?'

'Porquanto o Sr. está vendendo?'

'Veja, tenho alguns bebés muito grandes. É urna pena jogá-los no inci
nerador, quando se podía fazer um uso muito melhor deles. Fazemos mui-
tos abortos tardíos. Somos especialistas nisto. Fago aborto que os outros
médicos nunca fariam. Faco-os com sete meses, sem hesitar. A leí diz vinte
e oito semanas. É o limite legal. Porém, é impossível determinar a fase em
que foi feito o aborto quando a enanca é incinerada. Por isso nao importa
o período em que se faz o aborto. Se a mae está pronta para correr o risco,
eu estou pronto para fazer o aborto.

Muitos dos bebés que tiro, já estao totalmente formadose vivem aínda
um pouco, antes de serem eliminados. Urna manhahavia quatro deles, um
ao lado do outro, chorando como desesperados. Nao tive tempo de máta
los a/i na hora, porque tinha muito que fazer. Era urna pena jogá-los no
incinerador, porque e/es tinham muita gordura animal que podia ser
comercializada.

Naque/e ponto, se tivessem sido colocados numa incubadora, pode-


ríam sobreviver, mas na minha clínica eu nao possuo essa especie de facili
dades. O nosso negocio é por fim a vidas e nao ajudá-las a comegar.

Nao sou urna pessoa cruel. Sou realista. Se sou pago para fazer um
trabalho ese o trabalho é livrar urna mulher de um bebé, entao nSo estaría
desempenhando o meu papel se deixasse que o bebé vivesse, embora o
mantenha vivo cerca de meia-hora. Tenho alguns problemas com as enfer-
meiras. Muitas délas desmaiam no primeiro día. Temos sempre muita rota-
tividade em nosso pessoal. As alemas, muitas vezes, sao boas. Nao sao urna
raga de gente sentimental. As inglesas tém tendencia — mas nem sempre —
a serem sentimentais.

Hitler pode ter sido inimigo deste país, mas nem tudo a respeito de
sua política era mau. Ele tinha algumas idéias e filosofía muito progressis-
tas. A seletividade da vida sempre teve grande fascínio para certos elemen
tos do mundo médico. Sempre considere/' a possibilidade da reprodugao
seletiva e da eliminagao seletiva. Mas isto é outro assunto... Desculpe abor-
recé-lo com as minhas teorías. Acho que o Sr. me julga meio doido, neo é?
Se o sou, nSo sou único. Muitos ginecologistas, muitos mesmo, que fazem
aborto em Londres e em outras partes da Inglaterra, pensam da mesma
manet'ra que eu. Mas devemos ser homens de ciencia e nao homens de

35
36 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

emocao. Devemos ver através do nevoeiro do sentimentalismo. A vida hu


mana é urna coisa que pode ser controlada, condicionada e destruida co
mo qualquer máquina. O Sr. nao é químico, é?'

'Nao', respondeu Litchfield.

'É urna pena. Gostaria de falar com o seu químico. O Sr. diz que quer
os fetos para fazer sabonetes, cosméticos, mas e/es podem ser empregados
de maneira muito mais útil'.

'Quaf seria a outra utilidade?'

'Acho que nao vale a pena falar do assunto com alguém que nao é
químico. Mas há urna maneira muito especial..., muito proveitosa, muito
rendosa... e poderla beneficiar-nos, a nos dois'.

Litchfield prometeu: 'Direi a meu químico que venha falar com o


Sr.'

'Sim, por favor. Entao pederemos fazer urna especie de contrato. Se


rá provavelmente urna especie de contrato entre cavalheiros. Eu fiz assim
com a outra firma. Agora, nem urna palavra com ninguém, por favor. Te
mos que ser muito, muito discretos. Depois talaremos de dinheiro, e os lu
cros serao mutuos. Seremos amigos? Espero que sim'.

A única resposta apropriada ao que acabáramos de ouvir, era irmos


embora o mais depressa possível. Nao voltamos lá com o químico. Tínha-
mos informacoes suficientes sobre os subterfugios e a corrupcao desse
'homem'" (pp. 150-154).

Estas palavrasdispensam comentarios. Lembrama persistencia da filo


sofía de Adolf Hitler e dos arautos do racismo e do genoci'dio até nossos
dias. Mesmo sem campos de concentracao, em sociedade dita "liberal"
como a inglesa, se pratica o exterminio do ser humano para satisfazer á
ambicá"o de alguns poucos... ambicao que nao é propriamente política,
mas, sim, económica e lucrativa; o dinheiro é colocado ácima da pessoa
humana, na escala dos valores! É necessário que o público conheca essa
realidade tanto mais nociva quanto mais sorrateira ela é!

Passemos aínda a outros capítulos do livro em foco.

6. A AGONÍA DIARIA NA EUROPA E NA AMÉRICA DO NORTE

Nos capítulos 5 e 6 do seu livro, Litchfielde Kentish apontam ascon-


seqüéncias do aborto no psiquismo da mulher que o aceita, e mostram co
mo a triste realidade existente na Inglaterra é também a de outros países
da Europa e da América do Norte.

36
'BEBÉS PARA QUEIMAR" 37

Urna jovem inglesa, por exemplo, depois de ter sido submetida a c¡-
rurgia abortiva, quis chamar a atencao dos jornalistas para a ¡mprevidéncia
e a falta de preparo das mocas e senhoras que pedem o aborto. Deixam-se
levar pelo exemplo de outras ou pela propaganda feita pelos interessados,
e ignoram por completo as conseqüéncias traumatizantes que o aborto
causa ñas respectivas pacientes. Sao estas as palavras textuais de tal jovem,
chamada Yvonne, funcionaría de escritorio, com vinte e tres anos de ida-
de, a qual aos dezoito anos praticou aborto durante um namoro infeliz:
"As mocas nao sabem realmente o que fazem. É tudo tao fácil'. No
meu traba/ho, duas mocas comecaram a falar de ter enancas. Ambas sao
recém-casadas, tém muitas contas a pagar, usam a pílula, e nenhuma délas
planeja ter filhos durante muitos anos. Perguntei a urna délas o que faria
se por acaso ficasse grávida e e/a respondeu-me simplesmente que nao fica
ria. Entao a outra disse-lhe:' Mas suponhamos que aconteca; o que é que
vocé fará?' E/a respondeu: 'Faria aborto. Sei onde se faz'.
PergunteNhe se e/a sabia mesmo o que estava fazendo e se sabia das
reacoes emocionáis que se seguem a um aborto. Ela respondeu: 'Bobagem,
todas fazem abortos. Eu nem duvidol' Entao eu Ihe disse que o aborto era
urna coisa má, que era um assassinato, e ela respondeu: 'Os /ornáis estao
cheios de casos. Naturalmente nao é assassinato'.

O Sr. está vendo1. Nenhuma mulher que nao fez aborto, realmente
entende o que ele significa. A jovem que sai de um daqueles lugares, pode
pensar que nao é nada. Pode nada sentir ¡mediatamente ou nos dias que
se seguem; mas os efeitos aparecerao, mesmo anos mais .tarde. Éceto. Os
efeitos aparecerao: Nao se pode escapar do remorso e da conviccao de que
o aborto é um assassinato.

No meu caso, os efeitos e as conseqüéncias do aborto se fizeram sen


tir em ondas: a/gumas vezes me batíam levemente na consciéncia, outras
vezes quase me afogavam. É algo que nao dápara esquecer. O peso da cul
pa na consciéncia nao desaparece ¡amáis" (p. 163s).

Nos Estados Unidos da América, a praxe também é dolorosa e hedi


onda, á semelhanca do que ocorre na Inglaterra. Tal é, por exemplo, o de-
poimento do Dr. Malcolm R id ley, de Bostón (Massachusetts), que os re
pórteres Litchfield e Kentish contactaram na Inglaterra.
O Dr. Ridley tinha intermediarios que visitavam as senhoras ñas Clí
nicas das Maternidades. Faziam contrato com as gestantes, mediante o
qual estas se vendiam para sofrer aborto, em vez de terem o filho em vista
do qual haviam sido levadas para a Maternidade:

"As vezes os meus homens tinham de embriagar as mulheres. E/es le-


vavam urna garrafa de uísque consigo. Dávamos dinheiro á maior parte do

37
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

pessoai da Maternidade, para que os meus homens nao tivesse nenhum


problema com as enfermeiras.

A única coisa que procuravam obter, era urna assinatura no contrato.


Nao importava a maneira de conseguir esta assinatura. Assim que eles a
conseguían), avisavam-me. E eu fazia a operacao na mesma hora. Nao me
incomodava se nos pagavam na hora ou depois. Se nSo recebíamos o di-
nheiro adiantado, cobrávamos ¡uros, dependiendo do tempo que tmhamos
de esperar pelo dinheiro. Na América nao nos preocupamos muito com os
nossos devedores, sobretudo sao pessoas casadas que possuem ¡movéis. Te
mos cobradores muito eficientes. As pessoas nunca discutem com e/es...

Fiz aborto em mulheres que ¡á estavam realmente em trabalho de


parto. As contracoes ¡á tiriham comecado e faltavam apenas alguns minu-
para a enanca nascer naturalmente. O Sr. sabe que a lei americana estatuí
que o aborto pode ser feito até a hora do parto. Entreí em salas departo
e tirei enancas de mies enquanto seus maridos andavam de um lado para
outro, do lado de fora, nos corredores, preocupados em saberse a enanca
sería menino ou menina. Enquanto seguravam nervosamente um rama/he
te de flores e enxugavam o suor da testa, cansados pelo estado de excita-
gao emocional, nos estávamos iogando o seu filho no incinerador. Isto é o
resultado da mentalidade abortista. Nao se vé a enanca de outro modo:
ela nao passa de urna matéria-príma. Fica-se de tal modo condicionado que
a enanca se torna um objeto inanimado, um artigo que deve ser negociado,
como urna pedra preciosa. Quer-se e faz-se tudo para que nao escape.

Naturalmente, tmhamos muitas enfermeiras a nosso servigo, e, assim


que urna mulher entrava na Maternidade, comecava a propaganda. 'Vocé
sabe, querida, dá muita dor de cabega educar urna críanca, é um trabalho
tern'vel. É muito cansativo e nao é bom nem mesmo para a críanca...' A
mulher fica exposta a este tipo de assalto desde o momento em que entra,
e naturalmente este é o momento em que ela é mais vulnerável" (p. 176s).

Nao é necessário extrairmos mais textos do livro de Litchfield e


Kentish para se ter urna idéia do que seja a comercial ¡zacao do aborto na
Inglaterra e fora desta; os repórteres que investigaran) o fato, atestam ter
esta pesquisa implicado urna serie de surpresas que estavam longe de ima
ginar. É para desejar que a experiencia de outros pai'ses contribua para es
clarecer aqueles que propugnam a liberalizacao do aborto no Brasil. Esta
praxe se aproxima dos costumes do nacional-socialismo; vem a ser um tipo
de homici'dio totalmente injustificado, que é para desejar saibam os ho
mens reconhecer e reprimir oportunamente. É precisamente a reflexao so
bre tao doloroso tema que o livro de Michael e Susan contribuí para des
pertar e alimentar!
* * *

38
"BEBÉS PARA QUEIMAR" 39

EMDEFESADA VIDA

A divulgacao, em uma revista de larga difusao, de afirmacoes a respeito da posi-


cáo da Igreja em relacao ao aborto provocado requer uma palavra clara da presidencia
da CNBB. Com efeito, as afirmacoes publicadas e outras manifestacóes de grupos que
se dizem católicos, suscitaran! perplexidade em varios ambientes e estio criando a im-
pressao de que haja dúvida quanto ao direito do nascituro á vida.

O artigo, infelizmente, afirma que a máe tem o direito de interrompera grávida-


dez, que "o aborto nao é pecado" e alude ao fato de que a Igreja poderá, com o passar
do tempo, mudar sua doutrina sobre o aborto.

A este respeito é necessário proclamar, com firmeza, a doutrina da Igreja, em de-


fesa do direito á vida, desde o primeiro momento da concepcáo. Provocar o aborto eli
minando a vida inocente e indefesa no seio materno é grave diante de Deus e da pro-
pria consciéncia.

Quanto as disposicoes subjetivas de quem provoca ou aconselha o aborto, pode


haver situacoes de forte diminuicao de liberdade ou de inadvertencia á intrínseca mal-
dade do ato. Mas, em nenhum momento se justifica a aprovacao do aborto ou sua lega-
lizacao.

Outras afirmacoes no mesmo artigo, especialmente quanto á autoridade do Santo


Padre e á disciplina da Igreja sobre o celibato e a ordenacao sacerdotal, nao respondem
á doutrina da Igreja e sao apresentadas numa perspectiva deformada.

Recebemos informacdes de que o artigo foi elaborado sem revisao da autora e


até modificado o seu pensamento. Reconhecemos os méritos da irmf entrevistada, em
tantos anos de servíco dedicado á Igreja e com conf ¡anca, aguardando que possa ela re-
tificar a expressao de seu pensamento em sintonia e fidelidade á doutrina da Igreja. Pe
dimos a todos os fiéis que, com sua oracao e palavra esclarecedora, comuniquem, a
quantos puderem, a posicao da Igreja em defesa e promocao da vida do nascituro e re
pudio ao aborto provocado e sua aprovacao legal, em especial, neste momento em que
tramitam no congresso projetos de lei favoráveis ao aborto.

Procuremos, ao mesmo tempo, promover uma ordem social justa, garantindo


condicoes de saúde e trabalho para nono povo, com especial atencao á mulher empo
brecida.

Cabe a todos nos acolher e defender o dom sagrado da vida.

Brasilia, 14 de outubro de 1993.

A presidencia da CNBB
. Dom Luciano Mendes de Almeida
. Dom Seraf im Fernandes de Araújo
. Dom Antonio Celso Queiroz

39
Caso singular:

UM PADRE CATÓLICO NUM PAÍS PROIBIDO

O Butao é um reino da regiao centro-sul da Asia, nos montes Hima-


laia orientáis. Caracterizase, geográficamente, por elevacoes montanhosas
inacessíveis, cobertas de neves-perpétuas. Na porcao central, existem vales
férteis e úmidos, densamente povoados por 1.700.000 habitantes. Estes
sao de origem himalaio-tibetana, existindo também nepaleses e outros pe
queños grupos étnicos.

A historia desse pai's é obscura em suas origens. Porvolta do sáculo


IX, os tibetanos estabeleceram-se na regiao, de onde expulsaram os india
nos. No sáculo XVIII o país foi dominado pelos chineses; a partir de 1772,
os ingleses ocuparam a regiao, donde sairam em 1865. Em nossos días o
Butao é um Protetorado da India, encarregada das relacoes exteriores do
reino, cujo territorio também é reivindicado pela China (limítrofe). Ná*o
possui Constituicao e seu regime político é o de urna monarquía teocrá
tica budista.

Desde 1963, vive no Butao um jesuíta de origem canadense, o Pe.


William Mackey. Foi chamado para lá a fim de colaborar na criacao de um
sistema de educacao nacional. Atualmente, com80 anos de idade, é o pri
me ¡ro e o único estrangeiro que tenha recebido a cidadania butanense.
Apesar da sua idade, fica sendo o Inspetor-Chefe da Educacao. A revista
"Asia Focus" o entrevistou a respeito de suas ocupacoes, publicando as
declaracoes do padre em sua edicao de 12/03/93.

O texto desse depoimento é significativo, pois se trata de um caso


singular de presenca da Igreja num ambiente "proibido" ou num país
homogéneamente budista, fechado a qualquer outra crenca religiosa.

Eis o teor da entrevista.

1.0 DEPOIMENTO

Repórter: "Qual a missao do Sr. no Butao?"

William Mackey: "Neste reino proibido aos missionários e aos cris-


taos, minha missao consiste em testemunhar a fé católica sem a apregoar,

40
PADRE CATÓLICO NUM PAl'S PROIBIDO 41_

dar testemunho de Cristo por minha vida, sem fazer proselitismo, prestan
do servico no setor da educacao inglesa, que é a minha especialidade".
R.: "Por que o Sr. chama o Butao 'um reino proibido'?"

W.M.: "O budismo é a religiao de Estado do Butao e o Governo quer


preservar o budismo e a cultura budista. Por conseguinte, as autoridades
nao querem que outras religioes se introduzam na tradicao e na heranca
cultural do Butao. Por isto a pregacao e a propaganda do Cristianismo sao
proibidas no reino".

R.: "Existem ali escolas cristas?"

W.M.: "Nao, nao há escolas cristas ou católicas dirigidas por nos ou


por alguma Congregacao Religiosa. Todas as escolas pertencem ao Gover
no. No passado, os jesuítas foram convidados e ajudar na fundacao de ins-
tituicoes escolares e a assumir responsabilidades na qualidade de provedo-
res ou diretores. Assim é que sete sacerdotes jesuítas e dez Religiosas Ir
mas de Cluny, da Santa Cruz, das Filhas da Cruz trabalharam outrora em
escolas dirigidas pelos jesuítas.

Pora disto, alguns padres salesianos também contribuíram para criar


urna Escola Técnica perto da fronteira indiana em Phunt Salong. Os sale
sianos dirigiram essa instituicao durante algum tempo, mas todos parti-
ramem 1989".

R.: "Por que partiram?"

W.M.: "O Governo butanés quería que a direcao de todos os colegios


e escolas passasse para os Dukpa (butaneses) qualificados. Pediu-nos, por-
tanto, que trabaIhássemos sob a direcao destes. Nao podíamos aceitar tais
condicoes. O Governo também quería que cada um de nos trabalhasse nu-
ma escola diferente. Nos, missionários, costumamos morar em comunida-
de e trabalhar juntos. Portante, a proposta do Governo era inaceitável. Por
isto a maioria dentre nos voltou para a diocese de Darjeeling na India".

R.: "O Sr. ficou no Butao..."

W.M.: "Sim, optei por ficar no Butao porque sou cidadao butanés".

R.: "O Sr. tem urna igreja no Butao?"

W.M.: "Nao, nao há igreja no Butao. Minha residencia me serve de


igreja; é lá que eu rezo e celebro a Missa em dias de semana e no domingo".

R.: "Há pessoas que vao assistir á sua Missa?"

41
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

W.M.: "Uns trinta cristáos comparecem. A maioria é de membros


das diversas missoes diplomáticas. Há também dois Dupka casados com in
dianas católicas".

R.: "Como é que o Sr. cumpre a sua missao?"

W.M.: "Meu programa de evangelizar, entre outras coisas, incluí o ser-


vico de desenvolvimento da Educacao no pai's. Eu sirvo ao pai's ensinando
ao povo do Butáo os valores moráis e patrióticos e a ajuda mutua".

R.: "Onde o Sr. trabalhou antes de ir para o Butao?"

W.M.: "Em 1946 anexei-me á equipe jesuíta de Darjeelíng (India Ori


ental).

Trabalhei ali como Diretor de urna escola secundaria em Kurseong.


Fui mandado para o Butao em 1963".

R.: "O Sr. conseguiu algum resultado no setor da educacao?"

W.M.: "A taxa de alfabetizado estava perto de zero quando aqui che-
guei. Hoje é de 40'/. Fundei a primeira Escola Secundaria em Tashigaon;
a seguir, urna instituicáo universitaria conhecida pelo nome de 'Colegio
Shrubtse'. Mais recentemente, sob a minha direcao, o Butao abriu duas
Escolas Normáis, cinco instituicoes pré-universitárias, vinte e urna Escolas
Secundarias e duzentas Escolas Primarias".

R.:"Em que consiste o seu trabalho de Inspetor-Chefeda Educacao?"

W.M.: "Meu trabalho é estabelecer um sistema eficaz de educacao


escolar no Butao. Supervisiono as Escolas para adquirir a certeza de que
funcionam devidamente. Com esta finalidade visito as escolas de todo o
reino. Por conseguinte, viajo muito, ás vezes a pé, e freqüentemente
a cávalo".

R.: "Quais as suas relacoes com o rei Jigme Singye Wangchuck e os


funcionarios do Governo?"

W.M.: "Tenho excelente relacionamento com o rei, os membros da


familia real, os Ministros e os funcionarios do Governo. Está claro que a
cidadania a mim concedida fala por si mesma no tocante ás minhas rela-
c5es com o rei e o Govemo. Nenhum outro estrangeiro até hoje recebeu
a cidadania".

R.: "O Sr. se veste como um butanés; é por o peao pessoal ou por
obrigacao?"

42
PADRE CATÓLICO NUM PAÍS PROIBIDO 43

W.M.: "É obrigatório, para todos os cidadaos bu tañeses, trajar a veste


butanesa para ir ao trabalho. Por conseguinte, sendo cidadá*o, eu trajo a
veste butanesa. Isto me dá o sentimento de pertencer ao Butao; devo dizer
que gosto de trajar essa veste".

R.: "O Sr. fala butanés?"

W.M.: "Falo o butanés oriental e o nepali; portanto nao tenho pro


blema de comunicacao".

R.: "O Sr. senté gratidao da parte do Governo butanés?"

W.M.: "Sim. Sou considerado o melhor especialista da Educacao no


Butao, porque instalei o sistema de Educacao na base do modelo inglés.
Em maio de 1992, o Governo butanés me nomeou Inspetor-Chefe vitali
cio das Escolas e Conselheiro do Departamento de Educacao. Em 1973, S.
Majestade o rei me tinha honrado com a medalha de Druk Zhung Thuk-
sey, reconhecendo-me assim como um filho do Butao".

R.: "Quais sao os seus planos?"

W.M.: "Estou feliz por continuar a viver no Butao a fim de servir ao


pai's e ao povo. Mas o futuro está ñas maos de Deus".

II. COMENTANDO...

Já em PR 347/1991, pp. 166-176 foi registrada a existencia de um


padre ¡solado e único na Sibéria; esforcava-se por desenvolver intenso
trabalho pastoral num ambiente pouco cristao. Desta vez a noticia se refe
re a urna regiao distante ñas montanhas da India. O Pe. William Mackey
SJ. vive num clima fechado ao Catolicismo, dedicando-se á educacao com
o beneplácito do Governo local. É sempre urna presenca da Igreja e do
Evangelho, que dá testemunho silencioso, mas significativo, do que é o
Cristianismo. A evangelizacao nem sempre se faz por palavras, mas tam-
bém pela conduta de vida. Jesús predisse que seus discípulos seriam sal
na térra (cf. Mt 5,13),... urna pitada de sal portadora de seu sabor próprio,
capaz de se transmitir ao respectivo conjunto... Assim a presenca fiel e
marcante de um sacerdote ou de um leigo católico em ambiente hetero
géneo pode beneficiar esse ambiente pela irradiacSo de seu comportamen-
to... O que acontece na Sibéria, no ButSo... pode acontecer em outras
partes do mundo: a fidelidade e a coeréncia de urna conduta de vida edifi-
cam e constroem a sociedade, mesmo quando as palavras desfalecem...
Também no Brasil...!

43
SOMENTE A BIBLIA?

A alegacao dos irmaos protestantes de que seguem somente a Biblia,


pode tornar-se ilusoria e até pretexto para fazer precisamente o que a
Biblia proibe.

Assim, por exemplo, no INFORME JB do JORNAL DO BRASIL de


10/10/93, lé-se o seguinte:

Picareta divino

Nasser estava na sala do PP na Cámara quando Itsuo Takayama


anunciou so/enemente: "Vou lá (na sala do PSD) pegar os dólares".

Segundo re/ato de Nasser, Takayama nao se abafou diante dos argu


mentos de Á Ivaro Días para demové-lo de se vender ao PSD.

— Sou evangélico, li a Biblia e a/i nSo vi nada que me impedisse de


receber o dinheiro — disse o deputado.

Inventou a Teología da Corrupgao.

Se esta noticia merece crédito, observa-se que o irmao protestante


usou de sofisma, pois na verdade todo tipo de corrupcao é condenado pela
Biblia; confiram-se os textos de Rm 1,18-32; 1Cor 6,9s; Gl 5,19-21.

A Irma Ivone Gebara, por sua vez, ao defender o aborto, diz simples-
mente que "o Evangelho ná*o trata disso. O Evangelho é um conjunto de
historias que provoca a misericordia e ajuda na construcao do ser huma
no" (VEJA, 6/10/1993, p. 7).

Verdade é que a Ir. Ivone Gebara, sendo católica, segué a Palavra de


Deus, que vem pelos cañáis da Tradicao oral e da Tradicao escrita (Biblia).
Por conseguinte, nao pode basear seu modo de pensar apenas na letra do
Evangelho; ela deve saber que o aborto sempre foi tido como crime pela
TradicSo crista. Mesmo que quisesse seguir apenas o Evangelho, ela nSo

44
SOMENTE A BIBLIA... ? 45

poderia esquecer que em Mt 19,18 Jesús repete ao jovem rico os manda-


mentos do Decálogo, entre os quais o de Nao matar.

A Biblia, sendo um livro, carece da vivacidade da Palavra oral. Daí ser


ela sujeita ás interpretacoes mais variadas e subjetivas. É de crer que muí-
tos protestantes, julgando estar seguindo a Bíbiia, estao seguindo seu pró-
prio alvitre, abrillantado por citacoes bíblicas. Por isto, muito sabiamen
te o Senhor Jesús confiou a sua Igreja a missao de guardar e transmitir
auténticamente as Escrituras Sagradas; para tanto, assegurou ao magiste
rio da Igreja a sua assisténcia ¡nfalível, penhor de genui'na interpretacao
do texto sagrado; cf. Mt 16,16-19; Le 22,31s; Jo 21,15-17; Jo 14, 26;
16,13-15.

Estéváo Bettencourt O.S.B.

* * *

L1VROS EM ESTANTE

Curso de Teología Moral, por Ricardo Sada e Aifons Monroy. Tra-


ducao de José Coutinho de Bríto. — Edicao Reí dos Livros, Lisboa. Dis-
tribuicao através da Ed. Quadrante, Rúa Iperoig, 604, 05016-000 Sao
Paulo (SP), 170x240mm, 315 pp.

A Teología Moral é área difícil em nossos dias, pois se registra a ten


dencia a torná-la subjetiva. Os autores nSo costumam negar o significado
perene e universal das normas da Moralidade, mas admitem tantas exce-
qoes inspiradas por circunstancias subjetivas e contingentes que os tratados
de Moral se tornam ambiguos. Falta-lhes, nao raro, a clareza necessária pa
ra dizer Sim ou Nao a costumes que se alastram em nossa sociedade de
maneira sorra teira ou capciosa. Também se registra o uso de linguagem
obscura e difícil, que diz e nao diz ao mesmo tempo.

Tal nao é o caso do Manual de Sada e Monroy. Escrito em castelhano


no México, foi traduzido para o portugués em Portugal e está sendo dis
tribuido no Brasil. Presta étimo servico ás Escolas e aos Seminarios em
geral, como também se torna muito útil a todo cristao que deseje conhecer
os ditames da Moral Católica. A linguagem é simples e clara. Compreende
a Moral Fundamental com seus temas obrigatórios (ato humano, lei, cons-
ciéncia, pecado); após o qué, sSo estudados pormenorizadamente os
mandamentos do Decálogo e da Igreja. No fim de cada capítulo en-

45
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

contram-se perguntas para o exerci'cio dos estudantes. As sentencas sao


fiéis ao magisterio da Igre/a.

Na sua Introducao ao livro, os autores professam a intencao de publi


car (o que rea/mente fot feito) um Curso de Teología Sacramentaría e ou-
tro de Teología Dogmática, a fim de corresponder aos anseios de Pío XII,
que dizia muito sabiamente: "Todos os crístaos, mas especialmente os que
se dedicam ao estudo, deveriam ter, na medida do possivel, uma instrucao
religiosa profunda e estruturada. Seria, efetivamente, perigoso desenvolver
todos os outros conhecimentos, deixando anquilosado o patrimonio reli
gioso, ao nivel da primeira infancia. Tal conhecimento, fatalmente incom
pleto e superficial, seria sufocado e talvez destruido pela atual cultura
arreligiosa e pela experiencia da vida adulta, como mostram tantas crencas
condenadas ao naufragio pelas dúvidas que ficaram na sombra, pelos pro
blemas que ficaram por resolver. É necessário, pois... saboreara beleza do
dogma e a harmonía da Moral... Como seria maravilhoso que o Cristianis
mo se nos mostrasse em toda a sua beleza, em todo o esplendor'." (A.A.S.,
49-1957, pp.286s).

Para conhecer a Ética Crista, por Marciano Vidal. Traducao do es-


panhol por Isabel Fontes Leal Ferreira. - Ed. Paulinas, Sao Paulo, 130x
200mm, 566pp.

Marciano Vidal é conhecido professor da Universidade de Comillas


em Madri. Oferece ao público "um resumo completo da Teología Moral
Renovada", que compreende treze unidades: Moral Crista e seus conceitos
básicos (opcao fundamental, valores, normas, pecado...), matrimonio, se-
xualidade, familia, economía, política, confuto e violencia, ameaca de
guerra e busca da paz, opcao preferencia/ pelos pobres... Cada Unidade do
Uvro compreende quatro Módulos: Sin tese do tema. Para ampliar.... Para
aprofundar.... Para confrontar... Vé-se assim que o livro foiplanejado para
estudantes adíantados e pesquisadores. Nao é compendio de normas de
Moral, mas é uma obra que pretende abrir pistas... Isto torna o texto assaz
complexo e pouco claro; o vocabulario é muito técnico, as frases nem sem-
pre muito compreensiveis. Há questionamentos, alusoes genéricas, conclu-
soes um tanto vagas, que deixam o leitor insatísfeito, se ele procura saber
exatamente o que a Igreja ensina sobre tal ou tal ponto de Moral. Na ver-
dade, ao lado de possiveis aspectos a ser ulteriormente aprofundados á luz
do pensamento moderno, há, na Moral Católica, um corpo de doutrínas
firmes e intocáveis. Ora estas sao um tanto empalidecidas pelos muitos vai-
e-vem do autor. Se/a registrado, por exemplo, o fato de que Marciano Vi
dal nao enumera as condicoes para que ha/a pecado grave ou mortal (mate
ria grave, conhecimento de causa, vontade deliberada de cometer o ato);

46
LIVROSEM ESTANTE 47

cf. pp. 101-131. Outra /acuna é urna falta de referencia á moralidade dos
anticoncepcionais e dos meios de limitar a prole..., verpp. 333-355.

A obra nao é pars estudantes de Seminario ou para Escolas de Fé e


Catequese, embora pareca tersido concebida para esses objetivos. Ao "ma-
rinheiro de primeira viagem" é necessárío ministrar o que é certo, ofere-
cendo-lhe bases sólidas para a sua formacao; posteriormente se Ihe dará
materia para debater, confrontar, aprofundar.

Pertencendo ao Universo. Exploracoes ñas Fronteiras da Ciencia e da


Espiritualidade, por Fritjof Capra e David Steindl-Rast com Thomas Ma-
lus. Traducao de María de Lourdes Eichenberger e Newton Roberval Ei-
chemberg. - Editora Cultríx, Sao Paulo 1991, 193 pp., 160 x 230 mm.

Firt/of Capra é famoso dentista, que escreveu o livro O Tao da Físi


ca, no qual pretende relacionar a ciencia e a religiao oriental. Na presente
obra volta-se para a ciencia e a religiao ocidental, dialogando com os mon-
ges camaldulenses David Steindel-fíast (Ph. D. em Psicología, Viena) e
Thomas Ma/us, da comunidade de BigSur, California.

A intencao dos autores do diálogo merece respeito, mas a execucao


da tarefa é falha de ponta-a-ponta. E porqué? — Os tres dialogantes com-
partilham a concepcao holística, segundo a qual todas as coisas se reduzem
a um todo /hólon^ que de certo modo extingue as notas características e
particulares das partes integrantes. Daí o título do livro "Pertencendo ao
Universo". A obra considera as verdades da fé católica como aspectos e
expressoes de urna realidade divina, manifestada no íntimo do homem e
da historia. Daí dizer-se que o panteísmo (velado, mas reconhecível) está
sub/acente ao pensamento dos autores. Os dois monges camaldulenses tai-
vez contestem estejuízo; nao desejaríam traira sua fé católica, como pare
ce poder depreender-se de urna breve frase da pág. 130: "Nao deveríamos
nos regozijar por haver essa varíedade de perspectivas e de interpretacoes,
contanto que nao estejam em contradicao com a crenca central una?". Na
verdade, porém, os dois monges deixam-se absorver pela visSo holística,
que nao distingue Criador e criatura. O leitor o poderá averiguar sem difi-
culdade lendo com atencao as páginas do livro, das quais extraímos, á
guisa de amostra, os seguintes tópicos:

"DAVID: Seria possível entender a Eucaristía como urna celebracao


do nosso pertencer supremo e, como tal, ela tem de ser totalmente abran-
gente. Isso significaría naturalmente que cada um de nos é benvindo a
mesa, pois é a isso que se refere o pertencer. Entendida dessa maneira, a
Eucaristía seria a celebracao do nosso pertencer á única tradicao de Jesús

47 /
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 380/1994

Cristo; mas, em virtude de seu próprio simbolismo, explodiria essa tradi-


cao de modo a incluir todas as tradicoes. Seria urna celebracao do perten-
cer á totalidade da criacao como um todo, urna celebracáo do nosso per-
tencer supremo a Deus" (p. 131).

O conceito de Deus é explanado em varías partes do livro numa lin-


guagem complexa e obscura, ora como se se tratasse de Deus transcenden
te, ora como sendo Deus o próprio cosmos. Tenhamos em vista o seguinte
trecho devido a David:

"Todos nos vivenciamos, em nossos melhores momentos, em nossos


momentos mais cheios de vida, o fato de que pertencemos. A nocao de
nosso pertencer supremo implica aquilo ao qual, em última análise, perten
cemos. Mas aquilo ao qual pertencemos nao é, a essa altura, mais que urna
direcáo, e aqueles que usam corretamente o termo Deus, usam-no para in
dicar essa direcao. ... Procuramos o pertencer, e isso significa que estamos
todos explorando o território-Deus. Mas esse territorio é tao vasto que vo
cé pode continuar para sempre explorando urna parte dele e nunca se en
contrar com outros grupos que exploram outras partes. Há certas encruzi-
Ihadas onde vocé escolhe seguir por urna certa direcao. Depois, nao é pro-
vável que vocé alcance o territorio que está sendo explorado por outros...

Urna dessas encruzilhadas é a descoberta de que esse pertencer é mu


tuo. Se pertencemos a Deus, Deus pertence a nos" (pp. 102s).

Estas poucas notas sirvam para evidenciar que nao se pode aceitar o
livro de Frítjof Capra como auténtico ensaio de conciliacao da fé e da ci
encia. As verdades da fé, diz Sao Paulo, só podem ser corretamente
apreendidas por quem tem o Espirito de Deus (1Cor 2,13-15),... o Espi
rito de Deus, que nao é parte do cosmos (qualquer que se/a a fórmula de
panteísmo), mas que é o transcendental Criador do mundo e dohomem.
— \/oítaremos ao assunto oportunamente.

E.B.
* * *

REVISTA BÍBLICA BRASILEIRA

Obra do Pe. Caetano Minette de Tillesse, que publica artigos diversos


sobre temas bíblicos em nivel científico, assim com a recensao ou aprecia-
cao de numerosos livros e escritos de ordem bíblica publicados tanto no
x Brasil como no estrangeiro.
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\ Endereco: Caixa Postal 1577,60001-970 - Fortaleza (CE).

48
' EM COMUNHÁO V
Revista bimestral (5 números: margo a dezembro)
Editada pelo Mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro, desde 1976
(já publicados 101 números), destinase a Oblatos beneditinos e pessoas
interessadas em assuntos de espiritualidade bíblica e monástica. - Além de
artigos, contém traducoes e comentarios bíblicos e monásticos, e, ainda a
crónica do Mosteiro.
Para 1994, a assinatura ou renovacSo, ficará por CR$ 2.200,00.
Dirija-se ás Edicóes "LUMEN CHRÍSTI" (Caixa Postal 2666 -
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ESTRUTURA GERAL DA MISSA

ESTRUTURA GERAL
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Apresenta em seqüéncia todos


sr—
os momentos da celebracao da
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