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GILBERTO DUPAS
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É muito importante destacar que a análise da dinâmica da pobreza e da
concentração de renda globais só é possível de ser analisada atualmente a partir dos
processos econômicos e sociais que se passam contemporaneamente entre chineses e
indianos; as duas nações que os abrigam representam 37% da população mundial e são
decisivas para um entendimento preciso desses quadros. Os neoliberais insistem em
afirmar que, graças à liberalização econômica, pela primeira vez em mais de um século a
pobreza mundial e a desigualdade de renda teriam caído durante as duas últimas décadas,
provando a tese de que quanto mais abertas as economias, mais prósperos seus países.
Assim, os agentes econômicos, impulsionados pela OMC (Organização Mundial do
Comércio), estariam fazendo crescer a riqueza e distribuindo-a melhor. Para provar essa
tese eles tentam se apoiar no jogo complexo das estatísticas internacionais, marcadas por
alterações metodológicas e incompatibilidades de comparação. Quanto à desigualdade, a
questão é ainda mais complicada. Em primeiro lugar, os números disponíveis são sempre
sobre renda (fluxo) e não incluem a riqueza (estoque). As distorções aí são muito
agravadas, dado que a classe social com maior estoque de bens (ativos fixos ou recursos
monetários) tem a oportunidade de concentrar muito mais que proporcionalmente seu
patrimônio mediante utilização de instrumentos operacionais (serviços bancários
especiais, liberdade de circulação mundial dos recursos, hedges, etc.) que os mais pobres
não têm. Em regimes de turbulência cambial ou altas taxas de juros é justamente essa
categoria social que consegue efeitos expressivos de multiplicação patrimonial; ou, na pior
hipótese, de melhor proteção contra perdas relativas. Tais atores clamam por governança
global, mas nem sequer pensam em governabilidade.
Estudos do Banco Mundial defendem que quanto mais aberto o país ao comércio, e
mais globalizado, mais riqueza ele tende a gerar. Curioso que, agora, os exemplos citados
são a China e a Índia, a primeira tão avessa a medidas e recomendações neoliberais
clássicas. Mas o argumento do Banco Mundial sobre os efeitos benignos da globalização
no crescimento, na pobreza e na distribuição de renda não sobrevive a um exame mais
profundo. Ele foi questionado por um estudo recente de Robert Hunter Wade sobre a
relação entre abertura econômica e igualdade da renda. Este estudo demonstra que entre
os subconjuntos dos países com níveis baixos e médios de renda, os níveis mais elevados
de abertura de comércio são associados com mais desigualdade; e que só nos países de
renda mais elevada a abertura está ligada à igualdade. Ou seja, quanto mais alta for a renda
média do país, mais ele se beneficia com a globalização; e não o contrário.
Os números relativamente otimistas do Bird sobre a evolução da pobreza no
mundo precisam sempre ser lidos com extremo cuidado. Tentando justificar alguns dos
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fracassos resultantes da aplicação de suas políticas, as instituições internacionais fazem
manobras para provarem que a miséria diminuiu por conta dos processos de liberalização
por eles defendidos. Para padronizar um critério, em meio ao caos metodológico, criou-se
um novo padrão de pobreza: pessoas vivendo com menos de 1 dólar por dia são ditas
miseráveis e com menos de 2 dólares por dia são classificadas como pobres. As
conclusões do dogmático Banco Mundial são taxativas: a pobreza reduziu-se no mundo de
1987 a 2001, coincidentemente o período em que a abertura global fez-se regra. O número
de pobres caiu de 60% para 53% da população; quanto ao percentual de miseráveis,
reduziu-se de 28% para 21%. Para além da discussão sobre se essa redução é verdadeira,
os percentuais são por si só brutais e absolutamente incompatíveis com os padrões
civilizacionais e avanços tecnológicos disponíveis, especialmente quando encontramos
regiões imensas como o sul da Ásia e a África subsahariana com mais de 76% de pobres,
tendo essa última 47% de miseráveis. No entanto, examinando com o mínimo de cuidado
a versão otimista dos dados consolidados divulgados, encontramos um revelador
disparate: é o caso excepcional da China, responsável por 20% da população mundial.
Sem ela e sem a Índia, os números mostram tendências diferentes. Claro está que este país
passa por uma fase notável, crescendo a altas taxas há mais de dez anos; mas também é
óbvio que isso pouco tem a ver com a modelagem padrão sugerida pelo FMI e pelo Banco
Mundial. Muito pelo contrário. A China evita aderir a esquemas de governança que
possam limitar sua capacidade de governabilidade.
Na verdade, desde a Inglaterra do século XIV até os NICs (New Industrialized
Countries) asiáticos do fim do século XX, os países em saltos de desenvolvimento
utilizaram insistentemente políticas industrial, comercial e tecnológica ativas – muito além
da mera proteção tarifária – para promover o crescimento de suas atividades econômicas
públicas e privadas. Ha-Joon Chang, após fazer uma minuciosa análise das políticas e
resultados alcançados nas últimas décadas por países que “deram certo”, lembra que “o
problema comum enfrentado por todas as economias em catch-up é que a passagem para
atividades de maior valor agregado, que constitui a chave do processo de
desenvolvimento, não se dá espontaneamente”. A razão é que há discrepâncias entre o
retorno social e individual de investimentos nas atividades de alto valor agregado – ou
indústrias nascentes – nessa fase, tornam-se necessários mecanismos para socializar o
risco envolvido desses investimentos. Uma grande multiplicidade de instrumentos de
política pública foi e pode ser usada. Os países bem-sucedidos são, tipicamente, os que se
mostraram capazes de adaptar o foco de suas políticas às diferentes situações.
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É importante salientar que todos os atuais países centrais recorreram – e ainda
recorrem - ativamente a políticas industrial, comercial e tecnológica intervencionistas a
fim de promover as indústrias nascentes, muitos deles com mais vigor do que os atuais
países em desenvolvimento. Assim, o pacote de “boas políticas” atualmente recomendado
pelas instituições que exercem o papel de realizar uma governança global, enfatizando os
benefícios do livre-comércio e de outras políticas do laissez-faire, conflita com a
experiência histórica, como já vimos aqui. Os acordos da OMC – que restringem a
capacidade dos países em desenvolvimento de pôr em práticas políticas industriais ativas –
não passam de uma versão contemporânea e multilateral dos “tratados desiguais” que a
Inglaterra e outros países centrais costumavam impor aos países dependentes da época.
Seus dados mostram claramente o ínfimo crescimento econômico verificado nos países em
desenvolvimento, nas últimas duas décadas, justamente quando a maioria deles passou por
“reformas políticas” neoliberais que se mostraram incapazes de cumprir a sua grande
promessa de crescimento econômico. A desigualdade da renda aumentou e a prometida
aceleração do crescimento não se verificou, ao contrário do período entre 1960 e 1980, no
qual predominaram as políticas “ruins” e o crescimento desses países ocorreu. Assim, no
período mencionado, o PIB per capita de 116 países de seu universo cresceu num ritmo de
3,1% anuais, ao passo que, entre 1980 e 2000, a taxa de crescimento reduziu-se para
apenas 1,4% ao ano. Os países em desenvolvimento cresceram muito mais rapidamente no
período em que aplicaram políticas chamadas “ruins” do que nas duas décadas seguintes,
quando passaram a adotar as “boas” sugeridas pelas atuais instituições de governança
global. O mais interessante é que essas políticas “ruins” são basicamente as que os hoje
países ricos aplicaram quando estavam em desenvolvimento, o que é mais um argumento a
favor da idéia de que os países centrais estariam, ainda que não necessariamente de forma
intencional, impedindo a ascensão da periferia. De alguma forma a China, e de alguns
modos a Índia, são os melhores exemplos de que as teses de Chang fazem sentido. O
crescimento excepcional chinês tem certamente a ver com sua condição de entendimento
da lógica global e da maneira de tirar vantagem dela, mas quase sempre com políticas
heterodoxas; e certamente até aqui ficando distante das recomendações específicas do FMI
ou do BM.
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interesse do capital global pela Índia, tanto na condição de fornecedora de serviços quanto
na situação de receptora de investimentos e mercadorias.
Já no âmbito das relações políticas e de segurança internacionais, a situação é bem
mais complexa: os eventos ocorridos nos últimos anos são expressões das mudanças na
política externa indiana, a partir do final da Guerra Fria, mudanças estas que procuram
ampliar o poder regional e internacional do país a partir da nova configuração do cenário
mundial. A visão externa indiana divide o mundo em três círculos concêntricos, sendo que
o primeiro e de maior relevância compreende as regiões vizinhas onde se encontram seus
principais rivais – Paquistão e China – com os quais divide uma fronteira de mais de 5 mil
quilômetros; e o último deles abrange o litoral do oceano índico e outras regiões asiáticas;
compreendendo o terceiro círculo o cenário global. Seus principais interlocutores são as
potências mundiais e os países que, de alguma forma, podem ser úteis para garantir o
equilíbrio regional; assim, como o de atender sua enorme demanda de energia e de lidar
com o problema da assimilação dos 150 milhões de muçulmanos presentes em sua
população. Nesses últimos anos a Índia, que sempre manteve um equilíbrio instável com
seus vizinhos, vem sendo um competente negociador e obtendo avanços importantes na
região, estando num processo formal de paz com o Paquistão há mais de dois anos, além
de incentivar a integração econômica de toda a região por meio de tratados e projetos
conjuntos de infra-estrutura. Em 2005, a Índia recebeu a visita do primeiro-ministro
chinês, quando diversos acordos foram assinados, incluindo o encaminhamento das
disputas fronteiriças. Nessa ocasião, Weng Gin Bao afirmou que não iria se opor à
reivindicação indiana de um assento permanente no Conselho de Segurança e que estava
selando uma parceria estratégica entre os dois países.
Embora tal parceria não elimine a difícil tarefa da diplomacia indiana de
contrabalançar a excessiva influência chinesa nos países vizinhos, esta aproximação
inusitada com a China revela a situação privilegiada da Índia no cenário global: cônscia de
estar situada entre as duas regiões que os estrategistas norte-americanos mais se
preocupam – China e Oriente Médio - a Índia parece estar se aproveitando da emergência
da rivalidade entre a China e os Estados Unidos. Da China, ela procura congelar o apoio
ao Paquistão e aos países vizinhos, evitando um “cerco” ao país, na visão dos estrategistas
indianos. Dos Estados Unidos, ela vem obtendo grandes concessões mesmo após sua
efetiva nuclearização, muitas das quais procurando atenuar seu estreitamento de relações
com a China.
Em razão de não ser rica como o Japão nem agressiva como a China, a nação
indiana não é vista por parte da administração W. Bush como uma ameaça, mas sim como
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um elemento de contenção da China. É por este motivo que o país vem recebendo
tratamento especial dos norte-americanos. Além de remover muitas das sanções existentes,
Washington estreitou a cooperação nas áreas de alta tecnologia, vem apoiando o combate
ao terrorismo indiano, acabou com o apoio histórico ao Paquistão na questão sobre a
Cashemira e tem se posicionado claramente a favor de Nova Delhi na equação sino-
indiana.
Por fim, objetivando mover a Índia para uma posição mais alinhada com os EUA
numa eventual escalada das tensões daquele país com a China, a administração W. Bush –
argumentando que a Índia é um caso excepcional - tomou uma atitude polêmica de
flexibilizar os tratados de não proliferação nuclear de modo a facilitar ampla cooperação
com a Índia em energia nuclear. Espera, com isso, criar as bases para uma aliança efetiva
entre os dois países. Tal atitude, além de fragilizar a contenção das ações nucleares no Irã
e na Coréia do Norte, reforça os temores da China de que o grande objetivo estratégico
dos EUA é enfraquecer a sua futura posição de grande potência da região. Segundo a The
Economist, por exemplo, “aos EUA interessa evitar que a Ásia seja dominada por uma
única potência que tenha condições de excluir todas as outras”. Com relação à Europa, as
relações da Índia são relativamente limitadas principalmente em função da pequena
relevância da UE na política global recente; sua clara prioridade no momento é o
aprofundamento de alianças com os EUA.
Assim, a presente ordem global e o comportamento da Índia no cenário
internacional permitem chegar a algumas conclusões. A principal preocupação da Índia é
com a garantia do seu próprio processo de crescimento acelerado, a integração de seu
entorno imediato - região já bastante conflagrada e com elevada instabilidade política
interna - e a assimilação de sua população muçulmana. Nesse último caso, é importante
ressaltar que a Índia tem interesses coincidentes com os EUA no sentido de prevenir a
emergência do fundamentalismo islâmico. A par disso, segundo declarações de 2005 do
primeiro-ministro Manmohan Singh, é necessário criar as condições para a manutenção e
consolidação do novo padrão de desenvolvimento baseado na exportação de serviços que
passa necessariamente pela obtenção da segurança energética - aí compreendendo a
nuclear e o petróleo – além da liberalização da contratação de serviços no âmbito da
OMC. É preciso lembrar mais uma vez que, por diferentes razões, tanto a China quanto os
EUA e o Japão encaram a Índia como um potencial aliado estratégico, dada sua situação
geográfica, econômica e militar. Mas o passado colonial indiano ainda provoca
ressentimentos com relação aos estrangeiros, indicando que o país procurará manter uma
política de relativo não-alinhamento enquanto for possível, indicando como mas provável
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um movimento pendular entre EUA e China. Finalmente, a Europa não parece preencher
as condições para selar acordos estratégicos relevantes com a Índia, uma vez que os
interesses coincidentes são reduzidos.
Tudo leva a crer, pois, que a Índia passará a ser mais atuante na política asiática e
um ator de peso no cenário mundial, mantendo uma postura independente, embora mais
próxima da norte-americana do que da chinesa. Suas relações com os países da periferia,
inclusive com os da América Latina, serão meramente circunstanciais e oportunistas,
operando no esquema clássico de geometria variável, sendo um bom exemplo sua atuação
no G-20.
*
Como vemos, China e Índia são dois gigantes territoriais e populacionais que
encontraram lógicas de inserção na economia global aparentemente benévolas, garantindo-
lhes altas taxas de crescimento econômico graças às suas intensas vantagens comparativas
construídas sobre inteligente utilização de suas competências e circunstâncias. Ainda que a
China possa parecer destinada a vôos mais altos, se ambos mantiverem as rotas atuais – e
parece haver uma boa possibilidade que isso continue a ocorrer no curto e médio prazos -
esses países definirão uma nova realidade econômica e estratégica que os incluem como
importantes players globais e indispensáveis referências para as reflexões sobre a lógica
política e econômica deste primeiro quarto de século.
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BIBLIOGRAFIA BÁSICA
OLIVEIRA, Amaury & VILLARES, Fábio. “Índia e China como novos desafios à
governança global e ao multilateralismo”. Texto preparado para o European-Union –
Latin American Relations Observatory (OBREAL) da Comissão Européia. Disponível
em http://www.ieee.com.br.
WADE, Robert Hunter. “The disturbing rise in poverty and inequality: is it all a ‘big
lie’?”. In: HELD, David & KOENIG-ARCHIBUGI, Mathias (eds.). Taming
globalization: frontiers of governance. Cambridge: Polity Press, 2003.
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ANEXOS
Quadro 1
28,0%
% do PIB mundial
16,0%
Japão
11,7%
10,0%
2000
2008
2011
2012
2014
2015
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2009
2010
2013
2016
Fonte: USDA Baseline Projections.
Quadro 2
7,0% 6,9%
China
5,0%
do PIB mundial
3,0%
Índia
2,3%
1,0%
2004
2005
2011
2012
2013
2000
2001
2002
2003
2006
2007
2008
2009
2010
2014
2015
2016
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Quadro 3
IMPACTOS DE CHINA E ÍNDIA NO PIB GLOBAL
Brasil 8.730
9.470
México 10.209
China 6.572
5.029
Índia 3.486
Diferença entre as médias
4.441
Brasil-México e China-Índia
Quadro 4
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