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CHINA E ÍNDIA AFETANDO AS NOVAS REALIDADES GLOBAIS

GILBERTO DUPAS

China e Índia representam novos fatores que introduzem uma dinâmica


diferenciada na economia mundial neste início de século XXI. Concentrando 37% da
população mundial e tendo mantido taxas de crescimento estáveis e muito acima da média
global, esses dois imensos países alteram o equilíbrio estratégico das lógicas globais. Os
quadros 1 e 2 ilustram o quanto China e Índia têm tomado espaço na economia mundial
nos últimos anos. Apenas para se ter uma idéia do impacto potencial que ainda pode ser
ocasionado por ambos os países se o PIB per capita médio dessas duas nações – medido
pelo PPP (purchase power parity) – puder atingir valores apenas semelhantes à média dos
de Brasil e México, países considerados ainda pobres, seria necessário que fosse gerado
por ambos um PIB adicional de 11 trilhões, próximo ao PIB atual dos EUA (vide quadro
3). Quando se trata de lidar com o potencial do mercado interno ou o “padrão de vida” das
populações é fundamental utilizar o conceito do PIB medido em PPP. Ele relativiza o
poder de compra dos indivíduos a partir das diferenças expressivas nos preços relativos,
de modo a poder estimar paridades entre diferentes países. Por exemplo, se dois
indivíduos moram em uma habitação de três cômodos e metragem semelhante, um deles
nos arredores de Bombain (Índia) e o outro em Manhattan (Estados Unidos), supõe-se que
– em termos relativos – eles tenham o mesmo “conforto”. No entanto, o primeiro gasta
cinco vezes menos em dólares que o segundo; e isso é levado em conta no cálculo do PPP.
É o que explica por que o PIB per capita da Índia é de 718 dólares e, medido em PPP,
chega a 3.486 dólares; em suma, justifica por que a população indiana sobrevive com
renda tão baixa. O conceito do PPP permite uma comparação entre países que leve em
consideração o poder de compra médio relativo das respectivas populações e dá ao PIB
assim medido uma dimensão mais realista vista sob a ótica da capacidade de demanda. Ao
compararmos o tamanho dos PIBs dos grandes países mundiais por esse critério, notamos
significativas diferenças em relação ao PIB medido em dólar. Elas são particularmente
expressivas no caso da China, da Índia, do Brasil e da Rússia. China e Índia passam a ser,
respectivamente, a 2ª e a 4ª maiores economias mundiais vindas da 4ª e da 12ª posições. O
Brasil e a Rússia saltam, respectivamente, da 10ª e 14ª para a 9ª e 10ª posições. Por este
critério, Índia e China somadas já têm praticamente o mesmo peso dos Estados Unidos
(vide quadro 4).

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É muito importante destacar que a análise da dinâmica da pobreza e da
concentração de renda globais só é possível de ser analisada atualmente a partir dos
processos econômicos e sociais que se passam contemporaneamente entre chineses e
indianos; as duas nações que os abrigam representam 37% da população mundial e são
decisivas para um entendimento preciso desses quadros. Os neoliberais insistem em
afirmar que, graças à liberalização econômica, pela primeira vez em mais de um século a
pobreza mundial e a desigualdade de renda teriam caído durante as duas últimas décadas,
provando a tese de que quanto mais abertas as economias, mais prósperos seus países.
Assim, os agentes econômicos, impulsionados pela OMC (Organização Mundial do
Comércio), estariam fazendo crescer a riqueza e distribuindo-a melhor. Para provar essa
tese eles tentam se apoiar no jogo complexo das estatísticas internacionais, marcadas por
alterações metodológicas e incompatibilidades de comparação. Quanto à desigualdade, a
questão é ainda mais complicada. Em primeiro lugar, os números disponíveis são sempre
sobre renda (fluxo) e não incluem a riqueza (estoque). As distorções aí são muito
agravadas, dado que a classe social com maior estoque de bens (ativos fixos ou recursos
monetários) tem a oportunidade de concentrar muito mais que proporcionalmente seu
patrimônio mediante utilização de instrumentos operacionais (serviços bancários
especiais, liberdade de circulação mundial dos recursos, hedges, etc.) que os mais pobres
não têm. Em regimes de turbulência cambial ou altas taxas de juros é justamente essa
categoria social que consegue efeitos expressivos de multiplicação patrimonial; ou, na pior
hipótese, de melhor proteção contra perdas relativas. Tais atores clamam por governança
global, mas nem sequer pensam em governabilidade.
Estudos do Banco Mundial defendem que quanto mais aberto o país ao comércio, e
mais globalizado, mais riqueza ele tende a gerar. Curioso que, agora, os exemplos citados
são a China e a Índia, a primeira tão avessa a medidas e recomendações neoliberais
clássicas. Mas o argumento do Banco Mundial sobre os efeitos benignos da globalização
no crescimento, na pobreza e na distribuição de renda não sobrevive a um exame mais
profundo. Ele foi questionado por um estudo recente de Robert Hunter Wade sobre a
relação entre abertura econômica e igualdade da renda. Este estudo demonstra que entre
os subconjuntos dos países com níveis baixos e médios de renda, os níveis mais elevados
de abertura de comércio são associados com mais desigualdade; e que só nos países de
renda mais elevada a abertura está ligada à igualdade. Ou seja, quanto mais alta for a renda
média do país, mais ele se beneficia com a globalização; e não o contrário.
Os números relativamente otimistas do Bird sobre a evolução da pobreza no
mundo precisam sempre ser lidos com extremo cuidado. Tentando justificar alguns dos
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fracassos resultantes da aplicação de suas políticas, as instituições internacionais fazem
manobras para provarem que a miséria diminuiu por conta dos processos de liberalização
por eles defendidos. Para padronizar um critério, em meio ao caos metodológico, criou-se
um novo padrão de pobreza: pessoas vivendo com menos de 1 dólar por dia são ditas
miseráveis e com menos de 2 dólares por dia são classificadas como pobres. As
conclusões do dogmático Banco Mundial são taxativas: a pobreza reduziu-se no mundo de
1987 a 2001, coincidentemente o período em que a abertura global fez-se regra. O número
de pobres caiu de 60% para 53% da população; quanto ao percentual de miseráveis,
reduziu-se de 28% para 21%. Para além da discussão sobre se essa redução é verdadeira,
os percentuais são por si só brutais e absolutamente incompatíveis com os padrões
civilizacionais e avanços tecnológicos disponíveis, especialmente quando encontramos
regiões imensas como o sul da Ásia e a África subsahariana com mais de 76% de pobres,
tendo essa última 47% de miseráveis. No entanto, examinando com o mínimo de cuidado
a versão otimista dos dados consolidados divulgados, encontramos um revelador
disparate: é o caso excepcional da China, responsável por 20% da população mundial.
Sem ela e sem a Índia, os números mostram tendências diferentes. Claro está que este país
passa por uma fase notável, crescendo a altas taxas há mais de dez anos; mas também é
óbvio que isso pouco tem a ver com a modelagem padrão sugerida pelo FMI e pelo Banco
Mundial. Muito pelo contrário. A China evita aderir a esquemas de governança que
possam limitar sua capacidade de governabilidade.
Na verdade, desde a Inglaterra do século XIV até os NICs (New Industrialized
Countries) asiáticos do fim do século XX, os países em saltos de desenvolvimento
utilizaram insistentemente políticas industrial, comercial e tecnológica ativas – muito além
da mera proteção tarifária – para promover o crescimento de suas atividades econômicas
públicas e privadas. Ha-Joon Chang, após fazer uma minuciosa análise das políticas e
resultados alcançados nas últimas décadas por países que “deram certo”, lembra que “o
problema comum enfrentado por todas as economias em catch-up é que a passagem para
atividades de maior valor agregado, que constitui a chave do processo de
desenvolvimento, não se dá espontaneamente”. A razão é que há discrepâncias entre o
retorno social e individual de investimentos nas atividades de alto valor agregado – ou
indústrias nascentes – nessa fase, tornam-se necessários mecanismos para socializar o
risco envolvido desses investimentos. Uma grande multiplicidade de instrumentos de
política pública foi e pode ser usada. Os países bem-sucedidos são, tipicamente, os que se
mostraram capazes de adaptar o foco de suas políticas às diferentes situações.

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É importante salientar que todos os atuais países centrais recorreram – e ainda
recorrem - ativamente a políticas industrial, comercial e tecnológica intervencionistas a
fim de promover as indústrias nascentes, muitos deles com mais vigor do que os atuais
países em desenvolvimento. Assim, o pacote de “boas políticas” atualmente recomendado
pelas instituições que exercem o papel de realizar uma governança global, enfatizando os
benefícios do livre-comércio e de outras políticas do laissez-faire, conflita com a
experiência histórica, como já vimos aqui. Os acordos da OMC – que restringem a
capacidade dos países em desenvolvimento de pôr em práticas políticas industriais ativas –
não passam de uma versão contemporânea e multilateral dos “tratados desiguais” que a
Inglaterra e outros países centrais costumavam impor aos países dependentes da época.
Seus dados mostram claramente o ínfimo crescimento econômico verificado nos países em
desenvolvimento, nas últimas duas décadas, justamente quando a maioria deles passou por
“reformas políticas” neoliberais que se mostraram incapazes de cumprir a sua grande
promessa de crescimento econômico. A desigualdade da renda aumentou e a prometida
aceleração do crescimento não se verificou, ao contrário do período entre 1960 e 1980, no
qual predominaram as políticas “ruins” e o crescimento desses países ocorreu. Assim, no
período mencionado, o PIB per capita de 116 países de seu universo cresceu num ritmo de
3,1% anuais, ao passo que, entre 1980 e 2000, a taxa de crescimento reduziu-se para
apenas 1,4% ao ano. Os países em desenvolvimento cresceram muito mais rapidamente no
período em que aplicaram políticas chamadas “ruins” do que nas duas décadas seguintes,
quando passaram a adotar as “boas” sugeridas pelas atuais instituições de governança
global. O mais interessante é que essas políticas “ruins” são basicamente as que os hoje
países ricos aplicaram quando estavam em desenvolvimento, o que é mais um argumento a
favor da idéia de que os países centrais estariam, ainda que não necessariamente de forma
intencional, impedindo a ascensão da periferia. De alguma forma a China, e de alguns
modos a Índia, são os melhores exemplos de que as teses de Chang fazem sentido. O
crescimento excepcional chinês tem certamente a ver com sua condição de entendimento
da lógica global e da maneira de tirar vantagem dela, mas quase sempre com políticas
heterodoxas; e certamente até aqui ficando distante das recomendações específicas do FMI
ou do BM.

Os grandes paradoxos chineses


A China é o grande fenômeno contemporâneo da economia global. Um país de
altíssimas taxas de crescimento, um motor da economia mundial que com ela se articula
intensamente. Esse país é de longe o maior beneficiário da globalização. Em 1978, o seu
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comércio externo era de apenas US$ 21 bi; passou para US$ 1.155 bi em 2004. Seu PIB
igualou o da França e do Reino Unido e está se aproximando da Alemanha, mantendo uma
taxa de expansão muitas vezes maior que o de ambos. Com sua mão-de-obra
insuperavelmente barata e bem qualificada, a China transformou-se no grande produtor
mundial de bens de consumo durável para as corporações mundiais; isso lhe gera um
superávit de US$ 200 bi anuais com os EUA, que ela aplica em grande parte em títulos do
próprio Tesouro americano. A demanda chinesa por matérias-primas, para sustentar seu
crescimento de quase 10% ao ano, tem mantido em forte ascensão o preço internacional de
commodities nos últimos 4 anos. É um país com alta tecnologia, com um regime
comunista unipartidário, uma superpotência emergente, mas um frágil gigante e um
dragão equilibrista que caminha sobre despenhadeiros.
Detém 75% da produção mundial de brinquedos, 58% do vestuário e cerca de 29%
de todos os telefones celulares. Recebe investimentos estrangeiros de 60 a 70 bilhões de
dólares anuais. Seu mercado interno absorveu rapidamente 330 milhões de telefones
celulares, 22 milhões de PCs e a utilização da Internet subiu de 620.000 usuários em 1997
para 94 milhões em 2004. É o mercado para alta tecnologia de mais rápido crescimento
em todo o mundo. Em poucos anos o idioma mais utilizado na Internet talvez seja o
chinês. Há possibilidades de que o país venha a desenvolver suas próprias normas de
controle da world wide web em concorrência direta com os EUA. Um sinal das marcas
globais chinesas na alta tecnologia foi a compra da divisão de PCs da IBM. Em 2008 a
China substituirá a Alemanha como campeã mundial de exportações. No entanto, as
empresas estrangeiras só cobrem 13% do mercado interno chinês. Em 2006 a China será o
terceiro maior produtor mundial de automóveis, irá ultrapassar a Alemanha e certamente
estabelecerá uma larga base de produção global. O fato de o Banco Mundial e o FMI, a
partir de 1991, fazerem suas medições baseados na paridade do poder de compra,
praticamente triplicou o valor do PIB chinês.
Em síntese, a China tem assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, é
potência nuclear desde 1964 e ingressou no círculo das potências espaciais. Seu orçamento
militar cresce a taxas de dois dígitos e ela lidera uma crescente zona de influência regional
no sudeste asiático e na Ásia central, além de ser a segunda maior reserva de divisas do
mundo e o receptor do maior volume de investimentos estrangeiros diretos.
Mas, ao lado desse espetacular desempenho, há imensos problemas. A imensa
reserva de mão-de-obra rural chinesa, disposta a trabalhar a preços irrisórios, foi uma das
condições essenciais para o atual modelo de crescimento do país. A enorme demanda
urbana de mão-de-obra nos parques industriais, na construção civil e nos serviços tenta
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abrigar um fluxo anual de 10 milhões de pessoas que migram a cada ano do campo para as
cidades, buscando escapar da pobreza e acessar novas oportunidades; elas se entrosam
com as populações suburbanas, dando origem a núcleos periféricos que - além de
“cidades-dormitório” - também se instalam como produtores de hortaliças, carnes e roupas
para a população das cidades. Porém, uma das conseqüências desse processo é a
fragilização dos laços entre o cidadão e seu município, rompendo um elo da cadeia que lhe
permitia receber os benefícios sociais do Estado. Com isso, já existe um exército de cerca
de 80 milhões de chineses miseráveis – que tende a aumentar - dispostos a trabalhar pelo
país afora como semi-escravos em tarefas informais de baixíssima remuneração. Essa
realidade tem graves efeitos por ser inédita em uma nação que, à época do regime
comunista, tinha uma pobreza horizontal intensa; mas a cada cidadão o regime garantia
uma vestimenta, duas tigelas de arroz diárias, educação e saúde básicas.
O frágil equilíbrio desse complexo processo de engenharia social é agravado pelo
fato de que a China precisa alimentar 25% da população mundial com apenas 7% das
terras aráveis; de que seu déficit energético é imenso; e de que é necessário produzir uma
dezena de milhões de novos empregos por ano, num quadro de imensa desigualdade de
rendas. Cerca de 200 milhões de pessoas estão abaixo do limite de pobreza de um dólar
diário per capita. Acentuam-se enormes disparidades, há um volume de desempregados de
40 a 200 milhões, dependendo das estimativas e metodologias, as empresas estatais são
deficitárias, o sistema bancário é precário, há imensos problemas de saúde pública e a
AIDS é endêmica em algumas províncias.
Esse quadro pujante assenta-se, pois, sobre um barril de pólvora de tensões sociais.
Os cientistas sociais não estão em condições de prognosticar o desenvolvimento da
situação na China. Se ajustes políticos mais radicais forem necessários, é a classe média
emergente que mais tem a perder com eventuais distúrbios políticos.
Isso exige uma enorme competência de governança, o grande desafio para esta
nova geração de dirigentes do PCC, num país onde o papel do Estado ainda é muito maior
que o do mercado. Por enquanto os sucessos são impressionantes. Para além do
crescimento excepcional da economia, basta constatar que em apenas trinta anos a China
teve o número de universitários aumentado de 1,4% para 20% da população total. Den
Xiaoping, ao lançar sua reforma, não podia mais se associar às soluções dos Tigres
Asiáticos, já que a conjuntura que havia permitido os NICs havia se alterado. O mundo
industrializado reintroduzira práticas protecionistas em regime de intensa globalização, e a
China teve que inventar seu caminho original de industrialização tardia. A estratégia
principal chinesa consiste em apropriar-se de soluções tecnológicas existentes e montar
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sua rede de corporações globais, inclusive comprando canais e estruturas já existentes,
como fez recentemente com a Lenovo. Amplos investimentos mundiais também têm sido
feitos, aproveitando sua gigantesca reserva em moeda externa, para buscar garantir
suprimentos de matérias-primas e obter expertise em setores que interessam ao país. A
economia de mercado na China ainda é um processo em andamento. O governo reformista
chinês tende a aplicar um processo gradual de privatização de baixo para cima, ao
contrário do que aconteceu no Leste Europeu. Amaury Porto de Oliveira lembra que foi só
em final de 1993 que o PCC formalizou a decisão de construir uma “economia socialista
de mercado”, anunciando-a simbolicamente como decorrência do princípio marxista que
recomenda privilegiar cada momento com “o novo que brota, em vez do velho que
fenece”. Ele avançou com combinações inovadoras na relação capital público-privado e
foi deixando o novo tomar conta do velho; quatro anos após, o capital público já era
minoritário e caíra para 30% no setor industrial. O modelo chinês é extremamente aberto
ao exterior; estimativas norte-americanas indicam que 74% do seu PIB vêm de comércio
internacional, contra apenas 23% do Japão. E as suas exportações estão cada vez mais
incorporando valor e tecnologia. Estratégias estão sendo montadas para integrar nesse
processo os 53 centros de tecnologia criados pelo Programa Torch, em 1988, para
remodelar o sistema de inovação do país. Mais de 60% das 800 universidades chinesas
situam-se no interior ou nos arredores desses centros - alguns incluindo investimentos
internacionais - incorporando técnicos de alta especialização e funcionando como
incubadores de empresas. Um dos resultados foi a Legend, agora transformada em
Lenovo, que surgiu graças à interação de pesquisa universitária com capital de risco
estatal.
Finalmente, é preciso ressaltar o crescente entrosamento da China com o mundo
chinês da orla asiática do Pacífico. Hong Kong hoje é o coordenador do complexo
manufatureiro do Delta do Rio das Pérolas. Taiwan é uma das principais conexões das
manufaturas chinesas com as várias cadeias produtivas globais. E Cingapura ajuda a
compor o “Circulo Chinês”, um conglomerado de forças econômicas que tem a China
como pivô. Esse complexo agora dá o salto das manufaturas OEMs (para terceiros) em
direção a marcas originais (OBMs). Com isso, a margem de lucro e os empregos
aumentam e há mais possibilidade de se formar alianças ampliadoras de mercado.
A nova liderança chinesa, porém, merece grandes elogios. A ideologia desapareceu
quase completamente como instrumento de legitimação. O objetivo passou a ser
“fortalecer e enriquecer” a China e reconduzir o país ao seu lugar de direito entre as
nações. Esta política combinou-se com o reconhecimento de que a estabilidade e, com ela,
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a sobrevivência do PC no poder, só seria alcançável por meio do desempenho econômico.
Declaração de Deng Xiaoping: Tentativa e erro determinam sua estratégica política. As
duas declarações de Deng Xiaoping “não importa se um gato fosse preto ou branco, desde
que cace ratos” e “a economia de mercado é boa” expressam de forma sintética a marcante
estratégia da China. Com Hu Jintao e Wen Jiabao, a cúpula do partido é ocupada por
tecnocratas da assim chamada quarta geração de líderes, cercados de engenheiros e
cientistas de boa formação e não mais de guardiões da doutrina impoluta. Métodos de
head-hunting para encontrar as melhores cabeças para os cargos disponíveis substituíram
o antigo sistema de nomenklatura.
Por motivos compreensíveis, o que importa à liderança política não é democracia e
sim estabilidade. Por isso a máxima prioridade para os tecnocratas da direção do PC é
manter todas as rédeas firmemente nas mãos e sufocar duramente qualquer sinal de
insatisfação da população. Distúrbios, a estreita inclusão da China no mercado mundial e
nas cooperações multilaterais também prejudicariam o Ocidente.
A China tem melhorado sensivelmente sua posição internacional na negociação de
questões econômicas e comerciais. A crescente solvência da China para investir em
mercados de capital e aproveitar oportunidades de compra de empresas cria situações
como as reclamações do mercado financeiro internacional por conta da proibição, pelo
governo americano, da venda da petrolífera americana Unocal ao gigante chinês da
energia CNOOC. O país avança forte também no setor de tecnologia de ponta. A Europa
decidiu – mediante algumas reservas – desenvolver o sistema de navegação por satélite
Galileo em cooperação com a China. O Japão e a China conseguiram se entender em torno
da adoção de um padrão comum de telefonia celular de quarta geração. Desde a década de
oitenta há esforços conjuntos entre EUA e China na área da física de alta energia. Por
razões estratégicas e de lucro a China deverá reinvestir parte de seu excedente financeiro
nos negócios de energia e matéria-prima. O petróleo é o fator que motiva o avanço da
China em direção à África, e não apenas no Sudão. Ela travou uma pequena luta de poder
com o Japão em torno da exploração de gás natural no Mar da China Oriental, e pela
produção de petróleo russo na Sibéria. Com o Irã cultiva relações especiais devido às
reservas de gás deste país, o que inviabiliza uma atitude solidária esperada pelo Ocidente
na questão nuclear. Isto já aponta para uma tendência do futuro: os países produtores de
petróleo terão que fazer concessões às empresas de energia da China, pouco eficientes em
diversas áreas, no que diz respeito à prospecção e produção de novas fontes de energia. As
consideráveis reservas financeiras da China poderão ser úteis neste sentido. Na verdade,
não se trata de possuir ou controlar as reservas de energia, mas sim de usufruir e dividir os
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lucros que podem ser auferidos por ocasião de aumentos de preço de energia e das
matérias-primas.
Os novos caminhos chineses os transformaram rapidamente de mercado potencial
em concorrentes. Com algumas tentativas bem sucedidas de absorção de grupos
empresariais americanos e os primeiros modelos de automóveis na Feira do Automóvel
em Frankfurt, os sinais da competitividade global da China se multiplicam. Os chineses
permanecem parceiros calculistas: os empresários e políticos sabem reconhecer a
incapacidade dos seus interlocutores ocidentais de lançar um olhar sóbrio e claro sobre a
China e disso tiram vantagens. E as complicações das leis de proteção à propriedade
intelectual criam espaços para que o país recupere atrasos sem gasto de capital.
É importante verificar como intelectuais e líderes chineses vêem o futuro das
relações de seu país com o mundo. Zheng Bijian, presidente do Fórum de Reforma da
China, diz que o plano estratégico do país prevê mais 45 anos até que ele possa atingir um
estágio equivalente a uma nação desenvolvida de nível médio. Afinal, sua renda per capita
(pelo PPP) é de US$ 6.572 anuais, cerca de metade da mexicana e quase dois terços da
brasileira. O que significa que, para atingir a média Brasil-México, os chineses teriam que
ser capazes de gerar quase 4 trilhões adicionais de PIB, um pouco menos do que o atual
peso do Japão. As limitações críticas chinesas são: escassez de recursos naturais para
suportar o imenso crescimento da demanda de 1,3 bilhões de pessoas; graves impactos
ambientais; e falhas de sincronia entre crescimento do PIB e desenvolvimento social. Há
várias outras tensões a superar: desenvolvimento tecnológico versus geração de empregos;
orientação pró-mercado versus cuidados com a população carente; urbanização versus
produção de alimentos; e aumento do fosso entre ricos e pobres. O governo chinês coloca-
se diante de três grandes desafios estratégicos: ultrapassar o modelo de industrialização
baseado em alto consumo de energia, grande poluição e elevado investimento por outro
baseado em tecnologia, baixo consumo de recursos naturais e reduzido impacto ambiental;
superar a rota do conflito ideológico como forma de ascensão; e construir uma sociedade
socialista harmoniosa e democrática. Também nesse último capítulo há enormes
problemas. A China cresce hoje porque um governo forte pode impor linhas gerais
inteligentes na economia e na política. A visão chinesa de democracia não é, e nem
poderia ser, a ocidental; da mesma forma que “socialismo de mercado” é um termo
ambíguo e contraditório. Tendo que lidar com desafios políticos e sociais imensos, o
governo usa de todos os seus recursos simbólicos e fala, inclusive, em pavimentar o
caminho para a democracia com o lançamento de grande número de programas de
“educação moral”, linguagem que lembra o velho Mao.
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Na questão do poder internacional, a China não tem nenhuma ilusão em disputar o
poder militar com os EUA. Seu objetivo é tornar-se um pólo econômico mundial
alternativo ao pólo americano. Joshua Cooper Ramo, cientista político norte-americano
com livre trânsito nos círculos intelectuais da RPC fala que a China procura criar núcleos
de poder assimétrico que dariam ao país – no caso de um indesejado confronto com os
EUA – vantagens de excelência manufatureira do tipo que os EUA tiveram na segunda
guerra mundial. Uma das idéias em estudo é concentrar legiões de especialistas em
pontos-chave de uma eventual guerra cibernética, aplicando princípios revolucionários no
campo militar que eles chamam de “acupuntura bélica”.
O fato é que, apesar de “sócios” com fortes interesses comuns na economia global,
são intensas as rivalidades entre os EUA e a China; e o vertiginoso crescimento do país é
visto com receio por parte expressiva das lideranças ocidentais. Wang Jisi, Reitor na
Universidade de Pequim e Diretor do Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais do
PC chinês, é muito realista ao reconhecer que a supremacia global dos EUA só declinará a
muito longo prazo. Jisi conclui, pois, que uma cooperação com Washington é de vital
importância para a China. Por outro lado, acha que os EUA precisam da China para
controlar o terrorismo, a proliferação nuclear, o Iraque e o Oriente Médio. Mas adverte
que, apesar de toda a sua força, os EUA não são invencíveis e precisam de ajuda e
alianças. Para ele, os EUA colaboraram muito para o esfriamento das relações China-
Japão. No caso da Coréia do Norte, acha que os americanos não tinham escolha e
aceitaram o auxílio de Pequim para acalmar as ameaças de Pyongyang. Já nas
divergências sobre Taiwan, a China as encara como uma questão interna e pede aos EUA
que não se envolvam.
As relações EUA-China permanecem, assim, com grandes paradoxos. Não há
confrontação, como foi com a Rússia na guerra fria. Mas os chineses querem uma relação
entre iguais; e ela é muito assimétrica em função da projeção de poder dos dois países. Se
os EUA crescerem apenas a 2% ao ano – metade da taxa atual - ainda serão
aproximadamente duas vezes maior do que a China em 2025, se ela continuar a crescer a
8%. Portanto, ela precisa de paz para trabalhar seu complexo projeto. A China é um
dragão equilibrando-se sobre uma fina corda; se os EUA a balançarem demais, os dois
sofrerão. Por outro lado, fracassos dos EUA no Oriente Médio e no combate ao terrorismo
na Ásia implicam para a China em risco de falta de petróleo e insegurança nas fronteiras
do oeste.
A atual situação armamentista do país não fundamentaria os receios americanos,
japoneses ou australianos da prioridade chinesa para a construção de uma potência militar.
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Embora haja dúvidas sobre a veracidade dos gastos em armamentos, a China parece estar
mais na defensiva, com planos em marcha para renovação tecnológica do armamento,
principalmente das forças armadas, visando sua utilização estratégica e maior alcance.
Mesmo as compreensíveis preocupações japonesas e americanas sobre Taiwan parecem
exageradas. A China precisaria contar com um poderio naval de alto mar com capacidade
agressiva, amplamente móvel, operacionalmente flexível, coisa que não possui ainda. O
seu poderio aéreo sobre o mar é muito limitado sem vários porta-aviões e ampla força
armada submarina. A China como potência terrestre não poderá ameaçar o domínio da
frota americana e japonesa sequer sobre os mares costeiros, quanto menos no Pacífico
Ocidental ou nos acessos ao sudeste asiático, visando à penetração no Oceano Índico.
Mesmo que aumentasse consideravelmente o número dos 69 submarinos, dos cerca de 20
destróieres e das aproximadamente 40 fragatas com as mais modernas embarcações e
sistemas de armamento, a nova potência naval chinesa de longe ainda não seria párea para
a americana, porque não disporia de escudo aéreo nem de bases para além da sua costa.
Até o momento, a China possui cerca de 30 mísseis intercontinentais para ogivas
nucleares, 100 mísseis de médio alcance para ogivas nucleares convencionais e cerca de
450 a 500 mísseis de curto alcance que, a partir de sua localização próxima ao litoral
defronte à ilha, têm alcance até Taiwan. Ali as posições dos mísseis são particularmente
vulneráveis a partir do mar e do ar. A força aérea chinesa possui cerca de 1.000 caças e
700 caças-bombardeiros de diversos tipos, mas a marinha só tem aproximadamente 20
aviões de combate baseados em terra. Para um controle tático do espaço aéreo limitado ao
litoral, isto pode ser suficiente, mas não para repelir operações navais ofensivas e
desembarques para além da área litorânea.
O domínio das áreas adjacentes é uma necessidade estratégica imperiosa, na
verdade uma condição básica para a independência política e a influência internacional da
China. Certamente continuaria a ser assim mesmo se Taiwan voltasse ao controle de
Pequim ou se, pelo contrário, a China reconhecesse a independência de Taiwan. Na
perspectiva geopolítica-estratégica, o conflito taiwanês, visto em Pequim como questão-
chave central da soberania e da integridade territorial chinesa, mas também a longo prazo
da própria segurança da China, não pode ser reduzido a tendências agressivas de Pequim.
Esse conflito tem uma dimensão estratégica no Pacífico Ocidental e na periferia do
sudeste asiático. Trata-se da expansão ou limitação dos interesses marítimos chineses e
americanos, mas também do Japão e da Austrália, aliados dos EUA.
Em resumo, a China sente-se hoje simultaneamente forte - pelo imenso sucesso
econômico - e vulnerável por suas limitações e porque percebe os EUA espreitando para
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desestabilizá-la. Todo esse quadro, evidentemente, oferece uma oportunidade estratégica
importante tanto para a Europa como para a América Latina: ajudarem a abrir espaços
para acomodarem a China no mundo global e em seus fóruns multilaterais, tentando fazer
de sua presença um fator de progressiva estabilidade. Antes de tudo, é preciso reconhecer
a qualidade e o peso desse novo e decisivo player e promover alianças que o
comprometam progressivamente com a boa ordem internacional. Essas medidas podem
contribuir para a manutenção de um crescimento mundial forte e de uma estrutura de
poder mais equilibrada. Por outro lado, a China pode estar mostrando um caminho para
que outras grandes nações da periferia do capitalismo, especialmente da América Latina,
tentem caminhos originais de inserção na atual lógica internacional com alguma
autonomia e vantagem relativa. O fator China é cada vez mais vital ao futuro do mundo
global. Os europeus fariam bem se avaliassem a China separadamente dos EUA e
definissem suas próprias prioridades estratégicas. Está cada vez mais claro que quem
perder a conexão chinesa pode perder o futuro.

Índia: um gigante cauteloso


Já o papel da Índia no atual cenário mundial, embora com impacto menos
dramático do que o da China, também é muito relevante. Meghnad Desai, um famoso
intelectual indiano pertencente à câmara dos lordes, afirmou recentemente que a China
voltará a ser uma grande potência enquanto a Índia talvez se torne apenas uma grande
democracia. Embora as condições para se tornar uma potência mundial estejam ainda um
pouco mais distantes da Índia, dois são os fatores que permitem antever uma crescente
influência deste país nas diversas instâncias internacionais, quer sejam econômicas,
políticas ou ligadas à segurança. Para além do tamanho de sua economia e população,
peculiaridades relacionadas a seu passado colonial e aos setores dinâmicos do atual ciclo
de crescimento lhe dão grandes vantagens comparativas no jogo global. As lideranças
atuais do país assumem claramente terem um projeto de nação que reconhece seu poderio
atual e sua localização, fatos que tornam o país um peão estratégico e cortejado pelas
principais potências mundiais, em especial os Estados Unidos, a China e, em menor
medida, o Japão. É importante registrar que o processo de consolidação da independência
– e da própria nação indiana - ocorreu no período da Guerra Fria, levando o país a adotar
uma política de não-alinhamento, apesar da sua aproximação com a União Soviética após
o apoio dos EUA ao Paquistão e China. Como subproduto dessa postura, a Índia acabou
optando por tornar-se uma potência nuclear independente – fazendo os EUA engolirem a
contragosto um fato consumado - e investiu pesadamente em ciência e tecnologia.
12
Naquele momento optou, também, por um projeto de economia autárquica, com espaços
claros para o capital nacional e quase nenhum para o capital estrangeiro e para a dívida
externa. No processo de substituição das importações, o papel reservado para as grandes
corporações internacionais foi bastante reduzido, ao contrário do Brasil e vários outros
grandes países da periferia. Hoje, com mais de 1,1 bilhão de pessoas, a Índia já possui a
quarta maior economia do mundo se medida em PPP, com um PIB de US$ 3,4 trilhões
(equivalente a 90% do PIB japonês e ao dobro do francês), uma classe média em torno de
150 milhões de pessoas que usa fundamentalmente a língua inglesa em seu cotidiano e
com um contingente de expatriados superior a 20 milhões, muitos dos quais são
profissionais bem situados nas áreas executivas e de tecnologia de ponta das grandes
corporações globais e dos institutos de pesquisa dos países de língua inglesa.
Do ponto de vista econômico, a emergência da Índia no cenário mundial decorre
fundamentalmente do imenso vigor de seu setor de prestação de serviços, inclusive de alta
tecnologia; mais recentemente a abertura do país às mercadorias e investimentos
internacionais, ainda que cuidadosa, adicionou vigor adicional ao seu crescimento. Na
opinião dos principais executivos das empresas globais, é provável que a Índia esteja
próxima de reproduzir o padrão chinês de crescimento, incorporando ao mercado milhões
de novos consumidores ao ano. O importante é que, aparentemente, o sistema político e
social talvez seja mais estável na Índia do que na China atual, essa última possivelmente
ainda sujeita a eventuais turbulências de transição. É, de fato, impressionante o
crescimento da exportação de serviços em geral do país, especialmente os de tecnologia.
Atualmente, mais da metade das 500 maiores companhias listadas pela revista Fortune já
transferiu para a Índia alguma parcela de seus serviços de Tecnologia da Informação. A
ocorrência desse fenômeno só foi possível em razão da acumulação de capacitações
tecnológicas locais com determinados atributos peculiares à sociedade indiana, a saber:
uma farta mão-de-obra qualificada, de baixo custo e que fala correntemente a língua
inglesa, associada ao retorno de expatriados e seus descendentes que sabem lidar com os
padrões e protocolos das grandes empresas globais. Some-se a isso o fato das instituições
locais terem sido criadas e consolidadas a partir dos padrões britânicos. Diferentemente de
grande parte do setor manufatureiro, as características apontadas criam, de fato, uma
barreira à entrada de outros países no mercado de serviços, sendo possível antever a
consolidação da liderança indiana nesta atividade. Entende-se que é por esta razão que os
negociadores indianos junto à OMC estejam aceitando o risco de propor a liberalização de
determinados serviços em nível global. Assim, torna-se evidente o crescimento do

13
interesse do capital global pela Índia, tanto na condição de fornecedora de serviços quanto
na situação de receptora de investimentos e mercadorias.
Já no âmbito das relações políticas e de segurança internacionais, a situação é bem
mais complexa: os eventos ocorridos nos últimos anos são expressões das mudanças na
política externa indiana, a partir do final da Guerra Fria, mudanças estas que procuram
ampliar o poder regional e internacional do país a partir da nova configuração do cenário
mundial. A visão externa indiana divide o mundo em três círculos concêntricos, sendo que
o primeiro e de maior relevância compreende as regiões vizinhas onde se encontram seus
principais rivais – Paquistão e China – com os quais divide uma fronteira de mais de 5 mil
quilômetros; e o último deles abrange o litoral do oceano índico e outras regiões asiáticas;
compreendendo o terceiro círculo o cenário global. Seus principais interlocutores são as
potências mundiais e os países que, de alguma forma, podem ser úteis para garantir o
equilíbrio regional; assim, como o de atender sua enorme demanda de energia e de lidar
com o problema da assimilação dos 150 milhões de muçulmanos presentes em sua
população. Nesses últimos anos a Índia, que sempre manteve um equilíbrio instável com
seus vizinhos, vem sendo um competente negociador e obtendo avanços importantes na
região, estando num processo formal de paz com o Paquistão há mais de dois anos, além
de incentivar a integração econômica de toda a região por meio de tratados e projetos
conjuntos de infra-estrutura. Em 2005, a Índia recebeu a visita do primeiro-ministro
chinês, quando diversos acordos foram assinados, incluindo o encaminhamento das
disputas fronteiriças. Nessa ocasião, Weng Gin Bao afirmou que não iria se opor à
reivindicação indiana de um assento permanente no Conselho de Segurança e que estava
selando uma parceria estratégica entre os dois países.
Embora tal parceria não elimine a difícil tarefa da diplomacia indiana de
contrabalançar a excessiva influência chinesa nos países vizinhos, esta aproximação
inusitada com a China revela a situação privilegiada da Índia no cenário global: cônscia de
estar situada entre as duas regiões que os estrategistas norte-americanos mais se
preocupam – China e Oriente Médio - a Índia parece estar se aproveitando da emergência
da rivalidade entre a China e os Estados Unidos. Da China, ela procura congelar o apoio
ao Paquistão e aos países vizinhos, evitando um “cerco” ao país, na visão dos estrategistas
indianos. Dos Estados Unidos, ela vem obtendo grandes concessões mesmo após sua
efetiva nuclearização, muitas das quais procurando atenuar seu estreitamento de relações
com a China.
Em razão de não ser rica como o Japão nem agressiva como a China, a nação
indiana não é vista por parte da administração W. Bush como uma ameaça, mas sim como
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um elemento de contenção da China. É por este motivo que o país vem recebendo
tratamento especial dos norte-americanos. Além de remover muitas das sanções existentes,
Washington estreitou a cooperação nas áreas de alta tecnologia, vem apoiando o combate
ao terrorismo indiano, acabou com o apoio histórico ao Paquistão na questão sobre a
Cashemira e tem se posicionado claramente a favor de Nova Delhi na equação sino-
indiana.
Por fim, objetivando mover a Índia para uma posição mais alinhada com os EUA
numa eventual escalada das tensões daquele país com a China, a administração W. Bush –
argumentando que a Índia é um caso excepcional - tomou uma atitude polêmica de
flexibilizar os tratados de não proliferação nuclear de modo a facilitar ampla cooperação
com a Índia em energia nuclear. Espera, com isso, criar as bases para uma aliança efetiva
entre os dois países. Tal atitude, além de fragilizar a contenção das ações nucleares no Irã
e na Coréia do Norte, reforça os temores da China de que o grande objetivo estratégico
dos EUA é enfraquecer a sua futura posição de grande potência da região. Segundo a The
Economist, por exemplo, “aos EUA interessa evitar que a Ásia seja dominada por uma
única potência que tenha condições de excluir todas as outras”. Com relação à Europa, as
relações da Índia são relativamente limitadas principalmente em função da pequena
relevância da UE na política global recente; sua clara prioridade no momento é o
aprofundamento de alianças com os EUA.
Assim, a presente ordem global e o comportamento da Índia no cenário
internacional permitem chegar a algumas conclusões. A principal preocupação da Índia é
com a garantia do seu próprio processo de crescimento acelerado, a integração de seu
entorno imediato - região já bastante conflagrada e com elevada instabilidade política
interna - e a assimilação de sua população muçulmana. Nesse último caso, é importante
ressaltar que a Índia tem interesses coincidentes com os EUA no sentido de prevenir a
emergência do fundamentalismo islâmico. A par disso, segundo declarações de 2005 do
primeiro-ministro Manmohan Singh, é necessário criar as condições para a manutenção e
consolidação do novo padrão de desenvolvimento baseado na exportação de serviços que
passa necessariamente pela obtenção da segurança energética - aí compreendendo a
nuclear e o petróleo – além da liberalização da contratação de serviços no âmbito da
OMC. É preciso lembrar mais uma vez que, por diferentes razões, tanto a China quanto os
EUA e o Japão encaram a Índia como um potencial aliado estratégico, dada sua situação
geográfica, econômica e militar. Mas o passado colonial indiano ainda provoca
ressentimentos com relação aos estrangeiros, indicando que o país procurará manter uma
política de relativo não-alinhamento enquanto for possível, indicando como mas provável
15
um movimento pendular entre EUA e China. Finalmente, a Europa não parece preencher
as condições para selar acordos estratégicos relevantes com a Índia, uma vez que os
interesses coincidentes são reduzidos.
Tudo leva a crer, pois, que a Índia passará a ser mais atuante na política asiática e
um ator de peso no cenário mundial, mantendo uma postura independente, embora mais
próxima da norte-americana do que da chinesa. Suas relações com os países da periferia,
inclusive com os da América Latina, serão meramente circunstanciais e oportunistas,
operando no esquema clássico de geometria variável, sendo um bom exemplo sua atuação
no G-20.

*
Como vemos, China e Índia são dois gigantes territoriais e populacionais que
encontraram lógicas de inserção na economia global aparentemente benévolas, garantindo-
lhes altas taxas de crescimento econômico graças às suas intensas vantagens comparativas
construídas sobre inteligente utilização de suas competências e circunstâncias. Ainda que a
China possa parecer destinada a vôos mais altos, se ambos mantiverem as rotas atuais – e
parece haver uma boa possibilidade que isso continue a ocorrer no curto e médio prazos -
esses países definirão uma nova realidade econômica e estratégica que os incluem como
importantes players globais e indispensáveis referências para as reflexões sobre a lógica
política e econômica deste primeiro quarto de século.

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BIBLIOGRAFIA BÁSICA

DUPAS, Gilberto. Atores e poderes na nova ordem global: assimetrias, instabilidades e


imperativos de legitimação. São Paulo: UNESP, 2005.
CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva
histórica. São Paulo: UNESP, 2004.
OLIVEIRA, Amaury Porto de. “Tentando compreender a China”. Revista Política
Externa, vol. 15, no.1. São Paulo: jun-ago de 2006.

OLIVEIRA, Amaury & VILLARES, Fábio. “Índia e China como novos desafios à
governança global e ao multilateralismo”. Texto preparado para o European-Union –
Latin American Relations Observatory (OBREAL) da Comissão Européia. Disponível
em http://www.ieee.com.br.
WADE, Robert Hunter. “The disturbing rise in poverty and inequality: is it all a ‘big
lie’?”. In: HELD, David & KOENIG-ARCHIBUGI, Mathias (eds.). Taming
globalization: frontiers of governance. Cambridge: Polity Press, 2003.

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ANEXOS

Quadro 1

GRANDES ECONOMIAS NA GERAÇÃO DE RIQUEZA


34,0%

Estados Unidos 30,5%

28,0%
% do PIB mundial

União Européia (15 países)


22,0% 21,3%

16,0%

Japão
11,7%
10,0%
2000

2008

2011

2012

2014

2015
2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2009

2010

2013

2016
Fonte: USDA Baseline Projections.

Quadro 2

CHINA E ÍNDIA NA GERAÇÃO DE RIQUEZA GLOBAL

7,0% 6,9%

China

5,0%
do PIB mundial

3,0%

Índia
2,3%

1,0%
2004

2005

2011

2012

2013
2000

2001

2002

2003

2006

2007

2008

2009

2010

2014

2015

2016

Fonte: USDA Baseline Projections.

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Quadro 3
IMPACTOS DE CHINA E ÍNDIA NO PIB GLOBAL

GDP per capita, PPP (current


international $) Média

Brasil 8.730
9.470
México 10.209

China 6.572
5.029
Índia 3.486
Diferença entre as médias
4.441
Brasil-México e China-Índia

Soma das populações de


China e Índia 2,399 bilhões

Acréscimo de PIB, PPP 10,654 trilhões


PIB, PPP dos EUA 12,409 trilhões
Fonte:World Bank Indicators, 2006.

Quadro 4

Maiores Países em 2005 pelo PIB (PPP) e PIB


PIB
RANKING PIB, PPP RANKING
em US$ bi

Estados Unidos 12.455 1º 12.409 1º


China 2.229 4º 8.573 2º
Japão 4.506 2º 3.944 3º
Índia 785 12º 3.816 4º
Alemanha 2.782 3° 2.418 5º
Reino Unido 2.193 5º 1.927 6º
França 2.110 6º 1.830 7º
Itália 1.723 7° 1.668 8º
Brasil 794 10º 1.627 9º
Rússia 764 14º 1.560 10º
Espanha 1.124 8° 1.134 11º
Canadá 1.115 9º 1.061 12º
Coréia do Sul 788 11º 1.056 13º
México 768 13º 1.052 14º
Indonésia 287 17º 847 15º
Austrália 701 15º 643 16º
Turquia 363 16º 612 17º
Argentina 183 19º 559 18º
África do Sul 240 18º 558 19º
Tailândia 177 20° 549 20º
Fonte:World Bank Indicators, 2006.

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