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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESErxTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publ ¡cacao.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
responderemos
C/J

~ SUMARIO

£ "A Ultima Tentacao..."


co O Ecumenismo visto por um Ex-protestante
tu

O Max Thurian explica...

00 Resistir ao Papa hoje, como outrora?

^ Tradicao e Progresso
w "Jesús antes do Cristianismo"
<
«r O Islamismo

O
ce
o.

ANO XXIX - OUTUBRO - 1988 317


PERGUNTE E RESPONDEREMOS OUTUBRO - 1988
N9 317
Puhjicapáo mensal

SUMAR 10
Diretor-Rcsponstkvel:
"A Última Tentarlo. . ." 433
Estéváo Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia Fala Max Thurian:
publicada neste periódico
O Ecumenismo visto por um
exprotestante 434
Diretor-Administrador:
Em resposta a muitos:
D. Hildebrando P. Marnns OSB
Max Thurian Explica 446
Administracáo e distribuicáo: Ainda o caso Lefebvre:
Edicóes Lumen Christi
"Resistir ao Papa Hoje, como outrora"?. 450 v
Dom Gerardo, 40 - 5" anriiir. S/í>01 Um texto de Joao Paulo 11:
Tel.: (0211291-7122 Tradicao e Progresso 459
Caixa Postal 2666
20001 - Rio de Janeiro - H.i
Como era?
"Jesús Antes do Cristianismo" 462
As Grandes Religioes do Mundo:
O Islamismo 471
■MAAQVESSA/IAJVA"
orUicos £ conoces s a

NO PRÓXIMO NÚMERO:
Assinatura de Janeiro a dezembro
de 1988: Cz$ 2.000,00 318-Novembro-1988
Número avulso: Cz$ 200,00
"A Última Tentacao de Cristo". - A credi-
Pagamento (á escolha)
bilidade dos Evangelhos. - Dissidentes vol-
tam á Unidade da Igreja. - A escravidao no
1. VALE POSTAL a Agéntu Cuntí.il «lif.
Brasil. - O Plagio Religioso julgado em Tri
Correios do Rio de Janeiro
bunal.
2. CHEQUE BANCÁRIO
3. No Banco do Brasil, para crédito fia Con
ta Corren te n?0031. 304 1 em nome do
MosteirodeS.Bentodo Rio de Janeiro, pa-
COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA
gável na Agencia da PracaMauá tn°0435)

COMUNIQUE NOS ÜUALÜUE


RENOVÉ QUANTO ANTES
MUDANCA DE ENDE.RECO
A SUA ASSINATURA
"A Última Tentagáo..." LüLi!
Está em foco o filme "A Última Tentacao. . .", suscitando comenta
rios diversos. — Há quem o queira legitimar, afirmando que o duplo casa
mento e o adulterio atribui'dos por M. Scorsese a Jesús nao passam de deva-
neios: Cristo, na última hora de sua vida terrestre, terá contemplado aquilo
que ele podia ter feito, mas nao fez, renunciando assim aos prazeres da carne.

Ora uma tal justificativa nao leva em conta toda a figura de Jesús apre
sentada pela película: um Jesús inseguro, que nao sabe se matará os romanos
ou pregará a caridade; aos poucos descobre sua identidade e toma conscién-
cía de sua missáo. Quem justifica o filme, também nao leva em conta as suas
passagens possivelmente irónicas, como aqueta, por exemplo, em que Jesús
abre o peito e tira o seu coragao para que os disci'pulos o possam admirar
e seguir. ..

Ponderado com objetividade, deve-se dizer que o filme ofende a fé dos


cristaos. Sim; Jesús, para os fiéis, nao é apenas um grande Profeta ou um Su-
per-Homem, que se dedica ao cumprimento do plano do Pai. .. Jesús é Oeus
feito homem. Esta sentenpa foi estudada durante os primeiros séculos pelos
mestres e doutores, que, após diversas tentativas de explicacáo, chegaram
á fórmula definida pelo Concilio de Calcedonia em 451: em Jesús há um
só Eu, um so sujeito, um só suporte de tudo o que Ele pensa, senté, diz e
faz. . . E esse único Eu é divino, é o da segunda Pessoa da SS. Trindade, que,
sem perder o que é de Deus (onipoténcia, oniciéncia.. .), assumiu no seio de
María Virgem a natureza humana. Por conseguinte, todas as acoes de Jesús
sao teándricas (divíno-humanas), como diz a teología; devem ser atribuidas
a Deus, por isto o cristáo pode dizer: "Deus morreu por mím na Cruz". . .
Sim, morreu pelo fato de que Deus assumiu a natureza mortal do homem
e quis experimentar todas as conseqüéncias físicas deste fato.

Dito isto, compreende-se que, se Jesús podia adulterar, como o filme


insinúa (apresentando Jesús a adulterar em devaneio). Deus podia adulterar,
podía pecar — o que é contradítório e ridículo. Eis pi r que os cristaos tém
rejeitado a película; tém o direíto de fazé-lo, porque o Mime fere a escala de
valores dos que créem.

Vé-se entao que toda a polémica em torno do filme de Scorsese depen


de, em última análise, de se saber quem era Jesús: se mero homem ou Su-
per-Homem (como muitos o consideram) ou se Deus feito homem. Neste
último caso, a película atinge o que de mais caro e íntimo tém aqueles que
professam tal verdade. Em nossa sociedade pluralista, aqueles que aplaudem
o filme, usam de um direito seu, mas saibam que se trata de materia profun
damente dolorosa e desrespeitosa para os seus semelhantes que tém a intuí-
gao da fé.
E.B.

433
"PEROUNTE E RESPONDEREMOS"
Ano XXIX - N? 317 - Outubro de 1988

Fala Max Thurian:

O Ecumenismo visto por


um Ex-protestante

Em sintese: Max Thurian, monge da comunidade de Taizé-Cluny


(Franca), recém-convertido ao Catolicismo e ordenado sacerdote, exprime
seus pontos de vista referentes ao ecumenismo, á unidade da Igreja, ao pri
mado do Papa, ao sacramento da Penitencia, ao celibato do clero... em ter
mos "plenamente católicos"... As suas declaracoes sao importantes porque
procedem de alguém que foi educado dentro de concepcoes calvinistas, con
trarías ás do Catolicismo, mas que, por seus estudos e sua disponibilidade ao
Espirito Santo, chegou a conclusoes católicas. O mesmo se deu com John
Newtnann, Louis Bouyer, Wolfgang Tschuschke e muitos outros que, sem
preconceitos, interessados únicamente na descoberta da verdade, acabaram
professando o Catolicismo.

Max Thurian tornou-se famoso nos últimos decenios entre os cristaos


por ter sido um protestante de vistas largas que, pela sua sinceridade na pro
cura da verdade, se tornou católico e foi ordenado presbítero Ver PR
315/1988, p. 384.

Nasceu em Genebra (tídade de Calvino), 192Í, de familia calvinista. A


sua avó, dotada de profunda veia mística, transmitiu ao menino os princi
pios de sólida espiritualidade, que o encaminharia ao estudo da Teología. Ti-
nha vinte anos quando, durante um retiro, Ihe caiu ñas míos um opúsculo,
que era o esboco de urna Regra monástica, escrita por Roger Schutz, tam-
bém protestante; o jovem se entusiasmou pela proposta de restaurar o mo
naquisino no Protestantismo e resolveu aderir á iniciativa de R. Schutz. A
partir de-1942, passou a viver em Taizé-Cluny (Franca), onde atualmente
se acha próspera comunidade monástica constituida por irmaos de diversas
denominacoes protestantes (calvinistas, luteranos, anglicanos, metodistas...).

434
FALA MAX THURIAN: ECUMENISMO

Todos fazem votos perpetuos de pobreza, castidade e obediencia; rezam e


uabalham em comum.

Max Thurian, como membro da comunidade de Taizé, tem-se dedica


do ao estudo da Liturgia, especialmente ao dos Sacramentos da Eucaristía
e Penitencia. Participou de Congressos Teológicos. O Papa Joáo XXIII con-
vidou-o, juntamente com Roger Schutz, para assistirem ao Concilio do Va
ticano II na qualidade de observadores; Joao Paulo II o convidou pessoal-
mente para participar do Sínodo Extraordinario dos Bispos em 1985, quan-
do se comemoravam vinte anos do Concilio do Vaticano II. Autor de diver
sos livros, M. Thurian manifesta sua mentalidade abena e sincera frente á
Verdade.

0 repórter Angelo Montonati foi entrevistar esse teólogo, abordando


temas candentes relativos ao ecumenismo. As respostas de Thurian, equili
bradas e profundas como sao, merecem plena consideracao; pelo que vio
aqui apresentadas, em traducao portuguesa, as 'mais significativas.

1. O DEPOIMENTO DE MAX THURIAN

Repórter: "Quais sao os mais fortes obstáculos á aproximacao de cató


licos e protestantes?"

Max Thurian: "Entre outros, o conceito de T radíelo. Que se entrnde


por Tradicao? A dos primeiros sáculos? Calvino recdnhece apenas os quatro
primeiros Conci'lios1; os ortodoxos, os primeiros sete Concilios2. Mas a Igre-
ja, com o passar dos séculos, nao parou; para os católicos, a Tradicao está li
gada á Palavra de Deus e ao magisterio, ao passo que algumas denomina-
coes protestantes extremadas ficam só com a Biblia, Sola Scriptura... Disto
se deriva o problema da autoridade na Igreja, ou seja, o de saber quem tem
autoridade para dizer se determinada interpretado da Palavra de Deus é cor-
reta, válida e auténtica..."

tOs quatro primeiros Concilios sSo os de Nicéia I (325), Constantinopla I


(381), ambos versando sobre a SS. Tríndade; o de Éfeso (431) eo de Calce
donia (451), versando sobre Jesús Cristo, Deuse homem. (Nota do tradutor).

2 O quinto Concilio Ecuménico é o de Constantinopla II (553), o sexto é o


de Constantinopla III (680/681), ainda relativos a Jesús Cristo e suas duas
naturezas (a divina e a humana) e sua vontade; o sétimo é o Concilio de Ni
céia II (787) referente ás sagradas imagens. (Nota do tradutor).

435
4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

R.: "Parece-me que o principal nó a desatar é o que diz respeito ao


magisterio".

M. Th.: "É verdade, pois de tal questao depéndem as demais: as reía-


coes entre Escritura e Tradicao, Escrituras e magisterio, a autoridade dos
Concilios, etc. Aquí pensamos no tema dos ministerios,1 cuja sacramentan-
dade os protestantes devem repensar e aprofundar: muitas vezes, ñas comu
nidades protestantes, o ministerio é visto prevalentemente como urna forma
de organizacao funcional, sem que se afirme o aspecto sacramental do mes-
mo. Creio que, se queremos reencontrar a unidade, temos que considerar
sob nova luz o sentido da ordenacao como sacramento. Falo obviamente dos
ministerios tradicionais: o episcopado, o presbiterado e o diaconato.

Especialmente importante é o episcopado, pois nunca se realizará a


uniao de Igrejas 'episcopais' e Igrejas 'nao episcopais'. É preciso redescubrir
a funcao do bispo, do epískopos, como era exercida na Igreja antiga. Ora
algumas Igrejas reconhecem a necessidade do episcopado como ministerio
pessoal numa comunidade regional; outras nao véem a necessidade do mes-
mo, pois professam urna concepcao sinodal, democrática (se quisermos) ou
congregacionalista da Igreja. Tocamos assim o problema do primado do
Bispo de Roma como ministro da unidade na Igreja universal. Nao se fará a
unidade sem o reconhecimentó das funpoes do Bispo de Roma (o Papa)".

R.: "Como é que os protestantes atualmente véem este problema?"

M. Th.: "Os últimos Papas tém assumido atitude de predominante be


nevolencia; hoje nao se poderiam mais dizer as coisas que foram ditas na
época da Reforma. O fato de que o atual Pontífice viaja pelo mundo inteiro
como evangelizador, a fim de despertar a fé, muito ajuda a compreender o
papel do Papa. Mas a atitude benévola nao basta: é preciso redescobrir a fun
cao do Bispo de Roma, do Papa como guia e arbitro do colegio dos Bispos.
A Igreja necessita de alguém que, em diálogo solitario com o seu Senhor,
procure novas orientacoes e novas ¡nspiracóes para o povo de Deus. Natu
ralmente o Papa pode receber conselhos (há o Si'nodo dos Bispos, há sempre
a possibilidade de um Concilio Ecuménico), mas parece-me capital a autori
dade carismática (diría eu) do Bispo de Roma. Em suma, é mister que haja
um ministro da unidade em condicóes de falar ao mundo em nome da Igreja
toda e de todas as comunidades locáis.

Nao ignoro que persistem serias dificuldsdes: no diálogo com as Igrejas


Ortodoxas, por exemplo, é difícil falar de jurisdicao universal por causada

1 Servidos ou fungdes na Igreja. (Nota do tradutor).

436
FALA MAX THURIAN: ECUMENISMO

sua entranhada defesa da organizapao autocéfala1; entrementes alguns pro


testantes receiam que o Papa assuma urna autoridade pessoal nao controla-
vel. Creio, porém, que muitas objecoes procedem de ¡mperfeito conheci-
mentó do papel concreto do Bispo de Roma. Por isto sao importantes os
contatos que Joao Paulo II promove com todas as confissóes cristas no mun
do inteiro".

R.: "Alguns católico! disseram que, sob o atual Pontífice, o ecumenis-


mo marca o passo. Parece-me compreender que alguns ná"o católicos sao de
opiniao contraria".

M. Th: "Os que assim pensam — diría, de modo superficial — sao aque
les que desejariam solucoes imediatas e nao compreendem que é longo o ca-
minho da unidade. Posso dizer que conheci bem Paulo VI e reconhecoque
fez todo o possi'vel, na sua época, em favor do ecumenismo. Mas Joao Pau
lo II fez e está fazendo mais aínda. No discurso comemorativo dos 25 anos
do Secretariado para a Unidade dos Cristaos (em 1985) ele reafirmou que
o ecumenismo é um aspecto importantíssimo do seu ministerio; num mundo
sempre mais secularizado e sem espiritualidade, disse ele, os cristaos tém que
reencontrar a unidade. É certo que nao a qualquer preco; é preciso elaborar
e aprofundaí o conceito de unidade da Igreja, que nao significa uniformi-
dade, mas pluralidade ou, melhor, pluriformidade. O que conta, é uma uni
dade fundamental — que já existe — sobre algumas realidades: temos em co-
mum a Palavra de Deus, o Credo, o Batismo, a oracSo do 'Pai Nosso'; falta-
nos aínda a possibilidade de celebrarmos juntos a Eucaristía, isto é, de re-
conhecermos reciprocamente os ministerios. Somente quando os cristaos
puderem celebrar juntos a Eucaristía em torno do mesmo altar, estará reali
zada a unidade".

R.: "Mesmo entre os católicos há muita confusao sobre a Eucaristía.


Seria -ossível esclarecer de modo definitivo e unívoco o sentido do sacrifi
cio p jcari'stico e da real presenca de Cristo...?"

M. Th.: "O tema do sacrificio foi, por muito tempo, um obstáculo,


pois os protestantes diziam que existe um só sacrificio, o da Cruz, e que nos
recebemos os frutos desta única oferta de Cristo. Ora a nocao de memorial
faz compreender melhor que o acontecimento histórico se pode tornar, na

1 Cada grupo de comunidade ortodoxas tem seu Sínodo (reuniao de Bispos) e


seu Bispo Supremo, que sao autocéfalos, isto é, nao dependem de outra au
toridade para govemar a regiSo ou o país respectivo (N. D. T.).

437
6 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

Liturgia atual, presente e operante. O conceito bíblico de memorial — reto


mado na* Liturgia eucarfstica - é um ponto de encontró muito importante."1

R.: "E a propósito da presenca real?"

M. Th: "Vejo urna evoluca*o no sentido de maior respeito ás especies


consagradas. Quanto mais tivermos clareza sobre este ponto de doutrina,
tanto mais faremos a verdadeira unidade. Se há urna presenca real grapas
ás palavras de Jesús e á acao do Espirito Santo, o pao e o vinho consagra
dos se tornam Corpo e Sangue de Cristo, sinal da presenca permanente do
Senhor. Temos que aceitar isto, se queremos realizar a unidade".

R.: "Outro ponto fundamental é o ministro da Eucaristía..."

M. Th: "Em algumas comunidades protestantes acontece que a cele-


bracao da Ceia é presidida por um leigo; mas ere ¡o que isto é um obstáculo
para a unidade. Com efeito; para presidir á Eucaristía, nao basta urna auto-
rizacáo verbal ou escrita da autoridade, mas é necessário o carisma do Espi
rito Santo obtido mediante a ¡mposicao das maos ou a ordenacao".

R.: "Em algumas comunidades católicas tentaram entregar a celebra-


cao da Eucaristía a leigos..."

M. Th: "Náfo creio que isto seja tfeito. Um homem, como Calvino, um
reformador, nao o teria aceito, pois ministerio e Eucaristía estao intimamen
te conjugados entre si".

R.: "Também a Virgem María, parece, já nao é um obstáculo ao diálo


go ecuménico".

M. Th: "É preciso distinguir. Há aqueles que consideram o Ano Maria


no proclamado pelo Papa como assunto que só interessa aos católicos; ou-
tros reagiram negativamente. Mas trata-se de correntes extremistas que re-
cusam, apesar dos progressos realizados, aprofundar o papel da Mae de Deus
na historia de salvacab.

Diría que estamos diante de reacoes superficiais, psicológicas. Há tam


bém quem tenha visto na recente Encíclica papal sobre Nossa Senhora um

'Memorial, na mentalidade semita, é um recordar eficiente ou que nao fica


no plano meramente teórico, mas se exerce na ordem concreta das coisas.
Ver Curso ele Liturgia por Correspondencia, Caixa Postal 1362,20001 Rio
(RJJ. {Nota do Tradutori.

438
FALA MAX THURIAN: ECUMENISMO

esclarecimento importante sobre a doutrina católica. Esta Encíclica é tao


bíblica, fundada sobre a Palavra de Deus, que eta nao pode deixar de ser
bem acolhida também pelos nao católicos".

R.: "Mas o termo 'magisterio' diz algo também aos ná"o católicos?"

M. Th: "Creio que nenhuma Igreja pode dispensar um magisterio As


Igrejas luteranas, por exemplo, tém a Confissáo Augustana, que, embora nao
possua a mesma autoridade que a Biblia ou a Tradipao primitiva, é sempre
urna forma de magisterio. No sáculo da Reforma, quer luterana, quer calvi
nista, foram redigidas profissoes de fé que sao também urna especie de ma
gisterio. Além disto, em cada Igreja há urna autoridade ou de Bispo(s) ou de
Sínodo ou de Consistorio, de acordó com as respectivas confissoes, a quai
normalmente exprime um magisterio que recordé os seus fundamentos tra-
dicionais ou confessionais. 0 problema, no caso, é ter um magisterio comum;
a finalidade do ecumenismo é a de caminharmos juntos para um magisterio
comum. Repito: nunca haverá unidade sem um tal magisterio, também atu-
ante através de Concilios presididos pelo Bispo de Roma".

R.: "Nesse magisterio conciliar como se coloca o dogma da infalibili-


dade pontificia?"

M. Th: "Para mim a infalibilidade é o fato, ou a certeza, de que a Igre


ja nao se pode engañar sobre os pontos fundamentáis da fé: se Deus confiou
a sua Palavra á Igreja, quando esta anuncia tal Palavra, nao pode errar. Além
disto, pode acontecer que num Concilio Ecuménico os Padres nao consigam
chegar a urna certeza comum (isto ocorreu algumas vezes durante o Vatica
no II); entao existe o papel providencial, entregue a Pedro e aos seus suces-
sores, Bispos de Roma, de poder escolher, após ter escutado a todos, sem es
tar ligados a este ou aquele grupo, a sentenca mais condizente com a Pala
vra do Senhor".

R.: "O ecumenismo é realizado na cúpula e na base. Onde acha oSr.


que se caminha mais e melhor?"

M. Th: "Um e outro tipo de ecumenismo sao necessários. Na base, em


alguns países como a Suíca e a Alemanha, vive-se o ecumenismo. Há grupos
que, antes do mais, rezam pela unidade e ajudam a redescobrir a amizaJe
entre os cristáos. Urna vez, Joao Paulo II me perguntou o que é o ecume
nismo. Respondi-lhe que o seu primeiro passo é a amizade, pois, quando os
homens sao amigos, eles tém confianza recíproca. Os grupos ecuménicos
podem trabalhar e estudar juntos os documentos do Concilio. Agora anun-
cia-se um Catecismo Universal para a Igreja Católica; isto ajudará muito a
causa da unidade..."

439
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

R.: "E na cúpula?"

M. Th: "Há dois tipos de cúpula: a dos teólogos, que, após o Concilio,
tém aprofundado a verdade; e a das autoridades responsáveis, que se encon-
tram. A 27 de outubro de 1986, o Papa, que caminhava pelas rúas de Assis
tendo a seus lados o arcebispo de Cantuária e o representante do Patriarca
de Constantinopla, formava urna ¡magem viva do ecumenismo intracristáo.
Com efeito; nao esquecamos que o ecumenismo se desenvolve entre fiéis
batizados; é um fato exclusivamente cristao. Em Assis os cristaos se apre-
sentaram juntos em torno do Papa, nao, porém, ¡solados, mas ao lado de
outras religioes, porque a unidade da Igreja é um ser vico a todos os homens,
crentes e nao crentes".

R.: "Em nivel teológico, que ponto tem sido mais desenvolvido?"

M. Th: "Creio que a doutrina da Eucaristía, a fim de melhorse deter


minar o que esta significa. Ficam problemas a respeito da sua celebracao, a
respeito dos ministerios do sacerdocio e do episcopado assim como no to
cante á sucessao apostólica: principalmente sobre este último ponto será pre
ciso trabalhar muito. O episcopado corno sinal e garantía da continuidade na
sucessao apostólica é algo de fundamental, como eu dizia antes. Será neces-
sário tambérn redescubrir o papel do Bispo de Roma como ministro da uni
dade da Igreja universal, como guia do colegio dos Bispos, como aquele que
recebeu o carisma de fazer a Igreja caminhar e de falar ao mundo em nome
de toda a Igreja".

R.: "Pode-se prever a data da plena unidade dos cristaos?"

M. Th: "Nao podemos ser profetas a este respeito. Após o Concilio,


nos diálogos ecuménicos em m'vel teológico, compreendemos que podemos
esperar tudo, mesmo contra a esperanca! Mas trata-se de nos entendermos
sobre o tipo de unidade que realizaremos. Recentemente Osear Cullmann1,
num de seus livros, afirmava que os cristaos poderlo permanecer como es-
tao, com as suas divergencias, mesmo na fé, e travar urna especie de pacto de
paz e amizade entre si. Estimo Cullmann, mas este ecumenismo de linhas pa
ralelas nao me entusiasma. Oevemos procurar a unidade nos pontos funda
mentáis da fé; alguém chamará isto utopia, mas a utopia faz parte da espe
ranca dos cristSos, pois n3o podemos permitir que ela se realize tao somente
no Reino ou no além; Cristo rezou para que sejamos unidos hoje, neste mun
do. N3o sabemos quando isto há de acontecer, mas desejamos procurar a

1 Teólogo sufgo protestante, muito chegado é Igre/a Católica. (Nota do Tra-


dutor).

440
FALA MAX THURIAN: ECUMENISMO

verdade e seguir realmente Jesús em todas as etapas; esta unidade um dia


ocorrerá".

R.: "A respeito das funcSes do Papa, quais sao as sentencas?"

M.Th: "Se consideramos o diálogo entre católicos e anglicanos, verifi


camos que se deu um passo á frente para acolher este ministerio. A Confe
rencia de Lambeth dirá se todas as seccoes da Comunháo Anglicana estío
de acordó. Com os ortodoxos, o entendimento é mais difi'cil, porque consi-
deram o Papa como primeiro Ínter pares, o primeiro Patriarca da antiga
'pentarquia' (juntamente com os de Constantinopla, Alexandría, Antioquia
e Jerusalém). Nao aceitam a jurisdicao universal do Papa. Quanto aos outros
cristaos, mantém intensa rede de contatos com o Bispo de Roma (muitos
grupos deles assistem ás audiencias papáis), contatos que ajudam a compre-
ender melhor a funcao do Bispo de Roma".

R.: "Os anglicanos parecem estar mais próximos de Roma..."

M.Th.: "Diría que sim, principalmente na Inglaterra; mas, repito, nao


se deve falar de eventual fusáo, e sim da Igreja anglicana em comunháo com
a de Roma, ao lado da Igreja Católica Romana, que já existe na Inglaterra:
seriam mais ou menos dois ritos, duas familias espirituais.1 Veremos como
se desenvolverlo as conversacoes..."

R.: "Entre nao católicos, nao se pensou em programar um Concilio


ou algo de semelhante?"

M. Th.: "Nao. Eu diría que a única sede na qual isto poderia ocorrer, é
o Conselho Mundial das Igrejas; houve as grandes assembléias de 'Fé e Cons-
tituicao' ñas quais foram discutidos temas de muita importancia. Mas há
urna diferenca em relacao aos católicos, que pude verificar no Sínodo de
1985: no final das assembléias protestantes, pode-se apenas redigir um reía-
torio carente de autoridade, visto que cada Igreja o pode aceitar ou recusar.
Ao contrario, fiquei muito impressionado pelo discurso do Papa, que, no
fim do Sfnodo dos Bispos dedicado ao balanco dos vinte anos após o Conci
lio do Vaticano II, disse que aceitava o texto elaborado pelos padres sinodais
e o publicaría como conclusao do Sínodo, conferindo a tal documento o
peso da autoridade papal."

1 Max Thurian quer dizer: naja unidade, nao, porém, uniformidade. Poderao
conservarse costumes própríos de cada regiSo. (Nota do Tradutorj.

441
_10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

R.: "Os ortodoxos já há tempos anunciam um Concilio pan-ortodoxo".

M. Th: "Existe urna Comissao preparatoria, cujos trabalhos procedem


muito lentamente. É preciso nao esquecer que a Ortodoxia compreende qua-
torze tgrejas autocéfalas, a maioria situada em países marxistas; por isto é
mais difícil chegar rápidamente a um acordó sobre o programa de um Con
cilio. Ainda nao se sabe quando e onde se realizará tal Concilio."

R.: "Qual o seu modo de pensar sobre a abertura que parece estar
acontecendo nos países comunistas em relacSo aos cristáos?"

M. Th.: "Parece que realmente algo está mudando naquelas paragens.


Esperemos um pouco. Pessoalmente, creio que isso é um efeito do poder do
Evangelho. Aquela gente viveu setenta anos num contexto anticristao e,
apesar disto, transmitiu o Evangelho em toda parte. Conheci em Paris um
estudante ortodoxo que se preparava para receber o sacerdocio; contou-me
que, enquanto na escola era educado para o ateísmo, aos dez-doze anos to-
mou conhecimento dos icones que a sua avó guardava escondidos num ar
mario. Quis entao informar-se melhor a respeito do Cristianismo e foi pro
curar um sacerdote. Daquele momento em diante a sua vocacao foi amadu-
recendo. Fala-se, muitas vezes, do ministerio das mulheres na Igreja; ora
que grande ministerio exercem essas avós na Rússia ao transmitirem o Evan
gelho!..."

R.: "Os seus livros contribuiram para urna evolucSo teológica no ámbi
to da Reforma?"

M. Th: "Posso dizer que o meu pensamento, ao menos como foi ex-
presso no meu livro sobre a Eucaristía, foi bem recebido... Quanto ao mais,
nunca pude — nem o desejo — verificar se e quanto influí sobre os outros.
Posso dizer que sempre fui católico..."

R.: "Expliqúense melhor".

M. Th.: "Julgo que a Igreja Católica é a Igreja Mae. A propósito per-


guntaram ao pastor Boegner1 se o paréntese da Reforma podia ser tido co
mo encerrado. Alguns pensam que ainda há necessidade de crítica e de tes-
temunho em relapso a Roma; mas isto pode ser muito bem efetuado dentro
da ComunhSTo Católica".

1 Pastor chefe dos cristáos calvinistas da Franca. (Nota do tradutor).

442
FALA MAX THURIAN: ECUMENISMO

R.: "Sao muí tos no ámbito protestante que p«n»a m como o Sr.?"

M. Th: "Mais do que se pensa. O futuro nos mostrará que se vai per-
correndo um grande caminho em demanda da unidade em comunhao com a
Igreja Católica. O Concflio mudou muitas coisas, de modo que, a meu ver,
existem hoje as condicóes para que o paréntese da Reforma possa ser fecha
do; em última análise, o que aconteceu no sáculo XVI derivava-se da exigen
cia de reafirmar a raíz cristológica da Igreja; ora o Vaticano II deu urna res-
posta católica a tal exigencia, apresentando-nos urna Eclesiologia plenamen
te fundada sobre a Cristologia".

R.: "Que diría para concluir com um sinal de esperanca?"

M. Th.: "Comecaria citando urna passagem da 'Historia de urna Alma'


de Sta. Teresa de Lisieux, que diz textualmente: 'Pensando no Corpo Mís
tico da Igreja, nao me vejo em nenhum dos membros que Sao Paulo descre-
veu ou, melhor, quero ver-me em todos. Assim compreendi que a Igreja tem
um Corpo composto de varios membros, mas que neste Corpo nao pode fal
tar o membro indispensável e mais nobre: compreendi que a Igreja tem um
coracao, um coracao inflamado de amor. Compreendi que sonriente o amor
leva a acao os membros do Corpo da Igreja e que, urna vez extinto este
amor, os Apostólos nunca teriam anunciado o Evangelho, os mártires nao
mais teriam derramado o seu sangue; compreendi que o amor abrange em
si todas as vocapdes, que o amor é tudo e se estende a tudo, a todo tempo e
a todo lugar. Numa palavra: compreendi que o amor é eterno. Entáo com
suma alegría desperté) e em meu ánimo exclamei: Ó Jesús, meu amor, encon-
trei finalmente a minha vocacao. A minha vocacao é o amor. Encontrei o
meu lugar na Igreja e, este lugar. Tu mo deste, meu Oeus. No coracao da
Igreja minha Mae, eu serei o amor; assim o meu desejo se tornará realidade!'

Ora eu quisera resumir assim a atitude do ecumenismo: se estamos no


Coracáo da Igreja, podemos compreender tudo".

2. REFLETINDO...

Max Thurian, que (como ele mesmo diz) sempre foi católico de cora-
pao, faz afirmagóes realistas e sinceras, das quais destacamos os seguintes
pontos:

1) é para desejar a uniao de todos os cristaos sob o primado de magis


terio e jurisdicáo do Bispo de Roma, fator de unidade da Igreja inteira.

2) Reconhecam-se as dificuldades que este objetivo encontra nos di


versos setores do Cristianismo.

443
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

3) Mas, ao mesmo tempo, observem-se os muitos passos já dados e


ainda em curso na demanda de tal ideal.

É muito alvissareiro o pensamento de Max Thurian, o qual, alias, julga


haver muitos colegas que pensam como ele dentro do Protestantismo. - Nao
podemos deixar de notar a diferenca existente entre a linguagem de Max
Thurian e a dos protestantes mais recentes do Brasil, que revelam paixao
alimentada por preconceitos. Queira Deus iluminar todos os cristaos para
que realmente se encontrem na unidade de um só rebanho, movido pelo in
tento de servir únicamente a Cristo e ao Evangelho (cf. Jo 17,21)!

3. APÉNDICE: CONFISSAO, CELIBATO, SACERDOTIZAS

Foram outrossim colocadas tres perguntas a Max Thurian a respeito de


assuntos candentes:

1) O sacramento da Confissao está em crise. Em algumas igrejas cató


licas os fiéis deixaram de o freqüentar. Que diz o Sr. a este propósito?

Max Thurian: "A crise se prende a diversos fatores. Por exemplo, pen
só no progresso das ciencias psicológicas, segundo as quais o diálogo com o
médico substituí o diálogo com o sacerdote. Mas também estou convencido
de que, onde há urna catequese adequada, a exigencia de Confissao se faz
sentir. Nos o observamos em Taizé: os jovens pedem a ocasiao de abrir o seu
íntimo; assim procuramos fazer que na igreja haja sempre dois sacerdotes
dispostos a ouvir a confissao sacramental. Talvez fosse bom juntar o colo
quio pessoal (que outrora se chamava 'direpao espiritual') com o sacramento
da Reconciliacao. Ná*o compreendo, em absoluto, este abandono da Confis
sao, riqueza da Igreja Católica que nem Lutero nem Caivino jamáis recusa-
ram".

A respeito do celibato, disse M. Thurian:

"Ñas Igrejas da Reforma foi deixado o celibato á escolha de quem


exerce o ministerio. Mas, com o desenvolvimento das comunidades, o celiba
to foi recolocado em lugar de honra como forma de servico ao Senhor. Mui-
tas vezes observo as grandes dificuldades encontradas por pastores casados,
constrangidos a ocupar-se com coisas estranhas ao ministerio. Em todo caso,
trata-se de um servipo em prol do Reino - diz o Evangelho - e, por isto, eu
o considero um tesouro muito importante da Igreja Ocidental".

444
FALA MAX THURIAN: ECUMEN1SM0 13

A propósito da orden apio de mulheres, declarou Thurian:

"Reconhecemos que, dentro da variedade de posicoes, a maioria das


comunidades da Reforma, sejam luteranas, sejam calvinistas, aceita a ordena-
pao das mulheres, partindo da consideragao da igualdade dos dois sexos: se
um homem pode dirigir urna empresa, também o pode urna mulher; o mes-
mo se daría no tocante ao pastorado. Nutro grande hesitagáo neste parti
cular. Nao basta (do ponto de vista teológico) colocar a casula sobre os om-
bros de urna mulher para torná-la sacerdotiza. Parece-me que há ai' urna
excessiva inspiracao do feminismo considerado como imitacao (se o homem
faz algo, também a mulher o deve fazer). Talvez nao se refuta suficientemen
te sobre o servíco próprio da mulher na Igreja. O sacerdocio, para os católi
cos, está ligado ao sacrificio de urna vida totalmente dedicada ao ministerio.
Entao digo eu: a mulher já tem os seus sofrimentos como míe e como edu
cadora dos filhos; por que ainda queremos molestá-la com o fardo do sacer
docio? Isto nao impede que eu conheca mulheres-pastores que desempe-
nham muito bem o seu oficio".

Tais observacoes de Thurian sao especialmente significativas porque


procedem de alguém que foi educado dentro de concepcoes totalmente
avessas ao sacramento da Confissao, ao celibato sacerdotal, á unidade da
Igreja... e que, por seus estudos, sua reflexáo e sua disponibilidade de co-
racao 3 grapa de Deus, chegou ás conclusóes opostas ou ao modo de pensar
católico. Assim se deu com John Newmann, Louis Bouyer, Wolfgang
Tschuschke e muitos outros que, sem preconceitos, interessados únicamen
te pela descoberta da verdade, acabaram professando o Catolicismo.

(continuacao da p. 449)

como a prática da poligamia, que ofende a própria lei natural ou a instituí-


gao natural do matrimonio.

Apesar de julgarem os cristaos extravagantes e exagerados, os maome-


taños dedicam-lhes especial amizade, de acordó com os seguintes dizeres do
Corao:

"Verás que aqueles que sao mais vizinhos e amigos dos que créem, sao
os que dizem: 'Somos cristaos'. Entre estes, encontram-se sacerdotes e mon-
ges, que sao pessoas que nao se incham de orgulho" (CorSo 5,82).

Possa o Espi'rito Santo agir no coracáo daqueles que se dizem filhos


de Abraao, para que mais e mais cheguem ao conhecimento da verdade
revelada!
Estévfo Bettencourt O.S.B

445
Em resposta a mu ¡tos:

Max Thurian Explica...

Em um artigo de "Courrier", quotidiano católico de Genebra, Max


Thurian expoe sua caminhada espiritual. Desse artigo extraímos e traduzi-
mos as passagens que mais significativas parecem:

"Algunsamigos pediram-meque respondesseássuas perguntas. Facoo


hoje com prazer, ciente de que nao se trata de coisa extraordinaria, mas de
um ato normal dentro da evolucao continua do meu modo de pensar e vi-
ver; os que me conhecem profundamente e de longa data, o reconhecerao
comigo.

Fui ordenado presbítero na Igreja Católica que está em Ñapóles.


Liames muito profundos me uniram a essa comunidade. Encontréi em IMápo-
les urna Igreja fraterna, cuja vida litúrgica me marcou profundamente.

Oesejei que a minha decisáo f icasse reservada a fim de que ninguém so-
fresse pelos comentarios que se fariam a respeito e porque ela faz parte de
urna caminhada que é puramente espiritual, conforme o Evangelho: 'Quan-
do a ti, quando rezares, retira-te e ora ao teu Pai que te escuta no segredo. '
(Mt 6,6)...

Havia muito que eu me sentía profundamente católico; aqueles que


me conhecem, sabem-no bem. Experimentei a ¡rresisti'vel necessidade de por
minha vida de ministro de Cristo em acordó com o meu modo de pensar
freqüentemente expresso no diálogo ecuménico. Isto nao implica juízo
algum a respeito de quem quer qué seja...

Os meus estudos sobre a Eucaristía, a Liturgia em geral levarammea


desejar irresistivelmente a celebracao quotidiana da Palavra e do Sacramento
na Igreja, que me concede a possibilidade e a missáo de o fazer. Essa celebra-
cao quotidiana da Eucaristía (Palavra e Sacramento) parece-me primordial
e fundamental para a vida sacerdotal de um ministro de Cristo: experimento
toda á forca e a alegria disto na bela Liturgia tradicional da Igreja, redesco-
berta, em suas fontes, pelo Concilio do Vaticano II.

446
MAX THURIAN EXPLICA. .. 15

O diálogo ecuménico sobre o ministerio, segundo a Palavra de Deus,


assim como a vida litúrgica e pastoral, convenceram-me do caráter sacramen
tal da ordenacfo pela imposicSo das míos e a epiclese (invocacao) do Espiri
to Santo. Desejei entSo receber o sacramento da Ordem para ser integrado
no ministerio confome a Igreja dos Padres1 e poder celebrar a Eucaristía em
plena comunhfo com toda a Igreja. O ministerio que eu realizava (segundo a
interpretacao católica, como por antecipacao) recebeu o sacramento da
Ordem, que Ihe dá a plenitude, como consumacao no misterio da Igreja.

A Igreja dos Padres, em continuidade com a Igreja dos Apostólos, é


urna Igreja episcopal, que reconhece nos Bispos os sinais e os ministros da
unidade católica e da sucessSo apostólica. Esta certeza doutrinária, amadure-
cida no diálogo ecuménico, foi confirmada pela experiencia, no contato com
numerosos Bispos e com o ministerio de unidade da Igreja local ou parti
cular.2

Joao Paulo II revelou-me urna imagem forte do Papa que vigía sobre a
Igreja, proclamando em toda parte a Palavra de Deus com coragem, confian
za e autoridade. A sua personalídade e o seu ministerio convenceram-me da
necessidade de que o Bispo de Roma, sucessor de Pedro, traga o encargo de
guia e arbitro na colegialidade dos Bispos e procure, na obediencia ao Senhor,
as vias da unidade entre as Igrejas particulares e as novas perspectivas de
evangelizacao do mundo. O seu pastoreio universal é necessário á reconsti-
tuicao da unidade visi'vel entre todos os crista'os.

A encíclica Redemptoris Mater de JoSo Paulo II confirmou-me na cer


teza de que a Virgem Maria, Mate de Deus, desempenha, por grapa, um papel
decisivo na historia da salvacao e continua, por sua ¡ntercessao maternal, a
sustentar no combate espiritual todos os discípulos de Cristo que consti-
tuem a Igreja, da qual Ela é a figura e o modelo. A piedade mariana leva-nos
á escuta da Palavra de Deus, ao amor de Cristo e á renovacáo do Espirito
na Igreja, Ma*e dos fiéis.

Confio-me á oracfo de todos a fim de que eu guarde a alegría na cele-


bracao da Eucaristía, na Liturgia das Horas, no ministerio da reconciliacao.

1 Chamase "Igreja dos Padres" a Igreja dos primeiros sáculos, até 604 no
Ocidente (morte de S. Gregorio Magno, Papa) e 749 no Oriente ímorte de
S. Joao Damascenol. Foram sáculos em que viveram os grandes doutores
que, defendendo a reta fé, transmitirán} a Palavra da vida ás geracoes poste
riores. Daf chamaremse "Padresda Igre/'a".

2 Igreja particular ou local é cada diocese ou bispado.

447
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

ao servido da unidade visíval dos cristá~os. Conserve sempre a abertura do


coracao e do espirito para todos aqueles que querem amar a Deus, servir ao
Cristo, vivar na comunhSo do Espirito Santo.

Quisera poder dizer sempre de novo estas palavras de Santa Teresa de


Ávila: 'Que nada te perturbe, nada te espante. . . De nada careces. Só Deus
basta'.

Genebra, 20 de junho de 1988


(a) Max Thurian"

(Traduzido do texto francés publicado por BIPSNOP-SOP. Bulletin


Oecuménique d'Information, n° 638, 13/07/88, pp. 6-8).

* * X

COMENTARIO

Os dizeres de Max Thurian sugerem algumas reflexóes:

1) Pode-se dizer que o que atraiu o monge protestante de Taizé á Igre-


ja Católica, foram cinco elementos: a Eucaristía, o sacramento da Ordem, o
Sacramento da Igreja, o Papado, a presenca de María:

— a Eucaristía, reconhecida nao como mero símbolo da Paixao de


Cristo, mas como perpetuacao da mesma sob forma sacramental. Esta é real
mente o centro da vida crista; sem ela o Cristianismo se reduz ao culto da
Palavra ou torna-se mera escola de oracfo e morigeracao;

— o sacramento da Ordem perpetua o único sacrificio de Cristo,


dando-lhe máos e labios sempre novos através dos tempos;

— a Igreja como o Grande Sacramento, no qual Cristo vive e conti


nua a sua obra redentora,... Igreja chamada a congregar todos os homens na
unidade;

— o Papa como sinal e fator vísfvel dessa unidade. Pastor universal,


que corajosamente prega o Evangelho a todos os homens;

— a Virgem María, prototipo e miniatura da Igreja, Mae de Deuse


dos homens, na qual cada cristao contempla a Sabedoria Divina e a consu-
macSo que Ihe está reservada.

448
MAX THURIAN EXPLICA. .. 17

2) Os tradicionalistas de Campos acusam a Igreja de haver conferido a


ordenagao sacerdotal a Max Thurian "sem que ele tenha feito qualquer abju-
racao de suas heresias". A propósito observamos: nao é necessário que a
abjuracao de heresias tenha sido pública a ponto de merecer divulgapao pe
los ¡ornáis. Ademáis vé-se que, quando Max Thurian pediu as ordens sacras,
já era católico e já havia professado posicoes católicas através de seus escri
tos e trabalhos.

Seja o exemplo desse monge e teólogo eloqüente sinal junto aos


irmaos separados, que a Palavra de Deus tende a reconduzir ao único reba-
nho de Cristo!.. .
* ¥ *

(continuapao da p. 480)

A primeira grande divisáb é a de Sunitas e Sciftas. Os primeiros se-


guem a Tradicao (Sunna), como veio através dos primeiros califas (=sucesso-
res do mensageiro de Deus). Os Sciitas, aos quais se acrescentam os harigitas
sao um ramo tido como dissidente, porque segué o califa Ali (665-660), pri
mo de Maomé, ao qual se opunha outro párente do profeta, chamado
Muawija, Governador da Siria.

Os Sunitas representam 90% dos muculmanos atuais, ao passo que os


Sciitas e outros disidentes 10%

De modo geral, entre os maometanos encontra-se um ampio leque de


atitudes perante os desafios do mundo contemporáneo: há os que querem
conciliar sua fé com os costumes da sociedade moderna no tocante aos di-
reítos da muiher e dos filhos e no tocante ao direito penal (o Corao estipula
a lei do taliSo e outras punicoes drásticas). Há igualmente os Fundamentalis-
tas ou "Irmáos muculmanos", que nao aceitam outra Constituicao que nao
o Corao e querem retornar ao Isla dos tempos de Maomé em Medina (tém
sua expressao no Ira de Khomeyni e no Lfbano).

Além do mais, as culturas regionais imprimem suas características aos


muculmanos, de modo que se distinguem os maometanos árabes dos nao
árabes (africanos, turcos, soviéticos, indianos, indonesianos...).

8. Conclusáo
O Isla resulta de urna amalgama de Judaftmo, Cristianismo e antiga re-
ligiao árabe; serviu a Maomé para unificar a populapao da penmsula árabe
e transmitir a seu povo a tempera forte das conquistas polfticas mediante a
Guerra Santa (quem morre em guerra de conquista, tem assegurada a salva-
cao eterna, segundo o Corao). Conserva trapos das suas origens pré-cristas

(continua na p. 445)

449
Aínda o caso Lefebvre:

"Resistir ao Papa Hoje,


como outrora"?

Em sintese: D. Maree/ Lefebvre e seus seguidores fundamentam sua


avtude cismática em episodios da historia da Igreja interpretados de manei-
ra um tanto preconcebida. Para dissipar malentendidos, o presente artigo
expoe, com as devidas minucias, as ocorréncias havidas entre S. Atanásio e
o Papa Libério no sáculo IV, assim como a atitude dos Bispos e Santos do
sáculo XII frente ao Papa Pascoal II. O exame objetivo dos fatos mostra que
naopodem ser evocados como precedentes ou paradigmas para a insubordi
nado de D. Lefebvre. Ademáis é de notar que nem tudo na vida dos Santos é
modelar; estes tiveram seus deslizes, dos quais, com a graca de Deus, se redi-
miram para poder a fingir a perfeicao ou a san tidade.

se * *

O caso Lefebvre, amplamente divulgado pela ¡mprensa, deixou dúvidas


na mente de muitos leitores. Entre outros argumentos em favor da ¡nsubor-
dinacáo do arcebispo, está o dos "precedentes já ocorridos na historia da
Igreja"; dois destes foram explícitamente citados no manifestó "Sobre a Sa-
gracao de Bispos" do Pe. Fernando Aréas Rifan, "portavoz dos Padres de
Campos fiéis á Tradicao". Ei-los:

"A historia da Igreja registra exemplos de Santos que ameacaram rom


per com a autoridade eclesiástica prevaricadora para permanecerem fiéis.
Assim Sio Godofredo de Amiens, Santo Hugo de Grenoble e Guido de
Viena (que mais tarde foi o Papa Calixto II) escreveram ao Papa Pascoal II
que vaci/ava na questao das Investiduras: 'Se, como absolutamente nao ere
mos, escolherdes outra vía e vos negardes a confirmar as decisoes de nossa
patemidade. valha-nos Deus, pois assim nos estaréis afastando da vossa obe
diencia' (apudBouix, Tract. de Papa, t. II, p. 650).

Santo Atanásio, no século IV, nSp obedeceu ao Papa Libério que fa


vorecía a heresla anana. Por isso o Papa o excomungou (cf. Dz. Schoenmetzar
138. Ep. Studens Pac¡¿ Tanto a ordem como a excomunhao foram arbitra
rias. Por isso nao valeram. B Santo Atanásio nao foi cismático. Enquanto o

450
REGISTIR AOPAPA? 19

Papa Liberto passou é historia como fautor de heresia, Santo Atanásio foi
canonizado pela Igre/a. E ele está no céu. £ é o que importal"

Estas notreías referem-se a fatos respectivamente dos sáculos XI/XM e


do sáculo IV muito sumariamente relatados. A historia é mais complexa e
merece ser narrada com a devida amplidao para que se perceba se ela pode
fundamentar a atitude de D. Lefebvre e de seus seguidores.

1. S. Atanásio e o Papa Libério

O sáculo IV foi marcado pelas disputas em torno do Arianismo, here


sia que negava a Divindade do Filho (Logos). Em 325 o Conci'lio de Nicéia I
definiu solenemente a verdade da fé, proclamando o Filho "Deus verdadeiro
de Deus verdadeiro, consubstancial (homoousios) ao Pai". S. Atanásio
(t373), Bispo de Alexandria, tornou-se o grande mensageiro e defensor da
fórmula de Nicéia. Diante desta definicao, o Arianismo se dividiu em faecóes,
que, de maneira muito sutil, propugnavam a heresia, usando fórmulas seme-
Ihantes, mas nao iguais á do Concilio de Nicéia I. Foi sobre este paño de
fundo que o Papa Libério governou a Igreja de 352 a 366.

Neste período o Imperador Constancio II, de Constantinopla, favore


cía o Arianismo e pretendía ¡mpó-lo aos Bispos. Exilou os Prelados que Ihe
resistiam e envióu a Roma um emissárío portador de presentes e de ameagas
para obter do Papa Libério a condenacao de S. Atanásio e a adesáo á heresia.
O Pontífice resistiu nos seguintes termos (como refere o próprio S. Ataná
sio em Historia Arianorum XXXV • XXXVII):

"Julga tu mesmo se é possível aquilo que me pedes. Podemos nos con


denar Atanásio depois que foi declarado inocente nao só por um primeiro
Concilio, mas por urna segunda assembléia convocada de todas as partes da
térra e depois que a Igreja Romana o despediu em paz?. .. Se o Imperador
deseja a paz da Igreja e quer anular tudo o que ordenamos para a justifica'
cao de Atanásio, deverá anular tambóm tudo o que foi feito contra Ataná
sio. Deverá anular outrossim o que foi feito contra todos os outros. A seguir,
convocar-se-á urna assembléia eclesiástica longe do palacio, ó qual o Impera
dor nao assistirá..., na qual nenhum juiz aplicará terror e ameacas, na qual
reinará o temor a Deus só e a única regra serio as determinacoes dos Apos
tólos. A primeira coisa a fazer será conservara fé da Igreja conforme a defi-
nicSo que nossos Pais formularam no Concilio de Nicéia. é preciso que os
seguidores de Ario sejam excluidos e aqueles cuja fé é pura, tenham plena
autoridade".

451
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

O mensageiro do Imperador, tendo ouvido estas palavras, prorrompeu


em ameacas e foi levar á ¡greja de S. Pedro os presentes de que o encarregara
o monarca. Mas o Papa deu ordens para que se jogasse tora da ¡greja essa
quantia.

O Imperador entao mandou seqüestrar o Papa durante a noite (por


medo dos cidadaos romanos, que muito estimavam Libério). Constancio I!
em Milao disse ao Papa:

"Jé que és cristao e Bispo da nossa cidade (Roma), /u/gamos conve


niente mandar-te vir e intimarte a recusar a comunhao ao fmpio Atanásio,
cu/a audacia é indizfvel. Isto foi tido como oportuno pela térra inteira, que
por urna sentenga de Concflio, o rejeitou da comunhao eclesiástica".

Respondeu o Papa:

"Principe, as sentencas da Igreja devem ser pronunciadas com grande


justíca. Se, pois, o dese/as, ordena que haja julgamento. E, se Atanásio mere
ce ser condenado, proferirSo urna sentenca contra ele na forma obrigatória
do procedimento eclesiástico. Mas nos nao podemos condenar um homem
que nao jutgamos".

Replicou o Imperador:

"Quanto pensas valer neste mundo, tu que tomas o partido de um


homem impío e perturbas a paz da térra inteira?"

Disse o Papa:

"Posso estar só, a fé nada perde; em tempos passados ficaram apenas


tres para resistir".'

Continuou o Imperador, vendo que o Papa resistía:

"Trata-se de urna só coisa. Toma o partido da paz; assina e voltarás


para Roma".

O Papa: "Jé me despedí de todos os irmaos que estao em Roma. As


leís da /greja tém mais valor do que a residencia em Roma".

O I mperador: "Tens tres días para te decidir: se queres assinar, volta


rás para Roma. Se nio, pensano lugar para onde queres ser exilado".

O Papa: "Tres días nao mudarao a minha decisao. Exila-me para onde
quiseres".

1 Alusao aos tres jovens /aneados na fornalha ardente, conforme Dn 3,8-23.

452
REGISTIR AOPAPA? 21

Dois dias depois o Papa foi desterrado para Beréia na Trácia, onde o
bispo ariano Oemófilo ficara encarregado de o vigiar. Em lugar de Libério, o
Imperador instituiu como antipapa em Roma o diácono Félix (355).

O comportamento de Libério no exilio é controvertido. Existem a res-


peito quatro cartas atribuidas a este Pontífice, cuja autenticidade é discuti
da.1 Parece que o Papa cedeu a pressao dos adversarios assinando uma fór
mula de fé dita "SCrmica" (do Concflio de Si'rmio); esta nao era herética,
pois afirmava que o Filho é "Deus de Deus"; apenas nao usava a palavra
homoousios (consubstancial). Embora esta atitude do Papa nao satisfizesse
aos hereges arianos, o Imperador permitiu que o Pontífice voltasse para Ro
ma em 357, pois pudera apreciar a estima que os fiéis conservavam ao seu
Bispo; no próprio circo o povo pedirá a Constancio o retorno de Libério. O
antipapa Félix nao resistiu ás manifestacoes dos fiéis e se retirou da cidade
de Roma, vencido pela evidencia dos fatos.

Quanto a atitude de Libério em relacao a S. Atanásio, é descrita pela


primeira das quatro cartas de autenticidade discutida (atrás mencionadas);
se é fidedigna, somos informados de que Libério em 352 reuniu um Sínodo
em Roma, para o qual convocou S. Atanásio; este, porém, nao julgou opor
tuno viajar no momento; por isto terá sido condenado por Libério. Tal noti
cia, porém, nao concorda com os dados que o próprio Atanásio fornece na
sua obra Historia Arianorum (atrás citada): precisamente antes de ser exila
do em 355, o Papa terá feito a apología de S. Atanásio perante o Imperador,
merecendo por isto o exilio; como entáo teria condenado Atanásio em 352
e nao faria referencia a isso em 355? Daí o impasse dos historiadores diante
da exigua e obscura documentapáo existente sobre o assunto. Como quer
que seja, se Atanásio foi condenado pelo Pontífice, ele o foi por motivos
disciplinares ou por razdes contingentes e nao por causa de divergencias dou-
trinárias. É preciso reconhecer que o contexto histórico de meados do sé-
culo IV foi muito complexo: a sutileza da linguagem técnica, as intervencoes
passionais dos Imperadores, as dificuldades de comunicacáo e transporte...
contribuirán-! para baralhar as idéias e provocar mal-entendidos. Pode-se di-
zer, porém, que nao houve lesáo da reta fé nem por parte de Atanásio nem
por parte de Papa Libério. Este se revelou fraco, cedendo á pressao dos
adversarios pelo fato de assinar uma fórmula de fé que silenciava a palavra
homoousios como senha da ortodoxia. O pensamento de Libério, porém,
fica muito claro desde que se considere que a própria fórmula sírmica subs
crita pelo Pontífice afirma que Jesús Cristo é "gerado antes de todos os sé-
culos, Deus de Deus, luz de luz, por quem tudo foi feito no céu e na térra,
as coisas visíveis e as ¡nvisíveis".2 Estas palavras constituem a mais auténti-

1 Cf. Fr. di Capua, II ritmo prosaigo nelle lettere dei Papi. Roma 1937, p. 240.
2 Ver Denzinger-Schónmetzer, Enquirídio... rR 139.

453
£2 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

ca profissáo de fé da Igreja até hoje. Vé-se, pois, que nao há fundamento


para se dizer que O. Lefebvre se opos ao Papa Paulo II pretensamente
vftima de heresia, como S. Atanásio se opós ao Papa Libério; na verdade,
nem Libério nem Joáo Paulo II sao hereges.

2. Os Santos contra o Papa

2.1. As Investiduras na Idade Media: fatos

Os séculos XI/XII se ressentiram da famosa questao das Investiduras,


que assim pode ser apresentada:

As relapoes entre a Igreja e o Estado sempre foram assunto delicado.


Podem-se conceber tres modalidades das mesmas:

1) o Estado opoese á Igreja por motivos ideológicosou políticos: en-


tao há persegu¡gá"o. Tal foi o caso até 313 (Edito de MilSo, peloqual Cons
tantino fez cessar a hostilidade á Igreja);

2) o Estado ignora a Igreja, tratando-a como qualquer outra sociedade


de iniciativa particular. Tem-se entáo a neutralidade. Ora esta era inconce-
bi'vel após o sáculo IV e por toda a Idade Media, visto que o Imperio Roma
no tinha estado unido á religiao paga;

3) o Estado e a Igreja procuram colaborar entre si. Foi o que se deu na


Idade Media. A Igreja contribuiu valiosamente para a instauracao da civiliza-
cao e da ordem civil abaladas pelas invasoes bárbaras até o século VI; os che-
fes civis eram cristaos e, por isto, professavam respeito ás leisda Igreja. Por
seu lado, esta recebia beneficios (bens e dominios) e protecao das autorida
des civis. Tal ordem de coisas, teóricamente bela e ideal, na prática redun-
dou em perda de parte da liberdade da Igreja; os senhores temporais tenta-
vam dominá-la exercéndo certo cesaropapismo. Apesar de tudo, nao falta-
vam pregadores que apregoavam a viabilidade da almejada colaboracao. Eis
palavras de S. Bernardo de Claraval (t 1153):

"Bu nao sou ¿aqueles que dizem que a paz e a liberdade da Igreja pre-
judicam o Imperio ou que a prosperídade deste prejudica a Igreja. Deus, com
efelto, que é autor de um e. de outra, nao os ligou num comum destino ter
restre para que se destruissem mutuamente, mas para que um se fortificasse
com a outra".

O pfoblema mais delicado desse relacionamento era o da nomeacao e


investidura dos Bispos. Já que os senhores civis reconheciam oficialmente

454
REGISTIR AOPAPA? 23

a Igreja, os bispados eram sujeitos aos reis e aossenhores feudais. Isto acar-
retou graves males para a Igreja, pois cada senhor feudal tinha interesse em
influir na escolha dos Bispos, a fim de poder contar com vassalos fiéis, con-
dizentes com os interesses do soberano. No comepo do século IX, os nobres
já nao se contentavam com a aprovacao dos candidatos escolhidos pela Igre
ja, mas queriam' eles mesmos designar os prelados, apesar dos protestos de
varios Concilios. E nao somente conseguiam designar os prelados: pratica-
vam também a investidura, isto é, a entrega do báculo e do anel, dizendo ao
prelado: "Accipe Ecclesiam. - Recebe a Igreja, isto é, a diocese ou o bispa-
do". O prelado devia prestar juramento de fidelidade ao soberano e reconhe-
cer-se como seu vassalo; somente depois disto recebia a ordenacao episcopal.
Chamava-se isto "a investidura leiga"; assim eram os senhores feudais que
conferiam aos Bispos o poder de conduzir os fiéis como pastores - o que
nao se podia justificar aos olhos da Igreja.

Aos poucos as dañosas conseqüéncias desta praxe foram mais e mais


sensi'veis aos próprios eclesiásticos, que, a partir do século X, comecaram a
luta pela recuperacáo da liberdade da Igreja.

Após os esforcos de Papas e Bispos anteriores, Gregorio Vil conseguiu


vencer a resistencia do Imperador Henrique IV da Alemanha, que, excomun-
gado, fez penitencia em Canossa (26-28/01/1077). O Papa dispós: "Que ne-
nhum eclesiástico receba de qualquer forma uma igreja das mSos de um leigo
quur gratuitamente, quer a título oneroso, sob pena de excomunhao para
aquele que a dá e para aquele que a recebe".

Todavía, mesmo após a penitencia e a absolviólo de Henrique IV, as


reivindicapoes do Imperador continuaram a molestar a Igreja. Henrique V,
filho e sucessor de Henrique IV, era homem sutil e inteligente. Em 1110 fez
sua primeira viagem a Roma para obter a coroa imperial. Entendeuse entao
com o Papa Pascoal II, antigo monge de Cluny, f¡cando estabelecido o se-
guinte (antes da coroapao imperial): o monarca renunciaría as investiduras
e permitiría as eleicoes dos Bispos conforme os cánones da Igreja, mas com
a condicao de que o Papa (se necessário, ameacando excomunhao) ordenas-
se aos prelados alemaes a restituicao de todos os bens e direitos temperáis
que haviam recebido do Imperio. Os Bispados da Alemanha deveriam con-
tentar-se com o dízimo e as doacoes privadas dos fiéis. Esta fórmula pare
cía resolver definitivamente a questao; correspondía ao despojamento mo
nacal do Papa, mas, ousada como era, abalaría a ordem e a economía nao só
da Igreja, mas também do Imperio.

O acordó efetuado entre o Papa e o Imperador em Sutri aos 9 de feve-


reiro de 1111 foi mantido sob sigilo até o dia da coroapao imperial (12/02/
1111); nesta data foram revelados os termos do tratado firmado pelo Papa

455
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

e Henrique V - o que suscitou ¡mediatamente a réplica dos Bispos alemaes


e demais eclesiásticos presentes na basílica de S. Pedro. Pascoal II, nesse
ambiente tumultuado, recusou-se a coroar o Imperador; este reagiu com a
violencia, prendendo o Papa e treze Cardeais na basílica de S. Pedro. O Pon
tífice foi levado para urna prisao alema e terrivelmente ameacado de repre
salias, caso nao cedesse as exigencias de Henrique V; Pascoal II, mergulhado
na humilhapao e na dor, receava piores desgrapas para a Igreja inteira. Por
isto aos 11/04/1111 assinou um tratado em que concedía ao Imperador a
investidura de báculo e anel em favor de candidatos eleitos livre e canónica
mente (mas aprovados pelo Imperador); além disto, o Papa foi obrígado a
declarar que nao molestaría o monarca por causa dos acontecimentos an
teriores nem Ihe imporia a excomunhfo. "Cogor pro Ecclesiae liberatione.
- Sou coagido em vista da libertacao da Igreja", terá exclamado o Pontífice.
Assim obtida a paz, Pascoal II coroou Imperador Henrique V aos
13/04/1111. Todavía logo que se tornaram públicas as novas concessoes
feitas pelo Papa ao monarca, levantou-se grande clamor entre Bispos e teó
logos, que percebiam a violencia infligida ao Pontífice e a iniqüidade do pro
cedí mentó do Imperador; este tencionava solapar os esforcos dos Papas que
nos últimos cinqüenta anos haviam lutado para conseguir a independencia
do Sacerdocio frente ao Imperio; o cesaropapismo voltaria a reinar.

Isto explica que, ao tomarem conhecimento da capitulacao de Pas


coal II, muitos Bispos tenham procurado obter do Papa a revogacáodo pri
vilegio outorgado ao Imperador sob violencia tal que se podia ter como nula
a concessao. Entre as vozes que entSo se fizeram ouvir, destaca-se a de Bru
no, bispo de Segní (Italia), que escreveu ao Papa Pascoal II urna be la carta,
na qual afirmava seu amor ao Pontífice "como a um pai e Senhor"; "en-
quanto vivesse Pascoal II, Bruno nao quería ter outro Papa"; concluia pe-
dindo a Pascoal II que revogasse o privilegio outorgado a Henrique V e
reafirmasse seus propósitos anteriores de ¡sentar a Igreja do poder imperial.

Outra voz, mas fogosa esta, foi a de Godofredo de Amiens, que che-
gou a ser injuriosa ao Papa, considerando-o "nao mais como pastor, mas co
mo profeta corrompido por Satanás" ou "lobo nutrido pelo sangue de suas
ovelhas".

Em me ios aos ánimos exaltados, surgiu o canonista e teólogo Ivo de


Chames, que deu provas de lucidez e equilibrio aptos a evitar um cisma: re-
jeitando tendencias extremadas, fez ver, "com amor filial", que o Papa fora
coagido a assinar um documento tido como condicao de liberdade para a
Igreja; de resto, afirmava (contra a versao disseminada pelos extremistas da
época), a concessao de investidura leiga nao é heresia, pois heresia significa
"recusa obstinada de um artigo de fé" — coisa que nao ocorrera no acordó
de Pascoal II com Henrique V.

456
REGISTIR AOPAPA? 25

Aos poucos, os afetos foram-se acalmando e, em vez de ceder á revolta


e ao cisma, deixaram-se guiar pela fé e pela genuína tradicao da Igreja. Com
efeito; os mais ardorosos adversarios da concessáo feita pelo Papa ao Impera
dor lembraramse de um antigo adagio do Oireito Eclesiástico: "Prima sedes
a nemine iudicatur. — A primeira sé por nenhuma outra instancia é julgada".
Com efeito; já o Sínodo Romano de 501 (Synodus Palmaris) havia formula
do este princfpio que correspondía a urna conviccao manifestada já em sé-
culos anteriores.1 Por efeito desta conviccao, os arautos da liberdade da
Igreja procuraram fornecer ao Papa os meios de retratar-se dos compromis-
sos que sob coacao havia assumido. Pascoal II se fortaleceu diante do Impe
rador e no Sínodo do Latrao (marco 1112), em presenca de cerca de duzen-
tos Bispos e prelados, reafirmou os decretos dos Papas Gregorio Vil e Urba
no II contrarios á Investidura leiga; ficava assim cassado o privilegium ou,
melhor (como se disse), o pravilegium2 extorquido por Henrique V.
A luta em prol da liberdade da Igreja nao terminou nessa ocasiao. Mas
ao objetivo deste artigo bastam os fatos até agora recordados. Sugerem-nos
algumas reflexoes.

2.2. Reflexoes

Cinco pontos se rao explanados a margem dos fatos que acabam de ser
relatados:

1) O Papa Pascoal II podia ter sido mais enérgico frente á pressao do


Imperador Henrique V. Nao se deve esquecer, porém, que é dif i'cil julgar o
comportamento de alguém oito ou nove séculos mais tarde, ditando normas
que deveriam ter sido executadas entáo. É certo que Pascoal 11 era tímido
e pouco adestrado para enfrentar o Imperador, em virtude da sua formacao
monacal.

1 Mais precisamente nótese o seguinte: a heresia ariana no sáculo IV negava


a Divindade de Cristo — o que provocou longos e calorosos debates. Em 343
o Si'nodo de Sárdica (Sofía, na Bulgaria) reconheceu o Bispo de Roma como
a suprema instancia de apelo ñas questoes controvertidas, instancia baseada
na autoridade primacial do Apostólo Sao Pedro. Esta afirmacao tornouse
fundamento para que no sáculo V houvesse diversos apelos é Sé de Roma:
o de Sao Joao Crisóstomo de Constantinopla (404), o de Flaviano de Cons-
tantinopla (449), os de Teodoreto de Ciro e Eusébio de Doriléia em 449,
o de Apiario de Sica em 417/418. . . O Papa Gelásio I formulou explícita
mente o princfpio em 493 e 495, afirmando que a Sé de Roma tem o direi-
to de ¡ulgamento sobre todas as outras sedes, ao passo que ela mesma nao es
tá sujeita a nenhum outro /ulgamento. O Sfnodo Palmar em 501, na cidade
de Roma, nao fez senao repetir tais dizeres.
2Pravum -mau; lex, legis = leí. Donde pravilegium -lei má.

457
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1968

2) Em toda a questSo das Investiduras, nao se tratava de dogmas e


heresias, mas de assuntos meramente disciplinares, como bem ressaltou
S. Ivo de Chartres, á diferenca das opini3es extremadas, que levavam o pro
blema para o campo da ortodoxia/heterodoxia.

3) Ao lado de Santos posicionados contra a decisao de Pascoal II, hou-


ve Santos, como' Ivo de Chartres, Bruno de Segni e o autor anónimo da De-
fensio Paschalis Papae, que se mostraram mais deferentes; nao fizeram amea-
cas, mas, ao contrario, colaboraram positivamente para encontrar urna saída
do problema que nao derrogasse aos princfpios tradicionais e, ao mesmo
tempo, evitasse novas e novas represalias do Imperador. - Sabe-se, alias, que
na vida dos Santos nem tudo foí sempre róseo ou imutável, mas'os Santos
por vezes sofreram seus deslizes, após os quais se recuperaram e encaminha-
ram decisivamente para a santidade.

4) Prevaleceu, mesmo entre os opositores das atitudes de Pascoal II,


o principio, muito antigo na Igreja, segundo o qual "a primeira sede por
nenhuma outra instancia pode ser julgada". Esta premissa se deve nao a
presuncao de que os Pontif fces Romanos sejam sempre dotados de extraor
dinarias qualidades humanas, mas á conviccao de que quem governa a Igreja
e, conseqüentemente, assiste ao Papa, é, em última análise, o próprio Senhor
Deus. Disto se segué que os alvitres e as atitudes dos Sumos Pontífices me
rece m especial respe¡to enquanto nao haja evidentíssimas razóes de que nao
se Ihes deve obediencia. Seria oportuno que os irmaos lefebvrianos se recor-
dasjem desta verdade e procurassem vivé-la concretamente nesta fase da his
toria da Igreja.

5) Vé-se que é despropositado recorrer indiscriminadamente aos


exemplos dos Santos para fundamentar um comportamento de rebeliao ao
Papa. Os Santos nao sao infalfveis; santificaram-se apesar de suas falhas. De
modo especial v§-se que no sáculo XII os próprios Santos nao se conduziam
todos do mesmo modo diante da decisao do Papa Pascoal II.

Sirvam estes elementos de historia da Igreja para esclarecer os pontos


utilizados pelos tradicionalistas em favor do cisma de D. Lefebvre. Tornase,
mais urna vez, nítido que é fácil simplificar e generalizar a historia, fazert-
do-a dizer o que na verdade os tatos nao dizem.
A propósito:

BIHLMEYER-TUECHLE. Historia da loreja, 3 vols. - Ed Paulinas


SSo Paulo 1964.
DENZINGERSCHOENMETZER, Enchiridion Symbolorum, Defini-
tionum et Declarationum de Robus Fidei et Morum.
FilCHE-MARTIN, Histoire de l'Eglise, vol. III e IX. Ed. Bloud et
Gay, París.

458
Tradigáo e Progresso

0 caso Lefebvre pos mais urna vez em foco o binomio "TradicSo e


Progresso", que ¡nteressa a realidade de todo organismo ou de toda socieda-
de viva, como é a S. Igreja de Cristo.

Ora precisamente aos 8 de abril de 1988, antes do cisma de D. Lefebvre


(30/06/88), o S. Padre Joao Paulo II escreveu importante Carta ao Cardeal
Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregarlo para a Doutrina da Fé, a respeito
de tal assunto. Mostra claramente como os dois termos se devem conciliar
na existencia da Igreja, sem que se possa tolerar desvio para algum dos dois
extremos. A autoridade da Igreja, assistida pelo Espirito Santo, está cons
ciente desta lei da vida e procura aplicar-se com zelo á observancia da mes-
ma. - Dado o caráter muito oportuno de tal documento, transcrevemo-lo
na quase-i'ntegra a partir do texto portugués oficial publicado no periódico
"L'OSSERVATORE ROMANO":

"Ao meu Venerável lrmá*o JOSEPH Cardeal RATZINGER


Prefeito da Congregacáo para a Doutrina da Fé

Neste período litúrgico, em que revivemos, ñas celebracoes da Semana


Santa, os acontecitnentos pascáis, adquirem para nos urna atualidade peculiar
as palavras com que o Senhor fez sos Apostólos a promessa da vinda do Es
pirito Santo: "Eu pedirei ao Pai e ele vos dará outro Consolador, para estar
convosco para sempre, o Espirito da verdade. . . que o Pai enviará em meu
nome, ele ensinar-vos-á tudo e vos recordará tudo o que au vos ensinei"
(Jo 14.16-17.26).

Em todos os tempos a Igreja foi guiada pela fé nestas palavras do seu


Mestre e Senhor, com a certeza de que, grapas ao auxilio e á asistencia do
Espirito Santo, permanecerá para sempre na Verdade divina, conservando a
sucessSo apostólica, medrante o Colegio dos Bispos unido com o seu Chefe,
o Sucessor de Sao Pedro.

459
28 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

A Igreja manifestou esta conviccao de fé também no último Concilio,


que se reuniu para reconfirmar e corroborar a doutrina da Igreja herdada da
Tradicáó, que já existe há quase vinte sáculos, como realidade viva que vai
progredindo, em relapso com os problemas e com as necessidades de todos
os tempos, tornando mais profunda a compreensfo de quanto já está conti-
do na fé transmitida de urna vez para sempre (cf. Jud. 3). Nos alimentamos
a conviccao profunda de que o Espirito da verdade que instruí a Igreja (cf.
Apoc. 2,7-11.17 e outros), falou - de urna maneira particularmente sole-
ne e autorizada - mediante o Concilio Vaticano II, preparando a Igreja para
entrar no terceiro Milenio depois de Cristo. Dado que a obra do Concilio
constitui, no seu conjunto, urna nova confirmacao da mesma verdade vivida
pela Igreja desde o principio, ela é simultáneamente 'renovamento' desta
única verdade (urna 'atualizacao' - aggiornamento, segundo a conhecida ex-
pressao do Papa Joao XXIII), para tornar mais próximas da grande familia
humana, no mundo contemporáneo, quer a maneira de ensinar a fé e a mo
ral, quer também a atividade apostólica e pastoral da mesma Igreja. E é bem
conhecido quanto este 'mundo' atual se apresenta diversificado e até divi
dido. ..

Nos somos testemunhas de um vasto trabalho da Igreja, no periodo


pos-conciliar, para fazer com que este 'novum' (algo de novo) constituido
pelo Concilio Vaticano II penetre de modo adequado na consciéncia e na
vida de cada urna das comunidades do Povo de Deus. Todavía, de par com
este esfqrco, foram surgindo tendencias que criam urna certa dificuldade aos
trámites para a realizacá*o do mesmo Concilio. Urna destas tendencias é ca
racterizada pelo desejo de mudancas, que nem sempre estao em sintonía
com os ensinamentos e com o espirito do Concilio Vaticano II, muitoem-
bora os fautores procurem fazer referencia aos textos conciliares. Semelhan-
tes mudancas teriam em vista expressar um progresso; e, por isso, esta ten
dencia é designada pelo nome de 'progressismo'. O progresso, neste caso, é
urna aspiracao voltada no sentido do futuro, que rompe com o passado, nao
tendo em conta o papel da Tradicao, que é algo fundamental para a missao
da Igreja, para que esta possa manter-se na Verdade que Ihe foi transmitida
por Cristo e pelos Apostólos e que é guardada com diligencia pelo Magiste
rio.

A tendencia oposta, que habitualmente é definida como 'conservado-


riimo', ou entffo como 'integrismo', detém-se no passado em si mesmo, sem
ter em conta a reta aspiracao que se volta na obra do Concilio Vaticano II.
Enquanto a primeira tendencia parece apostada em reconhecer como justo
aquilo que é 'novo', esta outra, ao contrario, considera justo somante aqui-
lo que ó 'antigo', reputando-o sinónimo da Tradicao. Contudo, nao é o
'antigo', enquanto tal, nem é de per si o 'novo' aquilo que corresponde ao
conceito real da Tradicfo na vida da Igreja. Este conceito quer indicar, de

460
TRADICÁO E PROGRESSO 29

fato, a permanencia fiel da Igreja na verdade recebida de Deus, através das


vicisitudes muláveis da Historia. A Igreja, á semelhanca daquele pai de fa
milia de que fala o Evangelho, 'tira com sagacidade 'coisas novas e coisas
velhas' do seu tesouro' (cf. Mt 13,52), permanecendo em absoluto obedien
te ao Espirito da verdade, que Cristo deu á mesma Igreja como Guia divino.
E a Igreja realiza esta obra delicada-de discernimento através do Magisterio
auténtico (cf. Const. Lumen Gentium, 25).

A posicao que tomam as pessoas, os grupos ou os ambientes ligados a


uma ou outra das aludidas tendencias, pode ser compreensível, ató certo
ponto, particularmente após um acontecimento táo importante na historia
da Igreja, como foi o último Concilio. Se, por um lado, ele desencadeou
uma aspiracao para o renovamento (etambém nisto está contido um elemen
to de 'novidade'}, por outro lado, alguns abusos na tramitacao dessa aspira-
pao, enquanto esquecem os valores essenciais da doutrina católica no plano
da fé e da moral, assim como nos demais campos da vida eclesial, por exem-
plo no campo litúrgico, podem e até devem mesmo suscitar uma justificada
objecao. Entretanto, se por motivo de semelhantes excessos se rejeita todo
ou qualquer 'renovamento' sadio em conformidade com os ensinamentos
e com o espirito do Concilio, entao urna atitude assim pode levar a um ou
tro desvio, que está também ele em contraste com o principio da Tradicfo
viva da Igreja obediente ao Espirito da verdade.

Os deveres que, nesta situacáo concreta, se impoem á Sé Apostólica,


requerem uma particular perspicacia, prudencia e judiciosa previsao. A ne-
cessidade de distinguir, daquilo que auténticamente 'edifica' a Igreja, aquilo
que a destrói, torna-se neste periodo uma exigencia particular do nosso ser-
vico em relacao á inteira Comunidade dos fiéis católicos.

A Congregacao para a Doutrina da Fé tem uma importancia-chave no


ámbito deste ministerio, como estao a demonstrá-lo os documentos, ati
nentes á fé e á moral, que esse Oicastério publicou nestes anos mais recen
tes. Entre os assuntos que teve de tratar nos últimos tempos figuram tam
bém os problemas relacionados com a 'Fraternidade de Pió X' fundada e di
rigida pelo Arcebispo Dom M. Lefebvre...

In caritate fraterna

Vaticano, aos 8 de abril do ano de 1988, décimo de Pontificado.

Joannes Paulus Pp. II"

461
Como era?

"Jesús Antes do Cristianismo"

por Albert Nolan

Em símese: O Hvro de Albert Notan tenciona prescindir de todos os


títulos divinos de Jesús para concebé-lo como um Grande Profeta que prega-
va a reforma social em Israel; caso nao fosse ouvido, o povo serla vftima de
tremenda catástrofe; em Mpótese de atendimento, sobrevine o Reino de
Deus como sociedade sem ricos nem pobres.

evidentemente a tese de Nolan inflige violencia ao texto bíblico pois


abstrai da transcendencia que caracteriza a pessoa e a mensagem de Jesús
Esta violencia se manifesta especialmente ñas páginas em que o autor apre
sen ta Jesús pouco interessado em sua ressurreicao ou mandando partilhar o
pao em vez de o multiplicar...; Jesús nao teña fundado urna Igreja nem dei-
xado urna doutrina, mas apenas desencadeado um movimento de reforma
social

Tal re-leitura do Evangelho se desvaloriza por si mesma, pois nao é


objetiva, mas fortemente influenciada por preconceitos.

* * *

Albert Nolan nasceu na África do Sul em 1934. Fez-se frade e sacerdo


te dominicano. Eleito Mestre Geral de sua Ordem, logo renunciou a este car
go para poder-se dedicar á causa de urna África do Sul sem discriminacáo en
tre brancos e negros. Atualmente é professor de Teología e Assistente Na
cional dos estudantes católicos na África do Sul.

Entregou-nos um livro cujo título é altamente significativo.1 O autor


prescinde da fé em Jesús e procura reconstituir a figura do Mestre tal como
podía ser considerada pelos seus contemporáneos antes da morte de Jesús.
Eis como o próprio Pe. Nolan ¿presenta a sua obra:

'Jesús antes do Cristianismo. Traduzido do inglés pelo Grupo de Traducao


Sao Domingos. £d. Paulinas, Sao Paulo 1988. 130x200mm. 207pp.

462
"JESÚS ANTES DO CRISTIANISMO" 31

"O primeiro objetivo deste livro nao é nem a fé nem a historia. Pode
ser lido, e foi feito para ser lido, sem fé. Nao vamos presumir nem pressupor
nada a respeito de Jesús. O leitor é convidado a olhar com seriedade e nones-
tidade para um homem que viveu na Palestina durante o 1? sáculo, e a ten
ar enxergálo através dos olhos de seus contemporáneos. Estou interessado
em apresentar o homem como ele era antes de se tornar o centro da fé cris
ta.

A fé em Jesús nao é nosso ponto de partida, mas será, espero, nossa


conclusao. Entretanto, isso nao quer dizerque o livro foi escrito com fina/i-
dade apologética, para defender a fé crista. Nao foi feita nenhuma tentativa
de salvar Jesús ou a fé crista. Jesús nao precisa de mim, e nem de qualquer
outra pessoa para salvar-se. Ele é capaz de cuidar de si mesmo, porque a ver-
dade é capaz de cuidar de si mesma. Se a nossa busca de verdade nos levar
á fé em Jesús, isso nao acontecerá por termos tentado salvar essa fé a todo
custo" (p. 11).

O procedimento de A. Nolan nao pode deixar de implicar hipóteses


gratuitas e preconcebidas, em virtude das quais apresenta urna imagem de
Jesús muito diferente daquela que classicamente se costuma conceber.

Examinaremos o conteúdo do livro e, a seguir, Ihe teceremos alguns


comentarios.

1. A tese do livro

1. O autor julga que Jesús tinha em vista anunciar e introduzir no


mundo o Reino de Deus, caracterizado principalmente por valores imanen-
tes. Com efeito; a sociedade israelita era vítima de opressores, que eram nao
somente os romanos, mas também os judeus mais abastados; ora Jesús que
ría por fim a esse desnivel social e económico, que, se perdurasse, acarre-
taria para Israel a catástrofe anunciada por Joao Batista (cf. Mt 3,7-17).

"A única coisa que Jesús estava decidido a eliminar, era o sofrímento:
os sofrimentos dos pobres e dos oprimidos, os sofrimentos dos doentes, os
sofrimentos que sobreviriam se a catástrofe viesse a acontecer" (p. 164).

"A boa nova do Reino de Deus anuncia um futuro estado de coisas na


térra, quando o pobre nao seria mais pobre, o faminto seria saciado e o opri
mido nao seria mais miserável" (p. 74).

"O fato de que o modo de falar de Jesús sobre o reino é baseado em


imagem visual de casa, cidade ou comunidade nao permite duvidar sobre

463
32 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

aquilo que se tinha em mente: urna sociedade politicamente estruturada aquí


na térra. Um reino é noció inteiramente política. £ sociedade na qual a es-
trutura política é monárquica, ou seja, é dirigida e governada por um rei. Na
da daquilo que Jesús disse, poderia jamáis nos levar a pensar que ele pudesse
ter usado essa expressSo em sentido nao político " (p. 76).

"A preocupacao de Jesús foi assegurar que ninguóm passasse necessi-


dade... Jesús ousou ter esperance em um reino ou comunidade mundial que
seria estruturada de tal modo que nao haveria nem ricos nem pobres. Seu
motivo é mais urna vez sua ilimitada compaixao pelos pobres e pelos oprimi
dos" (pp. 82sJ.

2. Conseqüentemente, diz Nolan, "Jesús nao fundou urna organiza-


pao, ele inspirou um movimento. . . No cometo nao havia doutrinas nem
dogmas, nem um modo universalmente aceito de seguir Jesús ou de acredí
tamele" (p. 194).

Dada a preocupacáo de Jesús com os interesses sociais e económicos, o


Mestre nao dava grande importancia á ressurreicao dos mortos, nem mesmo
á sua própria ressurreicao. Os judeus acreditavam na ressurreicao a se realizar
no último dia da historia; Jesús também..., apenas com a diferenca de que
"o último dia viria logo" (p. 169). " 'Depois de tres días' é um modo judai
co e aramaico de dizer 'logo' ou 'nao muito tempo depois'. .. Jesús nao po
de ter predito que iría ressuscitar antes do último dia..." (p. 169). Sao pala-
vras de A. Nolan:

"Jesús nunca levantou a questao da ressurreicao por iniciativa própria.


Nao é parte integrante do que ele quería dizer a Israel, naque/e momento
e naquelas circunstancias. Por que fafar sobre a ressurreicao, quando as pes-
soas estao sofrendo e urna catástrofe está ¡mínente e há forte esperanca de
que o reino de Deus surja na térra dentro de poucos anos? Por isso podemos
até conjeturar se Jesús realmente fez mesmo 'predicoes de ressurreicao'...

Jesús acreditava na ressurreicao como em muí tas outras coisas em que


os judeus do seu tempo acreditavam, do mesmo modo que os profetas sem
dúvt'da acreditavam em muitas coisas que nao tinham ligacao direta com a
sua mensagem para o povo do seu tempo. Para Jesús, no tempo dele, a res-
surreicSo, assim como o pagamento do tributo a César ou os sacrificios no
Templo, simp/esmente nSo eram a questao" (p. 70).

3. Como se ve, Jesús é reduzido á categoría de profeta, que ignora o


seu futuro ou so o conjetura a partir do desenrolar dos acontecimentos:

"NSo há evidencia suficiente para que possamos saber até que ponto
Jesús previu as circunstancias detalhadas da sua morte. Irlam prender tam-

464
"JESÚS ANTES DO CRISTIANISMO" 33

bém os seus discípulos ou somente ele? ... Seria apedrejado ou crucificado,


ou se/a, seria executado pelo Sinedrio ou por Pilatos? Iriam prendé-lo duran
te a festa ou depois déla? Teria oportunidade para pregar no Templo antes
que o prendessem? Talvez ele tenha realmente previsto alguns desses deta-
Ihes" (pp. 168s).

Para conceber um Jesús tao hesitante quanto ao seu futuro e táo preo
cupado apenas com os ¡nteresses temporais, A. Nolan afirma que nos Evan-
gelhos os dizeres que revelam um Jesús cíente de sua missao transcendental e
de sua identidade de Filho de Deus, nao provém de Jesús mesmo, mas dos
discípulos e evangelistas; estes teriam atribuido ao Mestre sentenpas que o
Mestre nunca proferiu1:

"Muitos crístios argumentam que Jesús mesmo relvindicou sua pro-


pria divindade, se/a explícitamente, reivindicando títulos divinos ou autori-
dade divina, se/a implícitamente por falar e agir com autoridade divina. E
algumas vezes se diz que essa reivindicacao foi 'provada'ou confirmada por
seus milagres e/ou por sua ressurreicao.

Como já vimos, Jesús nao reivindicou títulos divinos ou autoridade


divina, mas ele reivindicou, sim, o conhecimento da verdade, e um conhe-
cimento que nao precísava se apoiar em nenhuma autoridade a nao ser a pro-
pria verdade" (p. 200).

O Evangelho segundo Sao Joao, que explícita ao máximo a transcen


dencia e a Divindade de Jesús, é citado por Nolan principalmente para diri
mir dúvidas de historiografía (cf. pp. 188. 191s.. .); as afirmacoes teológicas
do Evangelho sao re-interpretadas segundo as categorías do autor (cf. p.76).

No seu capítulo final, o autor reconhece que os discípulos de Jesús,


após a morte dele, perceberam a autoridade da mensagem do Mestre: era a
mensagem de Deus; por isto terfo concebido a fé em Jesus-Deus mediante
um processo que Nolan nao consegue explicar claramente:

"Já vimos como Jesús era. Se agora quisermos tratá-lo como nosso
Deus, teremos que concluir que nosso Deus nao quer ser servido por nos,
ele quer nos servir; ele nao quer que (he se/'am atribuidos a mais alta hon
raria e o maior status da nossa sociedade. ele quer assumir a posicáo mais
humilde, e nao quer nenhuma honraria nem status; ele nao quer ser temido e

1 A. Nolan, sendo católico, acrescentaria: "Se Jesús nunca disse tais coisas.
Ele ao menos as insinuou, de modo que era auténtica a interpretacao dada
pelos discípulos".

465
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

obedecido, mas quer ser reconhecido nos sofrimentos dos pobres e dos fra-
eos; ele nao tem urna suprema indiferenca e desinteresse, mas está irrevoga-
velmente comprometido com a libertacao da humanidade, porque quis se
identificar com todos os homens, num espirito de solidariedade e compai-
xao. Se esta nao for urna imagem verdadeira de Deus, entao Jesús nao é di
vino. Se esta for urna imagem verdadeira de Deus, entao Deus é mais verda-
deiramente humano, mais plenamente humano do que qualquer ser humano.
Ele é aquilo que Schillebeeck chamou de Deus humanissimus, Deus suma-
mente humano" (p. 199).

"Nao precisamos teorizar a respeito de Jesús, precisamos é 'reprodu-


zi-lo' em nossa época e em nossas circunstancias. Ele mesmo nao considera-
va a verdade como algo que nos 'defendemos' e 'afirmamos', mas como algo
que decidimos viver e experimentar. De modo que nossa busca, como a sua,
é em primeiro lugar a busca de urna ortopraxis fprática verdadeira), mais do
que urna ortodoxia (doutrina verdadeira). Somente urna prática verdadeira
da fépode verificara veracidade daquilo em que acreditamos" (pp. 201s).

Eis em poucos parágrafos as linhas principáis do livro de A. Nolan.


Procuremos refletir sobre elas.

2. Comentando ...

Asjdéias de Albert Nolan sugerem as consideracoes que já foram feitas


em PR 311/1988, pp. 146-158 a respeito do livro de Pedro R. Hilgert: "Je
sús Histórico, Ponto de Partida da Cristologia Latino-Americana". Estas
duas obras sáío inspiradas pelas mesmas premissas da Teologia da Libertacao
extremada. Além de tais reflexóes, dois pontos específicos merecem atencao
no livro de Nolan.

2.1. Reducionismo rígido

Chama-se "reducionismo" a tendencia a reduzir as verdades da fé ao


mínimo que a razio possa comportar ou conceber. Assim a figura de Jesús
"Deus e homem" é limitada as suas dimensoes meramente humanas; utili-
zam-se, para tanto, recursos de interpretacáb para empalidecer ou apagar
tudo o que nela haja de transcendente. 0 motivo deste procedimento é, em
parte, o racionalismo que afetou correntes protestantes do sáculo XX (Mar
tín Dibelius e sua escola, Rudolf Bultmann e seus discípulos); em parte,
também (entre católicos) ó a tendencia a fazer de Jesús um perfeito modelo
de chefe político revolucionario (violento ou nao violento). Tal parece ter
sido a ¡ntengao de A. Nolan, que, no inicio de seu livro, escreve:

"Este livro tem um objetivo urgente e prático. Estou preocupado com


as pessoas, com o sofrimento diario de tantos milhoes de pessoas, e com a

466
"JESÚS ANTES DO CRISTIANISMO" 35

perspectiva de sofrimento aínda muito maior num futuro próximo. Meu


objetivo é descobrir o que se pode fazer a respeito disso" (p. 11).

O autor pensa na África do Sul e em tantos casos de injustica social


existentes no mundo — preocupacao muito crista e necessária. Todavía quer
preconcebidamente colocar o Evangelho a servico da justa ordem social ou,
melhor, como ele mesmo afirma,... a servico de urna sociedade igualitaria.
Sao palavras de Nolan: "Jesús ousou ter esperanca em reino ou comuni-
dade mundial que seria estruturada de tal modo que nao haveria nem ricos
nem pobres" (pp. 82s).

Ora a posicSo exegática de Nolan nao pode deixar de distorcer o Evan


gelho. Para fazer que este tenha incidencia na vida ética dos cristaos, nao é
necessário tirar-lhe o transcendental; ao contrario, a mensagem social de Je
sús deriva todo o seu acume do fato de estar relacionada com os valores
eternos.

Ademáis nao se podem denegar a Jesús os dizeres e os episodios do


Evangelho que o revelam como Deus feito homem. Com efeito; para que o
Apostólo Sao Paulo e, com ele, os cristaos dos primeiros decenios profes-
sassem táo claramente a Oivindade de Jesús (cf. Fl 2,5-11; Cl 1,15-18;
Ef 1,3-14...), devem ter recebido do Mestre um impacto a altura dessa con-
viccao; Jesús deve ter dito e feito algumas coisas que fundamentassem a cer
teza da sua Divindade.

Notemos ainda que os escritos do Novo Testamento nao somente


apresentam a Divindade de Jesús Cristo (cf. Mt 11,25-27; 16,16-19;
Jo 10,30; 14,9-11...), mas também exprimem a crenca na transcendencia
da mensagem de Jesús. É S3o Paulo quem ensina que é preciso assumir urna
atitude virginal em relacáo aos bens terrestres, pois "passa a figura deste
mundo" (1Cor 7,31); as primeiras geracSes cristas viviam férvidamente a
expectativa da parusia ou da segunda vinda de Cristo (cf. 1Ts 4,15-17;
2Ts 2,1-12). O Novo Testamento, alias, encaminha o leitor para o encontró
final com o Senhor, pois somente entao estarao vencidos o pecado e a morte
(1Cor 15,19-28). É para a consumacao na Jerusalém celeste que toda a
historia tende, passando necessariamente pela Páscoa ou pela morte e ressur-
reicao do Cristo e dos cristaos (cf. Hb 11,1-12,4). Está, pois, fortemente
impregnada na doutrina do Novo Testamento a consciéncia de que é preciso
voltar-se para a plenitude da Vida, da Verdade e do Amor que só se encontra
na consumacSo final da historia.

Assim a atitude exegética de Notan poderá ser comparada á dos críti


cos do século XIX (Gottlob Paulus, Baur, Renán...): quiseram eliminar do
Evangelho tudo o que nao pudesse ser explanado pela razao; desta forma
empobreceram enormemente a figura de Jesús; feito isto, viram-se em apu-

467
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

ros para explicar como um Jesús tSo despojado de seus atributos transcen
deríais podía ter dado origem ao fenómeno cristáo ou a urna historia que
já tem vínte sáculos, dos quais os tres primeiros, até 313, foram de dura per-
seguic3o aos discípulos de Cristo. Percebendo a desproporcao entre o Jesús
assim despojado e o fenómeno que se Ihe seguiu, resolveram abrandar suas
críticas preconcebidas por um racionalismo ferrenho. Ora A. Notan parece
fazer reviver a ultrapassada crítica do sáculo XIX.

Um espécimen de como Nolan tenta restaurar a escola racionalista do


sáculo passado, é a maneira como explica a multiplicacao dos paes: os au
tores liberáis quiseram descobrír para cada milagre de Jesús urna expli-
cacüo meramente natural; ora Nolan faz o mesmo com a multiplicacao dos
paes (Mt 14,13-21; 15,32-39): julga que Jesús deu ordem para que cada pes-
soa da assembléia presente partilhasse o seu modesto farnel com os vizinhos:
"O milagre consistiu em que tantas e tantas pessoas deixassem súbitamente
de ser possessivas em relacao á sua própria comida e comecassem a partí-
Ihá-la, s6 para descobrir que havia mais do que o suficiente para todos.
As coisas tendem a se 'multiplicar' quando sao partíIhadas" (p. 81). - A
exegese de Nolan (que, alias, á também a de urna córreme de comentadores)
é expressiva da violencia infligida ao texto bíblico: este diz claramente que
os ouvintes de Jesús nada tinham para comer: "Tenho compaixao da multi-
dao porque já faz tres dias que está comigo e nao tem o que comer. Nao
quero despedí-la em jejum de medo de que possa desfalecer pelo caminho".
disse o Senhor. Somente o preconceito (a aversSo ao milagre e o desejo de
interpretar o texto em chave sócio-económica) explica tal procedimento
exegático.

Ademáis convém lembrar urna solene norma de hermenéutica bíbli


ca, totalmente negligencíada por A. Nolan:

"A Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada segundo aquele mes
mo Espirito conforme o qual foi escrita. Por isto, para apreender com exa-
tidSo o sentido dos textos sagrados, deve-se atender ao conteúdo e a unida-
de de toda a Escritura, levadas em conta a Tradicao viva da Igre/a toda e a
analogía da fé" (ConstituicSo Dei Verbum n? 12)

Isto quer dizer que é falha toda e qualquer ¡nterpretacao da Biblia que
ponha de lado a fé ou a mensagem intencionada pelo Espirito Santo, que,
em última análíse, á o autor principal do Livro Sagrado.

2.3. Jesús da historia e Jesús da fé

A* crítica costuma distinguir entre o "Jesús da historia" (Jesús como


realmente viveu na Palestina) e o "Jesús da fé" (Jesús como foi concebido

468
"JESÚS ANTES DO CRISTIANISMO" 37

pela fé dos Apostólos e discípulos ou Jesús engrandecido e enaltecido no


plano teológico). Assim de Jesús os cristaos antigos te rao feito o Cristo.
- Ora A. Nolan parece adotar plenamente esta distincao: por isto quer dei-
xar de lado os títulos gloriosos (Senhor, Messias, Filho de Deus, Salvador...),
que, segundo ele, os discípulos atribuiram a Jesús, para ficar com a imagem
"pura" do Mestre.

Tal tarefa, já tentada por outros autores, é altamente subjetiva e arbi


traria; fundamenta-se em hipóteses e opinioes segundo as quais cada crítico
"acha" ou "é do parecer de" que tal ou tal trapo de Jesús nao corresponde
á historia real, mas é acréscimo ficticio das comunidades antigás.

Na verdade, deve-se reconhecer que a reflexao sobre Jesús, principal


mente após Páscoa e Pentecostés, levou os discípulos a aprofundar a pessoa
e os dizeres do Mestre, como, alias, Ihes fora prometido: "O Paráclito, o Es
pirito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recor
dará tudo o que eu vos disse" (Jo 14,26) e "Quando vier o Espirito da ver
dade. Ele vos conduzirá á verdade plena" (Jo 16,13). Tal aprofundamento,
porém, foi homogéneo ou nao fez senao manifestar aos discípulos oque já
estava implícito ñas palavras e nos feitos de Jesús; os Apostólos nao acres-
centaram valores novos aqueles que Jesús já trazia em sua vida mortal. Por
conseguinte, o Jesús da fé ou o Cristo é o próprio Jesús da historia contem
plado em toda a sua profundidade.

Disto se segué, entre outras. coisas, que

1) Nao se pode admitir em Jesús apenas a ciencia ou a consciéncia de


um profeta, que ignora ou tenta conjeturar os pormenores de seu desfecho
de carreira. Nem se pode falar de fé em Jesús. Como Deus que era. Ele nada
perdeu do que é próprio da Divindade, ao fazer-se homem; portanto no úni
co Eu de Jesús (que era o da segunda Pessoa da SS. Trindade) havia a cien
cia do próprio Deus. A propósito veja-se a Declaracao da Comissao Teoló
gica Internacional publicada em PR 294/1986, pp. 482-497, comotambém
a resenha do livro de Francois Dreyfuss em PR 309/1988, pp. 50-66.

2) Conseqüentemente também nao se dirá que "Jesús nao fundou


urna organizacao, mas apenas inspirou um movimento" (p. 194). — Jesús fa-
lou da "sua Igreja", que Ele quis estabelecer sobre a rocha visível Pedro, do
tado dos poderes de ligar e desligar (cf. Mt 16,16-19); Jesús também quis
instituir os Apostólos e seus sucessores como pastores da Igreja, prometen-
do-lhes assisténcia infalível até o fim dos séculos (cf. Mt 18,18; 28,18-20).
Essa Igreja teria sua doutrina e sua disciplina a ser transmitidas a todos os
homens(cf. Le 22,19; ICor 11,24s; Mt 18,18; 28,19).

469
38 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

3) Somente se nos secularizarmos ou laicizarmos Jesús, tirando-lhe o


seu cunho nitidamente religioso e teológico, poderemos aceitar o que escre-
ve Nolan á p. 15: "Jesús nlo pode ser totalmente identificado com o grande
fenómeno religioso do mundo ocidental, conhecido como cristianismo. Ele
foi muito mais do que o fundador de urna das grandes religioes do mundo".
- Está claro que a mensagem de Jesús nao é somente sacral; ela propugna a
implantacao do Reino de Deus ñas estruturas do mundo do trabalho, da
arte, da ciencia...; por isto ela atinge todos os homens e suas atividades, mas
sempre e exclusivamente a partir de um ponto de vista religioso ou teológico.

4) Entende-se outrossim que a resposta do homem a Cristo nao con


siste apenas numa ortopraxis (prática verdadeira), mas, antes do mais, é
urna ortodoxia (doutrina verdadeira), á revelia do que afirma Nolan, ape
lando para Gustavo Gutiérrez e Hugo Assmann, teólogos da libertapáo
(cf. p. 201). Sim; a fé é, essencialmente, um Sim dito a Deus e á sua Pala-
vra revelada; donde resulta urna praxis ou urna ética coerente. Querer subor
dinar a verdade, a doutrina ou o logos á praxis ou á acáo transformadora
da sociedade, é posicao marxista e nao crista.

5) A ressurreicíío de Jesús nao pode ser (¡da como algo que "nao in-
tegrasse a mensagem do Mestre" (p. 170). Ela é, ao contrario, o ponto culmi
nante da obra de Jesús, que foi a de re-criar o homem deteriorado pelo pe
cado. Deus se fez homem precisamente para resgatar a natureza humana,
fazendo-a passar pela morte (justa sancao devida ao pecado, conforme
Gn 2,17; Rm 6,23), para superar a morte mediante a ressurreicao corporal.
Além disto, a ressurreicao é o selo ou o sinete aposto pelo Pai á obra de Cris
to, autenticando ou demonstrando que Jesús, como homem, fora o autén
tico mensageiro de Deus; daf dizer Sao Paulo: "Se Cristo nao ressuscitou,
vazia é a nossa pregacao, vazia também é a vossa fé... Se Cristo nao ressusci
tou, ilusoria é a vossa fé; aínda estáis nos vossos pecados" (ICor 15,13-17).

* * *

SSo estas algumas observacoes que podem ocorrer ao leitor da obra de


A. Nolan. - Reconheca-se a capacidade de leitura e estudo do autor; mas
também salta aos olhos a atitude preconcebida que o inspira de ponta a pon-
ta do livro; em suma, a problemática sócio-económico-polftica da África do
Sul, sua patria, e de tantas outras nacdes, tornou-se o prisma através do qual
A. Nolan quis fazer a re-leitura dos Evangelhos; infelizmente, porém, des
figurando o perfil e a mensagem do Mestre. Em última instancia, poder-se-iam
lembrar ao autor as sabias advertencias da Instrucáo Ubertatis Nuntius sobre
aspectos da Teología da Libertacüo, emitida pela Congregacao para a Doutri
na da Féflos 06/08/1984.

470
As Grandes Religioes do Mundo:

O Islamismo

Em sfrítese: O IsISfoi fundado por Maomé (Muhammad = o Louvado)


no ano da hegira ('-éxodo), ou se/a, em 622. 0 "Profeta" fundiu elementos
do judaismo, do Cristianismo e da religiSo árabe num estrito monoteísmo,
que professa como smtese de seu Credo: "Alian 4 Deus e Maomé é seu
enviado". Os maometanos também apregoam a total submissio á vontade
de Deus (= islam; donde o vocábulo muslim = muculmano); acreditam na res-
surreicao final.dos mortos, no ¡ufzo de Deus e na retribuicao postuma (o pa-
rafso concebido em termos materiais, e o inferno para os incrédulos ou idó
latras especialmente). O seu livro sagrado é o CorSo, tido como intocável Pa-
lavra de Deus. Entre aspráticas religiosas do IsIS,contam-se.a orado cinco
vezes por día; o jejum do mes do Ramada; a peregrinacao a Meca ao menos
urna vez na vida; a esmola em favor dos pobres. A vida moral do Isla cultiva
a honestidade, mas é tolerante em relacSo é poligamia e su/eita a muiher e os
filhos a severas restricoes. O Isla é religiao teocrática, isto é, tende a formar
Estados baseados ñas linhas-mestras do Corao, devendo o Chefe de Estado
ser muculmano; os cidadios nSo muculmanos sofrem limitacoes em seus di-
reítos civis e religiosos.

Os fiéis católicos reconhecem os valores positivos do Isla e fazem vo


tos para que a revelacSo feita por Deus ao Patriarca AbraSo se torne plena
mente clara aos olhos dos filhos de Agar ou dos agarenos.

* * *

Após ter estudado o Hinduísmo e o Budismo em PR 309 e 310/1988,


pp. 78-89 e 98-106, passamos a considerar o Islamismo na serie das grandes
correntes religiosas da humanidade.

Os maometanos (seguidores do Isla) constituem numéricamente o se


gundo bloco religioso da atualidade. Com efeito; dado que a populapao
mundial seja de 5 bithoes de habitantes, conta-se o bloco cristao com

471
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

1.640.000 de fiéis, ou seja. 33,9%'; a seguir, vem o bloco muculmano com


854.000.000 de adeptos.

Urna das características do Islamismo é a de ser "Religiao e Estado"


[al-lslam din wadawla) ao mesmo tempo; esta concepcao restaura o ideal da
teocracia vigente, alias, em países como o Irle o Paquistao.

Examinemos os trapos próprios do fundador e da mensagem do Isla


mismo.

1. O fundo decena

O Isla teve origem na península arábica do sáculo Vil d.C. A popula-


cao desta regiáb estava dividida em tribos setentrionais e tribos meridionais,
postas em continua luta entre si. Dedicavam-se principalmente ao pastoreio
de animáis, á agricultura e ao comercio feito mediante caravanas.

Os árabes da época, principalmente os piedosos ihanif), conservavam a


noció do antigo Deus Supremo, El, como os demais povos semitas, mas, em
grande maioria, tinham também suas crencas animísticas2; nutriam especial
veneracao por pedras, como a Pedra Negra de Meca (talvez de origem me-
teórica). Praticavam peregrinajes aos lugares de sua devocáo. Além disto,
admitiam urna multidao de espirito (ginn, gul...), que eles temiam e venera-
vam, e dos quais alguns iam sendo cultuados como deuses e deusas. Assim o
politeísmo ia-se desenvolvendo. Verdade é que na mesma península arábica
viviam também cristaos (na maioria, nestorianos e monofisitas, isto é, sepa
rados da Igreja universal por suas concepcóes a respeito de Cristo) e princi
palmente judeus; estas duas correntes religiosas exerciam sua influencia so
bre a populacao árabe, de modo que a religiio desta tendia a certo ecieticismo.

É sobre este paño de fundo que aparece a figura de Maomé.

2.O Fundador

Maomé (5707-632), ou seja, Muhammad-ibn-Abbalag-ibn-Muttalib, o


"Louvado", nasceu na cidade de Meca, da familia dos Hassenitas (Hashim).

1 Entre os cristíos, distinguem-se: católicos (910.600.000); protestantes


(322.000.000); ortodoxos (173.000.000); angticanos (51.600.000); autóc-
tones (125.500.000). Estes sSo dados relativos ao ano de 1987, torneados
pelo Conselho Mundial de Igrejas (organizacSo protestante-ortodoxa).

2 O animismo professa que todos os seres da natureza sSo dotados de vida e


capazes de agir de acordó com urna finalidade.

472
O ISLAMISMO 41

pertencente ao cía setentrional dos Banu Muttlib e á tribo dos Coraítas. Des
de cedo, v¡u-se pobre e órfao de pa¡ e mae, de modo que se p6s a trabalhar
como condutor de caravanas no deserto; assim visitou o Sul da península
arábica (Yemen), a Mesopotamia, a Siria e a Palestina. Em suas viagens, en-
controu muitos israelitas e cristaos, que Ihe deram a ouvir narracoes bíbli
cas, especialmente passagens apócrifas referentes ao Novo Testamento (por
exemplo, o Protoevangelho de Tiago, que trata da Virgem María). Parece,
porém, que Maomé nunca teve um contato mais detido com os Evangelhos
canónicos.

Provavelmente com 25 anos de idade, esposou a sua própria patroa.


a rica viúva Hadidja, de quem teve alguns filhos e quatro filhas; entre estas!
Fátima, que esposou Ali, o primo de Maomé.

Em 610-611, Maomé, com trinta anos de idade, teve urna experiencia


religiosa, convertendo-se do politeísmo animista ao monoteísmo; passou a
professar a absoluta unicidade de Deus, El, sob a forma árabe de Allah.
Apresentou-se como profeta (nabi) e enviado [rasul), e pregava, juntamente
com o monoteísmo, o abandono á vontade de Deus (islam; donde se origina
o termo muslim, muculmano), a ressurreicao dos mortos e o ¡ufzo de Deus
sobre os homens. Impugnou outrossim a idolatría existente na Arabia e o
comercio religioso correlativo.

Dizendo-se legado de Deus, que recompensa os bons, castiga os maus


e faz triunfar os seus profetas apesar da obstinapao dos fmpios, Maomé con-
seguiu reunir alguns poucos fiéis, mas foi rejeitado pela maioria dos ricos
moradores de Meca, que eram dados ao politeísmo e o perseguiam. O profe
ta teve entao que fugir, deixando familiares e amigos, em troca de um con
vite dos habitantes de Yathríb, rivais dos de Meca, em 622. Segundo a tradi-
?ao, este éxodo Ihi/ra, hegira) ocorreu em 16/07/622 d.C; tal data assinala
o inicio da era muculmana. A cidade de Yathrib mudou de nome, passando
a chamar-se Medina (al-Madinat annabi, a cidade do Profeta).

Frente ás hostilidades que Ihe vinham dos israelitas, Maomé reivindi-


cou para si e os seus seguidores o patrocinio do Patriarca Ábralo (pa¡ de
Ismael por meio de Agar); Ábralo foi apresentado como o fundador da
Kaaba, o santuario de Meca que encerra a "Pedra Negra"; doravante os mao-
metanos deveriam rezar voltados (qibla) para Meca e nao mais para Jerusa-
lém.

Tendo se fortalecido, Maomé atacou as caravanas de Meca, prejudican-


do o seu comercio. Após represalias mutuas, finalmente conseguiu entrar em
Meca no ano de 629. A vitória de Maomé foi tida como triunfo nao apenas
de seus homens, mas também de seu Deus ou de suas crencas religiosas; o

473
42 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

Profeta eliminou os fdolos da cidade, aproximadamente 360, conforme a


tradicáo. Fundou assim o primeiro Estado islámico.

No ano décimo da hegira, Maomé realizou a "peregrinacao do Adeus"


a Meca, que ficou sendo modelo para todas as peregrinajes muculmanas.
Tendo voltado a Medina, morreu ali pouco depois (08/06/632). Mediante
a religiáo, deixava unificadas entre si as tribos árabes da península.

O livro sagrado dos maometanos é

3. O CorSo

Maomé nao escreveu os seus ditames, mas os discípulos o fizeram a


partir de 650; donde se originou o Corao (Quran = recitacao), que consta de
114 capítulos ou Suras e 6.236 versículos ou avat. Para os muculmanos, tal
livro é a própria Palavra de Deus, reprodupao fiel de um original gravado em
tábuas existentes desde toda a eternidade. Gozando de autoridade máxima,
ensina aos seus leitores como se devem relacionar com Deus, com os correli
gionarios e com os demais homens. É realmente um Código de Moral que,
partindo dos dez mandamentos, chega a prescripSes minuciosas relativas a
rubricas litúrgicas, proibicoes alimentares, transacoes comerciáis, convivio
familiar, direito penal e empreendimentos bélicos. Assim o Corao é, ao mes-
mo tempo, para os maometanos a "Biblia", a Constituicao, o Direito Civil,
o Direito Penal, o Livro das Rubricas litúrgicas, o Código de Moral... As
enancas muculmanas esforcam-se por aprendé-lo de cor ñas aulas de religiáo;
conformar-se ao Corao significa unir-se á vontade de Deus; conscientes dis
to, muitos muculmanos trazem urna miniatura do Livro Sagrado pendente
do pescoco sobre o coracfo. - É claro que o texto do Corao precisa de ser
constantemente aprofundado; por isto grandes mestres e escolas através dos
sáculos se dedicaram e dedicam ao estudo do mesmo.

Escrito em língua árabe simples e clara, o Corao nao pode ser oficial
mente traduzido para outro idioma; por isto todo muculmano nao árabe é
convidado a aprender o árabe a fim de poder recitar o Corao e tomar parte
no culto (visto que em toda parte as orapoes oficiáis muculmanas sao profe
ridas em árabe). Os fiéis mais devotos costumam repetir algumas passagens
privilegiadas como é a Sura I, a Fatiha (de certo modo, o Pai-Nosso mucul-
mano):

"No nome de Deus, o Benfeitor misericordioso.


Louvor a Deus, Senhor dos mundos.
Benfeitor misericordioso.
Soberano do Día do Judo.
Nos Te adoramos, de Ti imploramos ajuda!

474
O ISLAMISMO 43

Dirige-nos pela via reta,


A vida daqueles a quem deste os teus beneficios.
Que nio sSo objeto da tua ira,
E que nao se desviaran}".

No Islamismo nada se pensa ou se decide sem recorrer ao texto do


Coráo e ao exemplo do Profeta, que deixou um "modelo perfeito" aos seus
seguidores. Em conseqüéncia, o texto escrito e a tradicao viva (Sunna) deri
vada de Maomé sao as duas fontes de orientacao do Isla; os propósitos, os
atos e os silencios do Profeta tém valor normativo para as geracoes posterio
res.

4. O Credo

O Isla professa seus artigos de fé derivados do Corao, aos quais é preci


so aderir com a inteligencia, o coraclo e as obras. Diz urna sentenca da.
Sunna: "A fé (imán) consiste em crer em Deus, nos seus anjos, nos seus li-
vros, nos seus enviados e no juízo final, assim como na predestinacao, que
acarreta o bem e o mal".

Percorramos esses artigos:

1) Deus é único, podendo ser designado através de seus 99 "Belos


Nomes", que correspondem aos seus atributos. "Benfeitor Misericordioso,
Rei, Santi'ssimo, Salvacáo, Pacificador, Preservador, Poderoso, Majestoso,
Criador, Renovador, Formador...". O conceito de Deus é expresso mediante
duas seccoes típicas do Corao: a do Trono e a da Luz:

"Deus - nio há outra Divindade fora dele —éo Vívente, o Subsisten


te. Nem soñolencia nem sonó jamáis o acometem. A Ele pertence o que esté
nos céus e o que está na térra. Quem intercede junto a Ele se nao por per-
missSo dele? Ele conhece o que está ñas maos dos homens e através deles, ao
passo que estes só percebem do seu saber aquilo que Ele permite. 0 teu tro
no se estende sobre os céus e sobre a térra. Para conservé-lo, Ele nao é obri-
gado a dobrar-se. Ele é o Augusto, o Imenso" (Corao 2,255).

"Deus é a Luz dos céus e da térra. A sua luz é semelhante a um nicho


onde se encontra urna lucerna. A lucerna esté dentro de um recipiente de
vidro. Este se assemelha a um astro cintilante. A lucerna é acesa gracas a
urna árvore bendita, urna oliveira nem oriental nem ocidental, cujo óleo
resplandecería mesmo que nenhum fogo o tocasse. Luz sobre Luz, Deus der
rama a sua Luz, dirige quem Ele quer" (CorSo 24,35).

475
4f "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

2) Ol anjoi sao, antes do mais, os puros adoradores de Deus e os seus


mensageiros junto aos homens; também exercem a funcao de "registrar" as
ac5es dos homens e de "¡nterrogá-los" na hora da morte.

O demonio também existe; feito de "fogo", recusou prostrar-se diante


de Adao por ordem de Deus (Corao 7,12); desde entao. Satanás, á frente das
suas tropas demoníacas, odeia o género humano e tenta, de todo modo,
desviá-lo de Deus.

O Corao admite ainda os djinn, espirites intermediarios entre anjos e


demonios, aos quais Maomé também teria sido enviado.

3) Existem quatro livros sagrados, mediante os quais Deus quis suces-


sivamente transmitir a sua mensagem: a) a Tora (Pentateuco ou a Lei de
Moisés); b) os Salmos (oracoes reveladas, mas nao obrigatórias); c) o Evange-
Iho (no singular); e d) o Corao. Este ab-roga e torna inúteis os livros anterio
res.

Os muculmanos mais ortodoxos afirmam que a Tora e o Evangelho,


como se encontram atualmente ñas maos dos israelitas e dos cristaos, nao
correspondem aos textos origináis de que fala o Corao; foram "falsificados";1
por isto carecem de todo interesse para um muculmano. Este encontra no
Corlo aquilo que, dos livros anteriores, Ihe é necessário reter. Também é em
funcao do que afirma o Corao que os israelitas e os cristaos sao conhecidos
e julgados.

4) Os enviados de Deus distinguem-se em Profetas Maiores e Profetas


Menores.

Os Maiores sao: AbraSo, o amigo de Deus, fundador do monoteísmo


primitivo; Moisés, o interlocutor de Deus, legislador para os filhosde Israel;
Jesús, o Filho de Maria, que procede da "Palavra" e do "Espirito" de Deus,
mestre dos cristaos; por fim, Maomé, o mais perfeito e mais justo dos Pro
fetas, enviado a todos os seres humanos "para aperfeicoar a sua religilo"
{Corao 5,3).

Os Profetas Menores pertencem tanto á tradicao bíblica {Adao, Noé,


Isaque, Ismael, Lote, Jaco, José, Aaráo, Davi, Salomao, Elias, Elise'u, Jó'

1 Esta alegacSo nao se sustenta, pois a tradicao dos manuscritos bíblicos do


Antígo e do Novo Testamento é suficientemente rica e significativa para se
poder acompanhar a historia do texto sagrado e reconstituir o seu teor ori
ginal sempre que surja alguma dúvida. Ver Curso Bíblico por Corresponden
cia, 1~ Etapa, Módulo 3, Caixa Postal 1362 - 20001 Rio <RJ).

476
O ISLAMISMO 45

Joao Batista...) quanto á árabe (Hud, Salih, Shu'ayh...). Reproduzem a mes-


ma aventura do Profeta, que clama no deserto para transmitir ao povo a
mensagem do monoteísmo fundamental.

Os muculmanos assinalam a Jesús um lugar de relevo entre os Profe


tas: nasceu de Mae Virgem, dizem eles, por efeito da Palavra Criadora de
Deus, como Adío. Foi um taumaturgo eminente, que chegou a ressuscitar
monos. Contraditado pelos israelitas, foi condenado á morte de Cruz, mas
salvo por Deus; voltará á térra como "sinal da hora". — Os maometanos
acusam os cristSos de atribuir honras divinas a Jesús, pois negam o misterio
da SS. Trindade (Corlo 4,171; 5,73); também negam que os israelitas o te-
nham crucificado (4,157). No Corao encontrase esta exortacao aos cristaos:
"Ó gente da Escritura, nao sejais exagerados na vossa religiao. Dizei somente
a verdade em relacao a Deus. Jesús, filho de María, é apenas o enviado de
Deus... Crede em Deus e nos seus enviados e nao digáis 'Tres'. Deixai de fa-
zé-lo" (4,171).

Quanto a Maria, é tida como escolhida entre todas as mulheres, purifi


cada desde o nascimento e consagrada a Deus; foi virgem e mae, pois gerou
um filho sem a cooperacao do vario.

5) O jui'zo final. No fim dos tempos haverá a ressurreicao dos mortos;


todos serao julgados e receberao a justa sánelo — o paraíso ou o inferno.

Para a maioria dos muculmanos, ou se ja, para os que conservarem a fé,


é certo que bastará apenas a fé para salvá-los e que, por isto, o inferno terá
fim logo que hajam expiado os seus pecados; entrarlo entao no paraíso.

O paraíso é concebido como jardins banhados por riachos; os homens


terlo "esposas purificadas" (Corao 2,25); todos gozarlo de bens que satisfa-
rao plenamente as suas necessidades corporais e espirituais. Todavia rara
mente serlo chamados a ver a Deus, pois isto é urna graca toda especial.

O inferno consta de fogo ardente para sempre, devido aos incrédulos


ou aqueles que tiverem colocado ídolos ao lado de Deus.

6) Embora o Corao afirme que "Deus dirige quem quer ser dirigido"
(74,31), toda a tradicao muculmana exalta tanto a vontade de Deus que dis
to se segué a predestinaclo ou um designio previo de Deus; este predetermi
na o homem para o paraíso ou para o inferno. Diz o Corlo: "Aquele que o
quer, tome a vía que leva ao Senhor; mas vos nao o haveis de querer, se Deus
nao o quiser" (76,29s).

477
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

O Isla contemporáneo tende a incutir a liberdade do ser humano e a


necessidade de se esforcar em prol da salvacao. Mas, de outro lado, incita
sempre a submeter-se aos misteriosos decretos de Deus como o fez Abraao.

Existe, pois, urna questio aberta neste particular. Como afirmar simul
táneamente a soberanía absoluta de Deus e a liberdade do homem?

5. As cinco pilastras do culto

Segundo urna tradipao, Maomé respondeu a um anjo que o visitava:


"O Islamismo consiste em testemunhar que nao há outro Deus além de
Alian e que Maomé é o seu enviado, em recitar a oracao ritual, em pagar o
imposto ritual, em jejuar durante o mes de Ramada e em peregrinar a Casa
de Deus desde que ¡sto seja possfvel".

Examinemos cada qual destas "cinco pilastras":

1) A profissao de fé (shahada) na unicidade de Deus (Allah) e na mis-


sao de Maomé resume o essencial do Credo; faz de todo homem um verda-
deiro muculmano desde que proferida com os labios e o coracao; recomen-
da-se especialmente que os devotos a pronunciem nos últimos momentos
com o dedo indicador voltado para os céus, a fim de confirmar a fé dos mo
ribundos na hora decisiva.

"2) A oracao ritual (salat) há de ser recitada cinco vezes por dia: na au
rora, ao meio-dia, no meio da tarde, ao pdr-do-sol e no comeco da noite.
Exige-se pureza do corpo e das vestes do orante assim como do local de ora-
pao; daí as varias ablucoes {de pés e máos) que costumam os muculmanos
fazer antes de rezar. A oracao consta de fórmulas simples, acompanhadó» de
gestos e prostrapoes. Na sexta-feira ao meio-dia, o rito é mais solene, pois se
realiza na mesquita central do bairro da cidade, após urna homilía, a fim de
testemunhar a unidade da "comunidade mupulmana".

3) A esmola legal (zakat), destinada a purificar o uso dos bens deste


mundo, consiste em transferir para a caixa comum um décimo dos proven
tos anuais de cada fiel; tal dinheiro destina-se aos pobres e necessitados (Co
rlo 9,60). Nos modernos Estados muculmanos, esta esmola se acha incluida
no montante dos impostos que cada cidadao deve pagar. É praticada espon
táneamente, máxime no fim do mes de Ramada e por ocasiao das festas li
túrgicas.

4) O Jejum (sivam) do mes de Ramada exige que todo fiel se abstenha


de todo aumento, bebida e relacionamento sexual desde a aurora até o pdr-
do-sol, para honrar a Deus, sentir fome, disciplinar o corpo e aprender a

478
O ISLAMISMO 47

padecer com os infelizes. Durante a noite ocorrem a refeicao, as festas, as


oracoes e meditacoes suplementares, que fazem do mes de Ramada um pe
ríodo de mais estrita observancia religiosa.

5) A peregrinacSo (haji) a Meca (Arabia) é prescrita uma vez na vida


a todos aqueles que a possam efetuar. Os fiéis veneram a Caaba (Santuario
que encerra a Pedra Negra), girando sete vezes em torno déla; recitam as ora-
poes prescritas; váo a Arafat, colina que dista 21 km de Meca, a fim de rezar
em pé e invocar a Misericordia Divina; voltam a Meca, passando por Muz-
dalifa e Mina, onde degolam uma ovelha em memoria do que terá feito ou-
trora Abraao naquele lugar... A peregrinacao é sempre ocasiao de afervora-
mentó para quem a pratica.

A peregrinacao é efetuada no dia 10 do último mes do ano litúrgico


muguImano, ano de meses lunares (e, por isto, onze dias mais breve do que
o solar). A hegira [hi/ra =m¡gracao) é o ponto de partida desse calendario,
cujas festas litúrgicas sao movéis em relacao ao calendario gregoriano, habi
tual no Ocidente.

5. Vida moral e familiar

0 muculmano, atento a vontade de Deus, procura cur.nprir tudo que a


sua fé Ihe impóe. Assim, por exemplo, deve abster-se de alimentos proibidos:
carne de porco ou de animal nao imolado ritualmente, sangue..., vinho,
álcool.

No plano moral Maomé deixou nove preceitos:

"O meu Senhor me ordenou nove coisas: ser sincero na vida particular
e em público, ser moderado na riqueza e na pobreza, justo na cólera e na
satisfacSo, perdoar a quem me oprime, reatar as relacoes com quem as rom
pe comigo, dar a quem me priva de algo, fazer do meu silencio uma medita-
ció, dos meus discursos uma deificacSo, do meu olhar uma considerado
a fim de aprender dos acontecimentos e das coisas que me caem sob os
olhos".

Na vida de familia, o Coráo é tolerante em materia de contracepcao,


mas rigoroso na rejeipáo do aborto. Permite ao homem ter até quatro mu-
Iheres por motivos legítimos (seja, porém, justo para com elas dentro dos
limites do possfvel; cf. Corao 4,3); ao marido é lícito despedir a esposa sem
dar explicacoes a quem quer que seja (nem a um juiz). A mulher, em geral,
ocupa posicao inferior no lar e na sociedade; os filhos sao mais ligados ao
pai do que a máe.

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 317/1988

Varios códigos jurídicos mupulmanos tém procurado, nos últimos


tempos, remediar a estes costumes, obtendo ora mais, ora menos éxito.

6. A espiritualidade do Isla

Existem dois tipos de vivencia islámica:

1) Há quem queira fazer prevalecer os direitos de Deus na vida públi


ca, recorrendo ao poder do Estado. Este entío se torna tutor da prática reli
giosa, que pode redundar em certo "legalismo" oficial frió e quase farisaico.
Esta tendencia a associar política e religiao é assegurada por tres Organiza-
cóes internacionais do Isla: 1) o Congresso do Mundo Muculmano, fundado
em 1926, com sede em Karachi (Paquistao); 2) A Liga do Mundo Muculma
no, criada em 1962, com sede em Meca, e estritamente ligada ao Governo
da Arabia Saudita; 3) a Organizacao da Conferencia Islámica, fundada em
Rabat (1969), com sede em Gedda, congregando 44 Estados.

Os países de populacao muculmana em nossos días adotam ora mais,


ora menos rígidamente a uniao da religiao e do Estado. Todos os países ára
bes (com excecfo do Líbano e da Siria) tém o Isla como religiao do Estado;
exigem que o chefe do Governo seja muculmano e que as leis islámicas se-
jam a fonte inspiradora da vida social. Embora o Isla nao tenha clero, em to
dos os países maometanos existem os "homens da religiao", que fazem as
vezes de um clero pago pelo Estado para tratar da observancia da religiao no
respectivo país. Os cidadaos sao identificados e tratados de acordó com a
sua confissá"o religiosa - o que quer dizer que os cristfos e os judeus sao
considerados cidadaos especiáis, que nao podem ter acesso as funcoes gover-
namentais.

2) Todavía há também um Isla místico, que se preocupa com o apro-


fundamento do misterio de Deus e tende a crescente amor do Criador. Nao
se afasta do Corá*o, mas procura seguir as suas básicas inspiracoes religiosas.
Alguns mfsticos mupulmanos chegaram até a certo monismo, professando a
absorcao e o desaparecí mentó do fiel em Deus. Entre os principáis vultos
da mística árabe, está Al-Ghazali (1059-111), que fez escola dentro da orto
doxia, apregoando a ascese como vía para chegar á uniao com Deus e á paz
da alma.

7. O IsIS e suas variedades hoje

Os muculmanos continuam até hoje a referir-se ao Corao e á tradicáo


profética; professam o mesmo Credo, realizam o mesmo culto..., mas apre-
sentam variadas formas de existencia.

(continua na p. 449)

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Gomes, OSB-. Comentario ao Credo do Povo de Deus, á
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traducao de Dom Cirilo Folch Gomes, OSB. Tratado de
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As CEBs, Comunidades Eclesiais de Base estáo completan


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