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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIN-E

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESEISTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questdes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
M
SUMARIO

(
■•it-
4; <
Vocablo á Santidade
c, Ul

"Fidel e a Religiao. Conversas com Freí Betto'


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UJ
Cuidado com os íncubos

Entre Homem e Mulher

Direitos do Homem e Oignidade Humana


< A Rosa-Cruz e a Religiao
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O

ANO XXVII MARQO - 1 986 286


» J . !■• ■
PERGUNTE E RESPONDEREMOS ,\ MARCO-1986
Publicacáo mental ^ ■, •> >< .!.•*' "• N9 286

Diretor-Responsável: SUMARIO
Estévao Bettencourt OSB
Um "best-seller":
Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico "FIDEL E A RELIGIÁO: CONVERSAS COM
Diretor-Adminittrador FREÍ BETTO" 2

D. Hildebrando P. Martins OSB É possível?


CUIDADO COM OS ÍNCUBOS 14
Administrando e distribuicáo:
Filosofía do Relacionamento...
Edicoes Lumen Christi
Oom Gerardo, 40-3? andar, S/501 ENTRE HOMEM E MULHER 19
Tel.: (021) 291-7122
Caixa postal 2666 Fundamentos de
20001 - Rio de Janeiro - RJ DIREITOS DO HOMEM E DIGNIDADE
HUMANA 29

Composicao e ImpressSo: Um argumento de peso:

"Marques Saraiva" A ROSA-CRUZ E A RELIGIÁO 40


Santos Rodrigues, 240
Rio de Janeiro LIVROS EM ESTANTE 44

Assinatura de 1986: Cr$ 100.000


NO PRÓXIMO NÚMERO
Para pagamento da assinatura de
1986, queira depositar a importan 287 - Abril - 1986
cia no Banco do Brasil para crédito
na Conta Corrente nP 0031 304-1 "Nossos Pais nos contaram "(Marcelo de Bar
em nome do Mosteiro de Sao Bento ros Souza). — "Cristaossob Fogo" (Humberto Belli).
— O Homem e os Animáis Irracionais. — "Je vous sa-
do Rio de Janeiro, pagável na Agen
lue, Marie" (J. - L. Godard).
cia da Praca Mauá (n° 0435) ou en
viar VALE POSTAL pagável na
Agencia Central dos Corre ¡os do COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA
Rio de Janeiro.

RENOVÉ QUANTO ANTES COMUNIQUE-NOS QUALQUER


A SUA ASSINATURA MUDANCA DE ENDERECO
Vocacao á Santidade

O Sínodo Extraordinario dos Bispos, encerrado a 08/12/85, deixou


um Documento Final, resultado das reflexoes dos padres sinodais sobre os
vinte anos do pós-Concílio Vaticano II (1965-1985).
Tal documento mais de urna vez afirma que entre 1965 e 1985 se deu
urna mudanpa nos sinais dos tempos. Se estes, no final do Concilio, convida-
vam os conciliares a enfatizar as grandes realizapoes da cultura e da civiliza-
cao, em 1985 os sinais dos tempos apresentam problemas inéditos tanto no
plano civil quando na esfera eclesial: de um lado fome, terrorismo, guerras...,
de outro lado convulsdes dentro da Ignsja no tocante á fé e á disciplina. Essa
problemática, por mais negativa que seja, lembra aos cristaos urna verdade
básica: "Se o Senhor nao constrói a casa, em váb labutam os seus construto-
res" (SI 127,1}. É, sim, a grapa de Oeus que, em última análise.dá fecundida-
de aos trabalhos dos homens; por isto a problemática nao assusta os cristáos,
mas levaos a tomar consciéncia mais nftida de urna verdade básica de sua fé:
os cristaos que, por sua docilidade, se deixam mais penetrar pela graca, ou
os Santos, se tornam poderosos instrumentos da ac3o divina. Muito a propó
sito dizia Elizabeth Leseur: "Urna alma que se eleva, eleva o mundo inteiro".
Diz explícitamente o texto sinodal:

"Atreves de toda a historia da Igreja os santos e as santas sempre fo-


ram fonte v e origem de renovacao ñas circunstancias mais dificéis. Hoje te
mos grande necessídade de santos e, sem nos cansar, devemos pedí-los a Deus"
(Parte A, n?4).

A historia da Igreja corrobora a afirmacaodos padres sinodais: no sé-


culo X, quando a Igreja se via sufocada pelos Imperadores e nobres que no-
meavam os bispos (a "Investidura leiga"), foidos mosteiros, especialmente de
Cluny, que a nova vitalidade se irradia/para toda a Igreja. Mais tarde, no sé-
culo XVI, conturbado por cismas, foi novamente a partir das Ordens e Con-
gregacSes Religiosas enta*o reformadas oú fundadas que a santidade se ex-
pandiu e beneficiou os trabalhos do Concilio de Trento (1543-1565).
Nao somente devemos pedir santos a Deus, mas é mister recordar-nos
de que todo e qualquer cristao, por efeito mesmo de seu Batismo, é chama
do á santidade. Esta pode parecer utopia. Remova-se esta errónea concep-
cao; os fiéis católicos estejam certos de que tal é a sua vocacao fundamental
e respondam com a prontidao do seu Sim a todas as inspiracdes da graca. Tal
é, por excelencia, o programa da Quaresma!
E.B.
«PEROUNTE E RESPONDEREMOS»
ANO XXVII - n?286 - marco de 1986

Um "best-seller":

/'i
Fidel e a Religiáo
Conversas com Frei Betto"

Em tíntese: Durante 23 horas Frei Betto (dominicano) entrevistou Fi


del Castro, o Chefe do Govemo cubano, em maio pp., publicando os dizeres
deste coloquio no livro aqui apresentado. A leitura desta obra sugere que:

1) Cristianismo e Marxismo convergen) entre si. - Ora isto so é possí-


val se se esvazia o Cristianismo do seu cometido transcendental ou reduzin-
do-o aos seus aspectos terrestres e humanos (o que se chama "secularismo");

2) O Governo cubano respeita a Religiáo. - Tambóm isto só é possí-


vel se a Religiáo se adapta ao Marxismo como instrumento subserviente do
regime. Fidel Castro tentou realmente eliminar os elementos resistentes do
Cristianismo no inicio da Revolucíib cubana: prendeu-os, matou-os ou fez
que emigrassem para os Estados Unidos. Um Cristianismo que assim se desfi-
brasse, poderia ser tolerado pelo marxismo;

3) O Comunismo proporciona bem-estar e liberdade. — Se bem-estar


material existe em Cuba, é o de urna gaiola de ouro, pois a liberdade dos ci-
dadaos á cerceada ou, melhor, é respeitada desde que nao contradigan) ao re-
gime vigente, mas se movam dentro dos padrees do marxismo. Desde 1959,
Fidel Castro é o Chefe do Governo Cubano, apesar de haver eleicoes de qua-
tro em quatro anos na ilha!

4) O Comunismo seria a solucáo para os problemas sociais da América


Latina! - Nao há urna só mencSo da Doutrina Social da Igreja em todo o li
vro — o que é injusto e unilateral;

5) O passado do Cristianismo merecería severas críticas. Ao propalas,


Frei Betto e Fidel Castro nao levam em conta que cada ¿poca tem de ser jul-
FIDEL E A RELIGIÁO

gada segundo os criterios da consciéncia dos homens que a viviam. Aplicar


aos medievais categorías que só em nossos tempos se tornaran) claras, 6 ana
cronismo e ¡njustíca. Os antigos defenderam a propugnaram a fé com zelo
que eles consideravam virtude e dever de consciSncia.

O presente artigo termina transcrevendo parte de um relatório de pro-


fessor cubano escrito para a imprensa russa; tal autor mostra a verdadeira
realidade do Comunismo hostil á ReligiSo, ao invés do que faz Fidel Castro;
este procura captar estratégicamente a simpatía dos seus leitoros brasileiros.

* * *

Frei Betto é conhecido frade dominicano que se tem dedi


cado a atividades políticas de orientacao socialista. Em maio de
1985 esteve em Cuba, onde entrevistou o Chefe do Governo, Co
mandante Fidel Castro, a respeito de sua vida e suas idéias políti
co-religiosas. Foi esta a primeira vez que um Chefe de Estado Co
munista concedeu entrevista exclusiva sobre tema religioso. As
vinte e tres horas de diálogo se acham atualmente reproduzidas
no liyro "Fidel e a ReligiSo",1 obra que tem tido ampia reper-
cussao, atestada pelo grande número de edicoes sucessivas. O seu
conteúdo é sempre muito concreto, embora prolixo e repetitivo.
Ñas páginas subseqüentes, abordaremos, com alguns comenta
rios, os principáis tópicos do livro.

1. CINCO PONTOS SALIENTES

1.1. "Cristianismo e Marxismo convergem entre sí"


1. Quem lé o livro, verifica que urna de suas tónicas consiste
em afirmar a conciliacao de Cristianismo e Marxismo: se houve
divergencias e oposicao, estas terao sido acidentais em Cuba. Sao
palavras de Fidel Castro:

"Há um grande ponto de contato entre os objetivos que o Cristianis


mo preconiza e os objetivos que nos, comunistas, buscamos; entre a prega-
cao cristS da humildade. da austeridade, do espirito de sacrificio, do amor
ao próximo e tudo o que se pode chamar conteúdo da vida e conduta de um

1 Traducao de Frei Betto. Ed. Brasiliense, Sao Pauto, 138x208mm, 381pp.

99
4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

revolucionario. Afinal o que estamos pregando ao povo? Que mate? Que


seja egoísta? Que explore os demais? É exatamente o contrario. Ainda que
por motívacdes diferentes, as atitudes e a conduta que propugnamos frente á
vida sao muito semelhantes... Poderfamos subscrever quase todos os precei-
tos do catecismo: nao matarás, nao roubarás...
As coisas que as Religiosas fazem, sao as coisas que se espera que faca
um comunista. Cuidando de leprosos, de tuberculosos e de outros tipos de
doentes contagiosos, fazem o que queremos que faca um comunista" fp. 14).
As mesmas ¡déias voltam ñas pp. 16.19.245.280... Merece-
cem comentarios.

2. Fidel Castro, como se depreende dos dados autobiográfi


cos que ele apresenta, foi educado em colegios católicos (de lassa-
listas e jesuítas), mas nunca teve fé convicta (cf. p. 157). Como
estudante, ¡nteressava-se mais pelos esportes do que pelo estudo
da Religiao; o seu comportamento era travesso e rebelde:
"Decidí criar urna situacao em que nao tivessem outra alternativa
senao mandar-me ao Internato. De modo que, entre o primeiro e
o sexto primarios, tive que enfrentar tres lutas para resolver tres
problemas" (Fidel Castro, p. 129).

"No quinto ano passei para outro colegio, desta vez de jesuítas. Na-
quele em que eu me encontrava, dos irmaos de La Salle, surgíram conflitos.
Ali bouve urna segunda remita da minha parte" (p. i23).

Impressionado pela pobreza de seus compatriotas, resolveu


aderir ao Comunismo. As suas perspectivas sao materialistas ou
de urna resposta meramente terrestre para os anseios do homem.
E a partir deste ponto de vista que ele encara o Cristianismo.

O interlocutor de Fidel, isto é, Frei Betto, professa um Cris


tianismo secularista, ou seja, praticamente despojado de trans
cendencia, voltado para os bens temporais, como se a instauracao
da ordem socialista no mundo fosse o mesmo que implantar o
Reino de Deus. Sao palavras de Frei Betto:
"Pensó que o Comunismo tem muito de utopia. Teológicamente deno
minamos essa utopia de Reino de Deus. Porque, no momento em que nao
houver mais nenhuma contradicáo, e inclusive nao existir mais o Estado,
atingiremos entáo outra esfera de qualidades espirituais na vida humana"
(p. 256).

100
FIDEL E A RELIGIÁO

É esse Cristianismo esvaziado de transcendencia que Fidel


Castro e seu interlocutor julgam poder combinar com o Marxis
mo; o homem é o centro dos interesses dos pensadores, ao passo
que Deus e os valores religiosos sao postos a sen/ico do homem.
Desta maneira, o Cristianismo e o Marxismo s6 se diferenciariam
entre si pelos motivos que os levam a executar os mesmos progra
mas.

Na verdade, o Cristianismo propugna a justica social e a re-


mocao da iniqüidade, mas dando o primado absoluto a Deus ex
plícitamente reconhecido e aos valores transcendentais, sem os
quais todas as aspirapSes humanas sao frustradas. Há, pois, urna
diferenca de base entre Cristianismo e Marxismo: este combate
a fé ou diretamente ou pelo fato de a esvaziar da sua transcenden
cia. Tal diferenca está impregnada na base mesma do pensamento
de cada qual das duas correntes.

1.2. Respeito á ReligiSo

1. Fidel Castro e Frei Betto - que sempre estao de acordó


entre si no diálogo - dao a entender que a oposicao registrada
entre a Igreja e o Comunismo em Cuba foi algo de acidental e
passageiro; tinha suas raízes no fato de que a Igreja estava do lado
dos burgueses e, por isto, relutou contra a Revolupao cubana: to-
davia, dado que os burgueses emigraram para Miami, nao haveria
mais razao, agora, de adversidade entre a Igreja e o Estado Co
munista cubano. Cf. p. 280.

Fidel Castro faz questao de dizer repetidamente que o Co


munismo respeita as opcoes de consciéncia dos cidadaos:

"De modo nenhutn se coloca ou se concebe a mudanca socialprofun


da, o socialismo e o comunismo como algo que se proponha a imiscuir-se
no foro íntimo de urna pessoa ou negar o direito de pensamento ou de con-
viccSes religiosas a qualquer ser humano. Parece-nos que isso pertence ao
mais íntimo da pessoa humana e, por isso, vemos tais direitos reconhecidos
em nossa ConstituicSo Socialista de 1975. nao como mera questSo política,
e sim como algo que tem mais amplitude, como urna questSo de principios,
de respeito ao direito da pessoa professar a religiSo que queira. Tal principio
está na esséncia do socialismo e do comunismo, e também das concepcSes
revolucionarias a respeito das conviccdes religiosas, ao mesmo nivel do res
peito á vida, ádignidade pessoal, ao direito da pessoa humana ao trabalho,

101
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

ao bem-estar, á saúde, á educacáb, á cultura, que formam parte essendal dos


principios da Revolucao e do socialismo" (p. 276).

2. Notemos, porém, que, apesar de dizer tais coisas, Fidel


Castro nao vé possibilidade, por ora, de se retirar a nota de ateís
mo que tem caracterizado a Revolucao Comunista {pp. 245s).
ñeconhece que os cristáos sao discriminados em Cuba pelo fato
de professarem sua fé (pp. 247s). Tais fatos sao bem significativos
da realidade marxista em toda e qualquer parte do mundo; po-
dem as Constituicoes comunistas dizer que reconhecem a liberda-
de religiosa; na prática, porém, todos os países marxistas, sem
excecao, tendem a sufocar cada vez mais a religiao; tenha-se em
vista a obra do Pe. P. E. Charbonneau: "Marxismo e Socialismo
Real," analisada em PR 229/1985, pp. 101-122. Importantes
também sao as ponderacoes de G. Caprile expostas em PR
283/1985, pp. 461-472: o Comunismo italiano, que promete ser
diferente em relacao á Religiao, realiza a política materialista e
sufocadora de qualquer outro tipo de comunismo nos municipios
italianos que ele governa.

1.3. Comunismo, Bem-estar e Liberdade

1. Outra impressao decorrente da leitura do livro é a de que


em Cuba existem pleno bem-estar material e liberdade política
para toda a populacao: nao há fome, nao há velhice desamparada,
nao há mendigos, nao há criancas abandonadas, nao há desempre-
go, nao há drogas, nao há prostituicao, nao há jogos de azar. . .
(p. 262s).
Mais ainda: diz Fidel Castro que na ilha ocorrem eleicoes po
líticas de quatro em quatro anos: "Os candidatos sao indicados
pela base, pelos delegados das circunscricSes eleitorais . . . Esses
delegados nao sao indicados pelo Partido e sim d ¡ratamente pela
assembléia dos vizinhos" (p. 350s).

Continua Fidel Castro: "Eu Ihe asseguro que neste país so


bre questoes importantes jamáis se tomam decisoes exclusivamen
te pessoais, porque temos urna direcao coletiva, onde elas sao dis
cutidas e analisadas" (p. 350).

2. Estas afirmacóes sugerem alguns comentarios:


O bem-estar material em Cuba pode ser fato (Fidel Castro

102
FIDEL E A RELIG1Á0

diz explícitamente que um comunista nao mente; cf. pp. 258.


297). £ certo, porém, que nao existe paraíso na térra; o próprio
homem, nao raro, se encarrega de perturbar o seu bem-estar me
diante o egoísmo e a violencia. Ocorre, porém, que a ordem so
cio-económica de Cuba é a de urna "gaiola de ouro", pois nao res
ta dúvida de que a liberdade de expressáo e acao na ilha é forte-
mente cerceada. £ o próprio Fidel Castro quem o diz. ao relatar
que a Igreja Católica em Cuba foi reprimida no comeco da era
revolucionaria porque se opunha ao regime marxista (cf. p. 280);
sofreu grandes perdas pela expulsao de clérigos e o fechamento
de igrejas e instituicoes religiosas. Atualmente a coexistencia do
Estado e da Igreja humanamente enfraquecida é pacífica; porque
nao se opoe ostensivamente a Fidel Castro, o Catolicismo é tole
rado enquanto vai sendo submetido a um regime de lenta extin-
cao, como relatam os observadores (cf. pp. 106-109 deste artigo).
De modo geral, nao há oposicao ao governo de Fidel Castro
em Cuba porque todos os opositores ou estao encarcerados (cf.
pp. 268-270) ou se exilaram para os Estados Unidos (cf. p. 269)
ou estao reduzidos ao silencio para poder sobreviven Em tal
clima as eleicoes se podem realizar periódicamente sem surpresa:
há um Partido único na ilha, o Chefe do Governo é sempre o mes-
mo desde 1959; os seus auxiliares podem mudar táo-somente
dentro da faixa do Partido Comunista. Ora numa auténtica demo
cracia os mandatos presidenciais sao de limitada duracao — o que
enseja a sucessáo de diversos chefes de Estado no mesmo país. -
E o que evidencia que nao há auténtica liberdade de expressáo
e atividade em Cuba; a consciéncia humana é respeitada no papel
da Constituiclo,' nao, porém, na prática.

1.4. Marxismo ou Doutrina Social da Igreja?

O livro acentúa muito a situacao de miseria dos povos lati


no-americanos e parece conhecer urna única solucao para tal pro
blema: o marxismo ou, segundo Frei Betto, a Teologia da Líber-
tacao impregnada de premissas marxistas. O leitor é assim ¡nduzi-
do a aceitar a tese como sendo necessariamente lógica para quem
nao queira pactuar com a desgrapa alheia.

é de lamentar, porém, que nenhum dos dois interlocutores


(especialmente Frei Betto) faca mencao da Doutrina Social da

103
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

Igreja. Esta é a auténtica resposta crista, fiel ao Evangelho, isenta


de concepcoes materialistas. ..OS. Padre Joao Paulo II tem lem-
brado repetidamente que o Cristianismo nao precisa de recorrer
a doutrinas heterogéneas a fim de propor genuína solucao para os
problemas sociais.

Em particular, no tocante á Teología da Übertacáo o livro


dá a entender que se apoia sobre as bases científicas do marxismo
(pp. 290-304) — o que já tem sido contraditado: a ciencia do sé-
culo passado que Marx conheceu, evoluiu muito até os nossos
dias, e foi reformulada em mais de um setor. Além disto, a Teolo
gía da Libertacao já nao é teología. Com efeito, ela nao parte da
Palavra de Deus a fim de aprofundá-la, conforme a definicao de
teología: "a fé que procura compreender" (fides quaerens in-
tellectum); mas, ao contrario, parte da praxis ou da prática revo
lucionaria e, á luz desta, promove urna "re-leitura" do Evangelho;
este é assim adaptado a teses pré-definidas de ordem política. Tal
doutrina faz, pois, um trabalho inverso ao da auténtica Teología.
Seria para desejar que os estudiosos conhecessem melhor a Teo
logía da Libertacao; perceberíam que nao se identifica com a Éti
ca Social Crista, mas p5e o Cristianismo a servico do homem en
carado em perspectiva materialista marxista.

1.5. Um juízo sobre o passado

Freqüentemente Fidel Castro e Freí Betto se referem a ins-


tituicoes do passado, censurando-as gravemente: assim o trabalho
dos missíonáríos na América Latina (p. 259), a Inquísicao (p. 256),
a escravatura (p. 287)... O fato é que, procurando cultivar a jus-
tica, muitos pensadores caem hoje na ¡njustica, pois aplicam aos
antepassados categorías contemporáneas de pensamento, que
eram estranhas aos medievais e modernos; somente o passar dos
tempos havia de mostrar aos homens certos valores que eles nao
podiam entender em épocas remotas: assim a dignídade do ser
humano (branco, preto, amarelo ou indígena...), a possibilídade
de pluralismo de pensamento, as profundidades do psiquismo
humano. . . Nao se podem, pois, julgar as geracoes passadas com
os mesmos criterios que se aplicariam aos traficantes de escravos
e aos réus de lesa-sociedade de nossos dias. Alias, é de notar que,
para os cristaos medievais e modernos, era um dever de conscién-

104
FIDEL E A RELIGIÁO

cía defender a fé inquirindo e condenando os hereges; fazendo-o,


nao tinham consciéncia de pecado; se nao o fizessem é que se
sentiriam culpados em seu foro íntimo.
Aínda a propósito da posicao da Igreja em defesa dos escra-
vos no Brasil e em outros países deve-se recomendara leitura do
livro do Con. José Geraldo Vidigal de Carvalho: "A Igreja e a Es-
cravidao. Urna análise documental". Presenca Edicoes, Rúa do
Catete 204, Grupo 302, 22220 Rio (RJ). Esta obra traz á tona
documentos até agora desconhecidos, que revelam o empenho
dos P.apas, Bispos e sacerdotes pela mitigacao e a abolicao da es-
cravatura.

As escolas que Fidel Castro freqüentou, aplicavam a palma


toria e punicSes corporais (p. 124). Estas eram consideradas os
meios normáis de educar as criancas outrora; muitos grandes ho-
mens e mulheres se formaram nesse sistema, que a própria Biblia
abona (embora contingente e lateralmente); cf. Jr-2,30; Pr 13,24;
23, 14; Eclo 30, 1. Urna vez evidenciada a inepcia de tais recur
sos, já nao sao aplicados ñas escolas católicas.
Sao estes os principáis reparos que o livro em foco sugere ao
comentador. Em síntese: apresenta urna visao tendenciosa de
Cristianismo e Marxismo, procurando apregoar a concordia de
ambos entre si na construcáo de um mundo mais feliz, que seria
o próprio Reino de Deus (segundo Frei Betto). Neste contexto a
Igreja Católica estaría sendo bafejada por "ventos novos. Ao rno-
bilizar todas as suas forgas para rever sua prática pastoral e esta-
belecer novas linhas h sua apao evangelizadora, a Igreja de Cuba
vive, agora, um novo Pentecostés" (p. 77).
Ora é fácil evidenciar quanto seja falsa tal imagem da situa-
cao religiosa em Cuba. Longe de conhecer um novo Pentecostés,
a Igreja experimenta um doloroso Calvario, inspirado pela hipo-
crisia1 do regime vigente, que, procurando aparentar compreen-
sao e liberalidade, é mortalmente avesso á Religiao devidamente
entendida (está claro que o Comunismo aceita a Religiao, desde

1 Embora Fidel afirme que os comunistas nao mentem, a historia re


cente está cheia de testemunhos que comprovam o contrario. A própria Mo
ral marxiste ensina que é I(cito qualquer meló que contribua para a transfor-
macSo social.

105
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

que esta se queira tornar um instrumento subserviente em suas


maos). é o que se depreende da seguinte crónica, extraída da re
vista "Chrétiens de l'Est. Faits et Témoignages", n9 44 4? tr
1984, pp. 67-69.

2. UMA CRÓNICA DE CUBA2

"Juan Montero Jiménez, professor de Filosofía na Universi-


dade da Provincia Oriente em Cuba, mostra, mediante números
significativos, a vitória da revolucao comunista sobre a Igreja na
ilha do acucar. Antes da revolucao de Castro, portanto até 1959,
havia cerca de 700 eclesiásticos, 300 monges e 2.400 Religiosas.
Seu número se reduz atualmente a 116 padres, 105 monges e218
Religiosas. Refere também que as grandes organizacoes de leigos,
como os 'Caballeros Católicos', as 'Damas Católicas', a 'Juventu-
de Operaría Católica' e outras, desapareceram: 'teríam voluntaria
mente deixado de existir após 1959'. O professor cubano cita es
tes números num artigo que ele publicou no jornal ateu de Mos
cou 'Nauka i Religija' sob o título 'A caminho de urna sociedade
sem religiao'. Estes fatos desmentem os discursos otimistas sobre
a vida da Igreja em Cuba e evidencian) a vontade inflexível do
Partido Comunista na sua luta contra essa mesma Igreja.

Diminuipao do número de batizados

Os leitores ocidentais terao interesse em saber como os co


munistas cubanos - que querem servir de modelo a outros paí
ses da América Latina — combatem conscientemente a Igreja
e a religiao. E isto, sob a pena de um homem (Juan Montero
Jiménez) que é de todo fiel a Fidel Castro e á sua ideologia poli-
tica.

Os números citados por Jiménez concernentes aos batizados


mostram a que ponto a propaganda ateta e outras medidas nao
menos eficazes provocaram urna regressao da vida religiosa: 'Em
1970, 83.731 criancas foram batizadas em Cuba; em 1976, foram

1 O autor anónimo da crónica refere-se a um artigo do professor


cubano comunista militante Juan Montero Jiménez publicado na imprensa
de Moscou. Traduzimos o texto francés original.

106
FIDEL E A RELIGIÁO

apenas 29.397 pequeninos, numa popu/acao de cerca de dez mi-


Ihoes de habitantes'. Isto significa que o número de batizados bai-
xou de um terco em seis anos.
O autor cubano nao esconde que o Partido Comunista do
seu país pratica urna política enérgica que visa a sufocar a influ
encia da Religiao. ñefére-se a 'documentos fundamentáis do Par
tido Comunista de Cuba adotados por ocasiao do Primeiro e do
Segundo Congressos do Partido; entre estes, acham-se a platafor
ma de programa de Governo e todos os pronunciamentos dos di
rigentes, em particular os do camarada Fidel Castro'. Na primei-
ra reso/ucao tomada pelo Congresso do Partido, está dito que 'é
necessário levar em conta as condicdes históricas do nosso país
na época atual e no passado', quando se trata da política religiosa
cubana, e também 'da nossa experiencia pessoal e da de outros
países que constroem o socialismo e o comunismo'; tal experien
cia seria a do Partido Comunista da Uniao Soviética referente a
Igreja e á Religiao a ser manipuladas pelo Governo.
Talvez alguém fu/gue que a sign/f¡cacao particular da nossa
revolucao (cubana) para a América Latina, evocada por ocasiao
do Primeiro Congresso do Partido Comunista, levaría os dirigen
tes marxistas a defender de modo todo particular os sentimentos
religiosos dos fíes, de maneira a nao espantar as massas populares
de outros países da América Central e Meridional. Todavía isto
nao aconteceu. Para os comunistas cubanos, a religiao é um res
quicio sobrevivente, que é preciso tentar enterrar definitivamen
te.
Juan Montero Jiménez caracteriza 'a vía que deve levar á
extingao as conviccSes religiosas' como sendo urna etapa indis-
pensável ao desenvolvimento intelectual da humanidade. 'A socie-
■dade libertada no plano social, económico e intelectual deve ter
por ideología o materialismo dialético e histórico e mesmo os ele
mentos inalienáveis do ateísmo científico.' Em conseqüéncia, a
política dos comunistas cubanos em relacao a religiao, a Igre/a
e aos fiéis, está baseada 'nos principios do marxismo-leninismo
e na filosofía do materialismo dialético'.

Os Sindicatos, instrumentos de combate

A propaganda do ateísmo e o combate travado contra a re-


ligiao nao sao apenas de interesse do Partido Comunista em Cuba.
107
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

Jiménez diz claramente em seu artigo que 'nao somente as orga-


nizagoes do Partido, mas também os organismos sociais, os Sindi
catos e a Associacao da Juventude Comunista se entregam á
propaganda marxista-leninista e mesmo atéia.' Utilizam — sob a
tutela do Partido — diferentes meios e diferentes formas para di
fundir a ideología científico-materialista entre as massas popula
res.

Essa propaganda atéia se rea/iza segundo dois eixos. Primei-


ramente, tratase de elevar o nivel da educagao atéia entre os
membros do Partido e da Juventude Comunista e, em segundo
lugar, de promover a educagao ideológica e política da populagao
inteira.
Sao organizados Seminarios permanentes para reforgar o
'ateísmo científico.' O jornal 'El Militante Comunista/ alias, pu
blica artigos sobre o surto da Religiao, e sobre o seu papel social,
artigos que críticam a ideología e a prática das diversas confissoes
religiosas e dos diferentes cultos.
O combate contra a Religiao e em favor do ateísmo deve ser
travado com sucesso ñas repartícoes de trabalho coletivo, e tam
bém ñas residencias. Papel multo particular toca aos meios de co-
municacao social no combate em favor do desenvolvimento de
urna ideología científica. No combate contra a religiao, sao elabora
dos 'programas temáticos para difundir a ideología científico-ma
terialista pelo radio, pela televisao, pela imprensa e pelo cinema'.
'Jomáis e revistas ajudam o leítor a se familiarizar com as úl
timas aquisigoes da ciencia. A imprensa publica artigos de dentis
tas, ¡ornalistas e- professores universitarios sobre os problemas da
teoría marxista-leninista e sobre o desenvolvimento da sociedade;
divulgam também relatónos que críticam conceitos avessos ao
pensamento científico'.

Modelo para a América Latina?

Em seu artigo destinado aos tenores da U.R.S.S., Jiménez


agradece especialmente aos dentistas soviéticos e aos professores
o auxilio permanente que eles oferecem a difusao do marxismo-
leninismo. Nos últimos dez anos, empreendeu-se urna grande
campanha a fim de atrair a populagao para escolas e círculos que
ensinam o marxismo-leninismo. No quadro da Associacao dos

108
FIDEL E A RELIGIAO 13

Pioneiros de Cuba que se ocupa com as enancas, o trabatho de


ateizacao foi cornado de éxito quando resolveu influenciar as fa
milias egressas de seitas fanáticas1.
Diante da miseria indescritivel das massas e da exploracao
existentes em varios países da América Latina, muitos cristaos da
Europa Ocidental se apaixonam pela Revolucao cubana, que vem
a ser muitas vezes para e/es um modelo para a América Latina.
Resta saber se tém consciéncia da firme decisao, dos dirigentes
cubanos, de fazer desaparecer a religiao da vida do povo, como
declara abertamente o cubano Jiménez".

Duas observares podem ser propostas á margem deste texto:

1) Como se pode observar, o depoimento de Fidel Castro e o


de seu colaborador, o Prof. Jiménez, nao concordam entre si, á
primeira vista. Qual dos dois representa a verdadeira face do Co
munismo?

— Em resposta, diremos que a discordia é apenas aparente.


Sim; o Professor Jiménez escreve a comunistas russos ou á matriz
soviética; fala, pois, sem rodeios,- reafirmando a clássica índole
anti-religiosa do Comunismo. Ao contrario, Fidel Castro se dirige
a um cristao simpatizante com o Comunismo; quer entao mostrar
um Comunismo reconciliado com o Cristianismo:. . . com um
Cristianismo, porém, manietado e sufocado, de modo a nao per
turbar a ditadura cubana; se a Igreja aceitar ser assim manipulada,
compreende-se que nao será incomodada pelo Comunismo. Nao
há, pois, contradigo de fundo entre Fidel Castro e Jiménez; ne-
nhum dos dois aceita a Igreja livre e auténtica, mas ambos Ihe sao
hostis a ponto de Ihe declararem a morte.

2. Precisamente a pergunta final do texto atrás transcrito é


colocada ao leitor brasileiro do livro de Frei Betto e Fidel Castro:
tem consciéncia de que, apesar de todas as afirmacoes contrarias,
os dirigentes cubanos, filiados como sao a Moscou, tém por obje
tivo destruir a Religiao da face da térra? Este plano é ferrenho e
perspicaz debaixo da capa de diálogo e compreensao humanitaria.
Dizia Voltaire: "Mentí, menti vos, porque sempre fica alguma
coisa!"

109
É possfvel?

Cuidado (om os íncubos

Em sfntese: O artigo da "Revista de Seguros" considerado nestas pági


nas supoe que o demonio posta ter relacSes carnais com seres humanos. Esta
tese teve certa voga entre os judeus pré-cristaos como também na tradicao
crista. Era favorecida pela falsa traducSo graga dos LXX, que em Gn 6,2 ver
tía bene-elohim (filhos de Deus) por "anjos de Deus"; também se apoiava na
concepcáo de que os demonios tém corpo e podem experimentar apetites
carnais. Ora já a partir do sáculo IV tal nocSó foi-se dissipando entre os dou-
toras católicos; os grandes mestres medievais nao a professam. O magisterio
da Igreja nunca a abonou em suas definieses de fé, embora a referida con-
cepcSo se tenha transmitido durante sáculos entre os católicos.
A teología ensina que os demonios sao esp fritos isentos de corporeida-
de. Por conseguinte, só Ihe pode parecer aberrante a idáia de que entrem em
consorcio carnal com seres humanos. É esta a atitude do magisterio oficial
da Igreja.

De vez em quando o público pode ler urna narrativa antiga


que refere consorcio carnal pretensamente ocorrido entre um de
monio e urna mulher. O estudioso, porém, se surpreende pelo fa-
to de que hoje aínda naja quem julgue possível tal conúbio. Em
favor desta hipótese, por exemplo, está o artigo intitulado "Cui
dado com os íncubos" da autoría do Dr. Luís Lobo e publicado
na "Revista de Seguros" (ano 65, n?762, agosto 1985, pp. 33-
35); tal periódico é o órgao oficial da Federacao Nacional das
Empresas de Seguros Privados e de Capitalizacáo (FENASEG).
O artigo alerta para a possibilidade de contatos carnais do
demonio com seres humanos, valendo-se de obras medievais e
modernas, entre as quais o livro "De Doemonialitate" do Pe. Lu-
dovico María-Sinistrari, franciscano, falecido em 1701. Sao pala-
vras do articulista:

110
CUIDADO COM OS ÍNCUBOS ]5

"O demonio existe e ó capaz de unirse cama/mente as mulheres e aos


homens, segundo divulga o reverendo padre Ludovko María Sinistrari, sem
desmentido até hoje. Padre Sinistrari, mono no ano da grapa de 1701, com
a idade de 79 anos, foi um rigoroso franciscano, da Ordem dos Menores Re
formados. Consultor do Supremo Tribunal de InquisicSo, escreveu De Doe-
monialitate, agora editado na 23? edicio em portugués, o que podemos cha
mar de um sucesso infernal" (p. 33).
Tendo em vista a repercussao que o artigo causou, passamos
a considerar mais det¡damente a temática.

DEMONIOS E CONSORCIO CARNAL: REFLEXAO

1. A existencia de anjos bons e maus (demonios, neste caso)


é objeto da fé constante da Igreja. Foi aínda reafirmada nos últi
mos decenios pelo magisterio da Igreja frente á posicao que a ne-
ga. Tenhamos em vista o Credo do Povo de Deus (redigido por
Paulo VI aos 29/06/68), os pronunciamentos de Paulo VI aos
15/11/72 e 29/06/72, o artigo oficioso de "L'Osservatore Roma
no" de 09/07/75,' a obra do Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito
da S. Congregacao para a Doutrina da Fé, intitulada "A Fé em
Crise?", pp. 103-118.»

_2. Deve-se notar, porém, que no decorrer da historia varias


nocoes fantasistas se associaram á do demonio, deturpando o au
téntico sentido que esta tem. Com efeito; a fé ensina que o demo
nio é um anjo (criatura espiritual, sem corpo)3 que Deus fez
bom; submetido, porém, a urna prava de fidelidade, tal criatura
se fechou no orgulho, tornando-se o anjo mau ou o demonio. Es
te recebe de Deus a autorizacá*o de tentar os homens a fim de
contribuir para acrisolar as virtudes da criatura humana; fica sem-
pre subordinado ao plano da Providencia Divina, que "nunca per
mitiría os males se nao tívesse recursos para tirar dos males bens
aínda maiores" <S. Agostinho).

1 Apresentado e comentado em PR 191/1975, pp. 490-499.

2 Comentado emPfí 282/1985, pp. 402-419.

O espirito é um ser incorpóreo ou sem tamanho, sem forma, sem quanti-


dade, sem peso, sem cor..., dotado, porém, de inteligencia e vontade.

111
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

Disto se segué que o demonio, sendo criatura espiritual, nao


pode, em hipótese alguma, praticar consorcio carnal. Ele nao tem
carne, nem experimenta as cobicas da carne. Ele pode, sim, tentar
o homem a atitudes de cobica carnal ou de apetites desregrados
(Jesús, como homem, quis ser tentado a aceitar falsas concepcoes
messiánicas; cf. Mt 4,1-10; Le 4,1-11); mas ele mesmo nao senté
(nem pode sentir) os afetos sensuais que a criatura humana senté.
Em conseqüéncia, compreende-se que é totalmente insusten-
tável a sentenca dos que atribuem aos espíritos maus consorcio
com mulheres.

3. É certo, porém, que desde a época pré-crista há pensado


res que falam de relacoes sexuais de demonios com seres huma
nos. Assim os judeus de Alexandria, entre 250 e 100 a.C, ao tra-
duzirem a Biblia do hebraico para o grego (traducao alexandrina
ou dos LXX), verteram o hebraico bene-elohim (filhos de Deus)
de Gn 6,2 por ángeloi tou Theou (anjos de Deus) e atribuiram a
estes relacoes sexuais com as filhas dos homens; de tal consorcio
teriam nascido homens gigantescos (cf. Gn 6,1-4). Os escritores
judeus Filón de Alexandria (t 44 d.C.) e Flávio José (tiOOd.C.)
repetiram a mesma concepcSo (cf. Filón, De Gigantibus 6ss; De
somniis 133ss; Flávio José, Antiquitates 131 § 73)), que se tor-
nou freqüente nos apócrifos judeus.

Varios escritores cristaos dos quatro primeiros séculos, por


sua vez, professaram a mesma teoría; assím S. Justino (f165), Ta-
ciano (tapós 172), Atenágoras (ti77), S. Ireneu (t202), Clemen
te de Alexandria (tantes de 215), S. Metódio de Olimpo (t311),
S. Cipriano de Cartago (t258), S. Basilio de Cesaréia (|340), S.
Ambrosio (t397). Esta tese era devida á falsa traducao apresenta-
da pelos LXX e aceita pelos antigos. Favorecia-a o inadequado
conceito de espirito que muitos escritores dos primeiros séculos
professavam: influenciados pelos estoicos, admitiam, sim, que os
espfritos tivessem urna corporeidade sutil, a qual explicaría o pre
tenso relacionamento com mulheres.
Com o tempo, porém, foi-se implantando entre os cristaos a
traducao da Vulgata de S. Jerónimo (t421), que em Gn 6,2 nao
falava de anjos, mas simplesmente de filhos de Deus, como o tex
to hebraico. Além disto, o conceito de espirito foi-se depurando,
de modo a nao se Ihe atribuir corporeidade.

112
CUIDADO COM OS ÍNCUBOS 17

Muito típico da evolucao de pensamento é, por exemplo, o


livrodos Diálogos, atribuido a S. Cesáriode Nazianzo. Este se per-
gunta como os anjos, sendo incorpóreos, puderam ter consorcio
carnal com mulheres e gerar gigantes. Acaba julgando absurda e
blasfema tal tese. O mesmo se lé ñas obras de S. Cirilo de Alexan-
dria (t444): afirma que os anjos nao tém corpo nem procuram as
volúpias da carne; além do qué, observa que a Escritura em Gn 6,2
fala de filhos de Deus e nao de anjos de Deus. Muitos outros tes-
temunhos da transigió do pensamento dos doutores da Igreja
nos séculos IV/V se encontram no artigo "Démon d'aprés les Pe
res", de E. Mangenot,em"D¡ctionnairede Théologie Catholique"
IV/1, col. 339-384.

Isto explica que na Idade Media os grandes teólogos como S.


Boaventura (t 1274), S. Tomás de Aquino (t 1274), Duns Scoto
(t 1308), S. Alberto Magno (f1280) tenham abandonado por
completo a teoría de relacoes carnais dos anjos com mulheres.
Todavia ficou na crenca popular a concepcao de que os demoni
os podiam unir-se sexualmente a seres humanos; por isto algumas
publicacSes da Idade Media (e ainda de épocas posteriores) fala-
vam de demonios ácubos (os que se deitavam por cima) e de sú-
cubos (os que se deitavam por baixo). . . Alguns pronunciamen-
tos de Concilios e de Papas atribuiram largas partes ao demonio na
vida dos homens, admitindo mesmo a possibilidade de relacoes
carnais dos mesmos com mulheres. Ampia documentapao a pro
pósito acha-se coletada no artigo "Documentos Eclesiásticos so
bre Práticas Supersticiosas e Demoníacas" de Frei Constantino
Coser O.F.M., publicado em REB, vol. XVII, marco de 1957, pp.
54-88. É certo, porém, que nenhum desses documentos tem a
forca de definicao dogmática; trata-se de orientacoes dadas para
atender á problemática de séculos passados muito propensos a ad
mitir o demonio em todo fenómeno física ou moral mente he
diondo.

Em nossos dias, está totalmente fora de cogitacao a hipótese


de consorcio sexual de anjos maus com seres humanos; a teologia
só pode classificar tal crenca como falha em suas próprias premis-
sas, visto que supóe corporeidade nos demonios; trata-se, pois, de
um produto da fantasía, que a piedade popular pode alimentar,
mas que há de ser estritamente dissipado.

113
]8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

4. O artigo da revista que estamos analisando, baseia-se prin


cipalmente no livro De Doemonialitate do Pe. Ludovico María Si-
nistrari, franciscano falecido em 1701. A propósito podemos di-
zer que o Pe. Sinistrari (1632-1701) foi um especialista em Direi-
to Canónico e Civil; dedicou-se intensamente ao Direito Criminal
Eclesiástico. A sua obra principal é "Practica Criminalis 11 lustra-
ta" em tres grossos volumes. - A "Enciclopedia Cattolica" do
Vaticano, vol. VI, col. 702, tratando desse escritor, nao menciona
o livro De Daemonialitate, o que significa que nao se Ihe atribuiu
grande importancia, é bem possfvel que o Pe. Sinistrari tenha
professado a crenca em demonios íncubos e súcubos, mas a sua
posicao depende das circunstancias da época; nao pode ser iden
tificada com a do magisterio da Igreja. Este nao refutou a obra do
Pe. Sinistrari porque tal escrito foi por si mesmo caindo em desu
so e descrédito. Nenhum teólogo como também nenhum do
cumento da Igreja em nossos dias admite a antiga hipótese da car-
nalidade dos demonios; muito ao contrario, esta deve ser tida co
mo ilógica e aberrante. O demonio pode levar os homens ao peca
do, mas nao da maneira proposta. De resto, é oportuno que os
cristaos pensem mais em Deus e na prática das virtudes do que
em incursSes prodigiosas e portentosas do demonio; este tenta
mais por vías sorrateiras e dissimuladas do que por meios extraor
dinarios.

TEOLOGÍA DA CRUZ

"Parece que ñas dificuldades atuais Deus nos quer ensinar


mais profundamente o valor, a importancia e a centralidade da
Cruz de Jesús Cristo. A relacSo entre a historia humana e a histo
ria da salvacao se esclarece á luz do misterio pascal. Por certo, a
teología da Cruz nao exclui, em absoluto, a teología da criaca*o e
da Encarnacao, mas evidentemente a pressupSe. Quando nos,
cristaos, falamos da Cruz, nao devemos ser tidos como pessimis-
tas; nos nos bascamos sobre o realismo da esperanca crista*" (Re-
latório Final do Sínodo dos Bispos, 8/12/85, Parte D, n?2).

114
Filosofia do Relacionamento...

Entre Homem e Mulher


por Dietrich von Hildebrand

Em símese: O Prof. Dietrich von Hildebrand insiste em que a sexuali-


dade humana nao pode ser colocada no nivel dos demais apetites instintivos,
como a sede, a fome, o desejo de dormir..., mas participa da espiritualidade
do ser humano; ela significa e realiza a plena autodoacffo que alguém faca de
si mesmo a pessoa do sexo oposto na procura de enriquecimento e comple
mentará» mutuos. Por isto jó tem sentido e valor dentro do consorcio ma
trimonial. .. Fora do casamento, o intercambio entre o homem e a mulher
possui seu significado, visto que as diferencas existentes entre um e outro se
xo nao sao apenas as do plano biológico; o homem diante da mulher é obri-
gado a cultivar nobres atitudes que, do contrario, nele ficariam latentes, e
vice-versa.
O ato conjugal entre esposo e esposa, além de significar a máxima do-
acao recíproca, tende naturalmente á procriacáo; esta 6 a expressaó do amor
mutuo dos esposos. Por ¡sto nao é lícito excluí-la por meios artificiáis, pois
isto significaría violar a ordem instituida pelo Criador. Todavía, quando a
natureza é por si mesma estéril, as relacoes matrimoniáis continuam sendo
legítimas e cheias de sentido, pois manifestaran! e efetuaram sempre a mu
tua doacSo dos cónjuges.
O livro de Dietrich von Hildebrand assim apresentado merece atancSb
e estima pela profundidade de suas reflexSes sobre complexo e delicado as-
sunto.

* * *

Dietrich von Hildebrand, falecido há poucos anos, era um


leigo católico alemao, que desenvolveu fecunda atividade filosó
fico-teológica na Alemanha, na Suíca e nos Estados Unidos. Preo-
cupou-se notavelmente com a Ética Crista, deixando longa serie
de obras que abordam sexualidade, vida conjugal, personalidade e
também Liturgia. . . - A Editora Mundo Cultural Ltda.1 publi-
cou, em 1984, urna obra de von Hildebrand originalmente edita-

Mundo Cultural Ltda., Rúa Heitor Perneado 1798, ap. 21, Sumarezinho,
05438 SSo Paulo (SP).

115
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

da em inglés com o título "Man and Woman", na traducao da


Sra. Elgilta Resende de Almeida, com a colaboracao da escritora
María de Lourdes Ganzarolli de Oliveira, do j orna lista José G.M.
Orsini e do Prof. José Tarcísio Leal. O livro em portugués traz o
título "Filosofía do Relacionamento entre Homem e Mulher".
Por seu conteúdo, profundamente inspirado pela psicología e pe
la fé, merece divulgacao - razSo pela qual vao, a seguir, apresen-
tados trapos importantes do mesmo, extraídos respectivamente
dos capítulos I, III, IVeV.

1. O VERDADEIRO SIGNIFICADO DO SEXO (pp. 11-38)

Nao se pode entender a sexualidade únicamente no plano


biológico ou instintivo. "A legítima natu reza do sexo só se revela
quando o observamos á luz do grande e decisivo fator na vida hu
mana: o amor entre ó homem e a mulher" (p. 13).
E que é o amor?

1) O amor em geral. "O amor é urna resposta ao valor" (p.


15s). É o apreco ou a estima dada aos bens anteriores ou á nobre-
za íntima de urna pessoa; é o "querer bem" por querer bem, sem
procura de vantagem ou utilidade para quem ama. "Desde que al-
guém só nos seja útil ou apenas nos divirta, nao o podemos amar.
Podemos 'gostar dele'. . . Portanto a idéia de que a pessoa que
ama vé o outro como um meio para a sua própria felicidade,
constituí o mais radical equívoco a respeito do amor" (p. 16).
Mais precisamente: a resposta que damos a preciosidade do
ente amado manifesta-se de dois modos: no desejo de uniao com
ele, e no ¡hteresse pela sua felicidade.
O desejo de uniao leva a procurar a pessoa amada e a tentar
compartilhar suas alegrías e sofrimentos, o que redunda numa
uniao recíproca dos coracSes.
O desejo de felícidade para a pessoa amada traduz-se nao só
no ¡nteresse pelo bem-estar terreno e eterno desta, mas principal
mente no modo bondoso de vé-la — o que torna o amor urna bon-
dade crescente.

2) Amor entre homem e mulher. O amor conjugal é o tipo


mais específico do amor. Seria falso, porém, acreditar que as ca-

116
ENTRE HOMEM E MULHER 21_

racterísticas desse amor se derivam do fato de ser o sexo acres-


centado ao amor geral. O homem e a muiher nao diferem entre si
únicamente por traeos biológicos; toda a personalidade daquele
difere da personalidade desta. Com efeito; o homem é capaz de se
deixar guiar quase únicamente pela razao, de maneira cerebrina e
fría; ao contrario, na muiher estío geralmente entrelazados o in
telecto e o coracao com os seus afetos. Essa diversidade faz que o
homem e a muiher se complementem mutuamente; foram criados
um para o outro; por isto também sao possfveis, entre o homem e
a muiher, uma comunhao mais íntima e um amor mais perfeito
do que entre pessoas de igual sexo. Mesmo feita a abstracao da
procriacao, elevemos dizer que o mundo é mais rico por causa
dessa diferenca; sendo assim, de modo nenhum se pode desejar
que se apague essa distincáo, como preconizam certos movimen-
tos feministas (que querem fazer da muiher uma quase copia do
homem). A fecundidade entre o homem e a muiher nao ocorre
só no plano físico, mas também no espiritual.
Todavía a benéfica influencia recíproca só poderá exercer-se
se entre o homem e a muiher reinar um clima de respeito e reve
rencia. "Só se for mantida uma certa distancia, a ser franqueada
exclusivamente no casamento, é que esse enriquecimento mutuo
tem lugar, é necessário mantenham a consciéncia de que no ho
mem e na muiher existe um misterio ou algo de sagrado. Caso
uma camaradagem banal domine a reiacao entre eles, caso a sim
ples presenca de uma pessoa do sexo oposto nao mais reclame da
nossa parte um comportamento diferente ou desde que a reiacao
com o outro sexo seja impregnada de comodismo e haja permissi-
vidade extra-conjugal, deixa de existir o mutuo enriquecimento
do homem e da muiher."
O auténtico amor entre o homem e a muiher emancipa do
egoísmo e torna a pessoa mais humilde.
O amor levado ao consorcio conjugal aspira á uniao física.
Esta aspiracao difere dos outros apetites existentes na pessoa, co
mo sede, fome, desejo de dormir. . . Implica doacao da própria
intimidade ou do próprio segredo do doador á pessoa amada; ela
tem em vista tal pessoa com seus valores, e nao apenas um indivi
duo do sexo masculino ou do sexo feminino. Na cópula carnal
extra-conjugal, a comparte é encarada tao somente como um
ser anónimo provocador de atracao física; a personalidade desse
anónimo nao desempenha papel decisivo.

117
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

Quem ama verdadeiramente, compreende que a uniao física


é algo misterioso e profundo, através do qual, de modo exclusivo,
revela o seu segredo a pessoa amada e esta Ihe revela o seu. Ora te
to nao ocorre quando se usa o parceiro como objeto para satisfa-
zer um instinto ou como meio de divertimento ou ainda como
"coisa que no dia seguinte nao interessa nem preocupa a respecti
va comparte".

3) O aspecto moral do sexo. Até agora consideramos apenas


a natureza e a finalidadedosexo, sem avaliar o seu aspecto moral.
Todo ato que contraríe a natureza do sexo, é nao somente
uma profanacao de tal valor, mas também algo de imoral: algo
que desvia o sujeito da sua verdadeira meta. Hoje em dia registra
se a tendencia a julgar que só existe pecado ou injuria quando im
pomos a outrem algo contra a sua vontade ou quando abusamos
de outrem em favor de nossos interesses egoístas. Mas, no caso de
uma relacao sexual que ambas as partes desejam realizar, como
pode haver abuso ou desrespeito á liberdade alheia? Como pode
haver erro moral?
Em resposta observemos: a moralidade nao consiste apenas
em nao injuriar os outros. E, mesmo que nos restrinjamos ao se-
tor da injuria, verificamos que esta pode ocorrer ainda que nao
imponhamos a outrem algo contra a própria vontade:
"Se conheco alguém em perigo de tornar-se alcoólatra e o
convido a beber comigo, ele pode gostar muito disso, mas, sem
dúvida, o prejudico assim procedendo. Se, a título de curiosida-
de, alguém experimentar a heroína e Ihe proporciono essa opor-
tunidade, eu Ihe causo mal, embora ele possa apreciá-la" (p.33).
Por certo, estes exemplos sao diferentes do que ocorre numa rela
cao sexual descomprometida; naqueles casos prejudico a saúde do
outro, ao passo que, na relacao extra-conjugal, nao afeto a saúde
da comparte, mas eu a prejudico em algo mais precioso: a sua dig-
nidade de pessoa. Induzindo outrem á uniao física extra-conjugal
ou aceitando o convite para tanto, faco da outra pessoa um ins
trumento para o meu prazer ou aceito que ela se despreze, train-
do o seu segredo, realizando uma falsa autodoacao e aviltando-se
por uma profanacao; ao mesmo tempo, estou desprezando a mim
mesmo. Ora essas atitudes sao ¡moráis.
Nos últimos tempos, porém, há autores que negam a ordem
moral, com seus criterios de bem e de mal; reduzem o comporta-

118
ENTRE HOMEM E MULHER 23

mentó erróneo da pessoa á categoría de síntomas doentios, resul


tantes de traumas e complexos de educacao. Todavia rejeitar a
ordem moral significa recusar a responsabilidade e a própria liber-
dade do ser humano; equivale a desfigurá-lo, reduzindo todas as
pessoas (pois na verdade todas erram) á condicao de doentes
mentáis.
De modo especial, há quem queira ¡sentar da ordem moral
ao menos a sexualidade. Esta nao seria sujeita ao controle da Éti
ca, pois correspondería a uma necessidade fisiológica e instintiva;
seria a-moral e nao i-moral. Na verdade, tais autores cancelarn o
real valor do sexo e o misterio que ele personifica; já nao enten-
dem o uso do sexo como realizacáo de grande amor conjugal ou
de nobre doacao a nobre pessoa. Em vez de abrir a via de maior
felicidade ao homem, encarceram-no em desesperado fastio.
A amoral¡dade é pior aínda do que a imoralidade. Quem er
ra moral mente, mas tem consciéncia de sua imoralidade, perma
nece aínda na órbita da verdade; movimenta-se no mundo espi
ritual e vé os reais valores; a sua situacao talvez seja trágica, mas
pode sair déla. Ao contrario, quem profana o misterio do sexo,
nele vendo a satisfacao inofensiva de um instinto físico, move-se
num universo insípido, sem profundidade e sem grandeza. O seu
mundo é o consultorio do psicanalista, "que certamente— mesmo
para os que créem nesse tipo de feiticeiro moderno — nao trans
mite a beleza artística" (p. 35); a amoralidade procura eliminar o
aspecto trágico da vida, mas "mergulha o individuo num desespe
rado fastio, porque é a luz moral a grande tensáo entre o bem e o
mal — que eleva e amplia a vida humana muito além das frontei-
ras de nossa existencia terrena. Como disse Kierkegaard, 'o ético
é o próprio alentó do eterno' " (p. 38).

2. AMIZAOE ENTRE OS SEXOS (pp. 68-87)

Pergunta-se: pode ter sentido a amizade entre o homem e a


mulher fora do casamento ou sem contato sexual?
Quem compreende que a diferenpa entre o homem e a mu
lher nao é apenas de ordem biológica, mas marca toda a persona-
lidade de cada um, incluindo suas notas espirituais, responderá
que tal intercambio, mesmo sem uso do sexo, é enriquecimento
mutuo.

119
_24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

Esse enriquecimento pode ser assim descrito:


- o intercambio entre o homem e a mulher obriga cada qual
a se adaptar á natureza contrastante do sexo oposto e abrandar
certas tendencias hostis inerentes a cada tipo sexual;
— o intercambio, positivamente, provoca a emulacao e a fe-
cundacao espiritual, fazendo emergir virtudes que, de outra for
ma, permaneceriam pouco desenvolvidas. Assim, diante da mu
lher, o homem se vé obrigado a assumir urna atitude cavalheires-
ca, que implica maior dominio sobre si mesmo, mais humildade,
especial delicadeza e pureza. "Com a mulher ocorre um alarga-
mento do seu intelecto,. . . urna nobre reserva, de um lado, e um
fervor e urna ded¡cacao específicos, do outro lado" (p.76).
É honesto, porém, indagar: nao seriam todas essas virtudes,
em última análise, expressoesda sexualidade reprimida,... sexua-
lidade que cedo ou tarde deve levar a um relacionamento carnal?
- A doutrina de Freud, subjacente a tal pergunta, está superada
na Europa: "a reducao de tudo a sexo, a interpretacao arbitraria
de cada expressao humana como símbolo do eros ou da libido
nao sao levadas a serio, mas claramente vistas no seu caráter anti
científico" (cf. p. 13). Por conseguinte, pode existir amor espiri
tual ou sexualmente desinteressado entre um homem e urna mu
lher.
Todavía nao se deve ignorar que a pessoa humana está sujei-
ta ás ameacas dos instintos cegos ou pré-deliberados. Por conse
guinte, "urna guiñada para a esfera sexual, mesmo ilegítima, pode
ocorrer em todo intercambio entre os dois sexos" (p. 79). Mas tal
perigo nao extingue a possibilidade e a legitimidade de um rela
cionamento espiritual fecundo.

"Quem está livre do orgulho, quando faz algo de bom? Deverá por isto
omitir a obra? Tem cabimento evocar aquí as palavras de S. Bernardo,
quando foi acometido por orgulho. . . durante um sermao: 'Satanás, neto
comecei a pregar por causa de ti; também nSo cessarei de o fazer por causa
de ti'. O perigo de tentacdes deve manter-nos em constante vigilancia,. . .
mas nao constituí razao suficiente para se evitar um contato espiritual com a
outra pessoa" (p. 79).

Em última análise, a retidao e a sadia fecundidade de tal re


lacionamento serlo garantidas se as duas partes se mantiverem
em comunhao com Cristo ou se cada qual procurar a salvacao do

120
ENTRE HOMEM E MULHER

outro, partilhando o amor de Jesús por essa pessoa. Tenha-se em


vista o que aconteceu entre Sao Francisco de Sales (t 1622) e
Santa Joana Francisca de Chantal (t 1641), entre Sao Francisco
(t 1226) e Santa Clara, entre Santa Teresa de Ávila (t 1582) e
Sao JoaodaCruz (t1591), entre Sao Bernardo de Claraval (ti 153)
e a Condessa Ermengarda.
Mais urna vez importa observar: o bom éxito do mutuo rela-
cionamento exige caráter nobre, especialmente da parte do ho-
mem; nao seja tolerada a camaradagem vulgar. "Quando homens
e mulheres estao juntos, deve reinar um clima de autocontrole,
isto é, o oposto do 'soltar-se'... As dancas e as modas de hoje...
provocam. . . a importancia dessas exigencias. . . Nos acontecí-
mentos sociais, torna-se necessário salvaguardar. . . urna atitude
cavalheiresca, urna nobre reticencia" (p.85).

3. AMOR E CASAMENTO (pp. 87-96)

O amor conjugal só se pode entender se admitirmos que a


pessoa humana é capaz de amar sem egoísmo ou é capaz de amar
a outrem como tal, ultrapassando-se a si mesma e ás suas tenden
cias egocéntricas. Esse amor leva'a dizer a outra pessoa: "Teus so-
frimentos sao meus sofrimentos; tua felicidade é minha felicida-
de".

"A felicidade é urna conseqüéncia do amor, mas nunca a sua razio e


o seu motivo. É da natureza específica do amor que este/amos interessados
na outra pessoa como tal e que de nenhum modo ela receba a sua importan
cia o valor do fato de ser um meio para outra coisa" (p. 90).

O amor conjugal visa a total e irrevogável autodoacao, numa


uniao indissolúvel mediante o vínculo sagrado do matrimonio. É
um tipo definido de amor, dotado de caráter próprio, que pode
prescindir da esfera sexual (embora tenda a desabrochar natural
mente no intercambio sexual). Seria erro básico acreditar que o
amor conjugal é sonriente amizade mais relacoes sexuais.
O sacramento do matrimonio eleva o amor entre o homem e
a mulher a um plano novo, transcendental, fazendo-o participar do
amor fecundo existente entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5,32); o lar,
por sua vez, se torna "igreja doméstica". Todavía a ordem sacra
mental nao destrói a feicao específica e humana de cada consór-

121
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

ció matrimonial: "Deus com o seu amor nao destrói nem muda a
natureza, mas aperfeicoa-a" (Pió XII).

4. CASAMENTO E CONTROLE DA NATALIDADE (pp. 97-118)

As ameacas de superpopulacao, miseria, fome, doencas le-


vam muitos pensadores a questionar a fecundidade física do ma
trimonio .
A resposta á problemática deverá deduzír-se da análise do
vínculo existente entre a uniao de amor no casamento e a con-
cepcao da prole.
1. Comecemos por notar que a uniao conjugal tem significa
do e valor em si e nSo possui apenas a finalidade de procriar. Es-
se valor consiste em promover a duradoura e irrevogável autodoa-
cao de cada um dos cónjuges sancionada por Deus. Ora essa auto
doacao recíproca, em seu grau máximo, leva á uniao '.carnal e á
procriacao. A cópula conjugal, como tal, nada tem de pecamino
so; está longe de ser um mal que no casamento viria a ser tolera
do; ao contrario, é algo de muito nobre, que se prende ao miste
rio de cada urna das duas personalidades envolvidas e, por isto,
merece reverencia.
Em conseqüéncia, torna-se claro que cometem grave abuso
aqueles que separam a uniao corporal do seu contexto natural,
que é a autodoacao conjugal. Sem dúvida, o sexo, em si ou ¡sola
do do amor conjugal, exerce forte poder de atracao, que ameaca
todo e qualquer individuo humano; quem a ela cede, comete o
pecado de impureza, que é urna traicao infligida á nossa nature
za espiritual ou urna profanadlo do misterio da personalidade.
Dito isto, percebemos que a procriacao é urna finalidade da
uniao conjugal, nao, porém, a finalidade sem a qual tal uniao ca
recería de sentido. Sabe-se que o amor marital tem em si mesmo
o valor da autodoacao; a procriacao Ihe sobrevém com um cará-
ter de superabundancia, que se distingue bem da que se chamaría
"finalidade instrumental"; esta ocorre, por exemplo, no caso da
faca, que foi feita estritamente para cortar, ou no dos pulmoes,
que existem estritamente para impregnar o sangue de oxigénio; a
uniao conjugal, porém, nao existe exclusivamente para procriar; a
procriacao é, sim, finalidade da mesma,. . . mas finalidade a ser
atingida mediante outro valor, ou seja, o valor da autodoacao mu
tua.

122
ENTRE HOMEM E MULHER 27

Outro exemplo de finalidade superabundante ocorre no co-


nhecimento. Sem dúvida, este é, como tal, um grande valor, pois
corresponde á natureza intelectiva do ser humano. Eis, porém,
que urna razao de ser ainda mais sublime do conhecimento é a
de nos tornar aptos a alcancar a perfeicao moral e a santificacao.
Dizemos, pois, que o conhecimento tem em si mesmo um valor
próprio (o valor de nos enriquecer ¡ntelectualmente) e, além dis
to, possui urna finalidade de superabundancia, que é a de nos
orientar á vida eterna, quando ele versa sobre assuntos de fé. As-
sim no matrimonio a relacao sexual, que constitui a uniao mais ín
tima entre esposo e esposa, vem a ser superabundantemente a
fonte de procriacao; por isto talamos de procriacao como finali
dade do matrimonio, nao, porém, mera finalidade instrumental.
Observemos, porém: a acentuacáo do significado e do valor
da uniao matrimonial nao contradiz á doutrina de que a procria
cao é finaiidade do casamento; nem atenúa o vínculo existente
entre uniáo conjugal e prole, antes o realca e coloca na perspecti
va certa.

2. Estas consideracoes projetam luz sobre o complexo pro


blema do controle da nata I ¡dade*. Sabemos que para tanto exis-
tem métodos artificiáis e métodos naturais.
Os métodos artificiáis aparecem como pecaminosos pelo fa-
to de separarem a uniao de amor consumada, no matrimonio, de
urna possível procriacao; cortam tal ligacáo instituida por Deus -
o que significa urna atitude de irreverencia; o homem e a mulher,
em tal caso, agem como se fossem os próprios senhores da natu
reza negando a religio ou a religacao com Deus.
Ao contrario, nao contrariam a ordem instituida por Deus
aqueles cónjuges que praticam o ato sexual nos períodos de este-
rilidade da própria natureza; a relacao conjugal nao se torna en-
tao irreverencia a Deus; ela conserva o seu significado e valor pró
prio de realizar a máxima uniao possível entre os esposos. Note
mos que os ciclos do organismo feminino, incluindo períodos de
estérilidade (destinados ao repouso da funcao genital), sao insti
tuidos pelo próprio Deus; Este quis assim possibil¡tar aos cdnju-
ges realizar a sua uniao física sem a possibilidade de prole, caso
esta se torne inoportuna, é, sem dúvida, para desejar que mais e
mais se divulguem os métodos aptos a observar o ritmo natural
do organismo feminino, entre os quais sobressai o de Billings.

123
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

Sao estas as principáis Un has filosófico-teológicas do livro


de Dietrich von Hildebrand até aqui analisado. A obra é realmen
te meritoria pela profundidade de suas reflexoes. Apenas faz-se
mister acrescentar que os encomios da vida conjugal tecidos pelo
autor nao diminuem o valor da vida una ou indivisa (celibato e
virgindade). Esta é outra forma de se viver o amor, sem o qual a
pessoa humana nao atinge a sua plenitude; na vida una o amor é
dedicado di ratamente ao Supremo Valor ou ao Sumo Bem, que,
mais do que qualquer outro, é capaz de polarizar as atencoes da
criatura. Amando a Deus fora do matrimonio, o cristao nao se
insensibiliza em relacao ao próximo, mas, ao contrario, volta-se
para este aínda mais identificado com o Coracao de Cristo, pelo
qual pulsava o amor do próprio Deus. Por isto há, e haverá sem-
pre, na Igreja vocacoes á vida una, que serao para os homens sinal
de que "o tempo se fez breve e passa a figura deste mundo", de
tal modo que, usando dos bens terrestres, o cristao mais e mais
se habilita a entrar na vida definitiva (cf. 1Cor 7,29-31).

NOVIDADE!

Além dos Cursos de Iniciacao Bíblica e de Iniciacaó Teológica, a Esco


la "Mater Ecclesiae" oferece, a partir de marco 1986, também um Curso
de Teología Moral por Correspondencia (em 28 módulos).
As ¡nscríc5es podem ser feitas em qualquer época do ano. A duracao
do Cuno está a criterio do aluno. Quem se matricular, recebará as primeiras
licdes em casa; após estudar, responderá as perguntas respectivas; mandará
sua prova para a sede da Escola, que Ihe devolverá o trabalho corrigido jun
tamente com novas licSes.
Inscricdes e pedidos de ¡nformacoes sejam dirigidos á Escola "Mater
Ecclesiae", Rúa Benjamín Constant 23, 3? andar, 20241 Rio (RJ).
Sao Pedro nos diz que todo crístao deve estar sempre pronto para res
ponder a quem Ihe peca razfies de sua esperance (1Pd 3,15). Amigo, aprovei-
te a oportunidade de melhor conhecer sua fé e os porqués do seu modo de
viver cristao!

124
Fundamentos de

Direitos do Homem e Dignidade Humana

Em sintese: A dignidade e os direitos naturais do ser humano se ba-


seiam no fato de que é criado a imagem de Deus. Esta tese tem sido contra-
ditada por pensadores que afirmam ser o homem parte de um todo posto em
evolucáo; o todo, conseqüentemente, vale mais do que a parte. Disto decor-
re o menosprezo da pessoa individual e a supervalorizacáb do coletivo, ou
seja. do Estado ou da sociedade totalitaria. Vé-se, pois, que, para fundamen
tar a dignidade e os direitos do homem, se deve manter nítida a nocao de es-
piritualidade da alma humana, que nao tem origem na materia em evolucao,
mas é produzida diratamente por Deus; é isto que fundamenta a transcen
dencia do ser humano e o respeito que merece por parte dos seus semelhan-
tes. Deus cria e infunde cada alma no fruto fecundado oriundo dos genito
res; estes cooperam na geracSb do ser humano nao por gerarem a alma hu
mana, mas por disporem a materia vital em vista da qual Deus cria a alma.
Tal concepcib nada tem que ver com dualismo; este supoe antagonismo en
tre corpo e alma (o que nao é cristáo), mas exprime a dualidade que se deve
manter entre materia (corpo) e espfrito (alma), feitos um para o outro, mas
distintos um do outro.

Em nossos días muito se fala dos direitos naturais de todo


homem baseados na dignidade de toda e qualquer pessoa, inde-
pendentemente de estado social, rapa, sexo. . . Todavia importa
definir com precisao em que consiste essa dignidade e qual a sua
raiz. Pode-se realmente dizer que todo homem, mesmo os mais
marginalizados, tem urna dignidade congénita e ¡ndelével?
A esta questao se prendem diversas outras de ordem antro
pológica, filosófica e teológica: existe no homem algo mais do
que materia? E, em caso positivo, qual a origem desse algo mais?
- Em vista desta problemática, que afeta também a teología ca
tólica contemporánea, o Prof. Christoph Schbnborn O.P., mem-
bro da Comissao Teológica Internacional, redigiu importante es-

125
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

tudo intitulado "L'homme creé par Dieu: le fondement de la


dignité de l'homme". Apresentado á referida Comissao, este tra-
balho foi publicado na revista da Pontificia Universidade Grego
riana de Roma: "Gregorianum", vol. 65/2-3, 1984, pp. 337-363.
é o conteúdo de tal artigo que vai a seguir apresentado em suas
linhas principáis.

1. DIGNIDADE HUMANA: RESPOSTA CRISTA

O Concilio do Vaticano II formulou a pergunta: "Que pensa


a Igreja a respeito do homem?... Qual o significado que, em últi
ma instancia, se deveatribuirá atividade do homem no universo?"
(Constituipao Gaudium et Spes 11,3).
A esta pergunta o Concilio respondeu no capítulo sobre a
dignidade da pessoa humana: "A Biblia ensina que o homem foi
criado á imagem de Deus" (Gaudium et Spes 12,3). A nocao de
"¡magem de Deus" tornou-se o fio condutor das explanacoes do
Concilio a respeito do homem. O magisterio da Igreja últimamen
te tem repetido tal conceito. Assim, por exemplo, dizia o Papa
Joao Paulo II a 19/06/1980:

"O homem está no coracSo do Pai, do Filho e do Espirito Santo. £


isto, desde o ¡nido. Nao foi ele criado a imagem e semelhanca de Deus?
Fora disto, o homem nao tem sentido. O homem no mundo só tem sentido
como imagem e semelhanca de Deus. Doutro modo, ele nio tem significa
do: muitos poderiam dizer. como já disseram, que o homem é apenas
urna 'paixao inútil' "(homilía na Missa do Bourget; cf. "La Documentaron
Catholique" 1788. 15/06/1980, p. S8SJ.

Por conseguinte, a dignidade do homem só é plenamente


percebida e afirmada dentro de urna visao teocéntrica; os olhos
da fé descobrem o valor desse "canico pensante" (Blaise Pascal).
Todavía pergunta-se: será que somente a fé pode discernir
e reconhecer a dignidade da pessoa humana? Nao seria esta per-
ceptível também aos olhos da razao? — Respondemos que todo
ser humano é apto a apreender sua identidade mais profunda,
pois todos estao, por sua consciéncia moral e suas aspiracóes mais
íntimas, voltados para o Criador (aínda que nao o saibam); sao
assim capazes de O conhecer e amar. Por conseguinte, o reto uso
da razao descobre a grandeza inata do ser humano.

126
DIREITOS E DIGN1DADE DO HOMEM 3j_

Eis, porém, que tais afirmacoes sao hoje em dia contestadas


em nome de principios filosóficos e da ciencia contemporánea.

2. A CONTESTACÁO

2.1.0 homem: parte de um todo

Já nos séculos 11/111 o filósofo Celso insurgia-se contra a pre-


tensáp crista de que "Deus tudo fez para o homem". Julgava-a
absurda, e asseverava que "tudo veio a existencia nao mais para
os homens do que para os animáis ¡(racionáis".
Antes, dizia, quem considera a natureza, pode imaginar que
os animáis sao mais favorecidos do que os homens: "Nos mal con
seguimos a nossa alimentacao á custa de fadigas e sofrimentos
continuos; ao invés, para os animáis tudo cresce sem sementeira
e sem lavoura". A quem alegasse que somos os reis dos animáis
porque os cacamos e comemos, respondería Celso: "Por que ca-
cam e nao se diz que nos fomos feitos para eles, visto que eles
nos devoram?" A arte do homem que constrói cidades, nao tem
valor para Celso: "As formigas e as abelhas fazem o mesmo". Nu-
ma palavra: "Nao foi para o homem que tudo foi criado, como
também nao para o leao, para a águia ou para o delfim, mas para
que esse mundo se realize como urna obra de Deus, completa e
perfeita em todas as suas partes. . . Deus governa o conjunto;
nunca a sua Providencia o abandona" (Orígenes, "Contra Celso"
I.VI.74. 76. 78. 81.99).
Desta forma Celso colocava o homem no conjunto do todo,
como parte do mundo ou da natureza única; a Providencia Divina
nao seria outra coisa senao o determinismo imutável das leis físicas,
reguladoras dos fenómenos; esse determinismo, Epicuro o chama
ra physis (= natureza) e o divinizara.
Celso era, pois, o representante das escolas filosóficas gregas
do Epicurismo e do Estoicismo; estas o levaram a rejeitar a idéia
de um Deus Criador, para o qual cada ser humano seria o objeto
de urna providencia especial, única e inconfundfvel. Tal nocao
I he parecía incompatível com a vi sao de um mundo regido por
leis imutáveis, no qual o homem seria apenas um elemento do
conjunto.
Ora esta visao de Celso nao está longe de concepcoes moder
nas, para as quais o homem é totalmente regido por um movi-

127
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

mentó evolutivo sujeito as leis implacáveis da selecao e da muta-


pao. 0 ponto comum entre a cosmovisao estoica e o monismo
evolucionista contemporáneo é a exclusao de toda Providencia es
pecial e paterna (exclusao da própria idéia de criacao), aliada a
certa divinizacao da natureza, á qual se atribuí a funcao de gover-
nar o mundo. Tanto a natura gubernans (natureza que governa)
de Lucrecio (t55 a. C) quanto o evolucionismo neodarwinista en-
grandecem nao o homem, mas o Todo, do qual o homem é ape
nas urna parte; o homem se realizaría ou encontraría o sentido da
sua existencia ¡ntegrando-se no Todo e contribuindo para a con-
sumacao deste.
Segundo alguns biólogos de nossos días, a vida — também a
vida intelectiva — estaría contida na estrutura mesma do átomo e
se desabrocharía mediante um processo de gigantesca evolucao.
Tal concepcáo seria apta para reduzir o orguiho do homem, que
se gloria de ter origem transcendental. Para quem assim pensa, a
exaltapao do homem e da sua dignidade, como o Cristianismo a
apregoa, deve parecer um misticismo irracional.
Ora, para dissipar esta qualificacao depreciativa, a Filosofía
crista deve procurar re-valorizar a nocáo e a realidade do espirito
(que muitos cristaos hoje nao mais sabem definir e estimar) assim
como o conceito de criacao.

2.2. A alma humana, realidade esquecida

Já dizía o filósofo Séneca (t65 d.C): "No homem, que há


de melhor? A razao; esta supera os animáis e segué os deuses. Por
conseguinte, a razao perfeita é o bem próprio do homem; os de-
mais bens Ihe sao comuns com os animáis".1 Segundo a convic-
cao comum de todos os que consideram o homem superior ao
animal irracional, é o espirito ou a capacidade intelectiva que o
distingue. E é também esta faculdade espiritual do homem que o
aproxima de Deus. Dizia Séneca: "Ratio diis hominibusque com-
munis est; haec in ¡llisconsummata est, in nobís consummabilis",

1 "In homine optimum quid est? Ratio; haec antecedit animalia,


déos sequitur. Ratio ergo perfecta propríum bonum est, cetera illi cum ani-
malíbus satisque communia sunt" (Epístola 76,9).

128
DIREITOS E DIGNIDADE DO HOMEM 33

o que quer dizer: "A razao é comum aos deuses e aos homens; na-
queles está consumada; nestes éconsumável" (epístola 92,97). Por
conseguinte, nao nos surpreende o fato de que já os antigos escri
tores da Igreja tenham entendido que o hornern é imagem de
Deus por causa da sua inteligencia ou da sua alma espiritual; S.
Agostinho e S. Tomás desenvolveram amplamente esta doutrina.
Em nossos dias há quem I he contradiga, porque tal concep-
cao parece negar a participacáo do corpo humano na qualidade
de imagem de Deus; tratar-se-ia de urna nocao dualista, pouco
condizente com a antropología bíblica. Deve-se, porém, respon
der que a corporeidade nao está excluida de tal funcao, pois a
alma humana foi feita para desenvolver suas faculdades dentro da
materia; esta, portante, nao pode deixar de ser, no homem, parti
cipante da dignidade da alma humana. Mais: talar de "alma huma
na" como componente do homem distinta do corpo nao implica
dualismo, pois dualismo quer dizer "antagonismo, oposicao" —
o que nao existe entre corpo e alma no plano ontológico1 —, mas
implica, sim, dualidade, isto é, distincao e complementacao mu
tua.
Por conseguinte, nao há por que deixar de falar de "alma
humana" e nao exaltar a dignidade desta; a teología nao as pode
silenciar, mormente nesta época em que tantas cosmovisoes fa-
zem do ser humano urna simples excrescencia da autoorganizacao
da materia. Nao há razao para esquecer na teología e na literatu
ra a alma humana.
Vé-se, pois, que o reconhecimentó da dignidade do homem
"imagem de Deus" comeca por urna descoberta do espiritual ou
da espiritualidade. É digno de nota que certos cientistas em nos-
sos días sSo propensos a valorizar de novo o espirito, convictos de
que o ser humano nao se reduz apenas a materia, como tarnbém
há comentes que exageradamente querem reduzir a materia ao es
pirito (tenha-se em vista a "Gnose de Princeton"). Estes dados
vém a ser motivapoes para que a teología católica nao se deixe le-

1 No plano ontológico, isto é, no plano do ser, das coisas como elas


sao em si mesmas ou aínda no plano das esséncias. SSo Paulo admite oposi-
cao entre carne e espirito no plano moral, isto é, no plano das tendencias;
este dualismo, como boje existe, decorre do pecado original.

129
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

var por certas tendencias monistas ou tendencias a empalidecer a


realidade e as propriedades tfpicas da alma espiritual que vivifica
o homem. Os conceitos de espirito e espiritualidade sejam manti-
dos na sua identidade inconfundfvel, que os distancia de qualquer
eflorescencia da materia ou de qualquer forma de energía quanti-
tativa (como a eletricidade). É precisamente a alma humana espi
ritual que por suas faculdades (a inteligencia e a vontade) permite
ao homem conhecer e amar a Deus — o que Ihe assegura a sua ele
vada dignidade.

2.3. O antropocentrismo e a "abolicao do homem"

O homem é imagem de Deus por sua capacidade de conhe


cer e amar a Deus. E ele se realiza como homem na medida em
que exerce essa capacidade. Acrescentamos agora que o homem
possui tal excelencia porque é animado por um espirito criado; o
fato de ser criado o pSe em íntima relacao com o Criador. Tal
humanismo é dito "teocéntrico" á diferenca do humanismo an-
tropocéntrico; este julga que o homem goza de excelencia tal que
ele deve ser autónomo, nao sujeito a qualquer lei da qual ele
mesmo nao seja autor. Por conseguirte, a dignidade do homem
parece repudiar a condicao de criatura, como se está ' fosse alie
nante ou implicasse a negacao da grandeza mesma do homem. é
Karl Marx quem diz:

"Um ser pode considerarse autónomo se ele subsiste sobre


os próprios pés; e ele subsiste sobre seus pés, se ele só tem que
agradecer a si mesmo a sua existencia. Um homem que viva da
graca de outrem, há de estimarse dependente. Ora se eu vivo to
talmente da graca de outrem, se a este outro devo nao somente"a
minha manutencSo, mas também a críacao da minha vida; se ele é
a fonte da minha vida e se a minha vida precisa de tal principio
existente fora déla ou ainda se eu mesmo nao crio a minha vida,
sou um ser dependente. Por isto a nocao de criacSo é um concei-
to a ser banido da consciéncia do povo" (Nationalokonomie und
Philosophie. Frühschriften. Stuttgart 1953, p. 246).
Jacques Maritain assim resume a historia do humanismo an-
tropocéntrico:
Descartes, Rousseau, Kant, em suma os filósofos racionalis
tas nos sáculos XVI-XVIII erigiram o homem como personagem

130
DIREITOS E DIGN1DADE DO HOMEM 35

bom por si mesmo, ¡ntocável, autónomo ou ¡ndependente de


Deus no plano moral.
No século XIX comecou a derrocada desse reí auto-suficien
te: Charles Darwin apresentou o homem como ponto de chegada
de longa evolucao de especies animáis (o que é plausi'vel se se
considera o corpo humano), sem admitir no ser humano algo de
novo ou a presenca de alma espiritual criada por Deus, para cada
individuo e chamada a um destino ¡mortal.
O segundo golpe infligido á ¡magem do homem deve-se a
Sigmund Freud (i 1939), que reduziu o ser humano á condicao
de joguete de duas tendencias principáis confutantes entre si: o
eras (a libido), antes do mais sexual e cobicoso, e o thánatos ou
o impulso de agressao; a dignidade da pessoa humana ou do ego
seria urna especie de máscara a encobrir a multidao de instintos
que se agitam dentro do homem. Nao há dúvida, Blaise Pascal (t
1662) já conhecia que o coracao do homem é cóncavo e cheio de
lixo, mas isto nao o impedia de professar a dignidade e a grande
za do ser humano, pois admitía neste algo de transcendental ou a
alma espiritual.
Assim foi-se processando o esfacelamento do homem; o in
dividuo já nao sabe onde se encontra nem como se define. Aca-
bou finalmente renunciando á sua identidade individual em favor
do homem coletivo... homem coletivo que, para Hegel, é o Esta
do com a sua estrutura jurídica e que Marx faz coincidir com a
sociedade comunista dotada de um dinamismo imánente.
Tais observacoes de Maritain sao fiéis á historia. Assim em
nossos dias registra-se a absolutizacao do Estado sob forma de go-
vernos totalitarios. Sob esse Estado onipresente e todo-poderoso,
os direitos do homem sao cada vez mais conculcados e espezinha-
dos. Em conseqüéncia, já se tem falado da "abolicao do homem";
sim, tal é o título da obra de C.S. Lewis: "The Abolition of Man",
Oxford 1943 (traduzido para o alemao: "Die Abschaffung des
Menschen", Eisiedeln).
Somente o conceito de homem como criatura de Deus e a
nocao religiosa de homem pode assegurar o reconhecimento e o
respeito da dignidade humana. Isto nao quer dizer que a verdadei-
ra concepcao de homem seja atingfvel apenas á fé ou aos pensa
dores religiosos, pois a própria razao filosófica é capaz de reco-
nhecer a dependencia do homem em relacao a Deus e o dever de
religiao, que o re-liga ao Criador. Fazer abstracto dessa relacao
131
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

para fundamentar a dignidade humana sobre o próprio homem,


fechado em si mesmo, implica, em última análise, amesquinha-
mento ou mesmo destruicáo da grandeza do homem. Somente a
compreensgo do homem como criatura de Deus pode salvá-lo da
rufna que o ameaca como nunca dantes. "O homem foi feito pa
ra ultrapassar infinitamente a si mesmo", dizia Pascal. Em suma:
o conceito de morte de Deus implica naturalmente ode morte do
homem, como bem mostra a filosofía estruturalista contemporá
nea (cf. PR 124/1970, pp. 143-150).

3. A CRIAQAO IMEDIATA DA ALMA HUMANA

As idéias até aqui expostas nos sugerem agora urna pergunta:


como entender que todo homem, nasua individualidade pessoal,
é criado e amado por Deus? Em nossos dias, mu ¡tos seres huma
nos nascem como indesejados ou quase á revelia dos homens!
A teología clássica sempre respondeu que, dentro do pro-
cesso de geracao de alguém, os genitores dao as respectivas se-
mentes vitáis (óvulo e espermatozoide) e, no ato de fecundacao,
Deus infunde a alma do novo ser criado diretamente por Ele.
A Escritura e a Tradicá"o da Igreja afirmaram unánimemente
a conviccao de que todo homem deve a sua existencia a um ato
•criador de Deus: "Tu me formaste os rinse me teceste noventre
de minha máe" (SI 138, 13); "Tuas maos me plasmaram e me for-
maram. . . Tu me fizeste de argila. . . de pele e de carne Tu me
vestiste e me teceste de ossos e ñervos. Vida e amor me tens con
cedido e tua solicitude conservou o meu sopro" (Jó 10, 8-12).
Estes textos apresentam a existencia do homem como dom de
Deus, em conseqüéncia do qual o homem é chamado ao diálogo
com o Criador.
Ora em nossos dias certas concepcSes "científicas" da ori-
gem do homem parecem nao deixar lugar á acao criadora de
Deus, pois atribuem á materia mesma as potencialidades necessá-
rias para chegar ao grau da vida intelectiva.
Diante de tais teorías a encíclica Humani Generis de Pió XII
em 1950 afirmava: "Animas a Deo immediate creari catholicafi-
des nos retiñere iubet. — A fé católica nos manda professar que
as almas sao ¡mediatamente criadas por Deus" (Denzinger-Schdn-
metzer, Enquirídio 3896). Todavía houve posteriormente teólogos
132
DIREITOS E D1GNIDADE DO HOMEM 37

que levantaram dificuldades contra tal sentenca: alegavam que


parece reduzir o ato criador apenas áproducao da alma espiritual,
ao passo que a atuacao dos pais se reduziria tao somente á ge-
racao do corpo. Daí se seguiría mais urna-vez um dualismo, con
trario á antropología bíblica.
Para resolver o impasse, o teólogo Karl Rahner propós a se-
guinte tese1: Deus nao é urna causa ao lado de outras causas no
mundo, mas é o principio transcendente que conserva o mundo
na sua existencia; sendo principio transcendente, Oeus tudo faz
por meio das causas segundas: "Deus nada faz que a criatura nao
faca, porque Ele nao age ao lado do agir da criatura, mas Ele rea
liza o-agir das criaturas que ultrapassa as possibilidades das pró-
prias criaturas". Disto se segué, conforme K. Rahner, que "os ge
nitores sao a causa do ser humano na sua totalidade e na sua uni-
dade, portanto, genitores da alma humana, em virtude da acao de
Deus, que é intrínseca á acao dos próprios genitores".
A solucSo é tentadora, mas insustentável. Com efeito, a no-
cao de criar significa "produzir algo sem materia preexistente, dar
o próprio ser (nao o ser tal ou tal) a algo ou alguém". Ora só
Deus é o ser sem limites ou todo-poderoso que do nada pode fa-
zer algo; por conseguinte, só Deifs pode criar. Donde resulta que
é contraditória a expressao: Deus cria por meio de causas segun
das ou por meio de criaturas; nao há possibilidade de cooperapao
direta de alguma criatura na atividade criadora de Deus; se a cria
tura "colabora" (mesmo sob a acao de Deus) em alguma ativida
de "criadora", tal atividade nao é criadora, pois nenhum ser fi
nito é capaz de atingir as rafzes de outro ser (já dizia sabiamente
Lavoisier: "Na natureza nada se perde, nada se cria, mas tudo se
transforma").
Mas qual entao a funcao dos genitores na producao de um
novo ser humano, que na verdade é uno, individual? — Os genito
res emitem as respectivas sementes vitáis e sao causa dispositiva
ou causa que dispSe essa materia para receber a alma diretamente
criada por Deus. Assim nao se pode dizer que Deus e os genitores
sao simplesmente causas paralelas que produzem dois seres autó
nomos (alma e corpo) a ser aglutinados na pessoa humana; a alma

1 Cf. Die Hominisation ais theologische Frage em: P. Overhagen • K.


Rahner, Da» Problem dar Hominisation. Freiburg i./Br. 1961, pp. 79-84.

133
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

e o corpo existem um para o outro; os país preparam a materia de


tal modo que Deus infunde a alma correspondente a tal tipo de
materia; para tal materia viva, tal alma espiritual; desta forma os
genitores condicionam o tipo de alma humana a ser infundida por
Deus.
Tais consideracSes colocam o pensador diante de um dile
ma:

Se se quer reduzir a pessoa humana a nao ser mais do que o


produto de causas imanentes (genitores, sociedade, evolucao...),
jamáis se poderá justificar a unicidade ou a singularidade do ho
mem; a sua singularidade será apenas a de parte de um todo e nao
se distinguirá essencialmente da singularidade de tal ou tal animal
no conjunto da sua especie. Se alguém opta por esta tese (é a tese
de todos aqueles que nSo admitem ser a pessoa humana dotada
de alma espiritual imaterial), torna-se difícil justificar a dignidade
própria e inconfundível de cada ser humano; será necessário, se
gundo a boa lógica, colocar o conjunto ácima do individuo, su
bordinar a pessoa aos interesses do grupo, do coletivo, do Estado,
da evolucSo da especie, etc., como faz qualquerregime totalitario!
Ao contrario, se se aceita que o homem, dotado de dimen-
sao espiritual, ná*o pode ser reduzido á mera potencialidade de al-
guma causa material, segue-se lógicamente a necessidade de admi
tir urna interyencao criadora de Deus na origem do ser humano.
Ora esta posicao é bem mais lógica: com efeito, a pessoa humana
exerce funcSes que ultrapassam as capacidades da materia, pois é
apta a formular definicoes, conceber nocoes abstratas, perceber
proporcoes, relacoes entre meios e fins — coisas que a materia ou
o vivente ¡nfra-humano nao efetua. Por conseguinte, dentro do
ser humano deve haver um principio operativo ou principio vital
que transcenda a materia ou que seja imaterial, espiritual1. Se é
imaterial, nao tem origem na materia ern evolucao, mas possui
origem própria ou por um ato criador de Deus. Donde se vé que
dizer que a alma humana é produzida pelos genitores equivale a
negar a espiritual idade e a especificidade da mesma; redunda

1 É-nos difícil conceber um ser espiritual ou sem materia, pois tudo


o que vemos é material. Todavía a si razao (alóm da fé) nos leva a concluir
que existem seres mais, nao corpóreos, dotados de inteligencia e vontade;
tal é a alma humana, que Deus fez para vivificar a materia do homem.

134
díreitos e dígnidade do homem 39

também em negar a dignidade singular do ser humano, que preci


samente deve a sua grandeza ao fato de que foi feito á imagem de
Deus ao receber do Criador urna alma espiritual.
Evidencia-se assim a importancia da doutrina que ensina a
criacáo direta da alma humana por Deus. É ela que fundamenta
de maneira sólida e Índestrutfvel a dignidade e os di reítos naturais
de toda pessoa humana, independentemente de estado social,
grau de instrucao, sexo, nacionalidade. . . As ciencias humanas
experimentáis nada tém a opor a esta doutrina, que escapa á per-
cepcao dos biólogos e geneticistas, pois fica fora da área mera
mente experimental; pode-se, porém, chegar á conclusao da exis
tencia da alma espiritual mediante raciocinio fundamentado so
bre dados concretos ou experimentáis.
A guisa de fecho destas considerares, seja aqui citado um
texto rabínico, que, de maneira figurada e cheia de humor, apre-
senta dentro do homem o elemento transcendental e imperceptí-
vel aos olhos da experiencia:

"Tres cooperan) na formacao do homem: Deus, o pai e a


mae. O pai dá a sementé branca, da qual sao formados os ossos,
os tendoes, as unhas, o cerebro e'o tranco do olho; a mae dá o
vermelho, do qual se formam a pele, a carne e o sangue; e Deus
concede o espirito, a alma (o sopro), a beieza dos traeos, a vista,
a audicao, a palavra, a marcha, a compreensao e o juízo. E,
quando vem a hora de deixar este mundo, Deus retoma a sua par
te e deixa diante do pai e da mae as partes que sao deles" (b. Nid-
da31aj.

Este texto, a seu modo, ilustra urna verdade profundamente


filosófica e crista, sobre a qual se funda precisamente a ¡nconfun-
dfvel dignidade de todo homem.

135
Um documento de peso:

Á Rosa-Cruz e a Religiáo

Em sfntese: Aos fiéis católicos se diz freqüentemente que se podem fi


liar á Mística Ordem da Rosa-Cruz, pois esta nao ¡nterfere em crencas reli
giosas e so pode beneficiar os seus adeptos, ajudando-os a desenvolver suas
faculdades mentáis. - Pois bem; um documento precioso e auténtico, publi
cado a seguir, revela como o irmáo rosa-cruciano, depois de iniciado nos
"misterios" da Ordem, se vé coagido a renunciar ás suas crencas religiosas.

* * *

Volta freqüentemente á baila a questáb da identidade da Mística Or


dem Rosa-Cruz. Os folhetos de propaganda desta convidam os leitores a
participarem da mesma sem que receiem interferencia em suas crencas reli
giosas.
Ora já em PR temos explanado as origens e a doutrinada Rosa-Cruz,
que a seguir resumiremos, para depois entrar na temática que é a parte nova
deste artigo.

1. ORIGEM DA ROSA-CRUZ

A origem da Rosa-Cruz está numa estória propalada no sáculo XVII por


um teólogo luterano alemao chamado Johannes Valentín Andreael 1586-1654).
Com efeito. Em 1610 apareceu na Alemanha um manuscrito intitulado
|'Fama Fraternitatis Rosae Crucis", de autor anónimo, que em 1614o mandou
imprimir na cidade de Cassel. Em 1615 saiu a quartaedicaodesse livro, junta
mente com outra obra do mesmo escritor anónimo: "Confessio Fraternitatis
Rosae Crucis ad eruditos Europae". Em 1616, apareceu "Die Chymische
Hochzeit Christiani Rosenkreutz", ainda do mesmo autor anónimo.
Estes livros de modo geral propunham a renovacab da Igreja, do Esta
do e da sociedade mediante um grupo de pessoas de escol pertencentes i
"Fratemidade Rosa-Cruz". Esta, conforme o autor, haveria sido fundada
por Christian Rosenkreutz, que teria dado o seu próprio nome a Fratemida
de (Rosenkreutz, em alemáb, significa Rosa-Cruz). A respeito do fundador
narrava o autor anónimo o seguinte:

136
A ROSA-CRUZ E A RELIG1ÁO 41

Christian Rosen kreutz teria nascido na Alemán ha em 1378. Fez os


seus primeiros estudos num mosteiro, onde aprendeu o latim e o grego. Aos
16 anos de idade, terá comecado a viajar pelo Oriente e pelo Egito, onde
travou relacdes com os maiores sabios e magos da época. De volta a sua térra
natal, reuniu sete companheiros para fundar com eles a Fraternidade Rosa-
Cruz; os membros desta procurar¡am, mediante viagens ao Oriente, imbuir
se da sabedoria dos antigos, que eles trariam para a sua sede na Europa. Á
Sociedade assim constituida ficaria sendo secreta.
Christian Rosenkreutz, conforme o narrador, faleceu em 1484, com
106 anos de idade (longevo por causa do elixir da longa vida, que ele deseo*
brira). Morreu no fundo de urna caverna, onde passara os últimos anos de
vida. Transformada em sepultura, essa devia permanecer ignorada até 1604,
data prevista por Rosenkreutz para se manifestar ao público. Foi enta*o que
a Fraternidade comecou a ser divulgada mediante a difusSo do escrito "Fa
ma Fraternitatis", que circulou amplamente de máb em mSo, com um con
vite para que as pessoas iluminadas entrassem na Fraternidade.
Essas noticias e a exortacao anexa encontraram profunda ressonáncia
na sociedade européia do século XVII, que muito se interessava por assuntos
esotéricos, mágicos e misteriosos. Muitos alquimistas e "místicos" puseram-
se a procurar alguma sede da Rosa-Cruz para nela ingressar. Todavía nin-
guém encontrava núcleo algum da mesma. Em conseqüéncia, os admirado
res mais habéis tentaram organizar eles mesmos, e segundo os padrfles indi
cados ñas citadas obras anónimas. Sociedades secretas ditas "de Rosa-Cruz".
Enquanto os acontecimentos assim se precipitavam, Johannes Valen
tín Andreas resolveu declarar que o autor dos escritos sobre a Rosa-Cruz era
ele mesmo; explicou ao público que, dessa forma, tencionara ridicularizar a
manía do maravilhoso e o alquimismo ocultista, que caracterizavam os lio-
mens de seu tempo. NSb Ihe deram crédito, porém, de modo que a Alema-
nha e, depois, a Franca se viram recebertas por urna onda de escritos refe
rentes á Rosa-Cruz. Em 1632 foi afixado em París um Manifestó que anun-
ciava a chegada dos rosacrucianos, "salvadores do mundo".
O bibliógrafo francés Gabriel Naudé (1600-1653) escreveu contra a
Rosa-Cruz o livro "Instruction á la Franee sur la vérité de l'histoire de la
Rose-Croix"; mas nao conseguiu deter a propagacao desta.
Tao rápida difusao deve-se ao cunho maravilhoso das promessas apre-
sentadas pelos escritos rosacrucianos: a alquimia, a cabala, a ciencia dos nú
meros eram aplicadas á descoberta dos segredos da natureza. Os rosacrucia
nos esperavam conseguir faculdades extraordinarias que os isentassem das
necessidades dos homens em geral: na"o sentiriam fome nem sede, nem
enfermidade nem velhice; reconheceriam o íntimo dos homens — o que Ihes
permitiría recusar a pessoas indignas a entrada ñas suas Fraternidades.
No século XVIII deu-se o apelativo de "Rosa-Cruz" a todos os grupos
de "iluminados" que afirmavam ter relacOes secretas com o mundo invisível.
A própria Maconaria adotou o tftulo de "Cávale¡ro Rosa-Cruz" para o 18?

137
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

grau do Rito Escocés e Antigo, para o 12?grau do Rito Adonhiramita e para


o 17?grau do Rito Moderno ou Francés. Isto, porém, nao significa que entre
a Maconaria e a Rosa-Cruz haja algum vínculo jurídico.
Passamos agora ao aspecto do tema que nos interessa:

2. ROSACRUZ E CRENCAS RELIGIOSAS

A doutrina rosacruciana é panteísta (= tudo é a Divindade, inclusive o


homem); professa a reencarnacao e outras proposicdes, que só aos poucos
vio sendo reveladas, sob sigilo, aos discípulos fiéis; trata-se, pois, de Socie-
dade secreta, cujos misterios sa*o cautelosamente revelados a quem nela se
compromete.
Como comprovante da incompatibilidade existente entre as idéias e
atividades da Rosa-Cruz e a mensagem do Catolicismo, publicamos abaixo o
teor de urna DeclaracSo que, após certo grau de iniciagáo, o discípulo da
Rosa-Cruz é obrigado a subscrever. Trata-se de um documento de 9x7,5
mm, que na parte frontal traz os seguintes dizeres:

LECTORIUM ROSICRUCIANUM

ESCOLA ESPIRITUAL DA ROSACRUZ ÁUREA


DEPARTAMENTO BRASILEIRO
Rúa Heitor Peixoto, 58 - Aclimacao
Fone: - Sao Paulo - Brasil

Núcleo:

Aluno:

Residencia:

Fone: Cidade:

No verso aparece a seguinte declaracá*o:

DECLARACAO

Declaro, de livre e espontánea vontade, que nao quero padre


ou qualquer sacerdote e nenhuma cerimdnia religiosa de emergen
cia ou posterior, ficando esta somonte a cargo da Escola Espiri:

138
A ROSA-CRUZ E A REUG1Á0 43

tual da Rosacruz Áurea, LECTORIUM ROSICRUCIANUM, á


qual pertenco.
Declaro aínda que NAO ACEITO E NEM PERMITO trans
plantes de órgábs ou partes do meu corpo.

Local e data

Assi natura

Como se vé, a Rosa-cruz julga-se ela mesma incompatível com a mensa-


gem crista* e afasta enérgicamente do Cristianismo (ou de qualquer outra
confissSo religiosa) os seus adeptos, parasereia mesmaa Escoiade Espirituali-
dade completa. Nao há, pois, como hesitar: o cristSo que se filie á Rosa-Cruz
acabará, cedo ou tarde, por ter que renunciar á fé crista; se nSo o quiser ou se
preferir deixar a Rosa-Cruz, sofrerá duras represalias, que intimidara os ro-
sacrucianos discordantes.
A verdade deve sempre ser dita quando interessa ao bem comum. É á
luz da mesma que todo ser humano sincero deve fazer suas opcSes, rejeitan-
do toda e qualquer camuflagem.1

Estéváo Bettencourt O.S.a

* * *

Nao publicamos o fac-simile do texto do que dispomos, por motivos


técnicos: a reprodufSo gráfica nao seria capaz de Ihe dar a devida ni
tidez.

139
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

livros em estante

Escatologia Crista, por Joáo B. Libánio e María Clara L. Bingemer. Co-


lecao "Teología e LibertacSo", serie III (A Libertacao na Historia), tomo X.
Ed. Vozes, Petrópolis 1985, 210 x 120 mm, 302 pp.

Eis um dos primeiros exemplares de um Manual de Teologia redigido


em chave de "Libertacao", devendo compreender um total de cinqüenta vo-
lumes. Conta com a aprovagao previa de mais de cento e vinte bispos nao só
do Brasil, mas também de outras partes da América como tambám da Euro
pa. Tais prelados quiseram favorecer a intencSo fundamental dos idealizado
res da obra, sem que intencionassem (ou mesmo pudessem) subscrever a
quanto diria cada colaborador dos respectivos volumes.
O Conselho Editorial é encabecado por Leonardo Boff, posto á frente
de mais onze nomes, entre os quais Osear Beozzo (Brasil), Ivone Gebara
(Brasil), Jon Sobrino (El Salvador), Gustavo Gutiérrez (Perú), Juan Luis Se
gundo (Uruguai)...
O livro em pauta trata da Escatologia; será objeto de mais ampia con
siderado em nossa revista. Sonriente o último capítulo (pp. 246-289) se deve
á Sra. María Clara, ficando o resto da obra por conta do Pe. Libánio. - Por
ora assinalaremos o enfoque dominante do livro: o Pe. Libánio sabiamente
afirma que a teologia parte da fé; é um olhar para tras ou para o que nos foi
transmitido; mas, diz, a teologia deve responder ás perguntas que se fazem
em cada época dentro do horizonte cultural e social respectivo; Libánio re-
conhece que o olhar para o depósito da fé é primeiro e decisivo para a teolo
gia (cf. pp. 74-76). Na base de tais premissas, escrevem ambos os autores o
seu livro. Acontece, porém, que o segundo aspecto — o das perguntas- lanca-
das por cada época — parece prevalecer na obra; com efeito, a maior parte do
livro tratada historiadas crencas populares e "burguesas" referentes aos acon
tecimientos fináis do mundo; a problemática social é insistentemente descri
ta e colorida; o pensamento moderno é nSo raro ilustrado por poesías e le
tras de músicas de nossos dias; por isto Chico Buarque é, na mesma página,
justaposto a Jesús Cristo ou a textos bíblicos (cf. pp. 138s. 286). Frente a
fantasiosa expressSo de poetas e cantores (despreparados em nivel teológico)
a mensagem da fé é apresentada de maneira que só pode ser empobrecida ou
quase como algo de relativo e flexível. O livro nüo mostra a doutrinada fé
em si ou como tal, simplesmente a partir das suas fontes próprias (a S. Es
critura, a TradicSo, o magisterio da Igreja) para depois evidenciar como tal
mensagem responde aos anseios dos homens ou repercutiu ñas sucessivas ge-
raedes da historia. Mas inverte a ordem da exposipSo, com detrimento da sis
temática teológica e com longa apresentacSo de bagagem heterogénea (ver-

140
LIVROS EM ESTANTE 45

sos e versos de campees carnavalescas e poesías pouco condizentes com o as-


sunto).
Lamentamos que as decisSes do magisterio da Igreja nSo sejam devida-
mente valorizadas no decorrer do livro; especialmente a definicab do Papa
Bento XII (1336) sobre a sorte postuma dos cristábs, anteriormente a ressur-
reicáb dos corpos e ao juizo final, é tratada com certo relativismo as pp. 63
e 180. A DeclaracSo da Sagrada Congregació para a Doutrinada Fé (1979),
com seus ensinamentos referentes ao mesmo assunto, é justaposta a teoria
da ressurreicao na hora da morte como se se tratasse de duas teorías equiva
lentes entre si {pp. 202s) — o que é estranho (para rrao dizer:... erróneo). O
Pe. Libánio prefere a teoria que identifica corpo e alma entre si, afastando-
se assim do magisterio da Igreja.
Em suma, o livro, embora rico em nocoes e escrito de maneira erudita,
deixa a desejar do ponto de vista doutrinário; a mensagem da fé merecería
abordagem mais clara ou mais consentánea com a doutrina oficial da Igreja
(a quem Jesús Cristo garantiu assisténcia especial para transmitir o depósito
da fé;cf. Jo 14,16; 16,13-15; Mt 16,16-19; Le 22,31s; Jo 21,15-17).

Antropología Cristi, por José Comblin. Colecao "Teología e Liberta-


cao", serie III (A Libertacao na Historia), tomo I. - Ed. Vozes, Petrópolis,
1985, 210 x 140 mm, 272 pp.

Eis mais um volume do Manual de Teología orientado segundo os prin


cipios da Libertacao como aentendem Leonardo Boff, Osear Beozzo, Gusta
vo Gutiérrez...
O conceito de homem apresentado por José Comblin é monista em
oposicao ao dualismo; o que quer dizer: nSo admite a distíncSo real entre
corpo e alma, pois esta nao seria bíblica, mas derivar-se-ía da filosofía orien
tal espiritual (cf. pp. 76-82). O autor julga que desde os primeiros séculos o
pensamento bíblico fo¡ substituido pelo da filosofía grega; somonte S.
Tomás de Aquino teria escapado a essa armadilha, mas com incoeréncias! A
propósito desta tese central do livro observamos:
1) O pensamento bíblico n3o pode ser enquadrado dentro de urna úni
ca escola filosófica; nele há categorías semitas e também há as gregas (cf. Sb
1-5; Mt 10,28; ITs 5,23);
2) O dualismo (oposicao ontológica entre corpo e alma) nSo é cristfo.
Para evitá-lo, porém, nao é preciso professar o monismo (identidade de cor
po e alma); há a dualidade (diferencas que nao se opdem, mas se comple-
mentam, como ocorre entre o homem e a mulher);
3) a filosofía grega professou nao só o dualismo platónico, mas tam
bém a dualidade aristotélica;
4) a S. Igreja, por seu magisterio, tem apresentado a real distincSo en
tre corpo e alma (o homem nSo é apenas materia aperfeicoada). Tenha-se em

141
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

vista, entre outras, a recente DeclaracSo da S. Congregado para a Ooutrina


da Fó, datada de 1979, que José Comblin nem sequer cita em seu volume
(!).
A explanapáo de Comblin nao raro generaliza e simplifica indevidamen-
te; afirma sem aduzir documentado comprovante. O Densamente) de S. To
más foi nítidamente apresentado no Congresso realizado em Roma no mes
de Janeiro pp. sobre a Antropología de S. Tomás. Tal certame contou com
um discurso do S. Padre Jo3o Paulo II, que reafirmou adistincáb real entre
corpo e alma; cf. "L'Osservatore Romano", ed. portuguesada 12/01/1986,
p.9.
De resto, tal doutrina nao implica negligencia pelo corpo humano e
suas carencias. Se houve descuido neste setor por parte de místicos cristSbs,
nao seja tido como conseqüéncia necessária daconcepcSb oficial da Igreja.
É de estranhar que a obra de Comblin seja tío pouco voltada para a
doutrina da Igreja como tal, preferindo seguir correntes laterais do pansa-
mentó teológico.

Reencontró com Deus no Espfrito, por Fr. Battistini. - EdicSo pro-


pria. Pedidos i Caixa postal 93630, CEP 25900 Maga (RJ), 115 x 155 mm,
127 pp.

Frei Battistini 6 um carmelita que se tem dedicado ardorosamente á


instrucao religiosa dos fiéis católicos, cíente da ¡mensa necessidade de
se fortalecer a fé daqueles que, batizados na Igreja, nunca receberam sólida
formacao crista. O título "Reencontró.. ." significa que o livro se destina a
quem já fez a Primeira Comunha'o. É um compendio da doutrina católica
bem redigido e prático, apto a ajudar os leitores a se estruturar na fé. A obra
é valiosa. — Os demais livros de Fr. Battistini s9o todos de catequese; apre
sen tam os artigos da fé ou aspectos da mesma. Pedidos ao endereco ácima
indicado.

As Chaves do Inconsciente, por Renate Jost de Moraes. - Livraria


AGIR Editora, Caixa Postal 3291, CEP 20001 Rio de Janeiro (RJ), 210 •
140 mm, 348 pp.

A Dra. Renate Jost de Moraes é pós-graduada em Psicología e colabo-


rou na ¡mplantacao de Clínicas psicossomátícas em varios Estados do Brasil,
treinando é supervisionando equipes terapéuticas. Na Europa em 1981,

___-____ 142
LIVROS EM ESTANTE 47

1983 e 84 ampliou seus conhecimentos sobre Logoterapia, contactando


Viktor Frankl e entrevistando-se com Elisabeth Lukas. Baseada nos enfo
ques antropológicos destes autores, criou a TIP (Terapia de Integracab Pes-
soal).
Foi condecorada por S.S. o Papa Paulo VI com a medalha de ouro e
com a designaclo de singular benfeitora da causa crista.
Está convicta da importancia do inconsciente tanto no surto como na
cura de molestias; estas sao geralmente psicossomáticas. Ora o inconsciente
sofre muitas vezes desintegracSb provocada pela ignorancia do sentido da vi
da. Este pode ser descoberto mesmo em condicdes desfavoráveis, pois "o ser
humano nao é apenas a resultante psicofisiológica dos seus antecedentes ou
de condicionamentos ambientáis, mas possui urna dimensao pessoal, livre,
perfeita, responsável, diferenciada dessas influencias e capaz de sobrepuja!
las" (p. 68). No livro em pauta a autora prop3e o que seja o Inconsciente em
seus diversos aspectos (Parte I e II), o Tratamento sobre o Inconsciente (Par
te III) e a Terapia de Integracao Pessoal (Parte IV).

Quem lé as páginas da obra, verifica que, através de explanacóes cien


tíficas e técnicas, a autora leva a mensagem crista* aos seus leitores e pacien
tes - o que nem sempre ocorre nos livros de tal área.

Falta um Defensor para o Padre Cicero, pelo Pe. Antonio Feitosa. -


Ed. Loyola, S3o Paulo 1983,140 x 210 mm, 310 pp.

O Pe. Feitosa estudou longamente os fatos relacionados com o Pe. Ci


cero, o "Patriarca" de Juazeiro do Norte. Neste seu livro, nao profere urna
palavra contra o Pe. Cicero, mas procura mostrar que o fanatismo do povo,
alimentado por interesses da imprensa e de outros órgSos, atribuiu a este sa
cerdote vulto extraordinario e nocivo tanto á ¡magem do Pe. Cicero como
aos fiéis do Nordeste. A argumentadlo se baseia em documentos interessan-
tes. Muitas pessoas ouvem falar do Pe. Cicero, mas n2o conhecem sua histo
ria; este livro Ihes poderá prestar servico.

A colecao CONVERSANDO SOBRE ... da Editora Santuario destina


se a pessoas que precisam de ¡nformacBes claras e sumarias a respeito de te
mas como Educacao Sexual, ReencarnacSo, Moral, Biblia, Vida... Trata-se
de fascículos de 40 a 120 páginas, de acordó com a densidade do tema abor
dado (140 x 210 mm.). Endereco: Rúa Pe. Claro Monteiro, 342, CEP 12570
Aparecida (SP).

E.B.

143
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 286/1986

NOTA: PAULO BOTAS

A revista VEJA, de 22/01/86, publicou á p. 90 um artigo dito de Frei


Paulo Botas intitulado "A Igreja também tem pecados". Esta página provo-
cou espanto pela veeméncia de seus pronunciamentos. Em conseqüéncia, o
Arcebispo de Curitiba (cidade onde reside o articulista), D. Pedro Fedalto,
emitiu a seguinte Nota:

"Frei Paulo na*o tem nenhum vínculo jurídico com a Arqui-


diocese de Curitiba. é irmáo religioso, sem a ordenacio sacerdo
tal, e encontra-se, no momento, desligado da Ordem a que per-
tence" (extraído de Noticias, Boletim semanal da CNBB, de
30/01/86).
Donde se vé que os pronunciamentos do articulista tem valor estrila-
mente pessoal - o que nSo os isenta de ser injuriosos e falsos.- A respeito
de celibato notamos:
O principio inspirador da vida una e indivisa (como diz SSo Paulo)
está nos escritos mesmos do Novo Testamento: o Apostólo, em ICor 7,
25-35, observa que o tempo se fez breve, porque nele entraram valores eter
nos ou as sementes do Reino de Deus; em conseqüéncia, o cristib tende a se
concentrar, tanto quanto possível, nos bens definitivos, que enchem os nos-
sos días; daf a recomendacSo de urna certa sobriedade em relagao aos bens
temporais; mesmo os que Deus chama ao matrimonio sa"o convidados a
olhar ulteriormente para os bens definitivos (ver Ef 5, 22-32). Neste con
texto o Apostólo propSe o ideal da vida una, isenta dos compromissos de
familia, para que possa haver mais disponibilidade para o Senhor e os inte-
resses do seu Reino. A partir destes conceitos, emitidos por SIo Paulo em
56, comecou a prática da vida una (celibatária) tanto entre os homens como
entre as mulheres na Igreja. É natural que os sacerdotes se sentissem direta-
mente interpelados por tais concepcSes, de modo que aos poucos o celiba
to foi sendo espontáneamente abracado pelo clero. O Concilio regional de
Elvira (Espanha), no comeco do sáculo IV, apenas fez sancionar a prática
já vigente. Os Concilios subseqüentes a corroboraran! e estenderam final
mente a toda a igreja. Disto decorre claramente que a prática do celibato sa
cerdotal é inspirada por razoes estrítamente teológicas e nada tem que ver
com interesses económicos. A rigor, poderia haver clérigos casados (como
os há no Oriente católico), mas é de crer que, apesar da inclemencia de nos-
sos tempos, o celibato continua sendo fator de liberdade e disponibilidade
para nossos clérigos, além de ser um sinal vivo de que o Reino de Deus já co
mecou na térra e vale a pena dedicar-se inteiramente ao seu servico.

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A ESPECIAL ATENQÁO DOS NOSSOS ASSINANTES

Novamente lamentamos o extravio do pagamento de varios


dos nossos Assinantes na correspondencia enderecada á nossa Caixa
Postal 2666 no Rio. A importancia é retirada da Caixa e depositada
pelo infrator em outras Agencias bancárías da Praca. Solicitamos sua
atencao para a observancia da norma indicada na pág. 2 da capa, sob
o título "Assinatura para 1986": ou o Banco do Brasil ou o Vale
Postal registrado.

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9. Maria, Virgem e Mae. 10. Jesús teve irmSos? 11. O culto dos Santos.
12. As ¡magens sagradas. 13. Alterando o Decálogo? 14. Sábado ou Do
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