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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
272
Os Lelgos no Novo Dlreito Canónic

"Nossa Fé está Mudando?"

Quem pode celebrar a Eucaristía?

"Liturgia e Ubertacao"

As OisposicSes para Comurtgar


Dignamente

"Urna Igreja no Povo e pelo Povo'

, Para Tentar Destruir a Fé

Madre Teresa de Calcuta

JANEIRO-FEVEREIRO — 198
PERGUNTE E RESPONDEREMOS JANEIRO-FEVEREIRO — 1984
Publlcacao bimestral N? 272

DIretor-ResponsAvel:
SUMARIO
O. EstévSo Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia
"NAO TENHAIS MEDO!" 1
publicada neste periódico

Dlretor-Admlnlstrador Aínda urna vez o Código:


O. Hildebrando P. Martins OSB OS LEIGOS NO NOVO DIREITO CANÓ
NICO 2

AdmlnbtracSo e distribuicao: Questáo que atormenta:

«NOSSA FÉ ESTA MUDANDO?" 15


Edlcdes Lumen Christi
Oom Gerardo, 40 • 5? andar, S/501 Um documento de Roma:
Tel.: (021)291-7122 QUEM PODE CELEBRAR A EUCARIS
Caixa postal 2666 TÍA? 28
. 20001 • Rio de Janeiro - RJ
Novos Aspectos da Teología da Liber-
tacao:

Pagamento em cheque nominal visado ou "LITURGIA E LIBERTAQAO" 49


Vale Postal (para Agencia Cenlrai/Rio),
enderezado as: Um problema pastoral: ' .

Edlcoes Lumen Chrlstl AS DISPOSICÓES PARA COMUNGAR


Caixa Postal 2666 DIGNAMENTE 59

20001 - Rio de Janeiro • RJ Eclesiologla em foco:


"UMO IGREJA NO POVO E PELO POVO" 66

Um documento marxista:
ASSINATURA para 1984:
PARA TENTAR DESTRUIR A FÉ 76
De 1? de Janeiro a 30
MADRE TERESA DE CALCUTA 82
de junho CrS 6.000,00
LIVROS EM ESTANTE 86
De 1' de junho a 31 de
dezembro Cr$ 8.000,00

Números avulsos de 1984 CrS 1.000,00

Anteriores a 1984 CrS 450.00 NO PRÓXIMO NÚMERO

RENOVÉ QUANTO ANTES


273 — Margo-Abril — 1984
A SUA ASSINATURA

Decía ragao ecuménica sobre María. —


E a conlissáo dos pecados? — O sentido
COMUNIQUE-NOS QUALQUER da Eucaristía. — O cisma de El Palmar de
MUDANCA DE ENDERECO Troya e a "Montanha Santa". — As feúras"
do Dr. Edson de Queiroz. — I Ching —
Halha Yoga. — "A Glorificacfio".
Compottelo e ImpressBo:
"Marques Saraiva"
Santos Rodrigues, 240
Rio de Janeiro Com aprovacáo eclesiástica
"NAO TENHAIS MEDO!"
Estas palavras, táo repetidas pelo S. Padre Joáo Paulo II,
encontram-se de ponta-a-ponta na mensagem biblica; cf. Jz
6,23; Sf 3,14-16; Jl 2,21s; Le 1,30...
E por que caracterizam, desta maneira, os livros sagra
dos? — Por irrealismo ou ignorancia assintosa dos males que
ameagam a vida do homem sobre a térra? Nao haveria moti
vos para temer, especialmente numa época como a nossa, em
que a bomba atómica ameaga destruir a humanidade?
A Escritura nao é irrealista. Muito ao contrario; exorta-
-nos a calcular bem dificuldades e perigos antes de empreen-
dermos qualquer facanha; cf. Le 14,28-33. Os cristáos sao
enviados como cordeiros em meio a lobos; cf. Le 10,3. Toda-
via a Escritura sabe que a obra de Deus no mundo rematará
a historia e que o Senhor dirá a palavra final de todos os
tempos (cf. Me 10,32s); por isto ela incita os discípulos do
Senhor a nao temer; quem Lhe for fiel, perceberá que a sua
luta nao terá sido vá. Todas as labutas e angustias seráo
transfiguradas, como transfigurada foi a Paixáo de Cristo.
Apenas urna desgraca é realmente má: o afastar-se de
Deus ou o pecado; na verdade, Deus é o único Bem que a
criatura em hipótese alguma pode perder; a própria vida do
corpo é valor a que o cristáo pode e deve renunciar desde que
lhe seja empecilho de fidelidade a Deus. Com efeito, diz o
Senhor Jesús: «Nao tenhais medo daqueles que matam o
corpo, mas nao podem matar a alma. Temei, antes, Aquele que
pode destruir a alma e o corpo na geena» (Mt 10,28). Aquilo
que causa a ruina total do cristáo, é o Nao a Deus ou o
pecado. Os valores moráis, portante, estáo ácima dos valores
físicos, como, alias, percebia muito bem o filósofo pré-cristáo
Platáo, ao dizer que mais desgrasado do que o condenado á
morte injustamente é aquele que o condena injustamente (cf.
Górgias § 469).
É precisamente no limiar de novo ano, pelos prognósticos
apresentado como sombrío, que nos recordamos da mensagem
biblica: «Nao temáis». O perigo de bombas e destruigáo física
aínda será superável se o cristáo souber guarda incólume a
sua adesáo ao Senhor Deus; isto pode exigir heroísmo, mas o
heroísmo nao deve espantar o discípulo de Cristo. Neste
mundo em que se multiplican! os engenheiros e os engenhos,
o que se requer é santidade e santos; é este o valor que falta e
sem o qual o mundo nao pode senáo estar agitado; é este o
valor que pode garantir aos discípulos de Cristo paz em meio
as grandes tormentas. Cf. Rm 8,35-39.
E.B.

— 1 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS
Ano XXV — N' 272 — Janeiro-fevereiro de 1984

Aínda urna vez o Código:

Os Leigos no novo Direito Canónico

Em 8íntese: Verifica-se que aos leigos toca o direito-dever de anun


ciar o Evangelho. Por isto sSo delegados para atividades apostólicas em
virtude da sua participacáo na missáo da Igreja decorrente do Batlsmo e
da Crisma. Além disto, os leigos sao chamados a impregnar a ordem tem
poral com o espirito evangélico, dando o testemunho cristáo no exerclcio
das suas funcdes seculares.

Os leigos casados edificam, pela sua vivencia matrimonial e pela


educacfio dos filhos, o povo de Deus e, de modo geral, a socledade civil.

Além disto, os leigos — homens e mulheres — podem ser chamados


a exercer na Igreja funches e ministerios para os quais estejam aptos.
Somente os homens sao Incumbidos do leitorado e do acolitado estáveis
e institucionais, ao passo que ás mulheres podem ser confiados ministerios
temporarios e extraordinarios.

€stes dados manifestam o papel relevante que o lelgo desempenha


na Igreja, fazendo parte da mesma comunhSo eclesiástica em que estfio
inseridos os clérigos.

O novo Código de Direito Canónico, cuja Eclesiologia está


fundada sobre a Constituigáo Lumen Gentium (LG) do Con
cilio do Vaticano II, deu grande énfase aos leigos na Igreja.
Estes sao considerados no livro II, intitulado «Do Povo de
Deus».

O livro n se divide em tres partes: 1) Dos Fiéis em geral;


2) Da Constituigáo Hierárquica da Igreja; 3) Dos Institutos
de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.

As funcdes dos leigos sao analisadas na Parte I (Dos


Fiéis). Esta consta de quatro cánones introdutórios (cánones
204-207) e de cinco títulos: a) Deveres e Direitos de todos os

o
OS LEIGOS NO NOVO DIREITO CANÓNICO 3

Fiéis (can. 208-223); b) Deveres e Direitos dos Fiéis Leigos


(can. 224-231); c) Ministros Sagrados ou Clérigos (cánones
232-293); d) Prelazias Pessoais (can. 294-297); e) Associagóes
de Fiéis (can. 298-329).

Interessa-nos, ñas páginas seguintes, apresentar o conteúdo


dos cánones introdutórios da Parte leo dos dois primeiros
títulos referentes respectivamente aos fiéis em geral e aos leigos
em particular.

1. A Igreja, comunháo de membros iguais e desiguais


(can. 204-207)

Eis o teor do canon 204, § 1«:

«Fiéis sao os que, incorporados a Cristo pelo balismo, foram


constituidos como povo de Deus e assim. feitos oarticipantes, a seu
modo da funcáo sacerdotal, profética e regia de Cristo, sao chamados
a exercer, segundo a condicáo própria de cada um, a míssSo que Deus
confíou para a Igreja cumprir no mundo».

Note-se que nestes dizeres é afirmada a igualdade básica


de todos os membros da Igreja entre si, igualdade decorrente
do fato de que foram incorporados a Cristo pelo sacramento do
Batismo, a fim de formar um único povo de Deus. Dentro dessa
igualdade fundamental, porém, registra-se urna desigualdade
de fungóes; cada qual, a seu modo e segundo á sua vocagáo
pessoal, participa das fungóes sacerdotal, profética e regia de
Cristo; há, pois, diversos modos de colaborar para a implan-
tagáo e a consumagáo do Reino de Cristo na térra.

Esta verdade é repetida pelo canon 208, o primeiro que


trata dos deveres e direitos de todos os fiéis:

«Entre todos os fiéis, pela sua regeneracao em Cristo, vigora,


no que se refere á dignidade e atividade, urna verdadeira igualdade,
pela qual todos, segundo a condicáo e os oficios próprios de cada
um, cooperam na construcáo do Corpo de Cristo».

É sobre o fato de que há desigualdade de fungóes na Igreja


que se fundamenta a existencia de urna hierarquia ou de um
grupo de fiéis aos quais Deus quis confiar, de modo especial, o
ministerio sacerdotal de Cristo. Assim a Igreja é urna
comunhao hierárquica.

— 3 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

Os cánones 204 § 1» e 208 tém enorme importancia pelo


fato de que indicam os criterios para se avaliarem as diferencas
de funcóes na Igreja. Dizem-nos, sim, que estas sao encargos,
tarefas e responsabilidades para o servigo dos irmáos, e nao
títulos de vá gloria. Muito a propósito vém as palavras de
Santo Agostinho citadas em Lumen Gentium (Constituicáo
Luz dos Povos) n' 32:

«Atemoriza-me o que sou para vos; consola-me o que sou con-


vosco. Pois para vos sou bispo; convosco sou cristao. Aquilo é um
de ver; ¡sto, urna grasa. O primeiro é um perigo; o segundo, salvacño»
(serm. 340,1).

O canon 207, o último dos introdutórios, explícita a estru-


tura fundamental da Igreja. O primeiro parágrafo afirma que,
por instituigáo divina, existem na Igreja ministros sagrados
ou clérigos e leigos. O § 2» acrescenta que em ambos os
estados — o clerical e o laical — se encontram pessoas con
sagradas a Deus pelos votos ou outros vínculos reconhecidos
pela Igreja; esta observacáo realca, ao lado do aspecto jurídico,
hierárquico e institucional da Igreja, o aspecto carismático da
mesma, pois a vida consagrada pelos votos religiosos é um dos
frutos mais belos da imprevisivel acáo do Espirito. Dado que
o oarisma da Vida Religiosa se exerce tanto entre os clérigos
como entre os leigos, verifica-se que nao há tensáo entre
clérigos e leigos; urna comunháo de vida e um relacionamento
fraterno se estabelecem entre aqueles e estes independente-
mente da sua posicáo hierárquica. A própria hierarquia da
Igreja, com seu caráter institucional e estável, é fruto do Espi
rito Santo. O direito nao tem outra missáo que nao a de re-
conhecer a riqueza dos dons do Espirito e determinar as
condicóes para que se possam exercer em vista do bem comum.

Após a leitura destes cánones introdutórios, passemos ao


título I do livro H.

2. Dos ¡deveres e direitos de todos os fiéis (con. 208-223)

É de notar que tal secáo se refere tanto a clérigos como a


leigos na medida em que sao todos membros do povo de Deus,
iguais entre si pelo Batismo e a vocagáo á santidade. Tenha-se
em vista o canon 208, inicial deste titulo:

— 4 —
OS LEIGOS NO NOVO DIREITO CANÓNICO 5

Canon 208: «Entre todos os fiéis, pela sua regeneracao em


Cristo, vigora, no que se refere á dignidade e atívidade, urna ver-
dadeira igualdade, pela qual todos, segundo a condicáo e os deveres
próprios de cada um, cooperam na construcáo do Corpo de Cristo».

Dito isto, sao enumerados os deveres, os deveres-direitos


e os direitos de todos.

2.1. Deveres de todos os fiéis

O Código enuncia cinco tipos de dever:

1) conservar sempre, no seu modo de agir, a comunháo


com a Igreja e cumprir, com grande diligencia, os deveres a que
estáo obrigados segundo as prescrigóes do Direito (canon 209);

2) levar urna vida santa e promover o incremento e a


santificagáo da Igreja (canon 210);

3) obedecer, com senso de responsabilidade, ao que os


Pastores, como mestres, declaram e, como guias da Igreja,
estabelecem (canon 212, § 1»);

4) atender as necessidades da Igreja de modo que esta


possa dispor de tudo que seja preciso para o culto divino, para
as obras de apostolado e caridade e para o sustento dos minis
tros (canon 222, § 1»);

5) promover a justiga social e socorrer aos pobres com


as suas rendas (canon 222, § 2").

Passemos agora ao enunciado dos

2.2. Deveres-dtrertos

Sao em número de dois:

. 1) Empenhar-se para que o anuncio da salvacáo chegue


a todos os homens (canon 211);

2) manifestar o seu modo de pensar aos pastores sobre o


que diz respeito ao bem da Igreja, e divulgá-lo, levando sempre
em conta a integrídade da fé e dos costumes e o respeito pata
com os pastores, assim como a utilidade comum e a dignidade
das pessoas (canon 212, § 3').

Há também

— 5 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

2.3. Direitos de todos os fiéis

O Código enumera os seguintes direitos:

1) manifestar aos pastores as suas necessidades, especial


mente as de ordem espiritual, assim como os seus anseios
(canon 212, § 2»);

2) receber dos seus pastores ajuda espiritual (canon 213);

3) dar culto a Deus segundo as prescrigóes do seu rito


aprovado pelos legítimos pastores da Igreja, e desenvolver a
sua vida espiritual de maneira consentánea com a doutrina da
Igreja (canon 214);

4) fundar e dirigir associacóes para fins de caridade, de


piedade e de missáo (canon 215);

5) promover e sustentar atividades apostólicas (can. 216);

6) receber educagáo crista (canon 217);

7) exercer a liberdade de pesquisa e de prudente ex-


pressáo ñas ciencias sagradas, salvaguardado o obsequio devido
ao magisterio da Igreja (canon 218);

8) nao ser coagido a abracar algum estado de vida contra


a vontade própria (canon 219);

9 guardar a boa fama e defender a própria intimidade


(canon 220);

10) reivindicar e defender direitos próprios no respectivo


foro eclesiástico (canon 221, § 1»);

11) ser julgado de acordó com as prescrigóes do Direito


a serem aplicadas com eqüidade (canon 221, § 2»);

12) nao ser punido com penas canónicas a nao ser em


conformidade com a lei (canon 221, § 3»).

O canon 223, que encerra o titulo I (dos deveres e direitos


dos fiéis em geral) dá a chave de interpretagáo dos anteriores.
Eis o respectivo texto:

— 6 —
OS LEIGOS NO NOVO DIREITO CANÓNICO 7

Canon 223 — § 1* «No exercício dos próprios direitos, os fiéis,


individualmente ou unidos em associacoes, devem levar em conta o
bem comum da Igreja, os direitos dos outros e os próprios deveres para
com os outros.

§ 2« Compete á autoridade eclesiástica, em vista do bem


comum, regular o exercício dos direitos que sao próprios dos fiéis».

O canon quer dizer que no uso dos seus direitos os fiéis


devem observar o principio da responsabilidade pessoal e social,
isto é, nao devem apenas exigir que os seus direitos sejam re-
conhecidos, mas devem levar em conta que tais direitos sao
exercidos dentro da comunidade da Igreja. Estejam, pois,
atentos ao bem comum da Igreja, aos direitos dos outros fiéis
e aos deveres que de tais direitos resultam para cada um. A
fim de assegurar a boa ordem, as autoridades eclesiásticas
moderam o exercício dos direitos.

Com outras palavras: o canon significa que os direitos


individuáis na Igreja nao sao algo de absoluto. Sejam exercidos
de maneira ética ou moral. Donde se segué que, se o exercício
de algum direito pessoal acarreta daño a outra pessoa ou á
comunidade, o fiel oatólico deve abster-se de tal exercício. Tal
norma, enunciada pelo canon 223, encontra aplicagáo, por
exemplo, no caso enunciado pelo canon 212, § 3"; cada fiel tem
o direito de exprimir suas opinióes em materia de fé dentro dos
limites da integridade da fé e dos costumes, levando em conta
o respeito aos pastores, a utilidade comum e a dignidade da
pessoa humana. Outra aplicagáo ocorre no canon 218, quando
se reconhece a liberdade de pesquisa ñas ciencias sagradas, mas
com a limitacáo imposta pelo respeito ao magisterio.

Importa agora considerar o titulo n do livro n, o qual


aborda diretamente os leigos na Igreja.

3. Deveres e direitos dos leigos (can. 224-231)

Este título do Código, como alias o anterior e os cánones


introdutórios, sao algo de novo em relacáo ao Código de 1917.
Este era muito parco no tocante aos leigos: o respectivo
canon 682 reconhecia-lhes o direito de receber dos clérigos os
bens espirituais e os auxilios necessários á salvacáo — o que
também é reconhecido pelo canon 213 do novo Código; o
canon 683 de 1917 dizia outrossim que aos leigos nao é licito

— 7 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

usar o hábito clerical a nao ser em circunstancias especiáis; era


também proibido aos leigos pregar na igreja, conforme o
canon 1.342, § 2». Como se vé, aos leigos nao se atribuiam
especiáis fungóes na Igreja. — Ora o Concilio do Vaticano U
desenvolveu reflexóes sobre o laicato, que se tornaram base
para a formulacáo de nova disciplina dos leigos.
Vejamos, porém, antes do mais:

3.1. Quem é um leigo?

O Código de Direito Canónico nao oferece definicáo de


«leigo» na Igreja, pois tal nao é a sua tarefa. É preciso,' por-
tanto, pedir aos textos conciliares tal definicáo.

A Constituigáo Lumen Gentium n' 31a chama «leigos»


aqueles que, incorporados a Cristo pelo Batismo, fazem parte
do povo de Deus e participam, do seu modo, na missáo sacer
dotal, profética e regia de Cristo. O n« 31b acrescenta que a
«índole secular (isto é, a insereno no século ou no mundo) é
própria e peculiar dos leigos»: aos leigos toca a vocagáo de
procurar o Reino de Deus mediante o trato honesto dos afa
zeres temporais; é na familia, ñas profissóes seculares, no
campo da cultura, das artes, da economía, da política, das rela-
cóes internacionais que compete ao laicato exercer sua agáo
conforme os ditames do Evangelho. Cf. Lumen Gentium
n* 36.38; Apostolicam Actuositatem n« 7.

Verdade é que também aos clérigos e aos Religiosos é lícita


urna certa atuagáo nos ambientes da cultura e ñas profissóes
seculares, como também aos leigos podem tocar diversos tipos
de missáo dentro da Igreja. Como quer que seja, o laicato se
define por seus afazeres temporais, que lhe sao própríos, embora
nao exclusivos.

3.2. Os cánones respectivos

O canon 224, introdutório como é, afirma que dizem res-


peito aos leigos nao somente as disposigóes enunciadas sob o
título n dolivro n, mas também as normas esparsas pelo Có
digo referentes a todos os fiéis em geral ou aos leigos em
particular; tenha-se em vista o que concerne á recepcáo e á
administragáo dos sacramentos, as fungóes eclesiásticas, á
jurisdigáo, aos processos e aos recursos administrativos.

Passemos agora em revista os cánones do titulo n.

— s —
OS LEIGOS NO NOVO DIREITO CANÓNICO 9

3.2.1. Atividades apostólicas (canon 225)

Eis o texto do canon 225:

Cfinon 225 — § 1? «Os Ieigos, enquanio destinados por Deus,


como todos os fiéis, para o apostolado por meio do Batismo e da
Confirmacáo, tém obrigacáo geral e gozam do direito de trabalhar,
quer individualmente, quer reunidos em associacoes, a fim de que o
divino anúndo da salvacao seja conhecido e aceito por todos os
homens em todo o mundo; essa obrigacáo é mais premente ñas cir
cunstancias em que os homens, a nao ser por meio deles, nao poden»
ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo.

§ 2° Tém também o dever especial, cada um segundo a própria


condicáo, de animar e aperfeicoar com o espirito evangélico a ordem
das realidades tem porais, e assim dar testemunho de Cristo, especial
mente na gestao dessas realidades e no exercício das atividades
seculares».

O direito-dever de realizar atividades apostólicas já foi


enunciado no canon 210, que diz respeito a todos os fiéis (clé
rigos e Ieigos) em geral. É de novo mencionado no canon 225,
porque os Ieigos tém seu modo próprio de anunciar o Evangelho,
modo diferente do dos clérigos e do dos membros de Institutos
seculares.

No tocante ao § 1», nota-se que o canon incute o dever-


-direito, dos Ieigos, de evangelizar sem distinguir a formalidade
respectiva. Com efeito; existe um tipo de apostolado que recebe
um mandato explícito da hierarquia e que se chama «Agáo
Católica» (cf. Decreto Apostolicam Actuositatem, sobre o Apos
tolado dos Leigos, n» 20; Constituigáo Lumen Gentium, n» 33);
esta constituí urna forma de íntima cooperagáo com a hierar
quia da Igreja. Além da Agáo Católica, conhecem-se varias
outras maneiras de exercer o apostolado (cf. Lumen Gentium,
n» 31). Ora todas estas modalidades sao consideradas global-
mente pelo canon 225, § 1»; na verdade, qualquer atividade dos
fiéis leigos que vise ao anuncio do Evangelho, nao pode deixar
de se coligar ao apostolado da hierarquia e submeter-se a esta.

O canon prevé o exercício individual ou associado da agáo


apostólica dos leigos. — Ora a respeito de associacóes de leigos,
o Código volta a falar no canon 327, a fim de estimulá-las; po-
deráo ter finalidades diversas como a de favorecer urna vida

_ 9 _
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

crista mais perfeita, a de promover o culto público, a doutrina


crista ou outras obras de apostolado ou ainda a de fazer que
o espirito cristáo penetre mais a fundo a ordem temporal.

O § 2» do canon 225 menciona e incentiva determinada


forma de evangelizado própria dos leigos, a saber: a de animar
cristámente as estuturas e atividades seculares.

3.2.2. Matrimonio e familia (canon 226)

Aos fiéis que vivem a vocagáo conjugal, toca o dever de


edificar o povo de Deus mediante o matrimonio e a familia;
cf. canon 226, § 1». — Este parágrafo há de ser explicitado á
luz do decreto Aposfcolicam Actuositatem n9 lie, onde se lé que
os mais importantes deveres apostólicos dos esposos sao o de
manifestar, pela sua vida, a indissolubilidade e a santidade do
matrimonio, o de afirmar o direito e o dever de educar crista-
mente os filhos, o de defender a dignidade e a autonomía da
familia. Empenhem-se, portante, os fiéis leigos para que a le-
gislacáo civil de cada país reconheca e defenda tais aspiracóes.
Além disto, o texto conciliar enumera as seguintes obras de
apostolado familiar: «adotar como filhos as criancas abandona
das, acolher com benevolencia os hospedes, contribuir para a
boa orientacáo das escolas, assistir aos adolescentes com seus
conselhos e com recursos económicos, ajudar os noivos a se
prepararem para o casamento, colaborar na catequese, apoiar
os casáis e as familias postas em perigo material ou moral,
atender as necessidades dos anciáos» (n» lie).

O canon 226, § 2» trata da educagáo dos filhos. Compete


primeiramente aos genitores o dever-direito de educá-los, e
educá-los cristámente segundo a doutrina da Igreja. A familia,
na verdade, é urna igreja doméstica, na qual os pais sao para
os filhos os primeiros mestres da fé e as primeiras testemunhas
do amor de Cristo (cf. Lumen Gentium llb; 35c). — O Código
volta a tratar do assunto no canon 793, mencionando o direito-
-dever, dos genitores, de escolher os meios e as instituicóes que
melhor contribuam para a educacáo católica de seus filhos.

3.2.3. Autonomía (canon 227)

Ao trataran de assuntos e afazeres seculares, os fiéis leigos


tém direito á liberdade frente á hierarquia da Igreja, desde que
suas atividades sejam impregnadas do espirito evangélico e

— 10 —
OS LEIGOS NO NOVO DIREITO CANÓNICO n

atendam á doutrina proposta pelo magisterio da Igreja. Mais


ainda: ao professarem suas opinióes pessoais, nao o fagam como
se fossem doutrina da Igreja — o que vale especialmente em
materia de política.

3.2.4. Forniaeóo doutiinárki (canon 229, §§ 1? e 2')

Aos leigos toca o direito-dever de adquirir sólida formacáo


doutrinária, a fim de que possam viver cristámente e anunciar
ou mesmo defender as verdades da fé no exercício das suas
atividades apostólicas. — Tal norma é de enorme valor numa
época em que a doutrina da fé é freqüentemente ignorada ou
insuficientemente ou mesmo erróneamente conhecida pelos
fiéis: as seitas, com suas mensagens e proposicóes, como também
as correntes teológicas, deixam freqüentemente os fiéis em
estado perplexo, sujeitos a professar como artigos de fé sen-
tengas falsas ou discutiveis.

Os leigos, no seu afá de penetrar melhor as verdades de


fé, eozam outrossim do direito de adquirir graus académicos em
Universidades e Facilidades Eclesiásticas ou em Institutos de
Ciencias Religiosas.

3.2.5. Funches ¡udiciárías, administrativas e docentes


(can. 228 e 229, § 3?)

O canon 228, § 1« reconhece aos leieos o direito de desem-


penhar oficios e encargos eclesiásticos, desde que sejam idóneos
a isto e se observem as prescricóes do Direito.

Tais funcóes, facultadas tanto a homens como a mulheres,


vém a ser, segundo o Código:

— a de juiz; cf. canon 1421, § 2»;


— a de auditor ou ouvinte; cf. canon 1428 § 2«;
— a de chanceler; cf. canon 483 § 2»;
— a de notario; cf. canon 483, § 2»;
— a de assessor de juiz em tribunal; cf. canon 1424;
— a de promotor de justica; cf. canon 1435;
— a de defensor do vínculo; cf. canon 1435;
— a de legado papal junto a Estados, Autoridades públi
cas, Conferencias, Congressos internacionais; cf. can. 363, § 1»;

— 11 —
_12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

— a de peritos e conselheiros dos pastores, integrando


Conselhos paroquiais ou diocesanos; cf. canon 228, § 2»;

— a de ensinar as ciencias sagradas, desde que, devida-


mente capacitados, recebam o mandato da legitima autoridade
eclesiástica; cf. canon 229, § 3».

A habilitagáo dos leigos ao exercício de tais fungóes fun-


da-se sobre o fato de que participam da missáo de Cristo em
virtude dos sacramentos do Batismo e da Crisma. Tal partici-
pagáo nao deverá ser confundida com aquela que toca aos
clérigos em virtude do sacramento da Ordem; este habilita o
cristáo á fungáo de pároco, bispo, etc. Na verdade, o sacerdocio
comum dos fiéis e o sacerdocio ministerial diferem entre si de
maneira essencial e nao apenas segundo graus (cf. Lumen
Gentium tí> 10b).

3.2.6. Ministerios litúrgicos e extra-litúrgicos (canon 230)

O Código distingue tres tipos de ministerios: os estáveis e


instituidos, os temporarios e os extraordinarios.

a). Ministerios estáveis e instituidos sao o de leitor e o de


acólito, conferidos mediante rito litúrgico próprio; cf. canon 230,
§ 1». Ficam reservados aos homens, pois estáo na linha do sa
cramento da Ordem.

O ministerio de leitor compreende o anuncio da Palavra de


Deus, a animagáo da Liturgia e a preparacáo dos fíéis aos sacra
mentos (donde a catequese).

O ministerio de acólito compreende o servigo do altar e a


distribuigáo da Comunháo Eucarística nao só ñas igrejas, mas
também ñas casas dos enfermos (cf. canon 910, § 2»). Em
circunstancias especiáis, o acólito é também o ministro extra
ordinario da exposicáo e da reposigáo do SS. Sacramento, sem
que dé a béngáo eucarística (cf. canon 943).

A colagáo do leitorado e do acolitado nao confere direito


a remuneragáo por parte da Igreja, embora se trate de minis
terios estáveis; cf. canon 230, § 1".

O Mota proprio Ministeria quaedam, de 15/08/72, permite


ás Conferencias Episcopais, com a aprovagáo da Santa Sé, ins
tituir outros ministerios, tidos como úteis na respectiva regiáo,
como o de ostiario, exorcista, catequista.

— 12 —
OS LEIGOS NO NOVO DIREITO CANÓNICO 13

b) Ministerios temporarios. Podem ser provisoriamente


confiados a leigos — homens e mulheres — os encargos de
leitor, comentador, cantor, ... ñas fungóes litúrgicas. Em tais
casos, nao há instituicáo por meio de um rito litúrgico.

c) Ministerios extraordinarios, ocorrem guando, na falta


de ministros instituidos, os leigos (homens e mulheres) sao
assumidos para preencher fungóes dos leitores e acólitos. Entre
estas, sejam enumerados o anuncio da Palavra, o presidir as
oragóes litúrgicas, o ministerio do Batismo, a distribuigáo da
S. Eucaristía \ a assisténcia, como testemunhas qualificadas,
a um matrimonio (o que implica a formagáo catequética dos
noivos e a orientagáo litúrgica do rito; cf. canon 1112)...
Mais duas fungóes sejam arroladas entre os possíveis minis
terios extraordinarios:

— a de administrar pastoralmente urna paróquia, na falta


de pároco, todavía sob a responsabilidade de um presbítero
moderador (cf. canon 517, § 2»);

— a de pregar numa igreja ou cápela em caso de neces-


sidade ou de especial utilidade (cf. canon 766); tal pregagáo,
porém, nao seja a homilía, que se segué á leitura do Evange-
Iho da Missa e, como parte da Liturgia, fica reservada ao
presbítero e ao diácono. A Conferencia Nacional dos Bispos
toca baixar normas referentes a pregagáo realizada por leigos-
cf. cánones 766 e 767, § 1*. A fundamentado teológica de tal
prática é formulada pelo canon 759:

«Em virtude do Batismo e da Confirmacáo, os fiéis leigos sao


testemunhas da mensagem evangélica, mediante a palavra e o
exemplo da vida crista; podem também ser chamados a cooperar com
os Bispos e os presbíteros no exercído do mimstério da palavra».

1 Observa o Pe. Jesús S. Hortal S.J. no seu comentarlo á traducáo


bilingüe do Código de Dlreito Canónico, p. 409 (1? edicto);
"A designado dos ministros extraordinarios da Sagrada Comunhfio
está reglamentada pela Instructo da Sagrada Congregarlo para a Disci
plina dos Sacramentos Immensae CarHatis, de 29 de Janeiro de 1973
(AAS 65, 1973, pp. 264-271). NSo se deve esquecer o caráter extraordi
nario desses ministros. A esse respelto, a citada Instruclo adverte: 'Dado
que estas faculdades foram concedidas únicamente em vista do bem espi
ritual dos fiéis e para os casos em que se verifica verdadelra necessldade,
tenham os sacerdotes presente que, em virtude das mesmas, nao flcam
eximidos do dever de distribuir a Sanllsslma Eucaristía aos fiéis que legí
timamente a desejam receber; e, de modo particular, do dever de a levar
e ministrar aos doentes' ".

— 13 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

Por fim, o canon 231 observa que os leigos chamados, a


título permanente ou provisorio, a prestar especial servico na
Igreja devem adquirir a formacáo adequada a fungáo que háo
de desenvolver. Em conseqüéncia, toca-lhes o direito de rece-
ber urna honesta remuneragáo, assim como as garantías de
previdencia, seguros sociais e assisténcia á saúde; tal direito
á remuneragáo nao decorre da instituigáo de um leigo como
ministro, mas do servigo especifico prestado & Igreja.

4. Conclusao

Em síntese, verifica-se que aos leigos toca o direito-dever


de anunciar o Evangelho. Por isto sao delegados para ativi-
dades apostólicas em virtude da sua participagáo na missáo
da Igreja decorrente do Batismo e da Crisma. — Além disto,
os leigos sao chamados a impregnar a ordem temporal com o
espirito evangélico, dando o testemunho cristáo no exercicio
das suas fungóes seculares.

Os leigos casados edificam, pela sua vivencia matrimonial


e pela educagáo dos filhos, o povo de Deus e, de modo geral,
a sociedade civil.

Além disto, os leigos podem ser chamados a exercer na


Igreja fungóes e ministerios para os quais estejam aptos. So-
mente os homens sao incumbidos do leitorado e do acolitado
estáveis e institucionais, ao passo que as mulheres podem ser
confiados ministerios temporarios e extraordinarios.

Estes dados manifestam o papel relevante que o leigo


desempenha na Igreja, fazendo parte da mesma comunháo
eclesiástica em que estáo inseridos os clérigos.

Na confeccfio deste artigo muito nos valemos da exposicáo feita por


Glanfraneo Ghlrlanda S.J. sob o titulo I latcl nella Chlesa secondo il nuovo
Códice di Dirttto Canónico, em La Civlltá Cattolica tfi 3192, 18/06/63,
pp. 531-543.

— 14 —
Questáo que atormenta:

"Nossa Fé está Mudando?"


por Alfretf Lapple

Em sínlese: As verdades da fé sio reveladas pelo próprlo Deus atra-


vés da TradicSo oral (que comeca com Abraio no século XIX a.C.) e
escrita (a S. Escritura); tal Revelacáo se encerra com a geracáo apostó
lica (séc. I d.C). Por isto nao compete nem á Igreja como tal nem aos
teólogos alterar o Credo de acordó com as correntes de pensamento de
cada época da historia. A intransigencia da Igreja em pontos de fé através
dos séculos é precisamente o testemunho de que Ela sabe nao ser porta
dora de mensagem meramente humana, mas, sim, responsável por um
patrimonio sagrado de verdades a Ela confiadas pelo Senhor Deus para a
vida dos homens.

Esta firmeza, porém, n§o excluí (ao contrario, exige) a procura de


apresentacSo das verdades da fé em fórmulas acessiveis ao mundo de
hoje. A pregacáo é feita ao homem e para o homem, tal como ele é em
cada fase da historia, com as suas capacidades próprias de ser interpelado.

Eis, em poucas palavras, o que o livro de A. Lapple quer dizer, per-


correndo as diversas proposicdes da fé hoje em dia controvertidas.

O autor do livro «Nossa Fé está mudando?» 1 é muito


conhecido no Brasil por outras obras traduzidas para o portu
gués. Professor e presidente do Instituto de Catequese e Peda
gogía da Universidade de Salzburg (Austria), tem-se dedicado
L transmissáo das verdades da fé e das conclusóes da boa
exegese moderna a professores e catequistas.

O livro em foco atende, com sabedoria e lucidez, a urna


questáo muito freqüente, mostrando que nenhuma inovagáo
houve (nem pode haver) no essencial do Credo, mas que a
linguagem teológica pode mudar a fim de se tornar inteligível
aos homens de épocas sucessivas. Á p. 41, o autor cita Walter

lAlfred Lapple, "Nossa Fé está mudando ". Ed. Paulinas, Sao Paulo
1983, 160 x 230 mm, 210 pp.

— 15 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 272/1984

Kasper, que diz: «A Igreja nao pode anunciar hoje um Evan-


gelho diferente do que anunciou no passado. Mas isto nao
excluí que anuncie este mesmo e único Evangelho, hoje, de
modo diferente, precisamente para que seja compreendido
como idéntico». Visto o interesse da obra, exporemos, a seguir,
alguns de seus traeos salientes acompanhados de breve comen
tario.

1. A Fé hoje

Alfred Lapple passa em revista todos os artigos do Credo,


sem tencionar escrever um compendio ou manual da doutrina
católica. Apenas procura por em relevo o questionamento ou
a problemática que a mentalidade moderna levanta a respeito
de cada proposigáo da fé e expóe o modo correto de pensar a
propósito da mesma. A leitura do livro torna-se muito útil
porque ajuda o leitor a confrontar o certo e o errado, mima
época em que muitos mal-entendidos váo deixando perplexo e
inseguro o povq de Deus.

«Este livro quer ¡ogar salva-vidas sobre as ondas agitadas da fé


hoje. Nao visa, de forma alguma, a expor urna doutrina completa
da fé, mas quer fornecer pontos de orientacao e... respostas... a
problemas e dificuldades que hoje sao objeto de acaloradas discussóes,
ajudando assim no fortalecimento da fé, na renovacáo do seguimento
de Cristo e no aprofutidamento da fidelidade á Igreja» (p. 5).

Deter-nos-emos sobre alguns pontos da obra que parecem


merecer especial realce.

1.1. Fé

O autor faz um balanco das contestacóes que a fé sofre


hoje em dia: «Chama-nos a atengáo o fato de que nao só a
Sagrada Escritura é utilizada contra a tradigáo da fé, mas
também se questlonam a pré-existéncia do Filho de Deus, a
concepgáo de Jesús operada pelo Espirito Santo, os milagres
de Cristo, as aparigóes do Senhor Ressuscitado, a existencia
dos anjos e dos demonios» (?. 34).

Lapple julga que esses questionamentos podem ter seu


sentido providencial; contribuem, sim, para que o cristáo com-
preenda melhor o que professa no Credo e o distinga de inter-

— 16 —
«NOSSA FÉ ESTA MUDANDO?» 17

pretacóes espurias; de modo semelhante, as heresias tiveram


a fungáo, na historia da Igreja, de obrigar os teólogos a apro-
fundar as verdades da fé e esclarecer o seu conteúdo. Cf.
pp. 40-42.

A seguir, sao indicados alguns meios de crescer na fé:

— a oragáo e urna vida de acordó com a vontade de Deus;

— a procura da verdade e o désejo de Deus;

— a aceitagáo e a superagáo das diversas situacóes da


vida, a exemplo de Jesús;

— a constancia ñas crises de fé;

— a pregagáo da Igreja e o testemunho de pessoas fiéis;

— urna vida no ámbito da comunidade que se reune sem-


pre. «perseverando no ensinamento dos Apostólos, na uniáo,
na fragáo do pao e na oragáo». Cf. p. 43.

Doutro lado, o cristáo sofre daño na fé

— se ele cessa de rezar;

— se para na fé da sua infancia e nao continua a se


instruir na mensasem revelada, particularmente se está sob
constante influencia atéia;

— se abandona a Missa dominical e a vida da comuni


dade;

— se se adapta ao espirito contemporáneo e as opinióes


da moda, de sorte que a fé já nao Ihe oriente a vida;

— se pouco ou nada se importa com a religiáo e enche


a vida com futilidades;

— se se deixa seduzir pela tentacao do bem-estar e se


entrega ao poder do pecado;

— se «usa dois pesos e duas medidas» e recorre á prática


da mentira;

— se se furta as exigencias da nossa época e se retira


para a esfera meramente privada. Cf. p. 44.

— 17 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

A propósito do ateísmo de nossos dias, observa Lapple:

«Nao é raro ouvir «dizer que a geracao atual nao tem sensibilidade
para problemas religiosos, que Deus Ihe é indiferente, que nao se
interessa por Igreja, liturgia e sacramentos. Tais afirmacoes ¡genéricas
nao condizem com a realidade, mesmo quando proferidas com
freqüéncia e em alta voz. . .

Muitos que em público levantam a voz e falam com seguranza


de seus ateísmo, sentem-se inquietos no segredo do seu coracao, com
o receio de que, apesar de tudo, Deus possa existir. 'A meia-nóite o
homem vai furtivamente ao túmulo de seu Deus; ali, onde ninguém o
ve, derrama lágrimas, pois sua alma sabe o que perdeu' (Friedrich
Nietzsche)» (p. 47).

«Por detrás de um Nao a um Deus 'rude' e inacreditável, escon-


de-se freqüentemente um secreto e muito auténtico Sim a um Deus
maior, maís divino, aínda nao encontrado e que no entonto se deseja
encontrar. A geracao atual nao vive debaixo de um céu 'vazio', mas
parece ter dado inicio a urna purificacao considerável, espirituaI-reli
giosa do tempio» (p. 48).

1.2. Críacáo ou Evolucóo?

O texto biblico (Gn 1,1-2,25) parece insinuar que as cria


turas sairam das máos de Deus em condicóes acabadas. Com
outras palavras: parece favorecer o criacionismo, com exclu-
sáo do evolucionismo. — Ora estudos literarios e paleográficos
recentes tém mostrado que os dois primeiros capítulos do Gé
nesis tém seu género literario próprio, de modo a nao se lhes
poder atribuir alguma teoría de ordem científica. Os autores
bíblicos, que a inspiragáo divina respeitou, nao tencionavam
entrar ñas questóes hoje discutidas pelas ciencias naturais; a
sua finalidade era escritamente religiosa; daí a conclusáo de
que seria erróneo pedir o patrocinio dos mesmos para alguma
tese de geología ou antropología. É o que Lapple sabiamente
observa:

«Os escritores bíblicos, pertencentes ao ambiente cultural do


antigo Oriente, nao conheciam o conceito evolutivo do mundo. Nao
podiam. portanto, escrever contra urna teoría de evolucao cósmica.
A narrativa bíblica da críacao serviu-se certamente, como 'forma
literaria de exposicáo, de urna imagem do mundo hoje obsoleta, sem,

— 18 —
«NOSSA FÉ ESTÁ MUDANDO?» 19

no entonto, fazer desta imagem do mundo objeto de fé. A narrativa


bíblica da criacáo nao é nem pro nem contra a tese da evolucao do
mundo. Ao invés, é absolutamente aberta a urna evolucao do mundo.

Criacao e evolucao nao se opoem quais alternativas reciproca


mente incompatívels. Antes poder-se-á dizer: a evolucao do mundo
supoe a criacao do mundo. A criacáo do mundo por Deus pode-se
ter realizado, tendo ele chamado á existencia um 'átomo original', no
qual ¡á estavam planejados todos os desenvolvimentos e evolucoes.
A onipoténcia e oniciencia de Deus aparecem assim verdadeiramente
sob nova luz, se o universo foi organizado de acordó com o conceito
de evolucao» (pp. 7Ai).

1.3. Anjos e demonios

Os anjos sao dassicamente entendidos como criaturas espi-


rituais, sem corpo, que Deus criou para sua gloria e que, na
historia da salvagáo, sao mensageiros (ángeloi) do Senhor
Deus aos homens. Criaturas livres, os anjos foram submeti-
dos a urna prova de fidelidade (á semelhanca do que ocorreu
ao homem no estado original); parte dos anjos pecou entáo
por soberba, sendo, por isto, chamados «anjos maus» ou
<demónios».

Que diz a propósito Alfred Lapple?

1.3.1. Anjos bons

«O anjo> assim se ouve dizer ho¡e, pertence certamente ao céu


e á fé das criancas. No Dicionário de um cristao adulto poderá faltar
a palavra 'anjo'.. . No entonto, Michael Seemann, no 2* volume da
obra Mysierium Salutis (Einsiedeln-Zürich-Koln 1967) escreve que negar
a existencia dos anjos sería negar a autortdade de Jesús. Esta palavra
deveria fazer pensar e abrir caminho á reflexáo de que a doutrina dos
anjos nem pode ser, nem há de ser, considerada um adorno supérfluo
da fé crista» (p. 04).

«O IV Concilio do Latrao (1215) enundou com toda a clareza


o misterio da liberdade decaída: 'Deus criou bons, por natureza, o
demonio e os outros espírítos maus, todavía eles se tornaram maus por
si mesmo' » (p. 65).

— 19 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

«Nao se pode deduzir nem provar pela Sagrada Escritura que


os arijos nao existam e que se¡am apenas um cliché literario da pre-
senga e autoridade de De«s... A Biblia nao proporciona argumentos
para proclamar a 'demissáo* dos arijos» (pp. óós).

«Desde os primordios, a veneracao dos anjos faz parte da fé


da Igreja. Um resumo da doutrína da Igreja acerca dos anjos encon-
tra-se no Catecismo Romano publicado em 1566 de acordó com
decreto do Concilio de Trento (1545-1563). Diz:

'Deus criou do nada ¡números anjos para que sirvam a Deus e


estejam diante da sua face; além disto, distinguiu-os e adornou-os com
o dom maravilhoso de sua graca... Pela Providencia de Deus foi
confiada aos anjos a missao de proteger o género humano e assistir
a cada homem, a fim de nao sofrerem maior daño'.

Certamente houve aquí e acola alguém que, animado por curio-


sidade nao pia, desejasse saber mais a respeito do número, dos títu
los e das hierarquias dos anjos. Santo Agostinho (354-430) disse o
seguinte sobre o assunto: 'Quanto a mim, devo confessar que nada
sei a respeito'. Na reforma atual da Liturgia, a Igreja confirmou sua
fé na existencia e atividade dos anjos. No calendario litúrgico foram
mantidas expressamente as festas dos arcanjos Miguel, Gabriel e
Rafael (29 de setembro) e a festa dos anjos da guarda (2 de outu-
bro). Em muirás orac5es, como por exemplo no fim do Prefacio da
Missa, a Igreja repele incansavelmente sua fé nos anjos e arcanjos,
nos querubins e serafins. A Igreja mentiría a si mesma e aos outros,
se falasse acerca dos anjos sem crer na existencia deles» (pp. 67s).

1.3.2. Anjos maus ou demonios

Eis como A. Lapple encara a questáo:

«Aínda recentemente (1978) o teólogo católico Herbert Haag


pronunciou-se em favor da abolicao da crenca do demonio e decla-
rou literalmente: 'Protesto contra o fato de que, em nome da Sa
grada Escritura, os cristaos sejam obrígados a acreditar no diabo' »
tp. 70).

Comenta o Prof. Lapple:

«Talvez naja mais do que um grao de verdade na expressáo de


Charles Baudelaire (1821-1867): 'A astucia mais refinada do diabo
e fazer-nos crer que ele nao existe' » (p. 69).

— 20 ^
«NOSSA FÉ ESTA MUDANDO?» 21

«No Novo Testamento, sobretudo o evangelho de Marcos, narra


que Jesús agía também como exorcista. Atacaríamos a veracidade
do texto do Novo Testamento e, de modo particular, Jesús de Nazaré
se quiséssemos reduzir o diabo a figura folclórioa e Ihe concedisse-
mos, no melhor dos casos, existencia somente no papel» (p. 71).

«É comum.. . escorar-se na Biblia para contrapor-se a Igreja.


Sem a Igreja a Biblia é, por certo. urna interessante colecao literaria,
porém nada mais. O problema da realidade pessoal do demonio
nao pode ser abordado e respondido com base apenas na Biblia.
Seria violar a tradicao da fé e também a consciéncia da fé da
comunidade neotesfamentária... querer ... desmitizar o diabo a
ponto de fazer dele um simples sinónimo da palavra 'pecado'. Con-
yém lembrar que o IV Concilio do Latrao (1215) definiu clara e
inequívocamente: 'Cremos firmemente e confessamos de cora cao sin
cero... que Deus é a origem de todas as criaturas visíveis e invisí-
veis, das espirítuais e corporais... O diabo e os outros espíritos
maus foram por Deus criados bons em sua natureza, mas tornaram-se
maus por si mesmos'...

Também o Concilio Vaticano II falou do diabo como ser pes


soal; ten ha-se em vista a Constituicao sobre a Liturgia n» ó; o De
creto sobre a Atividade Missionária n.1* 3 e 9.. . Precisamente ho¡e
— quer se¡a oportuno, quer importuno! — o cristáo deve ao mundo o
servico de.. . desmascará-lo, pois o anonimato sempre foi o elemento
preferido dos demonios» (pp. 71 s).

1.4. O pecado original

No comeco de sua explanagáo verifica Lapple:

«Desde que Herbert Haag proclamou 'a demissao do diabo',


clama-se cada vez mais alto por urna revisao da doutrína sobre o
pecado original» (p. 79).

A fé da Igreja ensina que os primeiros homens (dois ou


mais, ... isto nao importa no caso) foram por Deus elevados
ao estado de justiga original ou de filiagáo divina, e convida
dos, mediante a apresentagáo de um modelo de vida (a fruta
do paraíso), a se confirmar ou nao nesse estado. Todavía dis-
seram Nao a Deus, movidos pela soberba; dessa infragáo resul-
tou a perda dos dons origináis; o homem é vítima da desor-
dem dentro de si e fora de si. Todavía Jesús Cristo, o Re-

— 21 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

dentar, assumiu a sorte do homem pecador, e, mediante a dor


e a morte mesmas induzidas pelo pecado, apresentou ao homem
um caminho de volta ao Pai.

Tal doutrina se baseia estritamente nos dados da fé; a


filosofía nao a atinge. Por isto os criterios para confirmá-la
ou nao hoje em dia nao sao criterios de filosofía nem de
paleontología ou ciencias naturais, mas decorreráo de um re-
exame das fontes da fé: será que estas realmente ensinam a
doutrina do pecado original? Desde já, pode-se adiantar que
nao há oposicáo entre a proposicáo da fé bem entendida e as
conclusóes das ciencias naturais.

A propósito escreve Lapple ás pp. 81-83:

«Seria posicáo mesquinha . . . tentar comprovar a doutrina do


pecado original apenas com textos veterotestamentários (Gn 3,1-12;
5,5; 8,21 etc.). Deve-se recorrer também a trechos do Novo Testa
mento (entre outros Rm 5,12-21; ICor 15,20-22). Além disso, a
doutrina da culpa hereditaria há de ser considerada no conjunto da
historia da fé e da interpretacáo da Igreja. . .

O Concilio de Trento (1545-1563), no decreto sobre o pecado


original (promulgado em 17 de ¡unho de 1546), rejeitou enérgica
mente doutrinas erradas, tanto sobre o pecado original quanto sobre
a culpa hereditaria:

'Se alguém nao confessar que Adao, o primeiro homem, tendo


infringido o mandamento de Deus no paraíso, perdeu ¡mediatamente
a santidade e a ¡ustica em .que fora criado, ... e com isto incorreu na
morte, com a qual Deus o ameacara antes, e com a morte ¡ncorreu no
cativeiro sob o poder daquele que desde entao teve o dominio da
morte, isto é, do diabo, e Adao, por causa desta ofensa do pecado,
foi mudado totalmente no corpo e na alma, para pión se¡a anatema.

Se alguém afirmar que a prevaricacao de Adao prejudicou


somente a ele e nao a sua descendencia, e que perdeu a santidade
e a justica recebidas de Deus somente para sí e nao para nos também
e que, manchado pelo pecado da desobediencia, transmitiu a todo o
género humano apenas a morte e os castigos corporais, mas nao o
pecado, que é a morte da alma: seja anatema.

Se alguém afirmar .que este pecado de Adao, que é em sua


origem um só, e é transmitido por propagacáo e nao por ¡mitacáo,
inerente e próprío a cada um, pode ser apagado pelas forcas da

— 22 _
«NOSSA FE ESTÁ MUDANDO?» 23

natureza humana ou por outros remedios que os méritos do único


Mediador, nosso Senhor Jesús Cristo, o qual nos reconciliou em seu
sangue com Deus...; ou negar que precisamente este mérito de
Jesús Cristo é comunicado tanto aos adultos como as enancas, atra-
vés do sacramento do batismoi quando ministrado devidamente na
forma da Igreja, seja anatema'.

Numa imponente perspectiva histórica, o Concilio Vaticano II,


em sua 'Constituicao Pastoral sobre a Igreja no Mundo de Hoje'
(de 7 de dezembro de 1965), se pronunciou sobre a origem e sobre
o poder do mal na historia:

'Constituido por Deus em estado de ¡ustica, o homem, contudo,


instigado pelo Maligno, desde o inicio da historia abusou da pró-
pria liberdade. Levantou-se contra Deus desejando atingir seu fim
fora dele. 'Apesar de conhecerem a Deus, -nao o glorificaram como
Deus. Os seus coracoes insensatos se obscureceram e eles servirám á
criatura ao invés do Criador!' (Rm 1,21ss). Isto, que nos é conhe-
cido pela revelacáo divina, concorda com a própria experiencia. Pois
o homem, olhando seu próprio coracao, descobre-se também incli
nado para o mal e mergulhado em múltiplos males que nao podem
provir de seu Criador, que é bom. Recusando muitas vezes conhecer
a Deus como seu principio, o homem destruiu a devida ordem em
relacao ao fim último, e, ao mesmo tempo, toda a harmonio consigo
mesmOi com os outros homens e com as coisas criadas.

Por isto, o homem está dividido em si mesmo. Por esta razao,


toda a vida humana, individual e coletiva, apresenta-se como urna luta
dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas. Bem mais
ainda. O homem se encontró incapaz por si mesmo de debelar efi
cazmente os ataques do mal, e assim cada um se senté como que
carregado de cadeias. Mas o próprio Senhor veio para libertar e
confortar o homem, renovando-o interiormente. Expulsou o 'príncipe
deste mundo' (Jo 12,31), .que retinha o homem na escravidao do
pecado. O pecado, porém, diminuiu o próprio homem, impedindo-o
de conseguir a plenitude.

A luz desta revelacáo, a vocacáo sublime e ao mesmo tempo a


profunda miseria que os homens sentem, encontram a sua razao
última (art. 13).

Urna luta ardua contra o poder das trevas perpassa a historia


universal da humanidade: iniciada desde a origem do mundo, vai
durar até o último dia, segundo as palavras do Senhor. Inserido
nesta batalha, o homem deve lutar sempre para aderír ao bem; nao
consegue alcancar a unidade interior sendo com grandes labutas e
o auxilio da graca de Deus' (art. 37)».

— 23 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

1 • 5. A materntdade virginal de Mana

Eüs outro tema que provém exclusivamente das fontes da


fé e nao pode ser discutido com criterios de ordem filosófica
ou biológica. Pergunta-se, pois: a doutrina da virgindade de
María pertence aos ensinamentos da fé?

A pp. 96-8 da obra de Lapple, lé-se o seguinte:

«O texto de Mt 1,18-25 propositadamente tenciona ser urna


nota explicativa para Mt 1,16 e excluir toda e qualquer ¡nterpretacao
que defenda urna concepeao natural da parte de María.

Além disto, verifique-se que, desde os principios, foi incluida ñas


confissoes de fé da Igreja a afirmacao (também ñas fórmulas breves
mais concisas): ... concebido do Espirito Santo, nascido da Virgem
María. O primeiro Concilio de Constantinopla (381) formulou em
seu Símbolo: Creio.. . num só Senhor Jesús Cristo. .. que se encar-
nou pelo Espirito Santo, no seio da Virgem María, e se fez horneen.
O Concilio de Calcedonia (451) confessou sua fé: Antes de todos
os tempos (nosso Senhor Jesús Cristo) foi gerado do Pai segundo a
divindade, nos últimos dias, porém, nasceu por nos e para nossa sal
va cao, da Virgem María, Mae de Deus, segundo a natureza humana.
O Concilio Romano do Latrao, sob o papa Martinho I (649), decla-
rou numa formulacao propositadamente vigorosa, sem deixar lugar
para dúvida alguma: Quem nao confessar com os Santos Padres ser
Mae de Deus, no sentido próprio e verdadeiro, a santa, imaculada e
sempre Virgem María, que concebeu do Espirito Santo, sem semen,
o próprio Verbo divino, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, e
incorrupta o deu á luz, conservando-se ilesa a virgindade mesmo
depois do parto, seja anatema.

De fato, é grande audacia atacar o testemunho da Escritura e da


Tradicao da Igreja... Pertence a fé da Igreja que María, enquanto
Virgem, totalmente á disposicáo de Deus, e por ele totalmente aceita
para seu servico, deu á luz o Filho».

1.6. A ressurreic.ao corporal de Jesús

A ressurreicáo corporal de Jesús é tida por alguns exe-


getas liberáis (da escola bultmanniana) como um mito, pois
ressurreicáo de mortos é algo que nao costuma ocorrer, nem
pode ter existencia aos olhos da ciencia. Parece, pois, que a

— 24 —
«NOSSA FÉ ESTA MUDANDO?» 25

proposigáo «Jesús ressuscitou dos mortos» significa que a Pa-


lavra de Jesús, ameacada de ser sufocada por seus adversa
rios, superou os antagonismos e se propagou surpreendente-
mente por todo o Imperio greco-romano.

Diante desta interpretagáo, posiciona-se Lápple:

«Em vista das narrativas pascáis neotestamentárías, é difícil


defender o opiniáo de que os Apostólos nao tivessem visto o Cristo
ressuscitado com seus olhos, nem ouvido com seus ouvidos, nem tocado
com suas maos (At 1,3; 2,23.32; 10,41); é dificil crer que se tratou
simplesmente de fenómenos Íntimos da alma que so posteriormente
(talvez para ilustrar a pregacao) foram traduzidos em narrativas
'palpáveis' escritas segundo a maneira mítica de entender o mundo
e a existencia daquela época» (p. 118).

«As narrativas neotestamentárias da ressurreicao e das apan


cles de Jesús documentam a fé, da lgre¡a nascente, de que a acao
salvadora de Deus foi eficaz. As experiencias e vivencias das teste-
munhas da ressurreicao (ICor 15,4-8; Mt 28,9s; Le 24,13-49; Jo
20,11-29) tém urna margem histórica, que atesta de maneira fide
digna: 'é verda'de! O Senhor ressuscitou!' (Le 24,34)» (p. 120).

1.7. Igreja: ponte ou barreira?

Muito oportunamente o livro em foco considera outrossim


a Igreja e sua face humana. Esta nao raro constituí ocasiáo
de problemas e objecóes para quem a observa:

«Um problema central que nao apenas arranha a pele, mas


fere o coracao, está na alternativa: Jesús, sim — a l,gre¡a, nao!»
(p. 124).

«Fala-se de modo depredativo da instituicáo eclesial e da Igreja


institucional. Acaricia-se a idéia de que a lgre¡a do Direito se¡a
substituida pela Igreja da caridade, se a Igreja quer mesmo ser digna
de confianca atualmente. Son ha-se com urna Igreja ideal no futuro,
porque nao se sabe o que fazer com a fisionomía concreta da Igreja»
(P. 125).

Sabiamente escreve Lápple:

— 25 —
?§_ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

«A Igreja será apenas o seu lado exterior, histórico-humano,


atacado e muito necessitado de reformas?

Qoem diz Sim a Igreja, e muito mais quem diz Nao a Igreja,
deve perceber o que entende sob o nome de 'Igreia' e o que, por-
tanto, re¡eita sob a dtacao da palavra-chave 'lgre¡a'. Nao escapa
do fato de que a Igreja se relaciona com Cristo. Age lejanamente
demais ao excluir desde o inicio Jesús Cristo das discussSes sobre a
Igreja. A Igreja apoia-se em Jesús Cristo seu fundador. Jesús Cristo
nao é só fundador terreno de urna religifio, nem mero fundador de
urna associacao piedosa, da qual os membros posteriormente se lem-
bram apenas em virtude de urna antiga lapide sepulcral.

Quem diz Igreja há de tomar posicao diante das sentencas de


Jesús Cristo. Urna desras importantes proposicoes diz: 'Eis que estou
convosco todos os días até a consuraacao dos sáculos' (Mt 28,20).
Pode-se jogar Jesús Cristo contra a Igreja, se o próprio Jesús Cristo
está presente e operante em sua comunidade de fiéis? ... A Igreja
nao é Igreja se considerada apenas sob o ángulo visual de urna
instítuicao dentro do mundo... 'Partilhar a determinacao fundamen
tal de Jesús Cristo é partilhar a determinacao fundamental da Igreja'
(Josepb Ratzinger). A Igreja, como comunidade de fé, recebe da
presenca do Senh'or Jesús Cristo crucificado e ressuscitado vida e mis-
sao, mas simultamente também a consciéncia de sua precariedade e
de seu encargo de constante correcáo» (pp. 125s).

2. Conclusáo

Era necessário se publicasse urna obra como a que aoa-


bamos de percorrer. O leitor encontrará na mesma a expla-
nagáo de outros temas hoje controvertidos. E poderá perce
ber o modo de pensar da Igreja e de seu magisterio em nossos
días: as verdades da fé nao sao a mera expressáo da sabe-
doria humana, mas sao reveladas pelo próprio Deus através
da Tradicáo oral (que comeca com Abraáo no séc. XIX a.C.)
e escrita (a S. Escritura). Tal Revelagáo se encerra com a
geracáo dos Apostólos (séc. I d.C). Por isto nao compete
nem á Igreja como tal nem aos teólogos alterar o Credo ou
adaptar as proposicoes da fé as correntes do pensamento e da
ética das diversas épocas da historia. Caso isto fosse feito, o
Cristianismo deixaria de ser sal da térra, fermento na massa
luz no mundo (cf. Mt 13,33; 5,13s); o Cristianismo se trairia,
pois dina ao mundo nao ser senáo urna projecáo da inteli-

— 26 ^
«NOSSA FÉ ESTÁ MUDANDO?» 27

géncia humana. A intransigencia da Igreja em pontos de fé


através dos sáculos é precisamente um testemunho de que Ela
sabe nao ser portadora de mensagem meramente humana,
mas, sim, responsável por um patrimonio sagrado de verdades
a Ela confiadas pelo Senhor Deus para a vida dos homens.

Esta firmeza, porém, nao excluí (ao contrario, exige) a


procura de apresentacáo das verdades da fé em fórmulas aces-
síveis ao mundo de hoje. A pregacáo é feita ao homem e para
o homem tal como ele é em cada fase da historia, com suas
capacidades próprias de ser interpelado.

Eis, em síntese, o que o livro de A. Lapple quer dizer.


E o disse!

(Contínuacáo da pág. 88)

exemplo, alguns temas da pré-história bíblica (Gn 1-11), especialmente os


capítulos sobre Calm e Abel, o diluvio, a torre de Babel, nao receben» o
tratamento devldamente estenso; cf. p. 143.

Todavía nfio podemos delxar de reconhecer valores no livro em pauta:


asslm os capítulos sobre Jesús Cristo e Maria SS., os sacramentos...
estüo bem estruturados. Infelizmente, porém, nao bastam que para se
possa recomendar tal obra ao uso de nossas escolas e cursos de catecismo.

O Povo e a Biblia. Historia Sagrada, por Paulo Tonucci. — Ed. Pau


linas, SSo Paulo 1983, 154 x 230 mm, 255 pp.

O Pe. Paulo Tonucci é um pastor que tem exercído Intensa atlvidade


na Bahía, escrevendo folhetos de cunho religioso e histórico para o povo
simples.

A presente obra oferece urna introducfio nos escritos do Antigo Testa


mento (só) em estilo muito acesslvel; de cada livro encontra-se urna slntese
do conteúdo e algo sobre as circunstancias de orlgem. Tal explanac&o é
válida, desde que se faga serla ressalva ao comentario do autor sobre os
onze prlmelros capítulos do Génesis (principalmente Gn 1-3). O pecado
dos primelros país é apresentado como um pecado qualquer, que terá dado
Inicio a outros pecados; o estado de Justlca original, o convite á fillacfio

(Continua na pág. 48).

— 27 —
Um documento de Roma:

Quem Pode Celebrar a Eucaristia ?

Em síntese: A S. Congregado para a Doulrina da Fé, com data de


06/08/83,publicou urna Carta em que rejeita teorias recentes segundo as
quals a Eucaristía poderia ser validamente celebrada por fiéis crlstáos que
nSo tenham recebldo o sacramento da Ordem. Tal tese contradlz aos pro
pósitos do Senhor Jesús formulados no Evangelho (cf. Le 22,19s; 1Cor
11,23-25), como também á estrutura da Igreja — Corpo de Cristo, no qual
há diversas funedes definidas por vocacSo do próprlo Deus. A particlpac&o
no sacerdocio de Cristo conferida pelo Sacramento da Ordem dlfere em
essencia, e nio apenas em grau, da participado outorgada pelos sacra
mentos do Batismo e da Crisma; cf. Constltulcáo Lumen Gentlum n? 10.
A TradigSo crista guardou ciosamente as nogdes de Igreja e sacramento
recebldas do Senhor Jesús; hoja tais concepedes sSo reafirmadas a titulo
de servlco prestado pelo magisterio da Igreja á verdade revelada e á
unldade da Igreja. Nño se trata, no caso, de extinguir a funefio dos minis
tros extraordinarios da Eucaristia, reconheclda pelo novo Código de Direlto
Canónico, canon 910.

Com a data de 6/08/83, a S. Gongregagáo para a Dou-


trina da Fé publicou urna Carta dirigida aos Bispos e, por
meio destes, aos presbíteros e aos fiéis, a propósito do minis
terio do sacrificio eucarístico; segundo novas correntes teoló
gicas e pastorais, o sacramento do Batismo mesmo capacitaría
o cristáo, em determinadas circunstancias, a celebrar valida
mente a Eucaristía, convertendo o pao e o vinho em Corpo e
Sangue do Senhor Jesús.

Dada a importancia de tal documento, publicaremos, a


seguir, o seu texto, ao qual se seguirá breve comentario.
— Logo de inicio, faz-se mister observar que o problema nao
versa sobre a distribuig&o da S. Eucaristia por parte de leigos
(como inadequadamente anunciou a imprensa), mas, sim, a
pretensa consagragáo do pao e do vinho por leigos para que
se tornem o corpo e o sangue de Cristo.

— 28 —
O MINISTRO DA EUCARISTÍA 29

I. O TEXTO

«I — Introduzco

1. Quartdo o Concilio Vaticano II ensinou que o sacerrdócio


ministerial ou hierárquico difere essencialmente, e nao apenas em
grau, do sacerdocio comum dos fiéis, exprimiu a certeza de fé de
que somente os Bispos e os Presbíteros podem realizar o Ministerio
eucarístico. Com efeito, embora todos os fiéis parficipem do único
e idéntico Sacerdocio do Cristo e concorram para a oblacao da Euca
ristía, só o Sacerdote ministerial está habilitado, em virtude do sacra
mento da Ordem, para realizar o Sacrificio eucarístico m persona
Cristi (personificando Cristo) e para oferecer em nome de todo o
Povo cristao!

2. Nos últimos anos, porém, comecaram a ser difundidas e,


por vezes, a ser postas em prática opinioes que, negando estes ensi-
namentos, ferem no mais íntimo a vida da Igreja. Tais opinioes,
divulgadas sob formas e com argumentos diversos, comecam a aliciar
os simples fiéis, quer pelo fafo de se afirmar que elas possuem unta
certa base científica, quer pelo fato de se apresentarem como solu-
cao para as necessidades do servico pastoral das comunidades cris
tas e da sua vida sacramental.

3. Por isso, esta Sagrada Congregacao para a Doutrina da


Fé, movida pelo desejo de prestar áos Pastores de almas os próprios
servicos, com espirito de afeto colegial, propoe-se chamar a aten-
cao, com a presente Carta, para alguns pontos essendais da dou
trina da Igreja acerca do Ministro da Eucaristía, os quais tém vindo
a ser transmitidos pela Tradicao viva e a ser expressos em preceden
tes documentos do Magisterio. Supondo aquí a visao integral do
ministerio sacerdotal, como é apresentada pelo Condiio Vaticano II,
a Congregacao considera urgente, na siruacao atual, urna intervengao
esclarecedora sobre esta furtcao essencial e peculiar do Sacerdote.

II — Opinioes erróneos

1 • Os fautores das novas opinióes afirmam que toda e qual-


quer comunidade crista, pelo fato de se reunir em nome de Cristo e,
portanto, de se beneficiar da sua presenta (cf. Mt 18,20), estaría
dotada de todos os poderes que o Senhor quis conceder á sua
Igreja.

— 29 —
M «PERGUNTE E RESPONDEREMOS!. 272/1984

Opinam ainda que a lgre¡a é apostólica no sentido de que


todos aqueles que pelo santo Batismo foram purificados e nela incor
porados e tornados participantes do múnus sacerdotal, profético e
real de Cristo, seriam também realmente sucessores dos Apostólos.
E, urna vez que nos mesmos Apostólos está prefigurada toda a Igreja,
seguir-se-ia daí que tombém as paldvras da instituicao da Eucaristía,
a eles dirigidas, seriam destinadas a todos.

2. Da.qui se seguiría igualmente que, por muito necessário


que se¡a para a boa ordem da Igreja o ministerio dos Bispos e dos
Presbíteros, ele nao se diferenciaría do sacerdocio comum por um
motivo de partícipacao do Sacerdocio de Cristo no sentido estrito,
mas somente em razdo do exercício. O chamado oficio de dirigir a
comunidade — o qval incluí também o múnus -de pregar e de presidir
á sagrada 'Sinaxe' — seria um simples mandato conferido tendo
em vista o bom funcionamento da mesma comunidade, mas nao deve-
ria ser 'sacralizado'. O chamamento a tal ministerio nao acrescentaria
urna nova capacidade 'sacerdotal' no sentido estrito — e é por isso
que a maior parte das vezes se evita até o termo 'sacerdocio' nem
imprimiría um caráter que constitua alguém otológicamente na con-
dicao de ministro, mas tao somente expressaria diante da comunidade
que a capacidade inicial conferida no sacramento do Batismo se torna
efetiva.

3. Em virtude da apostolicidade de cada comunidade local,


em que Cristo estaría presente nao menos do que na estrutura epis
copal, qualquer comunidade, por .mais pequeña que seja, se viesse
a encontrar-se privada durante muito tempo daquele seu elemento
constitutivo que é a Eucaristía, tería a possibilidade de 'reapropriar-se'
do seu poder originario e teria o direito de designar o próprio presi
dente e animador, outorgando-lhe todas as faculdades necessárias
para ele passar a ser o guia da mesma comunidade, sem excluir a de
presidir e de consagrar a Eucaristía. Ou entao — afirma-se ainda
o próprio Deus nao se recusaría a conceder, em semelhantes circuns
tancias, mesmo sem o Sacramento, o poder que normalmente con
cede mediante a Ordenacao sacramental.

Leva também á mesma conclusáo o fato de que a celebracao


da Eucaristía muirás vezes é entendida simplesmente como um ato
da comunidade local reunida para comemorar a última Ceia do Se-
nhor mediante a fracáo do pao. Seria, por conseguinte, mais um
convivio fraterno, no qual a comunidade se reúne e se exprime, do
que a renovacao sacramental do Sacrificio de Cristo, cuja eficacia
salvífica se estende a todos os hornens, presentes e ausentes, vivos
e defuntos.

— 30 —
O MINISTRO DA EUCARISTÍA 31

4. Por outro lado, nalgumas regioes as opínioes erróneas


sobre a necessidade de Ministros ordenados para a celebracao da
Eucaristía, ¡nduziram alguns a atribuir cada vez menor valor á cate-
quese sobre os sacramentos da Ordem e da Eucaristia.

III — A doutrína da Igreja

1. Embora se¡am propostas de formas bastante diversas e ma


tizadas, as referidas opinioes convergem todas na mesma conclusao:
que o poder de realizar o sacramento da Eucaristia nao está neces-
sariamente ligado com a Ordenacáo sacramental. E é evidente que
esta conclusao nao pode coadunar-se de maneira nenhuma com a
fé transmitida, dado que nao só nega o poder confiado aos Sacer
dotes, mas também deprecia toda a estrutura apostólica da Igreja e
deforma a própria economía sacramental da Salvacao.

2. Segundo o ensino da Igreja, a Palavra do Senhor e a Vida


divina por Ele proporcionada estao destinadas, desde o principio, a
ser vividas e participadas num único corpo, que o próprio Senhor para
si edifica ao longo dos séculos. Este corpo, que é a Igreja de Cristo,
dotado continuamente por Ele com os dons dos ministerios, 'bem ali
mentado e bem coeso por meio de junturas e de ligamentos, recebe
o desenvolvimento desejado por Deus' (Col. 2,19). Esta estrutura
ministerial na sagrada Tradicao concretiza-se nos poderes outorgados
aos Apostólos e aos seus sucessores, de santificar, de ensinar e de
governar em nome de Cristo.

A apostolicidade da tgreja nao significa que todos os fiéis


sejam Apostólos, nem sequer de um modo colétivo; e nenhuma comu-
nidade tem o poder de conferir o ministerio apostólico, que funda
mentalmente é outorgado pelo próprio Senhor. Quando a Igreja se
professa apostólica nos Símbolos da fé, portanto, exprime, além da
identidade doutrinal do seu ensino com o ensino dos Apostólos, a
realidade da contínuacao do múnus dos Apostólos mediante a estru
tura da sucessao, por meio da qual a missao apostólica deverá per
durar até o fim dos séculos.

Esta sucessao dos Apostólos que faz com que toda a Igreja seja
apostólica, constituí parte da Tradicao viva, que fo¡, desde o principio,
e continua a ser para a mesma Igreja a sua forma de vida. Por isso,
afastam-se do reto caminho aqueles que opoem a esta Tradicao viva
algumas partes isoladas da Escritura, das quais pretenderá deduzir o
direito a outras estruturas.

— 31 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

3. A Igreja Católica, que cresceu no decorrer dos sáculos e


continua a crescer pela vida que Ihe doou o Senhor com a efusao do
Espirito Santo, manteve sempre a sua estrutura apostólica, sendo fiel
á tradicao dos Apostólos, que nela vive e perdura. Ao impor as maos
aos eleitos com a invocacao do Espirito Santo, ela está cónscia de
administrar o poder do Senhor, o qual torna participantes de modo
peculiar os Bispos, sucessores dos Apostólos, da sua tríplice missáo
sacerdotal, profética e real. E os Bispos, por sua vez, conferem, em
grau diferente, o oficio do seu ministerio a diversos outros na Igreja.

Portanto, ainda que todos os balizados possuam a mesma digni-


dade diante de Deus, na comunidade crista, que o seu divino Fun
dador quis hierarquicamente estruturada, existem desde os seus
primordios poderes apostólicos específicos, que dimanom do sacra
mento da Ordem.

4. Entre estes poderes, que Cristo confiou de maneira exclusiva


aos Apostólos e aos seus sucessores, figura o de realizar a Eucaristia.
Somente aos Bispos e aos Presbíteros, a quem os mesmos Bispos
tornaram participantes do próprio ministerio, está reservada a faculdade
para renovar no Ministerio eucarístico aquiio mesmo que Cristo fez na
Ultima Ceia.

A fim de poderem exercer as próprias funcóes, especialmente a


tño importante funcao de realizar o Ministerio eucarístico, Cristo
Senhor marca espiritualmente aqueles que chama ao Episcopado e ao
Presbiterado com um sigilo, chamado também, em documentos solenes
do Magisterio, 'caráter', e configura-os de tal modo consigo próprio
que, ao pronunciarem as palavras da consagracao, nao agem por man
dato da comunidade, mas sim 'in persona Christi1, o que quer dizer
algo mais do .que 'em nome de Cristo' ou 'fazendo as vezes de
Cristo'.. dado que o celebrante, por urna razao sacramental par
ticular, se identifica com o 'sumo e eterno Sacerdote', que é o autor
e o principal Agente do seu próprio Sacrificio, no que nao pode na
realidade ser substituido por ninguém.

Urna vez que faz parte da própria natureza da Igreja que o poder
de consagrar a Eucaristia ceja ouforgado somente aos Bispos e aos
Presbíteros, os quais sao constituidos Ministros para isso, mediante a
recepcao do sacramento da Ordem, a mesma Igreja professa que o
Ministerio eucarístico nao pode ser celebrado em nenhuma comunidade
a nao ser por um Sacerdote ordenado, conforme ensinou expressa-
mente o Concilio Ecuménico Lateranense IV.

— 32 —
O MINISTRO DA EUCARISTÍA 33

A cada um dos fiéis ou as comunidades .que por motivo de per-


seguicao ou por falta de Sacerdotes se vejam privadas da celebracao
da Sagrada Eucaristía, durante breve tempo ou mesmo durante um
período longo, nao faltará, de alguma maneira, a graca do Redentor.
Se estiverem animados intimamente pelo voto do Sacramento e, unidos
na oracao com toda a Igreja, ¡nvocarem o Senhor e elevarem para
Ele os próprios coracóes, tais fiéis e comunidades vivem, por virtude
do Espirito Santo, em comunhao com a lgre¡a, corpo vivo de Cristo,
e com o mesmo Senhor. Mediante o voto do Sacramento em uniao
com a lgre¡a, aínda que estejam multo ofastados externamente, estao
unidos a ela íntima e realmente e, por isso, recebem os frutos do
Sacramento; ao passo que aqueles que procuram atribuir-se indevida-
mente o direito de realizar o Ministerio eucarístico, acabam por fechar
em si mesma a própria com unida de.

A consciénáa disto nao dispensa, contudo, os Bispos, os Sacer


dotes e todos os membros da Igreja do dever de pedir ao 'Senhor
da messe que mande trabalhadores' segundo as necessidades dos
homens e dos tempos (cf. Mt 9,37ss), e de se oplicarem com todas
as forcas para que seja ouvida e acolhida, com humildade e genero-
sidade, a vocacáo do Senhor ao Sacerdocio ministerial.

IV — Exortacao á vigilancia

Ao propor á atencáo dos Pastores sagrados da Igreja estes


pontos, a Sagrada Congregacao para a Doutrina da Fé tem o desejo
de prestar-lhes um servico no seu ministerio de apascentar a greí do
Senhor com o alimento da verdade, de guardar o depósito da fé e de
conservar íntegra a unidade da lgre¡a. E necessário resistir, firmes na
fé, ao erro, mesmo quando este se aprésente sob as aparéncias de
piedade, para poder abracar com a caridade do Senhor os que erram,
professando a verdade tía caridade (cf. Ef 4,15). Os fiéis que
atentam a celebracao da Eucaristía á margem do vínculo da sucessao
apostólica, estabelecido com o sacramento da Ordem, excluem-se a si
mesmos da participacáo na unidade do único corpo do Senhor e,
por consecuencia, nao nutrem nem edificam a comunidade, mas
destroem-na.

Incumbe, pois, aos Pastores de almas o múrus de vigiar/ para'


que na catequese e no ensíno da Teología nao continuem a ser difun
didas as opinioes erróneas ácima mencionadas e especialmente para
que elas nao encontrem aplicacao concreta na prática; e, se porventura
se dessem casos do género, incumbe-lhes o sagrado dever de os

— 33 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

denunciar como totalmente estranhos á celebracao do Sacrificio


eucarístico e ofensivos da comunhño eclesial. E tém o mesmo dever
etn relacao aqueles que diminuem a importancia central dos sacra
mentos do Ordem e da Eucaristía para a Igreja. Também a eles,
efetivamente, sao dirigidas estas palavrqs« 'Prega a palavra, insiste
a tempo e fora de tempo, confuta, exorta com toda a longanimidade
e desejo de instruir... Vigía atentamente, resiste a provacao, prega
o Evangelho e cumpre o teu ministerio' (2 Tim 4,2-5).

Que a solicitude colegial encontré, pois, nestas circunstancias,


urna aplicacao concreta, de modo que a Igreja, mantendo-se indivisa,
mesmo dada a sua variedade de Igrejas locáis que colaboram con
juntamente, guarde o depósito que Ihe foi confiado por Deus através
dos Apostólos. A fidelidade á vontade de Cristo e a dignidade crista
exigem que a fé transmitida permaneca a mesma e assim proporcione
a todos os fiéis a paz na fé (cf. Rom 15,13).

O Sumo Pontífice Joao Paulo II, em Audiencia concedida ao


abaixo-assinado Cardeal Prefeito, aprovou a presente Carta decidida
na reuniao ordinaria desta S. Congregacao e ordenou a sua publicacao.

Roma, da Sede da Sagrada Congregacao para a Doutrina da


Fé, aos 6 días do mes de agosto, Festa da Transfiguracao do Senhor
do ano de 1983.

Joseph Card. Ratzinger, Prefeito

D. Fr. Jéróme Hamer, O.P.


Arcebhpo tit. de Lorlum, Secretario»

II. COMENTARIO

Como se vé, o texto da Santa Sé compreende quatro par


tes: 1) Introdujo ou apresentagáo do documento; 2) o pro
blema subjacente; 3) a doutrina da Igreja; 4) convite á vigi
lancia. Examinemos sumariamente o problema e a respectiva
resposta da Igreja.

— 34 —
O MINISTRO DA EUCARISTÍA 35

1. O problema

Em sua última ceia, celebrada táo somente com os doze


apostólos, Jesús consagrou o pao e o vinho e transmitiu aos
Apostólos a ordem de repetir o que Ele tinha feito «em memo
ria de Mim (Jesús)»; cf. Le 22,19; ICor 11,23-25. O Senhor,
desta maneira, instituiu a Eucaristía, que, segundo entendeu
a Tradigáo crista desde as suas origens, é a perpetuagáo do
sacrificio da Cruz; é urna re-presentagáo (no sentido etimoló
gico de tornar de novo presente) do sacrificio do Calvario,
para que a Igreja, isto é, os fiéis, sob a presidencia de um
ministro devidamente ordenado (como os Apostólos o foram),
possam tomar parte desse sacrificio ou desse ato de entrega
de Cristo ao Pai. No Calvario, Jesús se ofereceu, a sos, ao
Pai; na Eucaristía, Ele se oferece com a sua Igreja.

Em todos os tempos, a Igreja entendeu que a celebragáo


da Eucaristía é funcáo própria dos Apostólos e dos ministros
que, pelo sacramento da Ordem, participam especialmente do
sacerdocio de Cristo. Alias, Jesús na última ceia só tinha os
Apostólos como convivas e só a eles deu a ordem de repetir
o seu gesto.

Nos últimos anos, porém, tem-se espalhado a concepeáo


de que também os leigos, nao ordenados presbíteros, podem
confeccionar a Eucaristía. Esta tese é fundamentada pelos seus
arautos em razóes teológicas assim concebidas:

1) Toda comunidade crista, pelo fato de se reunir em


nome de Cristo, benefida-se da presenca prometida pelo pró-
prio Senhor: «Onde dois ou tres estiverem reunidos em meu
nome, ali estarei no meio deles» (Mt 18,20). Por conseguinte,
acha-se dotada de todos os poderes que o Senhor quis con
ceder á sua Igreja, entre os quais está o de celebrar a S. Euca
ristía.

2) Todos os cristáos sao, pelo Batismo, feitos participan


tes das fungóes sacerdotal, profétioa e regia de Cristo, como
os Apostólos; sao, portante, sucessores dos Apóstelos. — Por
conseguinte, também a eles se dirige a Palavra do Senhor
«Fazei isto em memoria de Mim».

— 35 —
ü£ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

3) O sacerdocio dos Bispos e dos presbíteros nao se dife


rencia do sacerdocio comum de todos os fiéis por diferenga
essencia], mas apenas pelo fato de que aos Bispos e presbíte
ros a comunidade eclesial confere o mandato de exercer tal
sacerdocio para o bom funcionamento da comunidade. A habi-
htacáo para consagrar a Eucaristía se torna efetíva, por desejo
da comunidade, nos Bispos e presbíteros, ao passo que per
manece potencial nos demais fiéis.

4) A conseqüéncia destas ponderacóes é que, desde que


a comunidade eclesial se veja privada da Eucaristía por falta
de presbítero, ela pode reapropriar-se do seu poder originario,
designando o seu presidente e animador, dotado de todas as
facilidades necessárias para consagrar a Eucaristía.

5) Tais idéias sao ainda favorecidas pelo fato de que


nao poucos autores ou grupos cristáos consideram a Eucaristía
um convivio fraterno (ágape) mais do que a perpetuacáo do
sacrificio de Cristo, oferecido pela Igreja com Cristo em favor
de vivos e defuntos. Alias, nota-se, no Brasil mesmo, que
jovens católicos que comecam a conviver entre si (por exem-
plo, como colegas da mesma turma de Filosofía ou Teología),
alegam nao querer ou nao poder celebrar a Eucaristía porque
«nao tém o que celebrar»; preferem aguardar que haja mais
entrosamento e senso fraterno entre eles para ter algo a cele
brar, como se a Eucaristía fosse simplesmente á celebracáo do
amor fraterno existente entre os homens.

6) Ainda em conseqüéncia de quanto foi dito, verifíca-se


que na catequese se atribuí cada vez menos valor aos sacra
mentos da Eucaristía e da Ordem, a fim de dar urna dimensáo
menos «ritual» e mais social ou vivencial ao Cristianismo o
que redunda num Cristianismo secularizado, que vale tanto
quanto a praxis ou a acáo social transformadora dos seus
membros.

2. Um espécimen brasileiro

Dentro da literatura teológica do Brasil, encontra-se um


espécimen representativo das concepgóes em pauta. Tenha-se
em vista a obra Eclesiogénese de Frei Leonardo Boff OFM.

— 36 —
O MINISTRO DA EUCARISTÍA 37

Neste livro, o autor considera algumas Questóes Disputadas,


entre as quais «O Leigo e o Poder de celebrar a Ceia do Se
nhor» (cf. pp. 73-81, Ed. Vozes, Petrópolis 1977).

1. Antes do mais, o autor expóe o proplema para o aual


procura «urna saída» (p. 77):

«Evidentemente toda comunidode organizada terá seus ministros


consagrados. Mas que fará urna comunidade, que sem culpa e por
longo tempo se vé privada do misterio eucaristía), sacramento de
unidade e de salvacao? As CEBs mostram que o leigo pode fazer tudo
o que, pastoralmente, um sacerdote faz. Apenas nao pode consagrar
e perdoar os pecados. 'O povo pergunta: por que nos nao podemos
celebrar a Eucaristía?1 (MesJers, C, 'O futuro de nosso passado1, em
Urna Igreja que nasce do povo, op. cit., 137). Sabemos da existencia
de grupos nos quais o chefe da comunidade, por delegacáo déla
ad hoc, unido á Igreja universal, preside á ceia do Senhor. Que valor
possui tal gesto? Diz-nos um relatório dos EUA: "Porque eles procuram
novos ministerios, os católicos comunitarios nao se sentem completa
mente ligados ao passado. Eles sabem que é o Senhor que renova
tudo pela sua própria Palavra (Ap 21,5). Se o grupo acha que deve
se reunir para o partir do pao, nem sempre se preocupa em ter um
sacerdote; eles fazem o que tém que fazer. E, se forem perguntados
se o que eles fizeram era sacramento ou missa, provavelmente respon-
derao que nao sabem. Tomardo isso como urna pergunta teológica e
deixaráo assim aos teólogos dizerem o que é que eles fizeram. Em
todo caso, eles nao se sentem competidos a fazer nenhuma reivindi
cacao nesse sentido* (R. Westley, 'Comunidades de base nos Estados
Unidos', em Concilium 104, 18).

Que poderá e talvez também deverá dizer a teología? ... As


CEBs caminham para urna legítima autonomía e urna expressao sacra
mental cada vez mais completa. A recepcao do sacramento eucarístico,
onde se expressa e se cría a unidade da comunidade, é de direito
divino. Pode um direito eclesiástico obstaculizá-la?» (ob. cíf. pp. 73s).

2. A seguir, o teólogo franciscano observa que proporá


um theologúmenon ou urna teoría teológica, e nao «urna solucáo
que deva ganhar o consenso de todos... Nao queremos com
esta reñexáo incentivar eucaristías sem os ministros ordena
dos. .. Trata-se... de ajuizar teológicamente sobre aqueles
que, presidindo urna comunidade, sofrendo pela ausencia da
Eucaristía e desejando-a, em comunháo com toda a Igreja, se
sentem movidos pelo Espirito a celebrar a ceia do Senhor,

— 37 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

embora sejam carentes de poder sagrado pelo sacramento da


Ordem. Que valor possui esta ceia do Senhor? Que poderá
dizer a teología, nao a priori, mas sobre este fato» (p, 74).

3. Dito isto, Frei Leonardo expóe o seu modo de ver, que


ele mesmo chama «hipótese» (p. 79):

«Cremos possuir dados teológicos suficientemente assegurados


para avancar a seguinte hipótese:

<— a comunidade está, pela reta doutrina, na fé e na sucessao


apostólica;

— a comunidade toda, mercé da fé e do batismo, é constituida


como comunidade sacerdotal; nela Cristo está presente exercendo sua
lungao sacerdotal;

— a comunidade toda é Sacramento universal de salvacao,


porque é presenta local da Igreja universal;

— a comunidade está, por seus coordenadores, em comunháo


cotn as demais Igrejas irmas e com a Igreja universal;

— quer ardentemente o sacramento da Eucaristía;

— vé-se privada por longo lempo, e de forma irremediável, do


ministro ordenado;

— nao tem culpa do fato, nem expulsou de seu seio o sacerdote.

Entao a comunidade em funcao disto tudo:

— pelo votwn (pelo desejo) ¡á tem acesso á graca eucarística


(res);

— pela celebracáo da ceia, por seu coordenador nao-ordenado,


tem também os sinais sacramentáis (res et sacramenhim);

— ela, assim nos parece, celebraría verdadeira, real e sacra-


mentalmente a Eucaristía; Cristo presente, mas ¡nvisível, far-se-ia, na
pessoa do coordenador nao-ordenado, sacramentalmente visível;

— embora ha¡a presenca sacramental do Sumo Sacerdote Jesús


Cristo, o sacramento é incompleto, porque falta a ordenacáo ao
sagrado ministerio presbiteral. A Igreja universal-sacramento-raiz de
todos os demais sacramentos tornaría válido, por via da 'economía'
(supplet Ecclesia; cf. Congar, Y., Tropos en vue d'une théoloaie de

— 38 —
O MINISTRO DA EUCARISTÍA 39

l'économie dans la tradition latine', em Irénikon 1972, 155-207J, o


rito eucarístico celebrado na comunidade, expressao local da Igreja
universal;

— o celebrante nao-ordenado seria ministro extraordinario do


sacramento da Eucaristía.

Talvez nao se devesse chamar a isso de missa, pois missa é urna


categoría bem definida, teológicamente. Melhor faríamos denominá-la
de celebracao da Ceia do Senhor. Nao se deveria reproduzir o rito
litúrgico da santa missa, que tem seu contexto litúrgico, histórico e
oficial estabelecido. Mas dever-se-ia preferir um rito organizado pela
comunidade, nascendo de sua capacidade criadora, dentro do qual
houvesse a celebracao da Ceia do Senhor» (pp. 79s).

O texto transcrito suscita varias interrogagóes, entre as


quais a de saber qual a diferenga entre Missa e Ceia do Senhor,
no entender de Frei Leonardo. A fé sempre ensinou que a Ceia
do Senhor celebrada na quinta-feira santa foi a primeira Missa
da historia, que Jesús mandou repetir através dos séculos. A
fé também ensina que o sacrificio da Cruz é feito presente sobre
os altares dentro da moldura de urna ceia, pois Jesús se serviu
do ritual de urna ceia para entregar aos Apostólos o sacrificio
do seu corpo e do seu sangue.

Em suma, os dizeres até aqui propostos habilitam o leitor


a perceber vivamente a problemática que a S. Congregagáo para
a Doutrina da Fé houve por bem considerar em sua Carta de
agosto pp. Por conseguinte, pergunta-se:

3. Que diz a Igreja?

Já aos 15/02/1975, a S. Congregagáo para a Doutrina da


Fé teve que censurar a opiniáo do teólogo suigo Hans Küng
(posteriormente destituido do título de mestre da doutrina cató-
lica) nos seguintes termos:

«A opiniáo, insinuada pelo Prof. Küng no livro Die Kirche,


segundo a qual a Eucaristía, pelo menos em caso de necessidade, pode
ser consagrada validamente por pessoas batizadas carentes da Ordem
sacerdotal, nao pode estar de acordó com a doutrina dos Concilios
do Latráo IV e do Vaticano II» {cf. SEDOC 7,\97S, 1236).

De novo, em 1983 a S. Congregagáo para a Doutrina da Fé


volta ao assunto, lembrando os seguintes pontos:

— 39 —
Í2 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

1) O Senhor Jesús instituiu a sua Igreja como um Corpo,


no qual há diversos membros e diversas fungóes ou ministerios:

«Vos sois o Corpo de Cristo e sois seus membros. cada um por sua
parte» (ICor 12,27).

«Ele concedeu a uns ser apostólos, outros profetas, outros evan


gelistas, outros pastores e mestres, para aperfeicoar os santos em vista
do ministerio, para a edificacao do Corpo de Cristo» (Ef 4,11s).

Donde se vé que, dentro da diversidade de fungóes existente


na Igreja, o ministerio do presbítero e o do Bispo tém signifi
cado próprio, que nao pode ser reduzido ao do servico de outros
fiéis.

2) A delegacáo para o ministerio sagrado, por conse-


guinte, nao é simplesmente conferida pela comunidade, mas
vem da parte do Senhor Jesús mediante o sacramento da
Ordem. Este sacramento comunica participacáo no sacerdocio
de Cristo que difere do sacerdocio comum dos fiéis de modo
essencial:

«O sacerdocio comum dos fiéis e o sacerdocio ministerial ou


hierárquico ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na esséncia,
e nao apenas em grau. Pois ambos partidpam, cada qual a seu modo,
do único sacerdocio de Cristo. O sacerdote ministerial, pelo poder
sagrado de que goza, forma e rege o povo sacerdotal, realiza o
sacrificio eucarístico na pessoa de Cristo e o oferece a Deus em nome
de todo o povo» (Constiluic&o Lumen Gentium n9 10).

«Sao instituidos em nome de Cristo aqueles dentre os fiéis que


sao assinalados pela Sagrada Ordem, a fim de apascentarem a Igreja
pela palavra e pela graca» (ib., n» 11).

3) É de notar, alias, que a Igreja nao deve ser concebida


como urna «sociedade democrática», na qual o poder compete
ao povo e é por este delegado aos seus representantes. Tal foi,
sem dúvida, a tendencia dos reformadores protestantes do
século XVL — A fé católica ensina que a Igreja é
sacramento... «sacramento da unidade dos homens entre si
e com Deus» (cf. Lumen Gentium n» 1). Ora sacramento é um
sinal sensível que significa e comunica a graca de Deus.

— 40 —
O MINISTRO DA EUCARISTÍA 41

Neste sentido a teología professa que a santíssima huma-


nidade de Cristo é o sacramento primordial, pois em Cristo-
-homem estava depositada a vida do próprio Deus, que trans-
parecia e se comunicava através das palavras e dos gestos do
Senhor Jesús.

Em segunda instancia, a Igreja é Sacramento, ou seja,


urna realidade sensível, de face humana, que é portadora e
comunicadora da graga divina. Por ela passa a vida que vem
do Pai, se derrama na humanidade de Cristo e se destina final
mente a cada um dos homens mediante ulteriores sacramentos
que sao o Batismo, a Crisma, a Eucaristía, a Reconciliagáo, a
Ungáo dos Enfermos, a Ordem e o Matrimonio.

É tal fluxo da vida divina procedente do Pai para atingir


cada cristáo que o gráfico anexo esquematiza (cf. p. 42).
Nele se vé a ordem sacramental, ou seja, a grande realidade
sacramental que compreende a humanidade de Cristo, o corpo
de Cristo prolongado que é a Igreja, e os sete ritos ditos «sacra
mentos» em sentido mais estrito.

Se, pois, a Igreja é um sacramento, verifica-se que as


funcóes e os ministerios nao tém sua fonte nos homens ou no
*^™.de Deus», mas no próprio Deus. As tres pessoas da
SS. Trindade, querendo doar-se aos homens, seguem a lei da
«encarnacáo», isto é, váo utilizando elementos sensíveis e e
humanos para chegar a todos os homens. É por isto que nao
se pode equiparar a Igreja a urna democracia; nem é lícito
tender a transformar a Igreja em tal forma de convivio humano,
pois isto equivaleria a destruir a Igreja ou a fazer déla um
aglomerado de pessoas bem intencionadas... e mais nada.

4) Nao compete aos homens outorgar o que só o próprio


Cristo pode conceder. Nem ao Papa nem aos Bispos é lícito
derrogar as instituigóes sacramentáis atribuindo (por via
ordinaria ou extraordinaria) ao cristáo apenas batizado as
facilidades que o sacramento da Ordem (instituido por Cristo)
confere. Por isto nao se pode dizer que, na falta de um presbí
tero, quando um leigo consagra o pao e o vinho, Eccksia supplet,
a Igreja supre, outorgando a tal leigo a faculdade de celebrar
a consagrafiáo eucarística; nem a hierarquia (os Bispos) nem
a comunidade de leigos pode conceder tal habilitagáo a urna
pessoa nao devidamente ordenada por Cristo mediante o sacra
mento da Ordem. Este nao é apenas o desligamento de poderes

— 41 —
O MINISTRO DA EUCARISTÍA 43

que o Batismo já conferiu (e que, portante, estariam latentes


em todo cristáo), mas é um novo modo de insergáo do cristáo
dentro do sacerdocio de Cristo para que possa realizar o que
nenhum cristáo pode efetuar em virtude do seu Batismo.

5) A apostolicidade da Igreja nao quer dizer que cada um


dos seus membros tenha as facilidades de que dispunham os
Apostólos. Isto seria ignorar que a Igreja é diversificada em
seus misteres, como todo corpo é diversificado em seus
membros. A apostolicidade da Igreja significa que a Igreja
está em continuidade com os Apostólos, seja porque professa a
mesma doutrina que os Apostólos, seja, porque, através da
sucessáo apostólica, o ministerio dos Apostólos vai sendo trans
mitido de geragáo a geragáo aqueles que recebem o sacramento
da Ordem. Ao lado da transmissáo que se faz pelo sacramento
da Ordem, há aínda aquela que ocorre mediante os outros
sacramentos, dando origem a fungóes diferentes daquelas do
sacerdocio ministerial.

De quanto foi dito, depreende-se que, se urna comunidade


resolve designar um de seus membros para consagrar a
Eucaristía, nao pode dizer que está em comunháo com a Igreja
universal, pois, precisamente ao proceder assim, tal comunidade
rompe com a doutrina e a praxe da Igreja universal.

6) Podem-se completar estas consideragóes da Carta de


06/08/83 com as ponderagóes do Concilio do Vaticano n rela
tivas aos diversos modos como Cristo se torna presente na sua
Igreja. Com efeito, distingue a Constituigáo Sacrosanctum
Cancilium n» 7 cinco modalidades de presenoa de Cristo entre
os homens:

«Cristo esté sempre presente em sua Igreja, sobretodo ñas acoes


litúrgicas. Presente está no sacrificio da Missa, tanto na pessoa do
ministro, pois aquele que agora oferece pelo ministerio dos sacerdotes
é o mesmo .que outrora se ofereceu na cruz, quanlo sobretudo sob as
especies eucarísticas. Presente está pela sua forca nos sacramentos,
de tal forma que, quando alguém batiza, é Cristo mesmo quetn batiza.
Presente está pela sua palavra, pois é Ele mesmo que fala quando
se léern as Sagradas Escrituras na Igreja. Está presente finalmente
quando a Igreja ora e salmodia, Ele que prometeu: 'Onde dois ou
tres esKverem reunidos em meu nome, ai estarei no meio deles'
(Mt 18,20)».

— 43 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

Era sintese, diz-nos o Concilio que Cristo se faz presente:


— Na Eucaristía; este é o modo, por excelencia, da pre
senta de Cristo (máxime sub speciebus eucharisticis);
— nos sacramentos: quem batiza, quem absolve os peca
dos. .. é Cristo;

— na pessoa do ministro sagrado;


— na Palavra consignada ñas Escrituras Sagradas;
— por ocasiio da oracáo comunitaria da Igreja; cf.
Mt 18,20.

Como se vé, o texto de Mt 18,20 é citado pelo Concilio,


texto que também as novas teorías evocam. Todavía o Concilio
nao deduz dessa presenca de Cristo numa comunidade orante
a conclusáo de que todos os membros dessa comunidade possuem
indistintamente o mesmo grau de participacáo do sacerdocio de
Cristo. Ao contrario, a diversidade de participacáo do
sacerdocio de Cristo é realcada quando o texto conciliar se
refere particularmente ao ministro da celebracáo eucarística.

7) O caso das comunidades ameacadas de ficar sem


Eucaristía por falta de presbíteros nao é argumento para se
instauraren! «celebrantes» delegados da assembléia. Nao com
pete aos homens retocar a estrutura da Igreja instituida pelo
Senhor Deus; qualquer tentativa de alterar a esséncia da Igreja
seria sacrilega e inválida. O que se pode propor no Gaso, é o
seguinte:

— procurem os fiéis, sem Missa, unir-se espiritualmente á


Eucaristía celebrada em outras partes do mundo. «Nao lhes
faltará a graca do Redentor... Mediante o voto do sacramento
em uniáo com a Igreja, ainda que estejam muito afastados
externamente, estáo unidos a ela intima e realmente, e, por
isso, recebem os frutos do sacramento».

— Os Srs. Bispos, em conformidade com a Santa Sé. tém


instituido ministros extraordinarios da Comunháo Eucarística.
Estes podem distribuir o sacramento da Eucaristía fembora
n§o celebrem a Missa) após a Liturgia da Palavra devidamente
realizada. Assim pode tornar-se cada vez maís raro o caso de
alguma comunidade fícar privada da Eucaristía.

É daro que estas formas de resolver o problema nao dis-


pensam os Bispos, os sacerdotes e os fiéis de rezar <para que se
multipliquem as vocagóes sacerdotais, e de contribuir com seus
O MINISTRO DA EUCARISTÍA 45

esforgos para que o chamado do Senhor nos coracóes de jovens


e adultos encontré os meios necessários para chegar á plena
realizacáo.

8) Na verdade, a funcáo dos Ministros Extraordinarios


da Comunháo Eucaristica nao foi afetada pela Carta da Santa
Sé em foco. Como dito, a problemática nao versa sobre a dis-
tribuicáo da S. Eucaristía, mas sobre a consagragáo eucarística
por parte de leigos. A figura dos Ministros Extraordinarios da
Comunháo Eucarística foi confirmada pelo Novo Código de
Direito Canónico, que reza:

«Canon 910 — § 1« Ministro ordinario da Sagrada Comunháo


é o Bispo, o presbítero e o diácono.

§ 2' Ministro extraordinario da Sagrada Comunháo é o acólito


ou outro fiel designado de acordó com o can. 230, § 3*».

Eis o teof do canon 230, § 3* mencionado:

«Onde a necessidade da lgre¡a o aconselhar, podem também os


leigos, na falta de ministros, mesmo nao sendo leitores ou acólitos,
soprir alguns de seus oficios, a saber, exercer o ministerio da palavra,
presidir as oracóes litúrgicas, administrar o batismo e distribuir a
Sagrada Comunháo, de acordó com as prescricoes do Direito».

Observam os comentadores que este último canon nao re


serva os referidos ministerios aos homens apenas, mas, falando
de leigos (laici), compreende tanto homens como mulheres.

9) Nao se pode negar que os fiéis católicos tém o direito,


concedido por Deus, de participar da S. Eucaristía. — Quando
a Igreja ensina que essa partícipagáo só pode ocorrer mediante
o ministerio de um presbítero devidamente ordenado, Ela nao
está criando um direito eclesiástico que se oponha ao direito
divino; tal nao compete á Igreja. Está simplesmente transmi-
tíndo aquilo que Cristo lhe entregou: o poder de consagrar a
Eucaristía foi concedido apenas aos doze Apostólos presentes á
última ceia; Cristo assim instituiu o sacerdocio ministerial, pre
cisamente para que a Eucaristía pudesse ser celebrada através
dos sáculos.

Na verdade, a habilitagáo para consagrar o pao e o vinho


eucarísticos nao é urna questáo de autorizacáo ou de direito
apenas (como o pregar em alguma igreja pode depender de

— 45 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

autorizagáo do Bispo local); com efeito, nao é urna questáo


jurídica, mas é questáo ontológica... questáo de ser ou nao ser
inserido adequadamente no sacerdocio de Cristo.

Por isto nao se pode dizer que a Igreja, com seu direito
eclesiástico, se torna obstáculo ao exercício de direitos con
feridos aos fiéis por Deus. O assunto em pauta transcende a
esfera discutível do direito, pois pertence ao plano ontológico.

10) A Eucaristía é, como dito, a perpetuacáo do sacrificio


de Cristo sobre os altares para que a Igreja déla participe. A
uniáo com Cristo assim efetuada acarreta conseqüentemente a
uniáo de cada um com os irmáos. Por isto a Eucaristía é também
fator de uniáo e comunháo com os homens; mas ela só é tal se
considerada, em primeíro plano, como elemento de uniáo com
o Senhor Jesús. Há sempre oportunidade de celebrar a Euca
ristía entre fiéis católicos, quer se conhecam, quer nao se
conhecam, ou independentemente do grau de relacionamento
que os una entre si; para que a Eucaristía seja frutuosa, basta
que os membros da assembléia tenham consciéncia de formar
o Corpo de Cristo unificado pela mesma fé, pelo mesmo Batismo,
pelo mesmo amor, pela mesma esperanca...

3. Vigildnda

Em sua parte final, a Carta da Santa Sé mostra que a


atitude da Icxeia. no caso, é um servico... «servico de apas-
centar a erei do Senhor com o alimento da verdade e de con
servar ínteera a unidade da Ii?reja». Quem inova em coisas
essenciais na Igreja, nao edifica a comunidade, mas destrói a
sua face humana. Na verdade, nao é possível ateuém unir-se ao
Corpo de Cristo por urna pretensa celebracáo da Eucaristía, se
dilacera o Corpo do Senhor que é a Igreja.

Por conseguinte, incumbe aos Pastores o grave dever de


vigiar para que nao se difundam as erróneas idéias denunciadas
na Carta, nem sejam aplicadas na prática das comunidades
católicas. Toca-lhes também o dever de cuidar para que na
catequese seiam congruamente valorizados os sacramentos da
Ordem e da Eucaristía. É o Apostólo quem exorta:

«Prega a palavra, insiste a tempo e fora de tempo, confuta,


exorta com toda a longanimidade e o desejo de instruir... Vigía
atentamente, resiste á provacao, prega o Evangelho e cumpre o teu
ministerio» (2Tm 4,2-5).

— 46 —
O MINISTRO DA EUCARISTÍA 47

Com estas palavras, o Apostólo incute urna missáo que,


sem dúvida, é ardua, mas se torna inevitável ao bom pastor,
que pode chegar a ter que dar a vida por suas ovelhas.

4. Reflexóo final
As novas teses impugnadas pela S. Congregagáo para a
Doutrina da Fé tém importancia a mais de um titulo: 1) afetam
o conceito da Igreja; 2) destroem a nogáo de Eucaristía.
Em última análise, elas se devem a duas fontes de
inspiragáo:

1) o espirito democratizante de nossos días, que tende a


nivelar todas as funcóes na sociedade: assim como, segundo
Paulo Freiré, nao há mais educador de educandos, assim também
nao haveria pastores ou autoridades propriamente ditas na
sociedade e na Igreja;
2) a eclesiologia protestante, que reduz a Igreja a urna
Congregagáo, a qual muito se assemelha as demais sociedades
humanas é, portante, é mutável como é mutável a opcáo política
ou a opcáo profissional de cada cidadáo.
O Concilio do Vaticano n respondeu as tendencias democrá
ticas do nosso tempo, utilizando a imagem de Povo de Deus
para designar a Igreja. Tal imagem lembra a igualdade funda
mental de todos os cristáos, baseada nos sacramentos do
Batismo e da Crisma; todavia nao excluí que, sobre a mesma
base comum, se sobreponham vooaqóes particulares incutidas
pelo próprio Deus para a edificacáo do Corpo de Cristo; assim
o próprio Sumo Pontífice, pelo fato de ser balizado, é um cristáo
como os demais, mas, por ter sido chamado por Deus a especial
forma de pastoreio ou de construgáo da Igreja, distingue-se dos
demais homens, nao por arrogancia pessoal, mas por servir fiel
e humildemente a Deus e aos irmáos dentro do seu ministerio
próprio. Veja-se a Constituigáo L.umen Gentium, que apresenta
no capitulo n a imagem do Povo de Deus; a seguir, explana as
vocagóes particulares, que sao a da hierarquia (c. m), a dos
leigos (c. IV), a dos Religiosos (a VI). O novo Código de
Direito Canónico seguiu o mesmo esquema.
Em última análise, é a visáo de fé que parece ressentir-se
de oscüacoes em nossos dias, acarretando as dolorosas con-
seqüéncias apontadas no documento em pauta. Exorta o
Senhor no Apocalipse:
«Guarda o que tens, para que nínguém arrebate a tua coroa»
(Ap 3,19).

_ 47 _.
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

A guisa de bibliografía:

CONCILIUM, n° 34, 1968: Oecuménlsme.

CONCILIUM, n° 197S: Les Communautés de Base.

CONGAR, Y., Queiques problemes touchant les ministéres, em Nouvelle


Revue Théologlque 93, 1971, pp. 785-800.

TAVARD, G. H., The function of trie mlnlster In the Eucharistfc Cele-


bration, em Joumal of Ecumenical Studies 4, 1967, pp. 629-649.

TILLARD, J.M.R., Le votum Eucharistiae: l'Eucharistie dans la ven-


contre des chrétiens em Miscellanea Litúrgica ¡n onore di S. Em. il Cardinale
Gíacomo Lercaro, Roma 1967, pp. 143-194.

COMUNICADO

MAIS UMA VEZ A REDA$ÁO DE FR SE VÉ OBRI-


GADA A COMUNICAR AOS SEUS LEITORES QUE PR
NADA TEM QUE VER COM CERTOS IMPRESSOS SOBRE
PROTESTANTISMO E EUCARISTÍA DISTRIBUIDOS POR
VÍA POSTAL COMO SE O MITENTE FOSSE «PERGUNTE
E RESPONDEREMOS», CAIXA POSTAL 2666, 20001 — RIO
DE JANEIRO (RJ). HA, NO CASO, INDEVTOA USURPA-
CAO DE NOME E ENDERECO.

(ContlnuacSo da pág. 27)

divina, a elevagáo do homem á ordem sobrenatural..., tudo isto é silenciado;


o "paraíso terrestre" é "o mundo que Deus Idealizou para os homens"
(p. 29); seria urna "esperanza", e nSo urna "saudade".,. Ora tais posicSes
nfio correspondem á doutrlna da Igreja, multas vezes ensinada em Concilios,
Inclusive no de Trento (1545-1563; cf. DS 1510-16). Cf. pp. 21-23 deste
fascículo.

Nota-se hoje em dia a tendencia a atenuar ou mesmo esvazlar o sen


tido de Gn 2-3, como se nSo refefisse fatos históricos em linguagem rica de
metáforas (costela, serpente, fruta, árvore da ciencia, árvore da vida...),
mas apenas expllcasse a desordem do mundo pelo fato de que alguém
alguma vez comecou a pecar e esse pecado se alastrou; a superacSo deste
estado de coisas deverla levar os homens a constituir um paraíso terrestre

(Continua na pág. 65)

— 48 —
50 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

Em seu Prefacio, escreve o autor: «Observacóes críticas de


todo tipo seráo muito úteis nao apenas ao autor, mas sobretudo
aos próprios eventuais leitores ...» (p. 7). Eis por que pro-
poremos abaixo urna síntese do conteúdo do livro, á qual se
seguirlo breves comentarios.

1. As grandes linhas do livro

Aldo Vannucchi filia-se á corrente da Teología da Liberta-


Cáo e deseja que esta venha a ser expressa e veiculada também
pelos cañáis da Liturgia (textos litúrgicos, homilias, gestos e
cerimónias...). Julga que o povo brasileiro nao tem encontrado
ñas celebracóes da Liturgia, como as prescrevem os documentos
oficiáis da Igreja, a expansáo dos seus anseios e da sua
vida; por isto, tem-se passado, em proporgáo notável,
para assembléias protestantes e umbandistas, onde, segundo
Vannuchi, encontra o que procura. A propósito o autor cita
palavras de Frei Leonardo Boff:

«Notamos a seguinte dialética: na medida em .que a Igreja como


um todo estreita seus lagos com o centro (Roma), reproduz seus mo
delos pastorais, litúrgicos e disciplinares, se fortifica corporativamente
e fortalece sua unidade interna; mas perde o povo, fica abstraía e
alienada das principáis questoes sociais e deixa o campo aberto á
proliferacao das seitas e dos cultos afro-brasileiros, porque estes res
ponder» concretamente a demanda religiosa do povo. Ou entáo, na
medida em que a Igreja se insere na realidade, assume a paixáo do
povo, organiza urna pastoral adequada aos desafios conscientizados,
se distancia do centro e entelo comeca a temer perda da unidade,
especialmente quando se dá conta dos conflitos da classe. A tentacao
é voltar a urna visao mais doutrinária e refugiar-se para dentro de si
mesma» (p. 127, citando L. Boff, O Camínhar da Igreja com os Opri
midos. Codecri, Rio de Janeiro 1980, p. 35).

De acordó com o seu modo de pensar, Aldo Vannucchi dis


tingue entre «Igreja-Poder» e «Igreja-Povo»:

«A verdade é que se cavou, no chao da experiencia vivida, um


hiato doloroso entre a prática litúrgica da Igreja-Poder e a prática
litúrgica da Igre¡a-Povo. Com efeito, o que a primeira tantas vezes
propoe nao representa precisamente o que interessa á segunda. E
quando, por feliddade, acontece a convergencia de desejos (por
exemplo, no Batismo), diferem consideravelmente as motivacóes»
(p. 127).

— 50 —
Novos aspectos da Teología da Libertacáo:

"Liturgia e Libertacáo"
por Aldo Vannucchi

Em síntese: O livro de A. Vannucchi considera a Liturgia á luz dos


principios da Teología da Libertagáo. Em conseqüéncia, apregoa seja a
Liturgia o eco mais vivo dos anseios do povo por um mundo mais justo
e nivelado. — Quem lé as páginas de Vannucchi, tem a Impressáo de que
faz da Liturgia um instrumento de provocacao e acirramento dos fiéis,
fonte de azedume e amargura. Ora esta concepcao é incompativel com a
nocao de Liturgia, que é o exercício prolongado do sacerdocio de Jesús
Cristo, cuja finalidade precipua é adorar e glorificar o Pai; a Liturgia nSo
é, por si, urna HcSo de Moral nem é "conscientizacSo" sódo-polltlca, mas
ela existe precisamente para oferecer ao homem um pouco de lazer espi
ritual e de contemplagáo mima atitude de paz e de eternidade. Se os fiéis
católicos nSo encontram na Liturgia tal revigoramento espiritual, mas em
suas Missas dominicais só ouvem falar dos mesmos problemas sóclo-eco-
ndmlcos que os preocupam durante seis dias da semana, compreende-se que
debandem para cultos protestantes e umbandistas, como tem acontecido.
Nos cultos evangélicos, que tém atraído número crescente de adeptos, o
discurso versa sobre Deus e os valores transcendentais (embora de maneira
deficiente), o que corresponde aos anseios inatos de todo homem.

Lamentamos, pois, que o livro de A. Vannucchi apregoe a invasáo do


sétimo dia dos cristaos por parte dos afazeres materializantes dos dias da
semana. O encontró contemplativo com o Senhor Deus, longe de ser alie-
nagáo, é forte antidoto contra esta; tenha-se em vista a vida dos Santos
que se entregaram á vida ativa.

No H Encontró Nacional de Professores de Liturgia, rea


lizado em Sao Paulo no mes de julho de 1981, sob os auspi
cios da CNBB, Aldo Vannucchi apresentou as primeiras linhas
do livro que a Ed. Loyola publicou em 1982 com o título
«Liturgia e Libertagáo»x. A obra tenciona propor a dinamizagáo
da Liturgia católica, fazendo-a mais próxima da vida do povo
brasileiro e mais expressiva em relacáo aos problemas socio-
-político-económicos que este vem enfrentando.

1 Liturgia e Ubertacáo. — Ed. Loyola, Sao Paulo, 1982, 138 x 208 mm,
140 pp.

— 49 —
«LITURGIA E LIBERTACAO» 51

Pouco adiante, porém, o autor reconheoe que a Igreja-


-Poder e a Igreja-Povo «sao sempre a mesma e única Igreja
de Jesús Cristo» (p. 127). Infelizmente, porém, torna, na
página 128, a falar de «Igreja-Poder» em tom depreciativo. Com
base ainda nos escritos de Frei Leonardo Boff, o autor ainda
censura a «Igreja-instituicáo» numa atitude sumaria e super
ficial (cf. p. 50).

Para tornar a Liturgia mais aceita e participada, A.


Vannucchi apregoa o recurso a sinais adequados na S. Liturgia:
assim, por exemplo, os cantos deveriam «encerrar melhor con-
teúdo ideológico-emocional» (p. 118); seria preciso proclamar
a Boa-Nova «a partir da condiqáo humana e das reivindicagóes
maiores daqueles com quem Cristo se identifica como irmáos
seus» (p. 138), pois «a linguagem litúrgica entre nos prevale-
cente nao se ajusta nem ao mundo operario nem ao mundo
rural. Balanca num nivel pretensamente medio, nem chinés
nem vernáculo» (p. 135). Os símbolos ou objetos sagrados da
Liturgia deveriam ser mais condizentes com os que o povo usa
em suas casas; é o que A. Vannucchi insinúa citando palavras
de Frei Betto no livro «O que é Comunidade Eclesial de Base»,
pp. 62-66:

«Enquanto a missa tradicional corre o risco de ser, para o fiel


anónimo, urna celebracao de 'mitos' fundadores de sua fé, sacraliza-
dores de sua passividade social e política, a celebracao das comuni
dades segué a tradicao bíblica de ser urna reapropriacao da memoria
histórica e urna atualizacao do significado evangélico das lufas
populares» (p. 106).

«Os símbolos da celebracao sao extraídos da vida da comunidade


e, portanto, recuperan) a analogía entre simbolizando e simbolizado,
restaurando sua funcao social, sua incidencia concreta sobre a prática
da comunidade. Ñas comunidades rurais, é comum ver celebracoes em
que os vasos litúrgicos sao simples cuias; a toalha do altar, urna rede
ou manta sobre tosca mesa de urna casa; o ofertorio á base da oferenda
de produtos plantados e colhidos pelos participantes.

Quantas vezes nao participei de celebracoes em que' o pao


eucarístico era este mesmo pao que compramos na padaria e comemos
diariamente. A seu lado, na mesa, víam-se ferramentas, ¡ornáis
abaixo-asslnados, carteiras de traba I ho e outros objetos que simbolizam
a vida concreta da comunidade» (p. 107).

— 51 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

Pouco adiante, o autor se refere ao Pe. Joáo Batista


Libánio, que descreve a «celebragáo da fé» das comunidades
de base no seu IV Encontró Nacional (1980):

«Numa das celebracóes percorremos a 'vía-sacra da ressurreícao1.


A frente ia a cruz da Páscoa do povo. Quatro estacoes. Na primeira,
celebrou-se a luta pela térra, dramatizando a experiencia vivida pela
comunidade de Alagamar (PB). Foi a vitaría da mandioca contra a
cana. A fila da mandioca — símbolo do pobre agricultor — derruba
simbólicamente a fila da cana — símbolo do dominador — que vai
caindo ao solo e permanecendo assim, enquanto que os portadores da
mandioca faziam gesto de planta-la, arrancá-la ¡á crescida e
abracá-la. O coro repetía: Onde tinha cana, agora lem mandioca!
Repetem cenas vividas de perseguicoes, prisoes, liberdade, uniao e
canto da vitória. Aquilo que a comunidade durante anos experimentou
na dureza da luta contra os projetos de plantar cana e na destruicáo
de suas rocas de subsistencia de mandioca era agora celebrado diante
de nos.

A segunda estacao foi a experiencia de outra comunidade .que


cria seu Conselho comunitario de bairro num esforco de uniao e
organizacao.

Outro passo foi a vitória da agua.

Numa quarta cena, o pessoal mostra a resistencia de favelados


as ordens de despejo. E na passagem de urna estacao á outra, todos
cantavam o hiño popular religioso 'Bendito do Mae das Dores'.

Em outra celebracao, a procissao terminou ¡unto a urna árvore,


onde estavam dependuradas folhas de papel com os frutos do capita
lismo: hora-extra, salárío-de-fome, miseria, etc. Perto havia pequeño
fogo. A medida em que o povo ia arrancando cada folha e lendo,
todos gritavam espontáneamente: — Queimal Queima! Eram os
frutos malditos que iam sendo simbólicamente destruidos pelo fogo»
(p. 108$).

A. Vannucchi cita outrossim o testemunho de Catnillo


Torres, sacerdote colombiano que abandonou o ministerio sacer
dotal porque julgava que nao podia celebrar o culto oficial,
especialmente a Eucaristía, dentro das estruturas da sociedade
atual, onde existem táo flagrantes diferencas de classes;
cf. pp. 103s. Camilo Torres, o padre-guerrilheiro, terá sido o
arauto de auténtica «mística de solidariedade» (p. 104).

— 52 —
«LITURGIA E LIBERTACAO» 53

As pp. 80s, o autor profliga os «grandes» deste mundo, que


«em geral se postam como frios espectadores ñas reunióes de
culto quando ai aparecem. 'Gente sem esperanga, e sem Deus
neste mundo' (Ef 2,12), nao Ihes interessa submeterem-se ao
julgamento do Cristo Pascal e á sua lei magna — o amor».

Em síntese, a intengáo de A. Vannucchi é claramente ex-


pressa na sentenga da p. 72: «O esforgo pastoral mais lúcido
seria passar... a urna praxis litúrgica que impulsione os leigos
á maturidade humana e crista, praxis litúrgica literalmente
pro-vocante, ou seja, que os chame para a frente» (p. 72). Essa
nova praxis nao implicaría «celebrar sempre 'do jeitinho que o
povo gosta', dando de ombros a Liturgia oficial, canónica, mas,
sim, assumir na Liturgia a espontaneidade popular, enquanto
esta possibilita a nossa encarnacáo histórica da mensagem
libertadora das virtudes teologais da fé, da esperanga e da cari-
dade. Mesmo porque, se nos furtarmos a isso, as massas pros-
seguiráo, igualmente, seu caminho irrefreável em busca do
Divino, nem que seja por expressóes culturáis semi-clandestinas,
oficialmente desautorizadas...» (p. 130).

As afirmacóes de A. Vannucchi vém a ser indubitavelmente


um desafio á reflexáo e á fé do leitor. — Que dizer a propósito?

2. Refletindo

As nossas ponderagóes a respeito do livro em foco con-


centrar-se-áo em cinco pontos:

- 2.1. Nojáo de Liturgia

Antes do mais, aparece que a obra de Vannucchi sugere


urna reflexáo sobre a nocáo mesma de Liturgia.

Através das suas páginas o autor considera a S. Liturgia


preponderantemente (embora nao exclusivamente) como cele-
bragáo da vida dos homens e dos seus anseios; a Liturgia seria
urna expressáo dos fiéis católicos para os homens, ou seja, para
«conscientizar» e transformar os homens, fazendo-os agentes
de um mundo novo, mais justo e fraterno:

— 53 —
j>4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

«Sem a problematizacao radical de toda a Liturgia num mundo


dividido entre opressores e oprimidos, o testemunho dos aislaos poderá
carecer de forca e significacáo. Por acaso seria suficiente o empenta
de liberfacao na Liturgia...? Nao terá chegado a hora de se passar
a explorar, ao máximo, o dinamismo da libertacao pela Liturgia?»
(p. 10). ^
Ora a expressáo «pela Liturgia», na medida em que ex
prime a instrumentalizacáo da Liturgia em proveito de urna
«re-educagáo» dos homens e de urna mudanga radical da socie-
dade, nao condiz com o conceito de Liturgia contido na Consti-
tuigáo Sacrosanctum Concilium do Vaticano n. — Com efeito,
este ensina que a Liturgia é o exercício da fungáo sacerdotal
de Jesús Cristo, que tem duas finalidades: 1) a glorificagáo e
adoragáo do Pai pelo Filho no Espirito Santo; 2) a santificagáo
do homem mediante os sacramentos e sacramentáis; cf. Sacro
sanctum Concilium n» 7. Destas duas finalidades, a glorificacáo
de Deus é a primacial, pois é a que persistirá por todo o sempre,
ou seja, após as vicissitudes da historia do mundo presente; na
Jerusalém celeste (da qual a Liturgia terrestre é um antegozo)
haverá táo somente o louvor a Deus; cf. Sacrosanctum
Concilium n* 8.

Por ser glorificagáo do Criador e atitude de etemidade, a


Liturgia oferece ao homem a oportunidade de se distanciar, de
certo modo, dos seus afazeres terrenos, absorventes e materia
lizantes, para se mergulhar em Deus e nos valores definitivos.
Tal é, alias, o sentido do dia do Senhor ou do sétimo dia con
forme a Biblia (cf. Gn 2,2s; Ex 20,8-11): é o dia do repouso,
dia em que o homem se afasta de seus deveres de trabalho
cotidiano para se reabastecer em Deus e assim poder voltar
revigorado as suas tarefas cotidianas.

Romano Guardini, ,em sua obra «Vom Geist der Liturgie»


(Do espirito da Liturgia) frisa a índole da Liturgia como ludus
ou como o jogo da Sabedoria diante de Deus (cf. Pr 8,30s); é
urna agáo nao utilitaria ou pragmática, mas o exercício de urna
certa contemplacáo que une mais intimamente os fiéis com
Deus e Ihes proporciona inconfundivel experiencia daquilo que
«o olho nao viu, o ouvido nao ouviu e o coragáo do homem
jamáis apreendeu, mas Deus reservou para aqueles que O
amam» (ICor 2,9). Sao palavras de Guardini:

— 54 —
«LITURGIA E LIBERTACAO» 55

«O motivo capital pelo qual a Liturgia nao pode ter finalidade


utilitaria é que <a sua razao de ser é Deus e nao o homem.. . Para o
cristáo, todo o sentido da Liturgia consiste em estar diante de Deus,
expandir-se livremente em sua presenta, viver no mundo sagrado das
realidades, das verdades, dos misterios e dos sinais divinos, viver a
vida de Deus, que é, ao mesmo tempo, a vida própria verdadeira e
profunda do cristao» («L'esprit de la Liturgie». París 1930, pp. 211s).

É por isto que a Liturgia é táo pouco moralizante, continua


Guardini (ib. p. 212, n* 1); por certo, ela é formadora em grau
excelente, nao, porém, mediante ensinamentos explícitos sobre
a virtude, mas pelo fato de que leva os cristáos a um contato
mais íntimo com Aquele que é a Fonte de toda a perfeigáo.

O mesmo Romano Guardini observa ainda que a celebragáo


da Liturgia supóe o primado do Logos sobre o Ethos (obra
citada, cap. VII); ou seja, o primado da contemplacáo sobre a
agáo, do conhecimento da verdade sobre a praxis. A vida moral
do cristáo há de ser iluminada e orientada pelo Logos ou pela
apreensáo da verdade; sem previa contemplagáo, o agir cristáo
torna-se cegó ou febricitante e dispersivo.

Faz-se mister manter vivas tais nogóes, precisamente num


mundo em que o pragmatismo e o utilitarismo tendem a invadir
cada vez mais todos os setores. Será necessário, portante, nao
fazer da Liturgia urna ligáo de moral individual e social, mas
deixar-lhe o oaráter de repouso em Deus. É de crer que o fiel
católico que durante seis dias da semana se preocupa com de-
semprego, inflagáo, alta dos pregos, etc., mais do que nunca
há de procurar na celebragáo dominical da Liturgia ouvir e
viver realidades diferentes das dos dias de trabalho. Se também
no domingo, ao participar da Eucaristía, o cristáo é interpelado
pela problemática dos outros dias, pode-se dar por frustrado.
Ora é justamente porque tal frustragáo ocorre em nao poucas
assembléias católicas que muitos filhos da Igreja váo procurar
cultos protestantes; nestes o cristáo ouve falar de Deus e do
Evangelho (embora em termos pietistas, sentimentais e falhos,
em nao poucos casos); esse discurso estritamente religioso cor
responde bem ao senso religioso e á sede de Transcendental que
existem em todo homem e que se tornam tanto mais agudos
quanto mais o homem é maltratado pelas instancias da vida
material. — Pode-se admitir com fundamento que o deban
dada de muitos fiéis católicos para os cultos protestantes e
umbandistas se deve precisamente á secularizagáa da Liturgia
católica, que por vezes se torna lugar de acirramento, de pro-
vocacáo de uns contra outros, de amargura e azedume...

— 55 —
56 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

Eis, porém, que se formula urna objecáo:

2.2. Liturgia: alienagóo e distanciamento em relajáo á vida?

A Liturgia jamáis poderá estar longe da realidade cotidiana


do fiel católico, pois este vive, no seu dia-a-dia, a obra de re-
dencáo do Cristo. Diz Sao Paulo: «Vivo eu, nao eu; é Cristo
que vive em mim» (Gl 2,20) ou ainda: «Completo em minha
carne o que falta á Paixáo de Cristo em prol do seu corpo, que
é a Igreja» (Cl 1,24).

É precisamente essa vida de Cristo no cristáo que a Liturgia


celebra; por isto a Liturgia há de se referir também aos pro
blemas dos fiéis na familia, na sociedade, na profissáo, na
economía... 1; também há de redundar em encorajamento para
urna vida ética mais coerente; todavía estas duas fungóes estáo
subordinadas 'á adoragáo e ao louvor a Deus que constituem a
finalidade primeira da Liturgia. Nao se ponha em dúvida o
valor moral da Liturgia, mas será preciso que nunca se perca
a consciéncia de que tal eficiencia ética nao é o elemento pre
dominante da Liturgia, mas é decorréncia,... decorréncia de
um feliz encontró com Deus em seus sinais sacramentáis numa
atitude de contemplagáo, adoragáo e gratidáo.

Urna Liturgia que nao redunde em frutos de vida mais


coerentemente crista, é celebragáo mal compreendida; pode
tornar-se formalismo e hipocrisia.

Urna terceira observagáo se impóe.

2.3. Estilo hierótíco

O fato de que a Liturgia nao é simplesmente rito celebrado


para os homens, leva a ver que as celebragóes litúrgicas devem
guardar sempre um caráter hierático; nunca poderáo ser «bana-
lizadas» a ponto de parecer celebragóes do ambiente do lar (com
utensilios usados na ceia de cada dia) ou celebragóes cívicas
(com discursos e insignias táo somente inspirados pelos proble
mas do trabalho ou da economía). Será necessário que o sim
bolismo da Liturgia lembre aos seus participantes que estáo na
casa de Deus ou na presenoa do Senhor tres vezes santo,
desenvolvendo urna agáo inspirada por criterios de etemidade

1 No Ofertorio da Mlssa sSo oferecldos pío e vlnho, símbolos do


trabalho, da luta e das alegrías dos oferentes.
Ñas Orasóes Comunitarias que Ihe antecedem, os fiéis exprimen) o
que Ihes val no intimo do coracáo.

— 56 —
«LITURGIA E LIBERTACAO» 57

e tendente á eternidade. Se nada há de novo ou distintivo na


Liturgia, esta perde a sua razáo de ser; em vez de satisfazer
aos seus participantes, pode deixá-los famintos... e dispostos
a procurar em outras fontes o que a Igreja Católica nao lhes
oferece.

2.4. «Lex orandi, lex credendi»

O tema «Liturgia» é de elevada importancia, porque trans-


cende questóes de ritos e símbolos; na verdade, a Liturgia
sempre foi considerada, e é, a expressáo da fé dos que a
celebram. Donde o adagio antigo: «Lex orandi, lex credendi»
(a lei do orar é também a lei do crer, e vice-versa). Existe,
pois, sempre o perigo de que urna inadequada expressáo litúr
gica yenha a deturpar a fé do povo de Deus, insinuando pro-
posigóes erróneas ou, ao menos, pouco condizentes com as
verdades do Credo. Assim urna Liturgia cujos cantos tenha
caráter ideológico, há de incutir aos seus participantes a nocáo
de um Cristianismo ideológico, com tudo que a nogáo de ideo-
logia tem de passional e acirrador. De resto, os hereges sempre
tentaram prevalecer-se da Liturgia para impingir, através dos
niños e das preces da mesma, suas sentengas heréticas; o povo
simples e desprevenido, sem o perceber, vai assimilando, me
diante tais textos, um Credo que já nao é o de Jesús Cristo e
da Igreja; tal ocorreu no século IV por efeito da astucia dos
arianos e nos sáculos XVIII a XIX por obra dos jansenistas e
galicanos.

Eis por que a autoridade da Igreja é vigilante com respeito


á Liturgia, prescrevendo o que deve ser fielmente observado e
fixando os limites da criatividade do celebrante, quando esta
é lícita. Tal zelo da Igreja nada tem que ver com prepotencia
ou com atítude de «Igreja-Poder» (em oposicáo á «Igreja-
Povo»), mas é simplesmente o exercício da missáo que Jesús
Cristo confiou aos Apostólos e, especialmente, a Pedro e seus
sucessores: «Roguei por ti, Pedro, para que tua fé nao des-
falega; voltando-te, confirma teus irmáos» (Le 22,32).

De resto, a distingáo entre «Igreja-Poder» e «Igreja-Povo»,


por mais que Vannucchi a queira atenuar, é insustentável.
Pode-se mesmo dizer que o povo de Deus se dá por mais satis-
feito quando atendido por pastores que obedecem a leis objetivas
e uniyersais, do que quando sujeito a improvisagóes e arbitra
riedades (nao raro, absurdas e destoantes das linhas da fé) de
liturgos populistas.

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58 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS!- 272/1984

2.5. Opressores e oprimidos

Está subjacente á explanagáo de Vannucchi a divisao da


sociedade em duas facgóes: ricos e pobres, aqueles tidos como
opressores e estes como oprimidos. — A divisáo e o julgamento
anexo sao simplórios, pois a realidade é muito rnais complexa.
Nao se pode voltar á mensalidade do clá, presente nos livros
mais antigos do Velho Testamento e profligada pelos Profetas
(cf. Ez 18,2-29; Jr 31,29s); estes incutiram ao povo de Deus a
nogáo de responsabilidade pessoal; quem peca, é réu diante de
Deus, e quem se converte do pecado á justica é aceito pelo
Senhor, qualquer que seja a condicáo económica do individuo.
Esta verdade, formulada pelos Profetas, tem plena aplicagáo
também nos dias atuais, quando há quem queira julgar o cristáo
pelo simples fato de possuir ou nao possuir dinheiro; pode haver
ricos honestos e benfeitores dos seus irmáos, como podem existir
pobres de coracáo desonesto.

O fato de que a urna celebragáo litúrgica estejam presentes


simultáneamente ricos e pobres, patróes e operarios, nao quer
dizer que a assembléia esteja dividida ou em estado de conflito;
muito menos implica que nao possa ser celebrada a S. Euca
ristía, como arbitrava Camillo Torres. Se na sociedade civil
existem iniquidades, nao se pode, por isto, dizer que em toda e
qualquer reuniáo de cidadáos naja pessoas iníquas, nao habili
tadas a participar da Eucaristía.

Sao estas as consideracóes que o livro de Aldo Vannucchi


nos sugere. É de lamentar que o espirito de acirramento tente
contagiar a Liturgia e o próprio reduto do sétimo dia
(S. Agostinho diria:... do oitavo dia); este (o domingo) é o
dia da etemidade em meio ao tempo, o dia do repouso do corpo
e da alma, o dia do revigoramento do cristáo longe das coisas
materiais a fim de que o discípulo de Cristo possa mais cer-
teiramente reassumir os seus afazeres temporais com todos os
dissabores e as alegrías de mais urna semana de peregrinacáo.
— Que o bom senso dos leitores reflita e guarde incbndicio-
nalmente o gáudio do «jogo» nao utilitario da S. Liturgia;
guarde o primado do Logos, da contemplacáo, sobre o ethos ou
a praxis (= vida moral)!

— 58 —
Um problema pastoral:

As Disposicóes
para Comungar Dignamente

Em sínlese: Vai publicada ñas páginas seguintes parte do texto de


urna Declaragáo da S. Congregagao para os Sacramentos, que, embora
datada de 1938, conserva sua atualidade até hoje. Tal documento reco-
menda que, 1) em consonancia com a exortacáo de S. Pió X, os féls se
aproximem freqüentemente, ou mesmo todos os dias, da S. Eucaristía;
2) que o facam, porém, em estado de graca, evitando toda forma de sacri
legio ou abuso. Dai a necessidade de se remover qualquer tipo de coacao
sobre os membros de comunidades ou grupos para os quais a S. Euca
ristía é celebrada; dai também a necessidade de se oferecer a todos os
fiéis a ocasiáo de confissáo sacramental periódica (embora nao seja neces-
sária antes de toda e qualquer Comunháo Eucaristica). Dai também a
obrlgacao de nao se fazer da S. Eucaristía mero símbolo de solidariedade
fraterna (testemunho de amizade a quem aniversaria, a quem se casa ou
a quem está enlutado...), mas tomá-la, antes do mais, como o sacra
mento da uniáo ao Senhor Deus, que é tres vezes santo.

Quem acompanha as celebragóes litúrgicas hoje em dia,


observa grande número de Comunhóes Eucarísticas e exigua
procura do sacramento da Reconciliacáo. É certo que nao se
requer a Penitencia sacramental antes de toda e qualquer par-
ticipacáo na Eucaristía; parece, porém, que as vezes a Comu
nháo já nao é considerada como recepcáo do Corpo e do San-
gue do Senhor, que requer estado de graga ou ausencia de
pecado mortal, mas, sim, como testemunho de solidariedade
aos irmáos, especialmente quando há casamento, celebragáo
de aniversario ou sufragio por um fiel defunto... Há mesmo
quem reconhega nao estar devidamente preparado para comun
gar; aproxima-se, porém, da Eucaristía, propondo confessar-se
depois como se este propósito fosse suficiente para receber a
Eucaristía em tais circunstancias.

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60 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

Ora esta prátioa contradiz á doutrina da Igreja, que tem


ensinado repetidamente a necessidade do estado de graca para
que possa haver digna recepcáo da Eucaristía. Em PR 270/83,
pp. 395-411, foi publicado um artigo do Pe. Armando Ban
dera O.P., que, recorrendo á palavra do S. Padre Joáo Paulo n,
incute tal verdade. — Neste número de PR segue-se parte de
outro documento da Igreja, de teor semelhante. Trata-se da
Instrucáo Postquam Pius da S. Congregagáo para os Sacra
mentos datada de 08/12/1938; embora nao seja um escrito
recente, é portador de doutrina sempre válida no tocante ao
ponto que nos interessa.

Eis o texto em pauta:

A INSTRUCAO «POSTQUAM PIUS»

«Desde que o Papa Pió X, de feliz memoria, estimulou os fiéis a


receberem a Comunháo freqüente e cotidiana mediante o decreto Sacra
Trídentina Synodus e depois que o mesmo Pontífice convidou também
as enancas a essa prática através do decreto Quam Singular!, o recurso
á Comunháo freqüente e cotidiana se propagou louvavelmente, como
é notorio.

Essa prática, fonte de ¡numeras béncáos, nao só merece todos os


elogios, mas precisa de se estender mais aínda nao apenas entre os
fiéis católicos em geral, mas também entre os jovens e as enancas, em
conformidade com os decretos ácima mencionados e segundo as normas
estabeleddas a propósito.

'A Comunháo freqüente e cotidiana... deve ser estimulada o mais


posslvel nos Seminarlos da Igreja... como também em todos os estabele-
clmentos católicos de educaefio da Juventude (Sacra Trídentina Synodus,
n? 7). Todos aqueles que se dedlcam as crlancas, se empenharáo com
todo o zelo por fazer que, após a Prlmelra Comunháo, alas se aproxlmem
freqüentemente da Sagrada Mesa ou, se posslvel, todos os días, como o
desejam Cristo e nossa Máe a Santa Igreja,... e que o facam com toda a
devocio de que sao capazes em sua idade' (Quam singular!, n? 6).

— 60 —
DISPOSICOES PARA COMUNGAR 61

Condigoes exigidas para a Comunhóo freqüente


ou cotidiana

1.^ Na proporcao mesma etn que a Comunháo freqüente ou coti


diana é digna de elogios, importa sejam observadas as condicóes que
ela impoe, a saber: estado de graca e reta intencao. É preciso tomar
as precaucoes necessárias para que esse Pao nao se¡a consumido indig
namente. Com efeito, diz o Apostólo: 'Quem como desse pao ou
bebe do cálice do Senhor indignamente, será réu do Corpo e do Sangue
do Senhor1 (ICor 11,27).

Existe o perigo de se fazerem Comunhoes indignas, perigo mais


ou menos inerente, como se compreende, a prática muito difundida da
Comunháo freqüente ou cotidiana, visto que a fraqueza humana tende
a tratar levianamente o que é habitual. Tal peri,go aumenta quando
os fiéis, em particular os jovens, nao se aproximam da Mesa Sagrada
individualmente, mas ¡untos, em atitude comunitaria, como ocorre todos
os días nos Seminarios e ñas comunidades religiosas, para nao men
cionar outras ocasioes. Acontecerá assim que alguém, consciente de
ter um pecado grave na consciéncia, nao obstante vá comungar para
seguir o exemplo de seus colegas, ou por receio de se tornar motivo
de reparos para os outros, especialmente para os Superiores, e, con-
seqüentemente, cair na suspeita de ter cometido urna falta grave.

Insfrucao para os pregadores

II. A fim de afastar, tanto quanto possível, todos os abusos,


pareceu necessário a esta Sagrado Congregacño procurar os remedios
a ser aplicados e apresentá-los aos pastores de almas. Tais sao esses
remedios:

1) Quando os pregadores ou os diretores espirituais, de maneiro


pública ou particular, estimularem os fiéis, especialmente os ¡ovens, a
prática da Comunháo freqüente e cotidiana, hao de Ihes explicar
claramente:

a) que tal prática nao é obrigatória;

b) que ela se torna proibida se todas as condicóes nao se


cumprirem;

— 61 —
62 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

c) que a Comunhao freqüente e cotidiana é fortemente re


comendada, mas nao é preceituada por leí alguma 1¡ é deixada á devo-
cSo e a piedade de cada qual, Isto é tao verídico que mesmo o dever
da Comunhao pascal é temperado por urna cláusula que autoriza a dila-
tacao do prazo previsto, quando por um motivo razoável o Vigário ou
o confessor tiver aconselhado adiá-la para mais tarde 2. Disto se se,gue
que, quando ocorre a prática da Comunhao cotidiana, o falo de que
alguém de vez em quando se abstenha da mesma nao deverá ser
ocasiao de surpresa ou de suspeita. Se tal principio for bem compreen-
dido, o receio de q-ue ha¡a Comunhoes indignas perderá todo
fundamento.

1 0 canon 663, § 29 do Código de 1983 determina que "os membros


dos Institutos Religiosos devem, quanto possível, participar todos os dias
do Sacrificio Eucaristico, receber o Santlssimo Corpo de Cristo e adorar
o próprlo Senhor presente no Sacramento". Todavia este canon há de ser
compreendido á luz dos dizeres dos cánones 6, § 2? e 21.

0 canon 6, § 29 reza que "os cánones deste Código, enquanto repro-


duzem o Direito antigo, devem ser apreciados, levando-se em conta tam-
bém a tradicáo canónica".

O canon 21 — ainda mais importante — estipula que "na dúvida nao


se presuma a revogacao de lei preexistente, mas leis posteriores devem
ser comparadas com as anteriores, e, quanto possivel, com elas harmoni
zadas".

Ora é certo que na tradicáo jurídica da Igreja exlstem normas que


exlgem condicSes de alma especiáis para que alguém possa dignamente
receber a S. Eucaristía. Por consegulnte, tais disposicoes cañón icats nSo
foram ab-rogadas pelo novo Código, mesmo quando este recomenda a
S. Comunhao cotidiana.

Vé-se, pols, que, se, de um lado, a Igreja estima e recomenda a


ComunhSo freqüenie, Ela nfio. a imp6e categóricamente, mas, ao contrario,
mas, ao contrario, deseja haja, para todos os fiéis, liberdade de comungar
ou nSo, de acordó com os difames da sua consciéncia. (Nota do tradutor).

2 O cdnon 920 do Código de 1983 estabelece que todo fiel católico,


após a Primeira Comunhio, "tem o dever de comungar ao menos urna vez
por ano. Este preceito deve ser cumprldo no tempo pascal a nSo ser que,
por justa causa, se cumpra em outra época dentro do mesmo ano" Por
"lempo pascal" na Igreja universal entende-se o periodo que val de qulnta-
-feira santa até o domingo de Pentecostés (no Brasil o tempo pascal
estende-se do p.imelro domingo de tevereiro até 16/07).

"Justa causa", no caso, pode ser distancia física em relacáo á Igreja


ou mesmo a necessidade de melhor preparacáo mediante urna conflssao
bem feita. (Nota do tradutor).

— 62 —
DISPOSICOES PARA COMUNGAR 63

d) A Santa Comunháo, que é vida para os bons, é morte


para os maus. É, portento, antes do mais exigido para a mesma o es
tado de graga. O horror do sacrilegio há de ser fortemente incutido.
S,fra Preciso chamar a atencao para a lei segundo a qual nenhum cris-
tao cuja consciéncia este¡a onerada por pecado mortal, pode licitamente
receber a Comunhao sem se ter confessado anteriormente, qualquer
que seja o grau de arrependimento que ¡ulgue ter\

Requer-se outrossim urna intencao reta oú piedosa. Esta consiste


em que ninguém se aproxime da Mesa Sagrada por mera rotina ou por
vaidade ou por respeito humano, mas, sim, porque o fiel deseja con-
formar-se á vontade de Deus, unir-se a Ele mais intimamente pela
caridade e usar esse divino remedio contra as próprias fraquezas e
deficiencias {Decreto Sacra Tridentina Synodus n9 2).

Mais: 'a fim de que a prática da Comunhao freqüente e cotidiana


se¡a orientada por maior prudencia e produza mais copiosos méritos,
nao será adotada sem o parecer do confessor' (ib. n" 5).

Facilitar o acesso a Confissao

2) A Confissao freqüente há de ser promovida assint como a


Comunhao freqüente. Isto nao quer dizer que a Confissao deva pre
ceder a Comunhao quando o crístao nao tem consciéncia de haver
cometido pecado mortal. Contudo os membros de comunidades reli
giosas devem ter a possibilidade de se confessar nao somente em dias
determinados, mas devem ter livre acesso ao confessor (aprovado) que
tiverem escolhido...

Oufras cautelas
3)

c) Ñas comunidades (escolas, Institutos, acampamentos...),


por ocasiáo da Comunhao, é preciso evitar tudo o que poderia tornar
difícil a um jovem abster-se da Eucaristía. O modo de proceder deve
ser tal que nao se levem em conta os casos de absteneño.

1 Diz o canon 916 do novo Código:

"Quem está consciente de pecado grave, nSo celebre a Missa nem


comungue o Corpo do Senhor sem fazer antes a Confissao sacramental a
nSo ser que exista causa grave e nfio haja oportunldade para se confessar;
neste caso, porém, lembre-se de que é obrlgado a fazer um ato de con-
trlcfio perfeita, que Incluí o propósito de se confessar quanto antes".
(Nota do tradutor).

— 63 —
Ü4. «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

d) O Superior da comunidade deve tomar cuidado para que


a Sagrada Eucaristía nao seja levada aos enfermos que nao a tenham
explícitamente solicitado.

e) Aqueles que organízam ou dírigem reunioes de ¡ovens em


que se celebra a S. Eucaristía, nao devem esquecer que, em tais reu
nioes, os perigos de Comunháo sacrilega sao muito semelhantes aos
que existen ñas comunidades. Deveráo, portento, tomar todas as cau
telas para afastá-los. Nao somente declararáo que cada qual é livre
para se aproximar da Mesa Sagrada ou nao e propiciarao a ocasiáo
de se confessarem, mas fambém trafarao de evitar tudo o que poderío
provocar a surpresa dos outros em relacao aqueles que nao receberam
a Comunhao.

Esta Sagrada Congregacño pede insistentemente aos Ordinarios


e Superiores, inspirados por prudencia e por zelo apostólico, tomem
aínda outras medidas que Ihes parecam oportunas para eliminar abusos
em relacao á S. Eucaristía... Com efeifo, é necessário vigiar com
grande prudencia a fim de que o SS. Sacramento da Eucaristía... nao
se torne ocasiao de detrimento e ruina para os fiéis em conseqüénda
da malicia humana ou de negligencia culpada na supressao dos abusos.
Caso isto acontecesse, estariam anuladas a razao e as finalidades em
virtude das quais o sacramento foi instituido...

Dado em Roma, na sede da S. Congregacao para os Sacramentos,


aos 8 de dezembro de 1938, na festa da Imaculada Conceicao da
Bem-aventurada Virgem María.

D. Cardeal Jorio, Prefecto


F. Bracci, Secretario»

Numa palavra: verifioa-se que, há quarenta e mais anos


como hoje, a S. Igreja deseja que

— os fiéis se aproximen» freqüente ou diariamente da


S. Eucaristía;

— 64 —
DISPOSICOES PARA COMUNGAR 65

— recebam a Comunháo em condigóes dignas ou em estado


de graca, evitando todo sacrilegio ou abuso.

Vé-se, pois, quáo urgente é nao fazer da S. Eucaristía mero


símbolo de solidariedade fraterna (a quem aniversaria, a quem
se casa ou a quem está enlutado...), mas tomá-la, antes do
mais, como sacramento da uniáo ao Senhor Deus, que é tres
vezes santo. Faz-se mister outrossim que as pessoas já escla
recidas se disponham a esclarecer os fiéis católicos que, igno
rando as condicóes para a digna recepcáo da Eucaristía, pro-
curam a Comunháo sem antes se preparar pela Reconciliagáo
sacramental, quando necessária.

(Continuacáo da pág. 48)

futuro. Tais ¡délas nao corresponden) á mensagem católica. Visto que o


assunto "pecado original" nao é de ordem filosófica, nem de ordem paleonto
lógica ou arqueológica, mas é estritamente do plano da fé, nSo pode ser
devidamente abordado sem que se levem em conta os documentos da fé,
que no caso sao as declaracoes da Igreja. Veja pp. 21-23 deste fascículo.

Eis por que nao podemos abonar o livro de Tonucci como manual de
catequese bíblica.

A historia de Deus em nossa historia. Roteiro bíblico da historia da


salvacao, por Clóvis Frainer, Colegáo CHRONOS n9 g. Coedicáo da Univer-
sidade de Caxias do Sul e da Escola Superior de Teología Sao Lourenco
de Brindes, 1977, 155 x 230 mm, 215 pp.

D. Clóvis Frainer, capuchinho, é atualmente bispo de Coxlm (MS).


Obteve os títulos de doutor em Teología e Livre-Docéncia em Teología Bíblica
pela Pontificia Universldade Católica do Rio Grande do Sul. A presente
obra contém um estudo da Historia da Salvacao que parte da criacSo do
mundo e do homem, passa pela Teología da Alianca, pela figura e a missáo
de Jesús Cristo, apresenta urna slntese de Eclesiologia e termina na con-
sumacáo da historia ou Escatologla.

O llvro aborda temas diflcels e discutidos, guardando a reta doutrina


no tocante ao pecado original, á infancia de Jesús, á ressurrelcao do Senhor,
á Igreja...; apenas no tocante á ressurreicáo dos justos, o autor admite
"urna certa ressurreicáo" logo após a morte, que seria tambóm "um certo

(Continua na pág. 75)

— 65 —
Eclesiologia em foco:

"Urna Isreja no Povo e pelo Povo"


de José Galea

Em síntese: O livro de José Galea divide a historia da Igreja no


Brasil em duas fases, das quais a segunda comeca em 1690 (separacáo
da Igreja e do Estado) e chega, após hesitag5es e incoeréncias, ao seu
ponto culminente em 1964, quando a Igreja comeca a se opor ao Estado.
Anteriormente havia "a Igreja no Estado e pelo Estado"; atualmente existe
"a Igreja no povo e pelo povo". A fase contemporánea é marcada por
auténtica pastoral interessada pelos problemas sócio-econdmicos do povo
e marcada pelas comunidades eclesiais de base. — Ora urna tal perspec
tiva de passado e presente da historia da Igreja é distorcida, pois procede
de premissas preponderantemente sociológicas e cede a um secularismo
daninho; a missáo religiosa da Igreja é insuficientemente valorizada, ao
passo que o seu aspecto promocional do homem é hipertrofiado.

Se é verdade que "pelos frutos se conhece a árvore", pode-se dizer


que a nova pastoral da Igreja é desabonada pelos seus frutos: tanto as
carnadas tidas como nao pobres quanto as carnadas pobres da sociedade
tém desertado da Igreja: as primeiras porque nao raro desprezadas e
injuriadas como reprobas; urnas e outras, porque nao suficientemente aten
didas em seus anseios religiosos, v3o procurar ñas seitas ocidentais e
orientáis a palavra de fé e de transcendencia que nao Ihes é ofereclda
satisfatoriamente em certos ambientes católicos. O homem que durante seis
dias da semana se preocupa com problemas de ordem temporal, quer no
domingo ouvir um discurso diferente, capaz de o alentar e elevar, em
vez de o mergulhar mais ainda em questoes económicas e trabalhistas.
Els por que julgamos pouco feliz ou mesmo tendenciosa a tese do livro
de J. Galea.

O Pe. José Galea é Mestre em Teología pela Pontificia


Universidade Lateranense e Doutor em Ciencias Sociais pela
Universidade S. Tomás de Aquino de Roma. Atualmente exerce
as funcóes de pároco da paróquia de S. Pedro de Alcántara e
de professor de Sociologia no Seminario Maior Arquidiocesano
de Brasilia. Escreveu o livro «Urna Igreja no Povo e pelo
Povo» com o subtítulo «Reflexáo teológica sobre a Atual Agáo
Pastoral da Igreja no Brasil» *. Esta obra suscita interroga-
góes importantes, que ñas páginas subseqüentes seráo consi
deradas e comentadas em tom sereno e objetivo.

d. Vozes, Petrópotis 1983, 140 x 210 mm, 89 pp.

— 66 —
«UMA IGREJA NO POVO E PELO POVO» 67

1. O conteúdb da obra

O título «Urna Igreja no Povo e pelo Povo» já diz muito


da tese do livro; pretende significar a face da Igreja de nossos
dias, em contraposigáo á «Igreja com o Estado e pelo Estado»,
que terá sido a Igreja desde 1500 até 1964; cf. p. 24.

Para ilustrar a sua tese, o autor percorre sumariamente


a historia da Igreja no Brasil desde a descoberta até 1983; a
Igreja trazida de Portugal para o Brasil terá sido pautada pelo
modo constantiniano-sacral, com integragáo entre Igreja e Es
tado; as normas do Concilio de Trento só teráo sido aplicadas
ao Brasil no século XVIII, por ocasiáo do primeiro Sínodo na
Bahia (1707). A política do Padroado, que concedia ao mo
narca de Portugal (e, depois, ao Imperador do Brasil) direito
de ingerencia em questoes internas da Igreja, terá contribuido
para atrelar fortemente a Igreja ao Estado.

O modelo constantiniano-sacral terá permanecido inalte


rado desde 1500 até 1889 (prodamacáo da República). Em
1890, feita a separagáo jurídica da Igreja e do Estado, ter-se-á
registrado alguma inovagáo no sistema, embora tímida e tenue
(dificultada pela falta de comunicaeóes adequadas no Brasil).
Em 1934, «com a política do presidente Getúlio Vargas, o mo
delo de influencia católica retornou em grande parte as formas
arcaicas de antes. A chave dessa regressáo foi a restauragáo
do poder do Estado ('Estado Novo') como meio de exercer
influencia, o que fez cessar virtualmente toda inovagáo. Isto
vai até 1950» (p. 23).

De 1950 e 1964 terá havido um «período de pré-mudanga»:


«a novidade essencial... foi a sua promogáo social, através de
programas e outras iniciativas de bispos e sacerdotes, de modo
a tornar mais concreta a evangelizagáo. Contudo esse modelo
aínda se apoiava no poder do Estado» (p. 23).

Em 1964 constatamos o inicio de urna fundamental mu-


danga a nivel pastoral para chegar também a urna mudanga
social na sociedade. Os dois grandes fatores desta nova tomada
de posicáo sao... as conclusóes do Concilio Vaticano n, que
trouxe urna geral reviravolta no pensamento e agir da Igreja,
e o Golpe Militar no país, instaurando (até hoje) um regime
militar-autoritario com urna serie de conflitos com a Igreja»
(p. 23). A Igreja, diz o autor, foi-se distanciando do Estado e

— 67 —
68 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

foi-se voltando para o povo, interessando-se pelos problemas


deste. «Instaurou-se entáo um processo de nao mais 'urna
Igreja com o Estado e pelo Estado', como vinha sendo antes
mas, sim, como ensina o Concilio e pede o Evangelho, 'urna
Igreja no povo e pelo povo'» (p. 24).

«A Igreja hoje tem de fazer urna opcao entre o poder e a adesao


oos novos objetivos da evangelizado sen, o poder, isto é, estar com
os mais fracos e oprimidos e a favor deles. E a Igreja, na soa globali-
dade, fez esta última opcfio» (p. 24).

Neste contexto, segundo o autor, surgiram e váo tomando


importancia crescente as Comunidades Edesiais de Base
(CjSBs). Urna nova Igreja está assim nascendo; ... nova nao
como se fosse «distinta daquela que sempre existiu», mas no
sentido de que vai despuntando «urna nova consciéncia ecle-
sial, teórica e prática, isto é, urna nova eclesiologia. Urna
nova pastoral, ou meinor, um novo modo de agir aa Igreja
num mundo atual e determinado. Podemos chamá-lo de urna
aescoberta de um novo modelo de Cnstandade, que a Igreja
estava tentando implantar dentro do povo: o modelo das Co
munidades Eciesiais de Base» (p. 42).

A nova Eclesiologia é caracterizada por «deslocamento da


sumidade para a base», o que quer dizer: «O novo modelo nao
e mais o modelo dos reiacionamentos lgreja-Estado relacio
namentos ao vértice das duas instrtuicóes, entre dois poderes
U veiho modelo dos reiacionamentos entre as duas autoridades
supremas hoje é só de tachada, felizmente.

O baricentro do modelo nao pertence mais á sumidade das


duas cidades. O deslocamento do centro pelo qual se favorece
a base e se valoriza o 'povo de Deus' foi movido pelo Vati
cano II e, no caso do Brasil, também por Medelün e Puebla
os quais trouxeram urna nova concepcáo da vida e missáo da
Igreja» (pp. 66s).

O novo modelo é o «do empenho político do cristáo ou do


grupo cristáo» (p. 66).

O autor nao deixa de apontar possíveis desvíos das CEBs


mas julga que estas constítuem urna auténtica edesiogénesé
(genese da Igreja). Esta nova Igreja deverá manter contato
com a «Grande Igreja» para poder corroborar suas reivüidica-
fióes. «As CEBs conseguem resolver pequeños problemas locáis
— 68 —
«UMA IGREJA NO POVO E PELO POVO» 69

e, as vezes, algumas infra-estruturas económicas, porém nao


tem forgas suficientes para urna mudanga de estruturas sociais
Elas precisam da atuagáo influente da 'grande instituigáo1»
(p. 62).

«A funcáo do padre é colocar-se a servigo da CEB como


animador e nao como dominador, impedindo assim o desenvol-
vimento autónomo da igreja popular» (p. 84).

A propósito pergunta-se: que significa «o desenvolvimento


autónomo da Igreja popular»?

Estas poucas linhas parecem reproduzir adequadamente o


conteúdo do livro em foco. Procuremos agora refletir sobre
o mesmo.

2. Refletindo...

2.1. Igreja, Estado e povo

A obra em pauta baseia sua tese sobre a consideracáo da


historia da Igreja no Brasil. Esta é percorrida em fungáo das
relagñes da Igreja com o Estado. Até 1964 teráo sido relagóes
de integragáo — tranquila até 1889, menos tranquila de 1890
a 1964. A partir de 1964, a Igreja terá deixado de estar com
o Governo para colocar-se do lado do povo em conflito com o
Governo — o que significa sofrimento, mas, ao mesmo tempo,
autenticidade.

Ora este esboco histórico é contestável. A historia é um


terreno muito palmilhado pelas correntes ideológicas, que que-
rem fazer dos acontecimentos passados urna justificativa para
suas reivindicagóes presentes. O modo como J. Galea consi
dera a historia da Igreja no Brasil é unilateral e tendencioso;
dá a crer que a Igreja até 1964 nao estava voltada para os
interesses do povo e, sim, ligada aos interesses do Estado e dos
neos opressores. A fim de voltar-se para o povo, a Igreja terá
necessitado de se dirigir contra o Governo e as classes abasta
das da sociedade. — Tal seccionamento da sociedade é artifi
cial, se nao falso; supóe e atiga a luta de classes: Estado e
Igreja, de um lado, com detrimento para o povo, de outro lado;
ou Igreja e povo, de um lado, com antagonismo ao Estado, de
outro lado. Tal esquema, de índole dualista ou maniquéia, sim-

— 69 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

plifica urna realidade, que é muito mais complexa. Com efeito*


se a Igreja aceitou colaborar com o Estado, Ela o fez porqué
o Estado se dizia cristáo e houve realmente entre os monarcas
antigos muitos fiéis católicos sinceros, que desejavam servir a
Cristo e ao Evangelho. Igreja e Estado unidos procuravam
servir ao povo de Deus dentro das categorías de pensamento
e agáo da sua época (note-se bem que nao se podem exigir dos
antepassados modalidades de comportamento e de agáo que só
se tornaram reconhecidas em épocas posteriores). Deve-se
mesmo dizer que o povo de Deus através dos séculos sempre
encontrou na Igreja o baluarte da reta ordem; foi o que se
deu, por exemplo, quando a capital do Imperio Romano foi
transferida de Roma para Bizáncio em 330; as populagóes do
Ocidente do Imperio, entregue aos golpes dos germanos, encon-
traram nos bispos o seu amparo e os seus defensores. Essa
tutela e o atendimento as populagóes pobres foram exercidos
freqüentemente por prelados e por Ordens ou Congregagóes
Religiosas, fundadas precisamente para atender aos enfermos,
aos cativos, aos órfáos, aos anciáos, á infancia e 'á juventude.
A defesa e a civilizacáo dos indios no Brasil foram tarefa dos
missionários católicos, especialmente dos jesuítas; tenham-se
em vista os documentos citados em PR 267/1983, pp. 98-132.

De resto, nao se vé por que acusar preconcebidamente o


Estado e condenar qualquer colaboragáo da Igreja com o Es
tado ou vice-versa. O Estado em si nao é mau; nao há, na
Moral católica, norma alguma que proiba cooperar com o Es
tado desde que esta colaboragáo nao seja, por circunstancias
contingentes, contraria aos principios do Evangelho. O Apos
tólo Sao Paulo enunciava esta tese, tendo em vista as autori
dades do Imperio Romano anterior á perseguigáo de Ñero (64):

«Submela-se cada qual as autoridades constituidas. Pois nao há


autoridade que nao tenha sido conttituída por Deus, e as que existem
foram estabelecidas por Ele. De modo que aquele que se revolta
contra a autoridade, opóe-se á ordem estabelecida por Deus. E os que
se opoem, atraíráo sobre si a condenacao. Os que governam metem
medo quando se pratica o mal, nao quando se faz o bem. Queres
entao nao ter medo da autoridade? Pratica o bem e déla receberás
elogios, pois ela é instrumento de Deus para te conduzir ao bem. Se,
porém, praticares o mal, teme, porque nao é á toa que ela traz a
espada: ela é instrumento de Deus para fazer ¡ustica e punir quem
pratica o mal. Por isto é necessário submeter-se nao somente por
temor do castigo, mas também por dever de consciéncia» (Rm 13,1-5).

— 70 _
«UMA IGREJA NO POVO E PELO POVO» 71

Verdade é que as concessóes feitas pelos Papas aos reis


sob o título de Padroado evidendaram-se mais nocivas do que
favoráveis a Igreja. Todavía na época em que foram conce
bidas, devem ter parecido algo de justo e razoável.

Hoje rio Brasil nao se vé por que a Igreja deva, por prin
cipio, entrar em conflito com o Governo a fim de cumprir a
sua missáo pastoral. Em casos delicados, o diálogo será a
pista para encaminhar solucóes. É de observar que a Igreja é
devedora de seu zelo pastoral tanto aos pobres como aos ricos
e poderosos; todos sao destinatarios da Boa-Nova, pois em
favor de todos, sem excegáo, derramou Cristo o seu sangue.
É preciso, pois, que os pastores da Igreja olhem para todos
com o mesmo olhar de Cristo, que nao conhecia preconceitos,
nem fazia acepcáo de pessoas. Compete á Igreja levar a todos
a mensagem da salvagáo, 'á semelhanga do Apostólo Sao Paulo:
«Fiz-me judeu com os judeus para ganhar os judeus... Com
os que estáo fora da Lei, comporto-me como se estivesse fora
da Lei para os ganhar... Com os fráeos fiz-me fraco, para os
ganhar. Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a todo
custo» (ICor 9,20-22).

2.2. Preponderando do social

O esbogo de historia da Igreja, no livro em foco, é inspi


rado por excessiva valorizagáo da agáo social da Igreja, com
esquecimento do valor preponderante da agáo catequética e
religiosa, que Cristo confiou á sua Igreja. Esta nota transpa-
rece, por exemplo, as pp. 38s, quando o autor analisa a preo-
cupacáo das autoridades eclesiásticas com o Catecismo nos
séculos XIX e XX, e concluí: «Vemos ai que se estava bem
longe de enxergar urna verdadeira linha de agáo pastoral capaz
de trazer urna real renovagáo da Igreja» (p. 39).

Essa agáo pastoral nova tida como auténtica seria, se


gundo o autor, a agáo social da Igreja e o seu empenho polí
tico (cf. p. 24). Tem-se a impressáo, ao ler as páginas de
J. Galea, de que em nossos dias, por estar desenvolvendo con-
flituosamente tal agáo social, a Igreja atingiu o seu ponto alto
na historia do Brasil.

A propósito, porém, devem-se recordar as palavras do


S. Padre em sua Carta aos Bispos do Brasil datada de 10 de
dezembro de 1980:

— 71 —
"72 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

«Refiro-me á urgente necessidade da catequese, no sentido mais


abrangente que dei a este termo na Exortacao Apostólica Catechesi
Tradendae. Refiro-me especialmente á educacáo religiosa das crian-
cas, dos adolescentes e dos jovens.

Vos mesmos me dissestes, em mais de urna ocasiao, que urna


insuficiente formacSo catequética tem sido, desde os mais remotos
tempos, a lacuna maior tía evangelizacao de vossa gente. Acrescen-
táveis que, malgrado algum progresso, o mal ainda nao está sanado
em nossos dias. Ora, frente á ameaca do secularismo nascente, de
um lado, e frente a urna religiosidade que, abandonada a si mesma,
corre sempre o perigo de cair na supersticao, por outro lado, o
futuro da lgre¡a neste país depende, em máxima parte, de urna cate-
quese sólida, segura, alicercada no mais genuino ensinamento da
Igreja.

Quero por isfo repetir-vos com énfase particular o que escrevi


aos Bispos do mundo inteiro na citada Catechesi Tradendae: os esfor-
cos que um Bispo despender, o tempo que gastar, as energias pasto-
rais que consumir na catequese, longe de serem um desperdicio, se
revelaráo bem cedo como o investimento mais precioso e fecundo de
seu ministerio. A solidez de sua Igreja particular, num futuro pró
ximo, dará testemunho disso.

Peco-vos que tratéis urna e murtas vezes desse tema em vossas


assembléias nacionais, regionais e diocesanas. Inserí este ponto em
vossos planos de pastoral. Incentivai, sob vossa guia e responsabi-
lidade, a preparacño de bons textos catequéticos. Sobretudo pre-
parai e enviai catequistas de confianca a todos os setores, especial
mente a todas as escolas de todos os níveis. Só assim evitareis
— é minha conviccao — que na sua simplicidade, por falta de me-
Ihor instrucao, vosso povo vá procurar em formas menos puras de
religiao ou em sucedáneos do Cristianismo urna resposta as suas for
tes aspiracoes religiosas».

É de notar, alias, que a negligencia da doutrina (logos)


em favor da ética social (praxis) é urna das características
da teología da libertacáo, característica que, por sua vez, se
deriva do marxismo. Foi Karl Marx quem estabeleceu siste
máticamente o primado da praxis sobre o logos, tornando a
verdade algo de secundario ou derivado ou fazendo da ver-
dade urna fungáo dependente da praxis ou da revolugáo social.
Marx julgava que até o século passado os filósofos haviam
pensado o mundo e que chegara a hora de transformá-lo!...

— 72 —
«UMA IGREJA NO POVO E PELO POVO» 73

Ademáis pode-se testar a «autenticidades da pastoral con-


flituosa da Igreja em nossos dias aplicando-se-lhe o axioma
evangélico: «Pelos frutos se conheoe a árvore» (cf. Mt 7,15-20).
Pergunta-se: quais os resultados da acáo contestataria da Igreja
no Brasil em nossos últimos anos?

Verifica-se, de um lado, que as classes nao reputadas po


bres se afastam da Igreja, porque nao raro injuriadas e ofen
didas até mesmo em sua dignidade humana, como se todos os
nao pobres fossem pecadores e reprobos. Doutro lado, as clas
ses pobres, que se deveriam sentir mais interpeladas e atraídas
pela opgáo preferencial, também abandonam a Igreja e se pas-
sam para as denominagóes protestantes e as seitas orientáis e
ocidentais que invadem o Brasil. Nao se sentem atendidas ou
satisfeitas na Igreja, embora esta lhes fale de seus problemas
sociais. A razáo desta debandada de grandes e pequeños está
simplesmente no fato de que todo homem é essencialmente
religioso e quer, ao menos no domingo (se é cristáo), ouvir um
discurso diferente daquele que ouve nos seis dias da semana;
ele procura ñas assembléias de culto urna palavra de fé, de
ressonáncia transcendental ou de elevagáo ácima dos proble
mas materiais. Se, porém, o ministro católico também o «bom-
bardeia» com noticias e exortagóes de ordem sócio-económico-
-politica (como se o padre fosse um super-economista ou um
. super-sociólogo...), o cristáo — rico ou pobre — sai frus
trado da sua igreja e vai procurar, em um templo nao cató
lico, ouvir urna palavra que seja a explicagáo e o comentario
direto de quanto está escrito no Evangeiho. O progresso das
pequeñas comunidades e seitas religiosas tém mais e mais cha
mado a atengáo das autoridades eclesiásticas; é certo que, entre
as diversas causas que o provocam, se deve enumerar a secula-
rizagáo ou a laicizagáo por que tém passado a pregagáo, o culto
e a agáo pastoral católicos.

2.3. Comunidades eclesiais de base

As comunidades eclesiais de base tém sua justificativa e


seu valor dentro da Igreja, pois permitem urna vivencia mais
fraterna e comunitaria do Evangeiho do que as paróquias com
seus milhares de habitantes.

Todavia a evolugáo das comunidades eclesiais de base nao


está isenta de reservas e pontos de interrogacáo. O próprio
Pe. J. Galea indica alguns destes: radicalismo, perigo de esquer-
dismo (p. 83), distancia frente as outras organizagóes popu-

— 73 —
li «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

lares (p. 83)... Mas a imagem de comunidade eclesial de


base que Galea (e outros autores da mesma orientacáo) pro-
póem como positiva, deixa muito a desejar. Com efeito
segundo tais autores,

— a CEB deve ter o desenvolvimento autónomo de urna


«Igreja popular» (p. 84);

— as CEBs nao devem reproduzir as estruturas do sis


tema eclesiástico (p. 83);

— «as CEBs constituem a forma adequada de Igreja


para as vítimas da acumulagáo capitalista, em contraposigáo
á Igreja tradicional hierarquizada, com suas associacóes clás-
sicas (Apostolado, Vicentinos) e modernizantes (Cursilho,
TLC, MFC, Renovagáo Carismática), mais adequada a urna
sociedade de classes, integrada no projeto das classes hegemó-
nicas» (p. 58);

— «a quase absoluta maioria dos membros das CEBs


sao pobres... O fato de serem pobres e fráeos, aos olhos da
fé, constituí um acontecimento teológico... Sao os pobres os
naturais portadores da utopia do Reino de Deus» (p. 57).

Como se vé, a preocupagáo classista ou a oposigáo entre


classes sociais (das quais urna é santa quase por si, e a outra
é rejeitada como tal) deturpa a nogáo de Igreja. Afinal nao
é o fato de alguém ter ou nao ter dinheiro ou o fato de per-
tencer a categoría dos pobres ou & categoría dos ricos que
salva ou condena esse alguém. Há ricos animados por espirito
de pobre (cf. Mt 5,3), como pode haver pobres incitados por
espirito de ganancia e cobiga. É preciso nao retornar á men-
talidade do clá, profligada pelos Profetas do Antigo Testamento
(cf. Ez 18,1-32; Jr 31,29s); cada um, rico ou pobre, traz a
sua responsabilidade pessoal e será julgado individualmente
segundo a resposta que tiver dado aos apelos de Deus.

Ademáis é de notar que a Igreja, na qual se inserem as


CEBs, será sempre a Igreja hierárquica, instituida por Cristo,
dotada de magisterio,... Igreja que nao se reduzirá jamáis
ao modelo de urna república democrática, na qual tudo é deci
dido na base de plebiscitos e votagóes majoritárias. Nao se
deve, pois, criar ou alimentar distancia ou desconfianga da
parte das CEBs em relagáo á Igreja universal e hierárquica.

— 74 —
«UMA IGREJA NO POVO E PELO POVO» 75

A Igreja contemporánea, na qual existem as CEBs, é a


mesma Igreja de todos os tempos, com sua estrutura de ori-
gem divina. Nao se deve cavar um hiato entre a Igreja ante
rior a 1889 ou a 1964 e a Igreja de nossos dias.

Eis o que nos parece dever dizer a propósito de um livro


que nao é dos mais radicáis em suas posigóes, mas que se res-
sente de fainas graves por atribuir exagerado valor a pre-
missas sociológicas, que dificultam ao autor ver de maneira
mais completa e cabal o significado e a atuacáo da Igreja no
Brasil.

(Continuacáo da pág. 65)

estado de individualizacao do ser humano, mesmo em seu elemento somá


tico" (p. 179). A propósito observamos: a individualizacao do ser humano
nSo é destruida pela morte, visto que subsiste sempre um núcleo de perso-
nalidade chamado "alma humana"; todavía essa Indivudalizacao nao exige
materia ou corpo, mas é suficientemente garantida pela sobrevivencia da
alma humana. D. Clóyis Fralner escreveu em 1977, antes que a S. Con-
gregacáo para a Doutrina da Fé publicasse o documento relativo á Éscato-
logia com data de 17/05/79. Nesse documento a Santa Sé declara: "A
Igreja afirma a sobrevivencia e a subsistencia, depois da morte, de um
elemento espiritual, dotado de consciéncia e de vontade, de tal modo que
o 'eu humano' subsista. Para designar esse elemento, a Igreja emprega a
palavra 'alma' consagrada pelo uso que déla fazem a Sagrada Escritura e a
Tradlsao" (art. 3?).

Como se vé, o texto proclama a sobrevivencia de um núcleo espiritual,


desligado do corpo após a morte do individuo, dotado de consciéncia
psicológica. Acreditamos, pois, que o llvro de D. Clóvls poderia ser atuali-
zado e revisto á luz dessa declaracáo da Santa Sé.

Por causa do seu caráter de livro de historia da salvacSo, a obra nao


apresenta temas que nao poderiam faltar num compendio de Doutrina
Sistemática, como o magisterio da Igreja, a graca, os sacramentos, etc.

Quanto ao mais, a obra em pauta merece atencao e multo se recomenda


aos estudantes de Ooutrina Católica e de Teología; vasado nos textos
bíblicos, o livro é erudito e ao mesmo tempo acessfvel a leitores de forma-
cao media. Fazemos votos, portante, para que o autor possa atualizar sua
obra e os leitores a lelam á luz do citado documento da S. Congregacao
para a Doutrina da Fé.

E.B.

— 75 —
Um documento marxista:

Para Tentar Destruir a Fé

Em slntese: Val abaixo publicado, em traducao portuguesa, um


documento emanado das autoridades governamentais marxistas da Etiopia
em vista de sufocar ou extirpar a fé do povo daquele país. As normas
asslm baixadas nio somente se ressentem de odio á Religiáo, mas tam-
bém de hlpocrisia e falsidade — o que degrada qualquer autoridade ou
mesmo qualquer personalidade.

A populacho da Etiopia é de 29.000.000 de habitantes,


dos quais 40% sao cristáos monofisitas, 35% mugulmanos e
quase 25% aninüstas, sendo os restantes a minoría judaica.

O monofisismo tem sua origem no sáculo V, guando um


grupo de cristáos nao quis aceitar as definicóes do Concilio de
Calcedonia (451), que professava duas naturezas (a divina e
a humana), mas urna só pessoa (a divina), em Jesús Cristo.
Os monofisitas professam a absorgáo da natureza humana
pela divina em Cristo, de modo que só reconhecem urna natu
reza (mia physis) e urna pessoa em Cristo. Em nossos dias, po-
rém, pode-se dizer que praticamente aceitam a crenca da Igreja
universal promulgada pelo Concilio de Calcedonia. Existem
monofisitas tanto no Egito (sao os coptas) quanto na Etiopia;
até 1946 reconheciam como único Patriarca o de Alexandria
(Egito) e integravam-se numa só comunháo; naquele ano, po-
rém, os da Etiopia se separaram dos coptas egipcios, visto que
tém suas observancias próprias (entre as quais, a prática da
circuncisáo). Os cristáos monofisitas da Abissínia representam
urna forga viva da nagáo, orientada por 75.000 sacerdotes. A
partir de 1966, outras confissóes cristas, como a luterana, se
implantaran! naquele país. Em 1974, o Governo imperial foi
substituido por um regime socialista, que em 1978-1979 come-

— 76 —
PARA TENTAR DESTRUIR A FÉ 77

gou a se voltar sistemáticamente contra os cristaos. visando


a destruir as suas comunidades. Foi neste intuito que o Cen
tro de Formagáo de Quadros Políticos em Adis-Abeba emitiu
o seguinte programa datado de 1981:*

COMBATE Á FÉ

«1. Convoca! vossas assembléias municipais nos domingos de


manha. Exigi que se¡a registrado cada habitante vivo na regiao.
Cuidai de que todos participem das assembléias. Infligí penas seve
ras I de multa ou de prisao) aqueles que nao comparecem.

2. Designai cristaos militantes para realizar o trabalho volun


tario que deve ser feito na comuna. Deste modo estarao tao ocupa
dos que nao terao tempo de se dedicar a alguma obra crista. Se
recusarem, tereis ai um motivo para lancá-los no cárcere.

3. Tentai introduzir em todos os grupos cristaos e em todas as


assembléias religiosas camaradas do Partido cuja lealdade vos seja
conhecida. Exercam vigilancia sobre aqueles que sao mais crentes e
aqueles que desempenham funcoes de direcáo.

4. Dizei a todos os habitantes de cada comuna que devem


decidir, urna vez por todas, se sao cristaos ou nao. Um pouco mais
tarde, pressionareis os que se tiverem declarado cristaos, para que
reneguem a fé. Se nao o quiserem, lancai-os no cárcere, ao menos
por alguns dias. Quando forem libertados, os seus familiares insis-
Hrao com eles para que reneguem a fé ou a mantenham oculta para
nao criarem embaraco as suas familias.

5. Proibi o acesso á igreja; proibi-o principalmente aos jovens.


Confiscai os documentos de identidade de todos aqueles que parti-
cipam do culto, e vés os desgastareis fazendo-os esperar e entre-
tendo-os com promessas durante muitos dias, até que desistan» da
igreja. Se o medo de ser encarcerados nao os detém, os seus fami
liares, ao menos, terao receio e os impedirao de participar do culto.
6. Se a proibicao de ir á igre¡a ficar sem efeito, aprisionai os
dirigentes das comunidades cristas. £ preferível prender todos os diri
gentes ao mesmo tempo, de modo que nao haja mais ninguém capaz

1Tal documento fol publicado na Alemanha pela Frankfurter Allge-


metno Zeltung; na Franca, por CaWere de 1'actuaIHé raligleuse et soclale,
19/04/1983; por La Documentatlon Cathollque, n? 1852, 15/05/83, pp. 542s.

— 77 —
2§ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

de tomar decisoes. Proibi a todos indistintamente que Ihes facam


visitas enquanto estiverem no cárcere, para que ninguém saiba clara
mente o que acontece.

7. Quando prenderdes alguém, nao indiquéis nenhum título


preciso de acusacao. Quando for proferida alguma acusacao, evitai
fixar urna data para o ¡ulgamento. Cuidai de que os salarios de todos
os encarcerados sejam retidos. Castiga! aqueles que ajudam as fami
lias dos prisioneros dando-Ihes dinheiro ou alimentacao. Se alguma
caucao for depositada, estabelecei um montante muito alto e avisai
que estará perdida se a sentenca ¡udiciária for condenatoria. As fami
lias e os amigos nos serao menos molestos se tiverem constantemente
a impressao de que qualquer forma de agitacao da parte deles agrava
a situacáo dos seus familiares e amigos aprisionados.

8. . Fechai as igrejas. Dai como motivo a carencia de salas de


reuniao e de escritorios para a comuna. Ñas igrejas queimai ou des
truí os altares ou qualquer outro objeto de significado religioso.

9. Permití as autoridades locáis que 'se ocupem' com os cris-


táos do seu territorio respectivo da maneira que julgarem mais ade-
quada. Cuidai de que as igrejas sejam sempre fechadas por funcio
narios locáis de modesta categoría. Assim o Governo nao poderá ser
acusado de ser anticristáo.

10. Por todos os meios apropriados (radio, imprensa, carta-


zes...) dizei regularmente as pessoas que devem fidelidade exclu
siva ao seu país. E enfatizai que, se derem dinheiro ou tempo á
Igreja, estaráo subtraindo tais valores ao seu país e, por conseguirte,
nao estarño sustentando 100% o seu Governo.

11. No tocante á promocao humana, á escolha dos estudantes


para fazerem estudos superiores, á concessao de bolsas, etc., omití
os cristaos.

12. Apropriai-vos dos centros de administracao, dos escritorios,


das escolas, das clínicas confessionais, assim como das habitacoes dos
empregados da Igreja e dos missionários e dos veículos destes. Dizei
que o Governo precisa disso tudo.

13. Cotigelai as contas bancárías das igrejas, das escolas con


fessionais e dos grupos missionários, de sorte que estes vejam o seu
trabalho parausado por falta de dinheiro.

— 78 —
PARA TENTAR DESTRUIR A FÉ 79

14. Proibi qualquer reuniáo religiosa de grande importancia.


Dizei as comunidades cristas que elas precisam de autorizacao para
convocar assembléias públicas e, quando pedidos desse tipo vos fo-
rem empresentados, indeferi-os, ou adiai a resposta para urna data
posterior nao definida. Permití que algumas ¡grejas fiquem abertas a
fim de que aínda se possa dizer que existe liberdade religiosa em
nosso país.

15. Profana! todos os lugares <jue os cristaos consíderam como


sagrados. Aplainai cada cemitério, e fazei dele urna 'praca de mer
cado1. As pedras dos sepulcros, que sao grandes e que nao conse-
guirdes remover ou quebrar, podereis utiliza-las como balcoes de
acougue.

16. A ninguém deis autorizacao para seguir cursos ou fre-


qOentar conferencias sobre questoes religiosas em nosso país ou no
estrangeiro.

17. Nao concedáis nem aos missionários nem aos servidores


da Igreja a liberdade de viajar no país. Em tais casos ou recusareis
as autorizacoes necessárias ou postergareis a resposta para urna data
indeterminada.

18. Restringí por todos os meios possíveis a venda de livros


cristaos. Proibi ás Gráficas oficiáis que aceitem contratos para impri
mir bibliografía crista. Imponde como condícao que todos os livros
passem pela • censura. Encontrareis pretextos para que muitos dos
livros cristaos nao sejam aceitos.

19. Autoriza! a publicacáo de alguns livros cristaos. Caso se


verifique que sao populares e que a tiragem está esgotada, nao per
mitáis que sejam reeditados.

20. Exigi que todas as traducoes da Bíbllia sejam submetidas á


censura. Nao autorizeis a edicao da Biblia ou de tratados em língua
de alguma tribo, se na lista dos funcionarios do Governo nao houver
censor profissional que conheca tal língua. Para a liberdade religiosa,
basta que haja edicoes da Biblia disponíveis em algumas línguas
principáis.

2] • Exigí que em todas as escolas, do nivel primario ao nivel


universitario, ha¡a, ao menos urna vez por semana, um curso de for-
macSo política. Exigí urna nota mínima de aprovacao nessa materia
para a promocao do aluno á serie seguinte. Nesse ensínamento enfa-
tizareis que aqueles que estimam o seu país mais do que tudo, nao
tém lugar para Deus.

— 79 —
§0 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

22. Proibi a oracáo e a leitura da Biblia ñas escolas, mesmo


naquelas que sao sustentadas pelo Estado.

23. Proibi aos cristaos que se reunam em casas particulares


para orar ou para ler a Biblia.

24. Incitai as criancas e os jovens a espreitar e denunciar


todas as atividades cristas dos seus genitores, e recompensai-os por
isto.Os genitores devem ter medo de viver a sua fé, mesmo na inti-
midade do lar.

25. No intuito de receber futuramente ojuda do estrangeiro e


em vista do turismo, autorizai alguns missionários a ficar no país.
Desestimulai o maior número possível deles, tornando-lhes mais difícil
a obtencao de um visto e de urna autorizacao de trabalho: estas con-
cessóes podem exigir anos de espera. Nao receeis interditar algumas
regioes, e apropriai-vos dos bens das missóes que lá se encontram.
Limita! todo tipo de viagem a ser feita no país. Nao autorizeis os mis
sionários a fazer reunioes deles mesmos ou com os autóctones. Em
todos esses casos, recorrei as táticas enunciadas atrás para emitir urna
recusa ou fazer que as coisas se orrastem.

26. Se vos for absolutamente necessário desembaracar-vos de


um dirigente cristao importante, fazei-o desaparecer. Nao deis a
saber que está morto. Assim a sua familia e a Igreja terao espe
ra nca de que esteja em vida e evitarño vir á baila para nao por a
vida dele em perigo.

27. Desmenti todas as acusacóes de perseguicao religiosa, em


particular frente á imprensa estrangeira. Insistí no fato de que algu
mas estatizacoes sao necessárias as reformas políticas e a Igreja nao
deve esperar um tratamento privilegiado. E, para provar que há
liberdade religiosa, proclama! quantas igrejas estáo aberras e quan-
tos missionários estao a trabalhar.

28. Censura! regularmente o correio e as ligacoes telefónicas


de todos os cristaos e missionários suspeitos. Se for necessário abrir
um processo contra eles, sempre encontrareis urna justificativa
adequada.

Utiliza! qualqver tática que vos pareca conveniente na situacao


respectiva. Por tais métodos a Igreja crista será ou eliminada ou sub-
metida ao controle do Estado».

— 80 —
PARA TENTAR DESTRUIR A FÉ 81

As diretrizes assim concebidas estáo marcadas nao so-


mente pelo odio ao Cristianismo, mas também pela hipocrisia
e a falsidade; ora estas duas atitudes desfiguram a pessoa
humana e destroem qualquer personalidade. Todo ser humano
que se valorize, procura ser sincero ou cultiva a autenticidade,
sem a qual ele se torna um monstro. É o que" ocorre com os
autores das normas atrás transcritas.

O Cristianismo tem conhecido varias fases de perseguicáo


durante a sua historia. Visto que a vitória pascal de Cristo o
vivifica e impulsiona, ele pode ceder cá ou lá, mas tem a pro-
messa de dizer, com o Senhor Jesús, a Palavra final da his
toria. Já o Apostólo Sao Paulo verificou estar sempre na imi-
néncia de perecer, mas haver sido, em todas as ocasióes, redi
mido pela graca do Senhor Jesús; veja-se 2Cor 4,7-12; 11,23-33;
12,7-10. Tal é também a sorte do Cristianismo!

Estévao Bettencourt O.S.B.

— 81 —
ECOS DE VIAGEM Á INDIA
Madre Teresa de Calcuta
Desta vez, quem tem algo a relatar de suas viagens apos
tólicas, é o Pe. Joáo María Gardenal S. J., conhecido pregador
de Retiros no Brasil e no estrangeiro, cuja residencia é a cidade
de Salvador (BA). A guisa de colaboragáo, o Pe. Gardenal
enviou a PR a crónica abaixo. Aceitando a interessante nar-
ragáo, a Redagáo da revista agradece-a ao autor, certa de
que será de utilidade aos leitores.

IMPRESSÓES DA ÍNDIA

«Tenho pregado Exercícios Espirituais em diversos países da


América Latina, na Europa, na Asia Menor e na India, para as Reli
giosas de Madre Teresa de Calcuta. Em muitos destes cursos Madre
Teresa estava presente. Morávamos na mesma casa e conversábamos
freqüentemente com muita franqueza.

Eis alguns dos pontos que mais me impressionaram no decorrer


desses coloquios:

1. A alma da alma, se assim posso dizer, de Madre Teresa é


que ela é verdadeiramente apaixonada pela pessoa de Jesús. Eis a
mola, por assim dizer, que impele Madre Teresa a fazer tudo. E ela
quer, em primeiro lugar, que as suas Irmas se inflamem no mesmo
amor a Jesús que arde em seu coracao. É esta a primeira coisa que
exige délas.

2. Madre Teresa é urna Religiosa de profunda vida interior e


de oracáo. Reza, de ordinario, pelo menos quatro horas e meia por
dia. E assim faz toda a sua Congregacao. Disse-me que, desde que,
por pedido espontáneo das suas Religiosas, acrescentou urna hora
inteira de adoracao diaria, pela tarde, diante do Santíssimo exposto,
grandes beneficios puderam ser comprovados na Congregacao inteira:
um amor aos pobres mais pobres, pelos quais as Irmas fazem um
voto especial; grande afluxo de vocacóes, de tal modo que só no
Noviciado de Calcuta a Congregacao tem cento e oitenta novicas e
outras tantas aspirantes.

— 82 —
VIAGEM Á INDIA 83

3. A terceira coisa que muito em ¡mpressiona em Madre Te


resa, é a vida austera que ela e as suas Irmas levam. Neste ponto,
como no restante, ela procura o máximo em agir e o mínimo em
falar. Madre Teresa e suas Irmas se esforcam seriamente por viver,
e de fato o conseguem, como vivem os pobres mais pobres. Gerai
men te, os pobres, sobretudo na India, nao dormem senao num quarto
comum; por isto, as Religiosas vivem em dormitorios. Os pobres nao
dispoem de televisao, radio ou gravador, nem de ventilador quando
faz calor como na India; assim também as Irmas nao tém televisor,
radio, gravador, ventilador, apesar de sofrerem por vezes um calor
que vai a 40°. Os pobres mais pobres, na India, quando viajam,
nao costumam levar malas, mas apenas caixas de papelao; assim
também as Irmas fazem a mesma coisa. Madre Teresa é a primeira
a dar o exemplo.

O leitor pode imaginar o sentimento de contraste .que deve expe


rimentar o coracao de urna ¡ovem novica ou recém-professa, que,
vindo, as vezes, de familia de alta burguesía da América ou da
Europa, viaja na terceira classe de um trem indiano com tal enxoval,
e, a mais, com um balde, que, depois deter chegado ao seu destino,
deverá servir para lavar a roupa. Como conseqüéncia de tudo o que
vai ácima relatado, percebi em Madre Teresa um amor para com os
pobres mais pobres, maltrapilhos da rúa, debéis mentáis, leprosos,
enancas anormais, que nunca vi em toda a minha vida.

4. Eis a quarta coisa que me impressionou em Madre Teresa.


Um pequeño caso pode ilustrar o que estou dizendo: estova num
carro com ela percorrendo urna das principáis rúas de Calcuta. De
repente, ela mandou parar o carro, saltou rápidamente e tomou nos
bracos com todo o carinho urna enanca estendida no meio-fio por
causa de ataque de epilepsia. Os transeúntes estavam ali olhando,
mas ninguém se movía. Ela levou o pequenino para o carro e mandou
rumar logo para a Casa-Mae, onde a Madre entregou a enanca as
Irmas para que déla cuidassem. Depois, de carro, seguimos para
outro lugar onde as Irmas tratam de mulheres loucas, de velhos que
ninguém deseja abrigar, de mocinhas abandonadas, de meninos anor
mais rejeitados até pelos parentes. Observei como Madre Teresa
abracava, acariciava, beijava todas estas pessoas (que as vezes ins-
piravam repugnancia) como se fosse urna mae que depois de muitos
anos se encontrasse com seus filhos mais queridos.

Tudo isto pode explicar, de certa maneira, a grande populari-


dade de Madre Teresa no mundo inteiro e o fato de que Ihe tenham
concedido o Premio Nobel da Paz. •

— 83 —
84 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

Mais de urna vez eslava eu no aeroporto de Calcuta com Madre


Teresa esperando o aviáo. As pessoas, na maioria nao cristas, nao
a deixavam um momento sozinha; cumprimentavam-na, as vezes bei-
¡avam-lhe os pés, como é costume na fndia, pediam autógrafos, urna
frase escrita, que de ordinario era a seguinte: 'Ama ao teu próximo
como Deus ama a ti'.

A própría Sra. Indira Gandhi, Primeira Ministra da India, disse:


'Diante de Madre Teresa, todos nos devenios envergonhar de nos
mesmos'. Enquanto Madre Teresa é rodeada de tanta popularidade,
notei neta tao grande aversao a aparecer em público .que chega
quase a ser um verdadeiro sofrimento.

Concluo citando dois teslemunhos. — O Papa Joño Paulo II


disse ao Cardeal de Calcuta estas textuais palavras, que o próprio
Cardeal me referiu: 'Madre Teresa de Calcuta evangeliza o mundo
inteiro'. E Chiara Lubich, que, como Madre Teresa, recebeu o Premio
Templeton, disse: 'Encontrando Madre Teresa, senti que é urna gota
do Paraíso' ».

Pe. Joao María Gardenal S.J.

A título de complementacáo, acrescentaremos abaixo algu-


mas noticias sobre a Congregacáo das

MISSIONÁRIAS DA CARIDADE

1. Madre Teresa de Calcuta fundou a Congregacáo das


Missionárias da Caridade, que tém casa no Rio de Janeiro
desde 1982, á Avenida Brasil 4947, Bonsucesso, CEP 21040;
fone: 270-0619. O lema da Congregacáo é: «Saciar a sede de
Cristo na cruz através da alegría de dar». As Missionárias da
Caridade, além de professar pobreza, obediencia e castidade,
emitem um quarto voto: o de servir gratuitamente a Cristo,
presente principalmente na pessoa dos aflitos mais neces-
sitados.

Em Janeiro de 1983 a comunidade do Rio abriu urna casa


para desabrigados, que contava 15 leitos e 25 pessoas inter
nadas (13 adultos e 12 criangas) em outubro de 1983. As

— 84 —
VIAGEM A INDIA 85

Irmas vivem da Providencia Divina, nao recebendo subsidios


nem da Igreja nem do Governo. Nao aceitam ajuda fixa, mas
apenas o auxilio esporádico de voluntarios. Os abrigados que
gozam de saúde, colaboram na assisténcia aos colegas enfer
mos; os casos de doencas graves sao levados ao Hospital Ge-
tulio Vargas, de Bonsucesso. As Irmas também fundaram
urna creche par as máes que trabalham fora de casa; as que
nao tém onde ficar, podem dormir com seus filhos na casa das
Missionárias.

Além disto, as Irmas exercem a catequese em casa e ñas


favelas, onde assistem aos moradores, ministrando, entre
outras coisas, breves cursos de corte e costura.

Urna vez por semana, á noite, saem para levar sopa, café,
sanduiches, roupa e cobertores aos pobres que dormem na rúa.

2. Em Sao Paulo, existem os Irmáos Missionários da


Caridade, que constituem o ramo masculino da Congregagáo,
e levam vida semelhante, com sede á Rúa Cotoxó 316, 05021
Sao Paulo (SP); fone: 62-3787.

3. Madre Teresa de Calcuta fundou também a Associa-


gáo Internacional dos Cooperadores Leigos, filiada á Congre-
gacáo das Missionárias da Caridade.

Durante as suas constantes viagens pelo mundo, a Madre


viu que a pior doenga de todas é o ser rejeitado, ser despre-
zado. Disse entáo: «Para os leprosos temos cura, para os tuber
culosos temos cura, mas para o rejeitado e o desprezado nao
há cura, a menos que existam máos dispostas para servir e
coracóes ardentes de amor para amar». Madre Teresa pede
entáo aos seus Cooperadores que trabalhem com ela na sua
missáo de amor. Disse também: «Urna vez que as Missioná
rias da Caridade e os Cooperadores estáo unidos e trabalham
para o mesmo fim, no lugar em que nao haja Missionárias da
Caridade, os Cooperadores deveriam prestar o servigo aos
pobres que as Missionárias da Caridade fariam se lá estives-
sem».

A vida dos Cooperadores é baseada na oragáo e no sacri


ficio..., o sacrificio do tempo disponível, de conforto e dos
bens materfais... Para um Cooperador, é de grande valor
dar um sorriso, sentar-se para escutar urna pessoa aflita, fazer

— 85 __
86 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

compras em lugar de alguém, visitar os velhinhos esquecidos


nos Centros de Geriatria, os encarcerados, os doentes nos hos-
pitais, interessar-se pela recuperagáo dos alcoólicos e dos vicia
dos em drogas, procurar os isolados, os deficientes físicos, os
rejeitados, os abandonados..., atos estes para os quais quase
ninguém tem tempo.

Existe um vínculo espiritual entre os Cooperadores doen


tes e a Congregagáo; aqueles ofereceráo ao Senhor suas ora-
góes e seus sofrimentos, e esta por sua vez, rezará pelos seus
Cooperadores.

Os Cooperadores sao incentivados a constituir comunida


des informáis onde haja de quatro a doze Cooperadores, a fim
de que essas comunidades se paregam com as pequeñas comu
nidades de Irmas e Irmáos Leigos Missionários da Caridade
que estáo trabalhando no mundo inteiro. As comunidades na
mesma área podem, naturalmente, ser agrupadas. Madre Te
resa pede que cada comunidade tenha seus encontros, ao me
nos urna vez por mes, para urna hora de oragáo.

Vocé podería pedir a um ou dois amigos que se juntem a


vocé na prática de vida dos Cooperadores? Vocé podería for
mar urna comunidade na sua própria vizinhanga?

(Extraído de um folheto de divulgagáo das Missionárias


da Caridade).

E.B.

CORRESPONDENCIA DOS LECTORES

Em novembro-dezembro 1983, a nossa revista langou urna


sondagem de opiniáo entre os leitores a fim de avaliar a sua
caminhada.

As respostas vieram em grande número — o que pro


voca, da parte da Redacáo, profunda gratidáo a quem se deu
ao Jxabalho de preencher o questionário. A Redagáo de PR
teria prazer em escrever a cada correspondente para dizer-lhe
cordial «Muito obrigadob Visto que isto nao é possível, regis
tramos nestas linhas algumas observagóes sugeridas por res-
postas dos nossos amigqs:

-^ 86 —
CORRESPONDENCIA DOS LEITORES 87

1. ílnalidade de PK. Nossa revista tem em mira as


questóes que o mundo contemporáneo suscita 1) a quem tem
fé e quer saber mais..., 2) a quem vacila na fé, impressio-
nado por críticas e objegóes e 3) a quem nao tem fé, mas se
interessa por assuntos religiosos. Para atingir a sua finalidade,
os artigos tém que descer nao raro a premissas remotas de filo
sofía, de historia, de antropología... a fim de construir sobre
elas o seu raciocinio.

Por conseguinte, PR nao é simplesmente urna síntese da


mensagem da fé, como seria um catecismo para adultos. O
seu objetivo principal é contribuir para que o católico (e o
nao católico) vejam que a fé nao recusa enfrentar problemas
e objecóes,... que ela nao pode nem deve ignoraí o progresso
das ciencias como se nao resistisse aos embates desta. Muito
ao contrario... A fé só tem a lucrar se ela se abre a tudo
que o homem de hoje descubra.

Em consecuencia, PR supóe certa curiosidade e estima


pelo estudo; alias, sabemos que a falta de base doutrinária é
um dos grandes flagelos do catolicismo brasiliero. A revista
utiliza por vezes linguagem técnica, nao claía a varios leito-
res... Esta observagáo, feita por varios correspondentes, será
levada em conta. Tentaremos' tornar acessiveis as coisas ele
vadas e profundas, evitando terminología rara ou demasiado
especializada.

2. Orientacao. PR tenciona nao aderir a alas ou cor-


rentes dentro da Igreja, mas simplesmente exprimir o «sentir
com a Igreja», que caracteriza todo fiel católico. Se, por vezes,
a revista toma posigóes desfavoráveis a tal ou tal autor, está
usando do direito que lhe toca desde que o faga fundamen
tada e com equilibrio; procura situar-se táo somente no plano
das idéias, evitando toda invectiva pessoal.

3. Melhommentos técnicos. Doravante PR tem em mira


publicar sempre urna secgáo de intercambio com os leitores
(cartas e respostas miúdas), pois isto foi solicitado por mais
de um correspondente. Até hoje os assuntos de interesse par
ticular foram abordados em carta pessoal dirigida ao consu-
lente; nao extinguiremos este servico direto ao endereco de
quem o desejar. Se por vezes nao consideramos na revista os
assuntos de grande monta logo que nos sao apresentados por
pessoas Ínteressadas ou pelo curso mesmo dos acontecimentos,
isto se deve ao fato de que há sempre muito material a
publicar.

— 87 —
88 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 272/1984

Lamentamos, com varios leitores, a passagem de tiragem


mensal para tiragem bimestral a partir de 1981. Mais de urna
vez tentamos amiudar a nossa periodicidade, mas o crescente
custo de vida nao tem favorecido o nosso intento. A meta,
porém, continua a pairar antes os nossos olhos.

4. Oonclusao. Além de renovar os nossos agradecimen-


tos, pedimos aos nossos leitores queiram continuar a nos escre-
ver, apresentando observagóes e sugestóes, visto que só assim
poderemos servir melhor ao estimado público.

Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 1983.

Esteva© Bettencourt O.S.B.

* * *

livros em estante
Na Escola da Fé, por Félix Moracho S.J. TraducSo de José Américo
de Assls Coutinho e Eugenia Flávlan. Colecto "Por que creio", n? 5 —
Ed. Paulinas, SSo Paulo 1983, 135 x 210 mm, 428 pp.

O subtitulo do livro soa: "A Salvacfio na Historia apresentada aos


jovens e adultos á luz da Biblia, do Magisterio, do Concilio, de Medellin e
de Puebla". O autor, jesuíta de llngua espanhola, aprésenla trinta temas,
como a Biblia, a historia das origens, o pecado na historia, a vida e a
morte de Jesús, a Igreja, Maria SS., os sacramentos, a vida eterna... O
tema "SS. Trindade (Pai, Filho e Espirito Santo)" nSo é explícitamente
abordado — o que deve ser lamentado.

Quanto ao pecado original, é considerado ás pp. 132-135; todavía o


autor nio menciona a Justica original; considera o paraíso como a "maqueta
do que será o mundo, se o homem puser mSos á obra e lutar contra os
males da vida" (p. 133s); em conseqüéncia, o prlmeiro pecado vem a ser
um pecado como os demais que o homem tem cometido na historia — o
que nao corresponde á doutrlna oficial da Igreja, expressamente repetida
por Concilios, Inclusive o de Trento (cf. D.S. n<? 1511-1516. 1523).

No livro verificarse também que o conceito de pecado mortal é o de


ruptura da opcSo fundamental (algo de relativamente raro) — o que tam
bém nfio condiz com o pensamento da Igreja; cf. Declaracfio Persona
Humana da S. Congregado para a Doutrina da Fé, n? 10. O autor multo
acentúa a problemática social, ás vezes sem propósito adequado ou del-
xando de apresentar outros aspectos Importantes da doutrlna; assim, por

(Continua na pág. 27)

— 88 —
AOS NOSSOS LEITORES
ASSINATURA EM 1984

Novo ano — 1984 — exige urna revlsáo das condicdes de pagamento da


assinatura. Para sobreviver, apesar dos seus vinte e cinco anos de urna
presenca estável junto dos seus leltores, a Revista se vé obrlgada a acom-
panhar, em parte, a alta dos precos: aumento do custo do papel, quase de
vlnte em vlnte dias; aumento periódico dos salarios, máo-de-obra, tarifa
postal, embalagem, etc.

Para saldar esses compromissos, a assinatura para o novo ano de 1984


será:
De 19 de Janeiro a 30 de junho de 1984 .. Cr$ 6.000,00
De 1? de julho a 31 de dezembro de 1984 Cr$ 8.000,00

Esperando sua colaboracfio, teremos estimulo para continuar este apos


tolado que se torna cada dia mais necessárlo e urgente, diante da con-
fusfio reinante em tantas consciéncias, desejosas de manter sua fldelidade
aos ensinamentos recebldos da Igreja.

A Administracáo de P.R.

AtencSo: ÍNDICES de P. R.:

de 1957 a 1977 — em xerox Cr$ 2.000,00


de 1978 a 1982 — impresso Cr$ 1.000,00
Número avulso de 1984 Cr$ 1.000,00
Números de anos anteriores Cr$ 450,00
Números de 1983 encadernados em percallna Cr$ 12.000,00

NOVIDADES (para Janeiro e fevereiro):

1. . DIALOGO ECUMÉNICO — Temas controvertidos, por D. EstévSo


Bettencourt. Em quinze capítulos o Autor considera os princi
páis pontos da clássica controversia entre católicos e protes
tantes, e procura mostrar que a discussSo no plano teológico
perdeu multo de sua raz&o de ser, pols nfio*raro versa mais
sobre palavras do que sobre conceltos ou proposic&es.

(Cap. 1. O catálogo bíblico. 2. Somente a Escritura? 3. So-


mente a fé, Nao as obras? 4. O Primado de Pedro. 5. Euca
ristía: Sacrificio e Sacramento, ó. A confissfio dos pecados.
7. O purgatorio. 8. As indulgencias. 9. María, Vlrgem e MSe.
10. Jesús teve irmfios? 11. O culto dos Santos. 12. As imagens
sagradas. 13. Alterado o Decálogo? 14. Sábado ou Domingo?
15. 666 (Ap 13, 18).

2. REZEMOS AO SENHOR: Oracfies — Llvro de bolso, contendo


urna coJetánea de Oracfies para as mais diversas ocasi6es da
vida cotidiana, 130 p.
EDIC6ES "LUMEN CHRIST1"
MOSTEIRO DE SAO BENTO
Rúa Dom Gerardo 40, — 5? anclar — Sala 501
Caixa Postal 2666 — Tel.: (021) 291-7122
20001 — Rio de Janeiro — RJ

NOVO ANO LETIVO SE APROXIMA

Que livros adotar para os Cursos de Teología e Liturgia?

A "Lumen Christi" oferece as seguintes obras:

1. RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA (2? ed.), por Dom Ci


rilo Folch Gomes O.S.B. (falecido a 2/12/83). Teólogo
conceituado, autor de um tratado completo de Teología
Dogmática, comentando o Credo do Povo de Deus, pro
mulgado pelo Papa Paulo VI. Um alentado volume de
700 p., best seller de nossas Edicoes, cuja traducáo espa-
nhola está sendo preparada pela Universidade de Valen
cia _ Cr$ 4.000,00.

2. A DOUTRINA DA TRINDADE ETERNA, do mesmo Autor.


O significado da expressáo "Tres Pessoas", 1979, 410 p.
— Cr$ 2.500,00.

3. O MISTERIO DO DEUS VIVO, P. Patfoort O.P. O Autor foi


examinador de D. Cirilo para a conquista da láurea de
Doutor em Teología no Instituto Pontificio Santo Tomás
de Aquino em Roma. Para Professores e Alunos de Teo-
logia, é um Tratado de "Deus Uno e Trino", de orienta-
cáo tomista e de índole didática, 230 p. — Cr$ 2.500,00.

NOVIDADE:

4. LITURGIA PARA O POVO DE DEUS (3? ed., 1984), pelo


Salesiano Don Cario Fio re, tradu$áo de D. Hildebrando
P. Martíns OSB. Edigáo ampliada e atualizada, apresenta
em linguagem simples toda a doutrina da Constituicáo
Litúrgica do Vat. II. É um breve manual para uso de Se
minarios, Noviciados, Colegios, Grupos de reflexáo, Reti
ros etc., 216 p. — Cr$ 2.000,00.

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