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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIN.E

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDKJÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanza e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
I
269
Crtse de Identidade

Ano Santo: que é? por qué?

As Duas Genealogías de Jesu

"O Ser e o Messias"

Freud e a Rellgláo

"O Que é a Ma$onar1a"

Nostradamus: Profeta?

Os Fiéis CristSos na Albflnta

"Gandhl"

Urna Vlagem á Polonia

Julho-Agosto — 1983
JULHO-AGOSTO 1983
PERGUNTE E RESPONDEREMOS
Publtcacao bimestral N' 269

SUMARIO
Dtretor-Responsavel:

D. Estévao' Bettencourt OSB CRISE DE IDENTIDADE 265


Autor e Redator de toda a materia
publicada neste periódico 1983 no Calendario católico:

Dlrelor-Admlntetrador
ANO SANTO: QUE É? POR QUÉ? .. 266
D. Hildebrando P. Martins OSB Contradigo nos Evangelhos:
AS DUAS GENEALOGÍAS DE JESÚS 280

Na linha da Teología da Libertacao:


AdmlriistracSo e distribuicáo:
«O SER € O MESSIAS" 289
EdicSes Lumen Chrlsti
Dom Gerardo, 40 - 5? andar, S/501 Quat o sentido da Religiao?
Tel.: (021)291-7122 FREUD E A RELIGIAO 298
Caixa postal 2666
Mata um llvra sobre
20001 - Rio de Janeiro - RJ
«O QUE £ A MACONARIA" 312

Aínda urna vez:


Pagamento em cheque nominal visado ou NOSTRADAMUS: PROFETA? 325
Vale Postal (para Agencia Cenlral/Rlo),
enderezado as: U,nta crónica reveladora:

Edic8es Lumen Christi OS FIÉIS CRISTAOS NA ALBANIA .. 343


Caixa Postal 2666
No cinema:
20001 - Rio de Janeiro - RJ
"GANDHI" 345
UMA VIAGEM A POLONIA 347
fkSSINATURA EM 1983:
<De lanelro a dezembro) Cr$ 2.500.00
Wmero avulso de 1982 Cr$ 200,00 NO PRÓXIMO NÚMERO
húmero avulso de 1983 Crt 450,00
RENOVÉ SUA ASSINATURA 270 — Setembro-Outubro — 1983
QUANTO ANTES
Armas nucleares e desarmamento. — Ca
samento e Familia no novo Dlreito Cano-
•OMUNIQUE-NOS QUALQUER nic0 _ AnulacSo do Casamento da Prin
cesa Carolina de MOnaco? — AbsolvIcSo
IUDANCA DE ENDEREZO colativa de pecados. — Licito o uso de
imagens? — "Os poderes de Jesús Cristo1.
— -Técnica do Poder da Mente e Salva-
smposlcto e Impressao: 5S0". — "Conversando sobre sexo".

parques Saralva"
jantos Rodrigues, 240
Com aprovacáo eclesiástica
\io de Janeiro
CRISE DE IDENTIDADE
Um dos piores males que possam afetar urna sociedade,
é a sua descaracterizagáo.
Ora em maio pp. tivemos a ocasiáo de conviver com repre
sentantes de um país da Europa ocidental onde, após o Con
cilio, a Igreja Católica atravessou seria fase de questionamento;
quase tudo foi posto em xeque: as verdades da fé, a constitui-
gáo da Igreja, as normas da agáo pastoral... A título de pro
mover a desmitizagáo, muitos pensadores católicos aplicaram
criterios de antropología, psicología, economía, sociología a
realidades que só com os olhos da fé podem ser auténticamente
entendidas. Em conseqüéncia, um processo de secularizacáp
ou de perda das mais genuínas expressóes do sagrado foi pene
trando dentro da Igreja; as assembléias litúrgicas foram-se
esvaziando, a vida sacramental declinou brutalmente, as voca-
góes sacerdotais quase se extinguiram num país que era celeiro
de missionários... Resta ali um único Seminario para todas
as dioceses do país; dos candidatos que lhe batem á porta,
entre dezoito e vinte anos de idade, dois tergos nunca fizeram
urna confissáo sacramental, de modo que tém de aprender o
que deveriam ter praticado por ocasiáo da Primeira Comu-
nháo (como deseja a Santa Sé); tal fato ocorre porque se diz
que as criangas nao pecam! Assim mal instruidos, os jovens
já nao concebem o sentido do pecado e da reconciliagáo. Tais
sao as conseqüéncias da recente borrasca. Gragas a Deus,
porém, o ressurgimento já comegou.

Referimos este triste quadro num editorial de PR, porque


a historia é urna escola que faz refletir. Nao poucos católicos
bem intencionados tém sido bafejados pela «teología da morte
de Deus»: «Deus, dizem, é um nome sem eco nos días atuais;
silenciemo-lo e tratemos dos valores humanos, que nao sofrem
contestagáo». Tal proposigáo foi veneno ñas fileiras da Igreja.
Urna sociedade que nao tenha a coragem de ser o que deve
ser, condenarse á morte; nao sao os inimigos de fora que a
condenam; é ela mesma que se suicida. Na verdade, ou os
fiéis da Igreja sao a expressáo viva do Transcendental, ou
eles se sujeitam a brusco definhar. Ninguém eré numa socie
dade que nao tenha o ánimo de professar o que a deve carac
terizar.

Senhor, preserva-nos da perda de identidade, e dá-nos a


coragem de proclamar a tua mensagem, com tudo o que ela
possa ter de loucura e escándalo (cf. ICor 1,23)!
E.B.

— 265 _
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXIV — N° 269 — Julho-agosto de 1983

1983 no calendario católico:

Ano Santo: que é? por qué?


Em sfntese: O Ano Santo de 1983 coloca-so na serie dos anos de
Jublleu (ou Anos Santos) que a Igreja tem proclamado desde 1300, fazendo
eco, de certo modo, a urna praxe vigente no Antlgo Testamento (cf. Lv 25).
O ano Jubilar, em Israel, slgnlflcava renovacSo do povo de Deus e apaga-
mento de todos os desvíos e males causados pelos homens ao Senhor Deus
e aos IrmSos no decorrer de cinqOenta anos. Ora sSo estes os frutos
almejados também pela prática crista do Ano Santo; o S. Padre na Bula
"Abrí as Portas ao Redentor", de 6/0V1983, convida todos os fiéis a
corresponder ao apelo de Deus mediante conversio radical e coerente,
externada na frequentacSo dos sacramentos (ConflssSo, Comunháo...) e na
prática das obras prescritas pela lgre|a para adquirir as Indulgencias ou
para crescer na fé e no amor a Deus e aos IrmSos.

O Ano Santo de 1983 é extraordinario ou suscitado por um evento


especial, a saber: a comemoracfio do 1950? aniversario da RedencSo do
género humano. Este aniversario nflo pode delxar de Interessar também
aos nSo crentes, pols a obra de Cristo te ve alcance que ultrapassou os
limites da esfera religiosa; contribulu, slm, para transformar o mundo e
tancar as bases de nova fase da historia da humanidade: "depois de Cristo",
seguindo-se ao "antes de Cristo". Asslm o Ano Santo poderá ser, para os
nao crentes, a ocasiáo de repensarem na mensagem do Redentor, única
resposta capaz de satlsfazer aos anseios do homem que é asfixiado num
mundo cada vez mals materialista.

Comentario: A proclamagáo de um Ano Santo a partir


de 25/03/83 até 22/04/84 suscitou interrogagdes da parte do
público em geral, desejoso de conhecer o significado e as fina
lidades de tal evento. Houve quem julgasse que Joáo Paulo n,
tomando tal medida, procurasse atrair peregrinos a Roma que
contribuiriam para reerguer as finangas do Vaticano; tal hipó-
tese, ridicula como é, parte de preconceitos cegos que ficam
longe de apreender a realidade.

Procuremos, pois, penetrar no sentido do Ano Santo, ana-


lisando seus antecedentes históricos e os grandes principios que
levaram Joáo Paulo n a proclamar mais um Ano Santo na
historia da Igreja.

— 266 —
ANO SANTO: QUE £?

1. Ano Santo: antecedentes históricos

1. A instituicáo do Ano Santo ou jubilar na Igreja Cató


lica tem sua origem na Biblia.

Com efeito. A Lei de Moisés mandava que de 50 em 50


anos, ou seja, após cada período de 7 semanas (7 x 7) de
anqs se celebrasse um ano sabático (ou ano de repouso) %.
Nesse ano nao se deveria cultivar o solo; os escravos recupe-
rariam a liberdade; as propriedades vendidas retornariam ao
seu senhor originario; em suma, a térra de Israel voltaria as
condigóes em que Deus a doara ao seu povo. Desta forma, a
Lei de Moisés tencionava recordar aos israelitas que o Senhor
era, em última análise, o proprietário do país. Provocava-se
também assim a renovacáo da vida de Israel e fazia-se a recon-
ciliagáo dos homens entre si e com Deus; os desvios e desor-
dens acarretados pelo decurso dos anos eram saneados. Eis
como a Lei de Moisés propóe a celebrac.áo do 50» ano:

"Contarás sete anos sabáticos, sete vezes sete anos, de forma que a
duragáo desses sete anos sabáticos corresponderá a quarenta e nove anos.
Depois, farás retiñir a trombeta no décimo día do sétimo mes. No dia das
explacSes, farels retiñir o som da trombeta através de toda a vossa térra.
Santificareis o qüinqüagésimo ano, proclamando no país a liberdade de todos
os que o habítam. Este ano será para vos jublleu, cada um de vos reco
brará a sua proprledade e voltará para a sua familia. O qüinqüagésimo
ano é o ano do jubileu. Nao semeareis, nao colhereis os frutos, nem vlndl-
marels as vinhas que nao foram podadas, porque este ano é Jubileu e deve
ser urna coisa santa para vos. E, da mesma forma, o campo, cujo fruto
comerás.

... Se disserdes: 'Que comeremos no sétimo ano, pois nSo podemos


semear nem colher as nossas colheitas?', entao Eu vos concederel a mlnha
bencáo no sexto ano, de tal forma que produzirá a colheita de tres anos;
e, quando semeardes no oltavo ano, viverels da colheita anterior até o
nono ano. Até que procedáis á sua colheita, viverels da anterior"
(Lev 25,8-13.20-22).

Visto que o ano sabático era anunciado pelo toque de


trombeta ou chifre (que em hebraico é dito yobel), passou a
ser chamado também jubileu ou ano jubilar.

O profeta Ezequiel, no séc. VI a.C, referia-se ao ano de


remissáb para indicar o 50' ano, em que se perdoavam as divi
das, se restauravam as posses originarias e se libertavam os
escravos (cf. Ez 46,17).

* Como se sabe, a palavra shabbath, em hebraico, tem assonáncla com


o vocábulo sheba, sete.

— 267 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

Aos poucos, o ano jubilar foi tomando um sentido cada vez


mais espiritual. Depois do exilio de Israel (587-538 a.C),
passou a designar a obra do Messias, como dáo a entender
os seguintes dizeres atribuidos por Isaías ao Servidor de Javé:

"O Espirito do Senhor repousa sobre mlm, porque o Senhor me ungiu.


Envlou-me a levar a Boa-nova aos humildes, a curar os de corac&o despe
dazado. .., a publicar um ano de misericordia da parte do Senhor" (Is 61,1s).

No Novo Testamento, Jesús aplicou este texto de Isaías a


Si mesmo e designou o periodo de sua pregagáo messianica
como «ano de graga do Senhor» (Le 4,16-21).

Ve-se assim que a nogáo de ano sabático ou jubilar está


arraigada no amago da espiritualldade bíblica. Tal ano é dito
santo, porgue reservado ou dedicado ao Senhor e, por isto,
marcado pelos homens com a renovacáo ou purificagáo de
sua conduta.

2. Com a queda das instituigóes do Antigo Testamento,


o ano sabático ou 50' deixou de ser especialmente celebrado
entre os cristáos. Aconteceu, porém, que na Idade Media, prin
cipalmente no decorrer do séc. xm, se verificaran! entre os
cristáos movimentos penitenciáis de certo vulto; os fiéis pere-
grinavam aos santuarios europeus (principalmente a Roma,
onde havia os túmulos dos Apostólos S. Pedro e S. Paulo), em
espirito de penitencia, a fim de obter a absolvigáo de seus
pecados e das censuras ou penas que lhes estivessem anexas.
Já estava em voga entáo o costume — adotado pelos Sumos
Pontífices — de se concederem indulgencias, ou seja, a remis-
sáo das penas temperáis devidas a pecados já absolvidos, indul
gencias ... aos fiéis que fizessem com auténtico espirito de
penitencia determinadas obras boas1.

Na tarde de 1» de Janeiro de 1300, grande multidáo de


povo precipitou-se na basílica de S. Pedro em Roma, convicta
de que lucraría urna indulgencia extraordinaria; o mesmo
ocorreu nos dias seguintes. O povo apelava para antiga tradi-
cáo segundo a qual todo ano centenario devia ser tido como
ano de perdáo universal; na Curia Romana, porém, nao se

1 A propósito das Indulgencias — assunto por vezes mal entendido —,


ve]a PR 90/1967, pp. 252-261; 108/1968, pp. 516-526; 264/1982, pp. 389s;
269/1983, pp. 271-274.

— 268 —
ANO SANTO: QUE É?

eneontrou vestigio escrito de tal costume. Como quer que


fosse, o Papa Bonifacio VIH aos 22 de fevereiro de 1300 publi-
cou urna Bula em que determinava que de 100 em 100 anos
haveria jubileu universal, com o perdáo de faltas e penas, para
quem se confessasse contritamente dos seus pecados e visitasse
os túmulos dos Apostólos S. Pedro e S. Paulo. Essa proclama-
cao de jubileu em 1300 teve ampia repercussáo em toda a
Europa, provocando o afluxo a Roma de multidSes e multidóes
de peregrinos das mais diversas partes do continente.

Em 1342 urna delegagáo de cristáos de Roma foi pedir ao


Papa Clemente VI em Avinháo (Franga), concedesse o jubileu
de 50 em 50 anos, a fim de poder beneficiar maior número de
fiéis. O Pontífice houve entáo por bem promulgar para 1350
um jubileu, que foi fervorosamente celebrado em Roma por
grandes caravanas de peregrinos.

Em 1389, o Papa Urbano VI, desejoso de sanear o grande


Cisma do Ocidente (1378-1417), estabeleceu que, em memoria
dos anos de vida mortal de Jesús, o jubileu se celebraría de
33 em 33 anos; em conseqüencia, o próximo jubileu seria cele
brado em 1390. Esta celebragáo de fato se deu sob Bonifa
cio IX, sucessor de Urbano VI, que entrementes falecera. Em
1400, já que ocorria um ano centenario, os peregrinos aflui-
ram a Roma, de tal modo que o Papa Bonifacio IX concedeu
o jubileu também para aquele ano (embora houvesse apenas
um intervalo de dez anos a partir do jubileu anterior). O
prazo de trinta e tres anos estipulado por Urbano VI para os
anos jubilares venceu-se no ano de 1423. Todavía o Papa Mar-
tinho V resolveu só celebrar o ano santo em 1425, depois de
extinto o cisma do Ocidente e pacificada a cidade de Roma.

Em 1450, o Papa Nicolau V presidiu a solene ano jubilar,


marcado pela canonizagáo de Sao Bemardino de Sena, que era
muito popular em toda a Italia. Finalmente em 1470 o Papa
Paulo II resolveu amiudar os jubileus, fazendo-os ocorrer de
25 em 25 anos, visto que suscitavam grande fervor e a reno-
vacáo de vida dos fiéis. De entáo aos nossos dias, os anos
jubilares tém sido celebrados regularmente, notando-se apenas
duas excegóes (1800 e 1850), devidas ás ingratas circunstan
cias em que se achava a cidade de Roma.

— 269 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

Els a relacfio completa dos anos jubilares ordinarios:

19 1300 Bonifacio VIII


29 1350 Clemente VI
39 1390 Urbano VI, Bonifacio IX
49 1400 Bonifacio IX
5? 1425 Martinho V
6? 1450 Nlcolau V
79 1475 Sixto IV
89 1500 Alexandre VI
99 1525 Clemente Vil
10? 1550 Paulo III, Julio III
119 1575 Gregorio XIII
129 1600 Clemente VIII
139 1625 Urbano VIII
149 1650 Inocencio X
159 1675 Clemente X
169 1700 Inocencio XII, Clemente XI
179 1725 Bento XIII
189 1750 Bento XIV
199 1775 Clemente XIV
1800 nSo celebrado (Pío VI era alvo de NapoleSo
Imperador)
209 1825 Lefio XII
1850 nao celebrado (Roma, sob Pió IX, era perturbada
pelo movimento de unlflcac&o da Italia)
219 1875 Pió IX (jubileu celebrado sem grande solenidade,
pols Roma caira em 1870 e o Papa era prisioneiro
no Vaticano)
229 1900 Lefio XIII
239 1925 Pió XI
249 1950 Pío XII
25? 1975 Paulo VI

Há também jubileus extraordinarios, promulgados pelos


Pontífices por ocasiáo de algum acontecimento especial da
historia da Igreja. O primeiro foi o de 1933, com que o Papa
Pío XI quis comemorar o 19» centenario da Redengáo do género
humano; o segundo é o de 1983/84.

2. Ano Sonto: significado, objetivos e práticas


Aprofundemos, antes do mais, o sentido teológico que o
Ano Santo toma para os cristáos em geral; após o qué, pro
curaremos definir o significado que possa ter dentro de um
mundo secularizado ou descristianizado como é o nosso.

— 270 —
ANO SANTO: QUE É?

2.1. Significado eristao do Ano Sanio

1. Ano Santo é um período de tempo em que a Igreja


convida os fiéis a esforco, mais coerente, de conversio interior
e á realizagáo de boas obras (Confissáo e Comunháo sacra
mentáis, participacáo em celebracóes religiosas como peregri-
nagóes, visita a determinados santuarios, prática da caridade,
reforma de vida...) em vista de um crescimento na fé e no
amor a Deus e ao próximo.

O cristáo reconhece que todo tempo é dom ou graga de


Deus (tenha-se em vista a clássica fórmula: «ano da graga de
Nosso Senhor Jesús Cristo mil novecentos e oitenta...). O
Senhor Jesús, tendo obtido para os homens as gragas da Re-
dengáo, inauguroü o que Sao Paulo chama «o tempo do favor
de Deus» e «os dias da salvagáo» (2Cor 6,2). Dentro desse
percurso histórico, a Igreja, como «sacramento universal de
salvagáo» (LG 1) e dispensadora da graga de Cristo, recebeu
do Senhor Jesús a faculdade de estipular «tempos for
tes» de salvagáo e graga: sao fases em que a misericordia de
Deus é oferecida mais copiosamente junto com um convite
mais premente do Senhor a urna vida nova; assim o tempo do
Advento (preparagáo do Natal), o da Quaresma (preparagáo
de Pásooa), a Semana Santa, o dia do Senhor ou domingo...
Assim também o Ano Santo... Tais períodos de tempo sao
chamados em grego kairoi, tempos oportunos ou propicios, a
diferenga do chrónos, que seria o tempo neutro (do ponto de
vista da salvagáo humana).

A santidade de tais dias (ou a sua capacidade de santi


ficar) nao se deriva de peculiar «potencia» ou forga mágica a
eles inerente, mas simplesmente da benevolencia divina, que,
através dos sacramentos, oferece aos fiéis a obra de Cristo
Redentor como manancial de gragas peculiares. O Ano Santo
é, pois, um ano especial de santificagáo que a Igreja propoe
aos fiéis, convidando-os a participar de extraordinaria efusáo
da graga de Deus.

2. Urna das características de todo Ano Santo é a con-


qessáo de indulgencias aos fiéis que cumpram as práticas pres
critas pela Igreja. As indulgencias eram algo de muito caro
aos cristáos de épocas passadas, desde o fim da Idade Media,
mas parecem ter pouco significado para o homem contempo
ráneo, que fácilmente associa entre si «indulgencias» e o pro-

— 271 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

testo de Lutero contra as mesmas. Há, sem dúvida, numero


sos mal-entendidos a propósito; na verdade, nunca a Igreja
praticou a «venda de indulgencias». A fim de dissipar tais
equívocos e por em evidencia o auténtico valor da instituigáo
das indulgencias, o S. Padre Paulo VI, após o Concilio do Va
ticano II, publicou a Constituigáo Indulgentiarum Doctrina de
1V01/1967. Faz-se mister, portante, apresentar sumariamente
a historia da praxe das indulgencias e o significado teológico
que elas tém para o fiel católico.

2.2. A doutrína das ¡ndulgénrfas

As indulgencias tém sua justificativa teológica clara, como


já foi demonstrado em PR 90/1967, pp. 252-261. Em poucas
palavras, eis como se devem entender: na Igreja antiga, a
absolvicáo dos pecados só era dada aos penitentes que deles se
acusassem e, a seguir, se submetessem a rigorosa peniéncia:
urna quarentena de jejum, por exemplo, durante a qual o peni
tente se trajava com sacos e cilicio, ficando privado de assis-
tir á Liturgia eucarística. Essa penitencia, realizada com fer
vor e contrigáo, tinha a finalidade de concorrer para extinguir
os resquicios ou as más inclinagóes que o pecado sempre deixa
no intimo de quem o comete.

Com o tempo, porém, a Igreja houve por bem abrandar


táo rigorosas práticas penitenciáis, pois estas em muitos casos
exigiam condigóes de saúde que os penitentes nao possuiam.
O abrandamento fez-se por etapas sucessivas e paulatinas me
diante o seguinte raciocinio teológico: a S. Igreja é deposita
ría dos méritos de Cristo que frutificaram nos méritos da
Bem-aventurada Virgem María e dos Santos, constituindo o
tesouro da Igreja. Ora os Papas e Concilios julgaram opor
tuno, a partir do séc. IX, aplicar esses méritos em favor dos
pecadores que se deviam submeter a rigorosas penitencias.
A estes se dava a absolvicáo dos pecados após a confissáo de
suas faltas. Quanto as duras obras expiatorias que se impu-
nham a tais penitentes, foram sendo substituidas (comutadas)
por outras mais brandas, obras as quais a S. Igreja associava
diretamente os méritos satisfatónos de Cristo; assim, em lugar
de jejuns, podiam ser impostas oracóes; em vez de longa pere-
grinagáo, o pernoitar em um santuario; em vez de flagelagóes,
urna esmola... Estas obras mais brandas, embora tivessem
em si menos valor expiatorio, eram, nao obstante, igualmente
valiosas, pois a S. Igreja, num gesto de indulgencia, lhes ane-

— 272 —
ANO SANTO: QUE £?

xava algo da expiagáo sumamente meritoria de Cristo. Fo-


ram chamadas «obras indulgenciadas» (enriquecidas de indul
gencias). A remissáo da pena temporal obtida pela prática
de tais obras tomou o nome de «indulgencia».

No séc. XI, os bispos comegaram a conceder indulgencias


gerais, isto é, oferecidas a todos os fiéis, sem se exigir a inter-
vengáo direta de um sacerdote. Em outros termos: os bispos
estipularam que, prestando tal ou tal obra, os fiéis poderiam
obter, por especial aplicagáo dos méritos de Cristo, a remissáo
da dura satisfagáo devida aos seus pecados já absolvidos. Com-
preende-se, porém, que tal remissáo ou indulgencia nao se
lucrava de maneira mecánica; era sempre necessário que o
penitente, ao realizar a obra indulgenciada, tivesse em si as
disposigóes interiores, ou seja, o horror ao pecado e o férvido
amor a Deus que ele teria se fosse prestar urna quarentena ou
mais de jejum e cilicio... Sem tais disposigóes, nao se ganha-
ria a indulgencia almejada.

Verdade é que no fim da Idade Media a prática das indul


gencias foi ofuscada pela exuberante piedade e a pobreza teo
lógica dos fiéis e dos pregadores da época. Urna aparéncia de
automatismo e «contabilidade religiosa» fizeram que a institui-
gáo das indulgencias se tornasse objeto de criticas. Finalmente,
após o Concilio do Vaticano II, o Papa Paulo VI em 1967 rea-
firmou o valor das indulgencias; quis, porém, por em relevo o
sentido profundo e teológico das mesmas, reformulando a ma
neira de se lucrarem indulgencias; visou assim a excitar o
espirito de contrigáo e penitencia que deve animar a execugáo
das obras indulgenciadas, fieando removida toda aparéncia de
automatismo espiritual que outrora podia inspirar certos fiéis.

É por isto que & proclamagáo do Ano Santo de 1983 fica


anexa, como de costume, a concessáo de indulgencias espe
ciáis. Estas nada tém de estranho para o homem moderno,
desde que compreenda o significado e o espirito das mesmas.
Sejam consideradas como dom particularmente generoso da
misericordia divina e como convite, feito ao cristáo, para con-
ceber a contrigáo de seus pecados e entrar, de maneira mais
copiosa, em comunháo salvífica com os méritos de Cristo e
dos Santos.

Vé-se assim que mesmo o cristáo de nossos dias pode


encontrar na praxe da peregrinagáo e das indulgencias, carac
terística do Ano Santo, urna resposta as suas aspiragóes reli-

— 273 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

giosas. Basta que tais costumes de piedade tradicionais lhe


sejam apresentados em auténtica luz, com todo o seu signifi
cado teológico. Alias, se os cristáos antigos e medievais deram
tanta importancia a tais práticas (principalmente ao peregri
nar), nao é de crer que o tenham feito sem motivos. Também
nao é de crer que a auténtica vida crista e a genuína piedade
só comecem em nossos dias, como se as geragóes de cristáos
antepassados tivessem tido urna fé infantil, necessitada de se
nutrir em práticas religiosas de dúbio e escasso valor.

2.3. Pecado, reconciliado e boas obras

Como se vé, a prática das indulgencias nao é rito mecá


nico ou mágico, mas supóe disposigóes interiores da parte do
fiel católico, ou seja, a conversáo do coracáo. Ninguém «com
pra indulgencias» pelo fato de praticar alguma obra boa no
foro meramente externo. A conversáo, estritamente exigida
para que possa haver indulgencia, abrange: 1) reconhecimento
do pecado; 2) procura de reconciliagáo com Deus e os homens.

A propósito do pecado, diz Joáo Paulo n na Bula que


anuncia o Ano Santo:

"é preciso redescubrir o sentido do pecado e, para o conseguir,


faz-se mister reavivar o senso de Deus. Na verdade, o pecado é urna ofensa
a Deus justo e misericordioso, que exige adequada explacáo nesta ou na
outra vida... A esta renovada consciencia do pecado e das suas con-
seqüenclas deve corresponder urna revalorlzacáo da vida da graca" ("Abri
as Portas ao Redentor" n? 8).

A consciencia do pecado háo de seguir-se o arrependi-


mento e o pedido de perdáo, que encontram a sua expressáo
concreta no sacramento da Penitencia. Trata-se, pois, de
redescubrir o valor do «plano sacramental», que muitos fiéis
hoje desconhecem. Observa oportunamente o S. Padre:

"A flm de que seja restaurado o estado de graca dentro dos tramites
habituáis da Providencia Divina, nao basta ao crlstSo reconhecer Intima
mente a própria culpa nem prestar explacáo da mesma no foro externo. Na
verdade, Cristo Redentor, fundando a Igreja e constitulndo-a sacramento
universal de satvacáo, dlspos que a salvacáo de cada homem se efetue
dentro da Igreja e mediante o ministerio da Igreja. Esta, através do sacra
mento, restabelece novo contato pessoal entre o pecador e o Redentor. Tal
contato vivificante é Indicado também pelo sinal da absolvigSo sacramental;
por esta, Cristo, que perdoa na pessoa do seu ministro, atinge a pessoa
que necessita de perdao" ("Abrí as Portas ao Redentor" n? 5).

Concluí o S. Padre:

— 274 —
ANO SANTO: QUE £? 11

"é exigencia do próprlo misterio da Redencio que o ministerio da


Reconclliacao confiado por Deus aos pastores da Igreja encontré a sua
conatural atuacfio no sacramento da Penitencia" ("Abrí as Portas ao
Redentor" rí> 6).

Sobre este paño de fundo, compreende-se quáo oportuna


seja a celebragáo do Sínodo Mundial dos Bispos em outubro pf.,
tendo por tema: «A Iteconciliagáo e a Penitencia na missáo
da Igreja». Alias — diga-se de passagem — os cristáos pro
testantes e ortodoxos, também neste Ano Santo, reunir-se-áo
em assembléia geral do Conselho Mundial das Igrejas em
Vancouver (Canadá) para estudar o tema: «Cristo, vida do
mundo»; o S. Padre Joáo Paulo n aludiu a esse fato em sua
Bula «Abrí...»:

"Fol-nos dada a alegría de saber que multos (dos crlstaos nao


católicos) se preparam para celebrar este ano, de modo particular, Jesús
Cristo como vida do mundo; desejo sucesso ás suas iniciativas e peco ao
Senhor que os abencoe" (n<? 10).

A reconciliagáo obtida pela Penitencia sacramental deve


levar o fiel católico a um cumprimento mais consciente e fer
voroso das obras boas (peregrinagóes, visita a igrejas, pre
ces...), que caracterizam a celebragáo do Ano Santo. Pode-se
crer que a consecugáo das indulgencias nos termos estipulados
pela Igreja seja algo de difícil e raro. Importa, porém, que
o cristáo se preocupe, antes do mais, com o despertar e o rea-
fervoramento da sua vida espiritual, empenhando-se firme
mente por sacudir a rotina e a tibieza que tendem a desfibrar
o ánimo de cada um; praticando tal esforgo, com a grasa de
Deus, é certo que o discípulo de Cristo irá amortecendo em si
todos os resquicios do pecado ou as tendencias desregradas
existentes em seu íntimo — objetivo este a que tende a insti-
tuigáo das indulgencias. Leve, pois, o cristáo urna vida cora
josamente santa, e terá, sem dúvida, os frutos que a institui-
gáo das indulgencias Ihe quer oferecer.

Examinemos agora em particular urna das práticas habi


tuáis em todo Ano Santo:

2.4. PeregrinajSo

Sabemos que os cristáos antigos e medievais procuravam


freqüentemente os grandes santuarios (de Jerusalém, de Roma,
da Gália, da Espanha), a fim de lá orarem mais fervorosa
mente; sacrificavam-se duramente, caminhando pelas estradas,

— 275 —
12 «PERGUNTE É RESPONDEREMOS» 269/1983

as vezes mesmo descalgos, sem ter onde pousar, passando noi-


tes em vigilia, etc. Mas também se sabe quanto as peregrina
góes estáo sujeitas a ser desvirtuadas em nossos dias: para
muitos, podem tornar-se ocasiáo de viagens turísticas, luxuo-
sas, empreendidas em espirito de gozo e recreagáo. Em outros
casos as peregrinagóes podem ser realizadas com intengóes
supersticiosas, como se o encontró com tal imagem religiosa
fosse propiciar certamente a cura de alguma doenga ou a
solugáo de determinado problema. — É em vista destes abu
sos que certos autores se mostram reservados no tocante á
conveniencia de promover peregrinagóes em nossos tempos.

A estas dificuldades deve-se responder que, quando bem


entendidas e praticadas, as peregrinagóes constituem um exer-
cício de fé altamente valioso. A Biblia Sagrada e a praxe de
judeus, cristáos e muculmanos as récomendam. Quem pere
grina, vai procurar contato com um lugar em que a presenga
de Deus se tornou particularmente manifesta ou com um lugar
que Deus quis designar para ter seus encontros marcados com
os homens, derramando ai particulares gracas sobre os fiéis.

Deve-se, alias, notar que Jesús foi peregrino; participava


das visitas ao Templo com seus familiares (cf. Le 2,41-52) e
discípulos; especialmente o Evangelho segundo Sao Joáo apre-
senta Jesús como presente ás festas dos judeus, por ocasiáo
das quais Ele expunha a sua mensagem; cf. 2,13-23; 4,3; 5,1;
8,1-10; 10,22s; 12,1; 12,12s. A peregrinagáo lembrava ao
povo de Israel — e lembra aos cristáos — que sao um povo
em marcha, posto em demanda da Térra Prometida, onde cor-
rem o leite e o mel (cf. Ex 3,8), ou chamado á Jerusalém
celeste Ccf. Gl 4,26), de tal modo que, para o cristáo, nao há
morada permanente na térra.

Entende-se que hoje em dia os peregrinos recorram aos


meios de transporte modernos; isto, porém, nao exclui que
durante o trajeto pratiquem atos de penitencia, pobreza,
sobriedade, abstinencia ou jejum, e procurem libertar-se do
supérfluo, do inútil, do que entrava o amor a Deus e o espi
rito de oragáo. Assim urna peregrinagáo se distinguirá bem
de um passeio turístico; os incómodos que ela possa acarretar,
seráo aceitos pelo cristáo em atitude de penitencia e santifi-
cagáo.

Entre os lugares que mais estima mereceram dos peregri


nos cristáos, vem, antes do mais, a Térra Santa, santificada
pela presenga de Cristo e da SS. Virgem (tenham-se em vista

— 276 —
ANO SANTO: QUE É? 13

Jerusalém, Belém, Nazaré...); os fiéis de Cristo sempre pro-


curaram com grande fervor visitar o país bíblico por exce
lencia. — Mas Cristo se manifestou e manifesta também na
vida de seus Santos, principalmente na dos Apostólos. Daí a
veneracáo que os cristáos sempre dedicaram a Roma, onde os
Apostólos Pedro e Paulo pregaram a fé e morreram, ficando
lá sepultados. A estima a Roma era táo grande entre os cris
táos peregrinos que a palavra «romeiro» veio a ser símbolo de
«peregrino».

2.5. Ano Santo num mundo secularizado

Está claro que o Ano Santo só pode ser plenamente com-


preendido á luz da fé ou por cristáos que tenham consciéncia
dos valores que a celebracáo do mesmo supóe e tenciona
avivar.

Pergunta-se, porém: que sentido pode ter o Ano Santo


para o mundo dos nao crentes, que acompanha tal celebracáo
com curiosidade e talvez com surpresa?

A historia dos últimos tempos habituou os povos á cele


bracáo periódica de anos comemorativos de pessoas ou tipos
de pessoas que merecam ou exijam ser colocadas em relevo:
assim é que, ñas últimas duas décadas, ocorreram o Ano Inter
nacional da Mulher, o da Crianga, o dos Deficientes, o dos
Anciáos. Também se costumam celebrar centenarios de per
sonalidades que tenham marcado de modo considerável o cená-
rio científico, artístico, militar, politico... da humanidade.
Ora a figura de Jesús Cristo, no contexto da historia univer
sal, é de importancia capital; Ele divide a serie dos sáculos em
segmentos «antes de Cristo» e «depois de Cristo»; o Senhor
Jesús transformou, pelo Evangelho, a mentalidade dos homens;
a sua mensagem penetrou no Imperio Romano, nos povos ger
mánicos e eslavos que sobrevieram á Europa, e se expandiu
deste continente para os demais incentivando os povos a novas
concepcóes e novas vivencias; Ele veio revelar o homem ao
homem, desvendando-lhe o sentido da vida, da dor e da morte,
que desembocam na ressurreicáo... Ora na ocorréncia do
WSO' aniversario da morte de Jesús Cristo, que foi Vitoria e
inicio de nova vida para todos, nao podia a Igreja silenciar o
fato; nao podia deixar de chamar a atengáo de crentes e nao
crentes para o Senhor Jesús e a repercussáo da sua obra na
historia. Os fiéis católicos consideraráo tal efeméride como

— 277 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 269/1983

«Ano Santo» no sentido pleno da palavra, vivendo-o com todo


o empenho da sua fé e do seu amor cristáos; os nao crentes
ou as pessoas menos identificadas com a Igreja também atri-
buiráo a tal aniversario um significado valioso, embora enten
dido sob aspecto um tanto diverso daquele que a fé sugere.

Pondo em relevo a obra salvífica de Jesús Cristo, a Igreja


convida todos os homens a que reavivem em si a consciéncia
dos valores espirituais, ameagados de marginalizacáo no mundo
materialista de hoje. Mesmo entre os nao crentes sao muitos
os que observam angustiados a «morte do homem» procla
mada pelo estruturalismo materialista e conseqüente á «morte
de Deus»; verificam que progressivamente o homem se empo
brece e esvazia na linha dos valores humanos; é asfixiado num
mundo que se tornou irrespirável. A averiguagáo deste lamen-
tável estado de coisas leva notáveis pensadores nao crentes a
procurar valores aptos a restaurar o sentido da vida humana.
Ora Cristo, com o seu Evangelho, pode oferecer a resposta a
todos quantos interrogam a respeito do valor da existencia
humana, do trabalho e da luta de cada dia, levando-os a supe
rar o sentimento de inutilidade e absurdo da vida.

A restauracáo dos valores espirituais em meio aos homens


nao poderá deixar de ter seus efeitos no foro meramente civil,
cómo nota o S. Padre Joáo Paulo II na Bula «Abri as Portas
ao Redentor»:
"Deve ser claro que este tempo forte, durante o qual todo crlstao
é chamado a realizar mais profundamente a sua vocacSo á reconciliagSo
com o Pal no Filho, só atingirá plenamente a sua flnaltdade, se redundar
em novos esforcos de cada um e de todos ao servlco da paz entre todos
os povos. Urna fé e urna vida auténticamente cristas devem necessarla-
mente configurar-se em urna caridade que realiza a verdade e promove a
fustiga" (n« 3).

Com outras palavras: proclamando um «Ano Santo», a


Igreja, do seu modo, contribuí para a solugáo dos problemas
dos nossos tempos; na verdade, estes nao sao meramente poli-
ticos, económicos, sociais, mas sao também, e principalmente,
moráis e espirituais. Somente urna perspectiva materialista
pode ignorar tal fato, reduzindo a problemática a choque de
interesses materiais ou a luta pelo poder. O olhar da fé, capaz
de penetrar a fundo no misterio da historia, toma consciéncia
de que esta se realiza primeiramente no coracáo do homem,
onde o mal e o bem disputam entre si a hegemonia; donde se
concluí que os valores moráis e religiosos nao estáo fora da
historia, mas no amago mesmo desta; a adesáo a Deus ou a
apostasia nao sao atitudes que interessem apenas ao respec-

— 278 —
ANO SANTO: QUE É? 15

tivo sujeito, mas tém conseqüéncias na historia da humani-


dade: «Todo homem que se eleva, eleva o mundo», dizem
muito sabiamente os mestres da vida espiritual, sem esquecer
que a recíproca também é verídica: «Todo homem que se
precipita no abismo do mal, arrasta consigo o mundo».

É, pois, para desejar que o Ano Santo se torne realmente,


para os cristáos, fator de conversáo e, para os nao crentes,
um convite a considerar com novo olhar o Cristo como por
tador de respostas e esperanzas para o mundo!
Na confeccSo deste artigo muito nos valemos das seguintes fontes:
JOAO PAULO II, Bula "Aperite Portas Redemptori", de 06/01/1983;
LA CIVILTA CATTOLICA, Signifícalo dell'Anno Santo, n<? 3.184, de
14/02/83, pp. 312-322;
PR 168/1973, pp. 515-530.

(Continuacáo da pág. 88)


URSS; os seus estudos de historia do Cristianismo sao todos marcados por
perspectivas de filosofía marxista. É claro que quem usa as lentes de pre-
mlssas preconcebidas, nao pode enxergar a historia em sua reaildade
objetiva; antes, há de desflgurá-la. Isto ocorre, sem dúvlda, no livro em
foco. A guisa de espécimen, sejam citados os dizeres das pp. 258s, onde
Donini anallsa a Liturgia dos primeiros sécuios:

"Nesta rede de cerimónlas religiosas que abracam todo o arco


existencial do homem, é cada vez menos concretizável toda a aspiracSo
dos estrados subalternos á autonomía e á igualdade, que era própria do
Cristianismo das origens. A llusao de se sentir no centro de todas as expe
riencias litúrgicas, do nascimento á morte, acentúa o processo de alienacao
do fiel no mundo da Irrealidade.

A celebracao do rito torna-se privilegio exclusivo de urna carnada


sacerdotal, estranha e, por vezes, contraposta ao conjunto de devotos. Quer
no Oriente, quer no Ocidente, as categorías menores dos subdláconos, dos
acólitos e dos leltores estabelecem urna especie de cotigacao elementar
entre a hierarquia e as massas; a eles cabe a tarefa de assistir os presbíteros
e diáconos nos preliminares da liturgia e de fazer a leitura dos textos sagra
dos e das homilías eplscopals no decurso das funcOes dominlcals"
(pp. 258s).

Estas palavras sio assaz tendenciosas. O Cristianismo certamente


proclamou a Igualdade de todos os seres humanos diante de Deus;
tenham-se em vista os textos de Ql 3,28; Cl 3,11; 1Cor 12,13, onde Sao
Paulo afirma que, aos olhos da fé, nSo tém significado as dlferencas entre
judeus e nao judeus, escravos e livres... Todavía o mesmo Apostólo justi
fica a diferenca de funcdes na Igreja (e em sua Liturgia) recorrendo á
imagem do Corpo, que possui diversos órgSos, Inconfundíveis entre si, mas
Indispensávels uns aos outros e, por Isto, merecedores de todo respeito;
cf. 1Cor 12,4-30.
(Continua na pág. 24}

— 279 —
Contradigo nos Evangelhos?

As Duas Genealogías de Jesús

Em sfntese: A genealogía de Jesús Cristo apresentada em Mt 1,1-17


nao coincide, quanto aos nomes apresentados, com a que se encontra em
Le 3,23-38: o Intervalo entre o rei Davl (século XI a.C.) e o Senhor Jesús
é praenchldo por nomes diversos. — Os exegetas, desde os Inicios do
Cristianismo, tfim estudado o assunto de modo a propor tres posslvels
expllcacóes para a dlversldade: 1) a hlpótese da genealogía de María;
2) a h¡pótese da leí do levlrato; 3) a hlpótese da adocáo. Esta última
é a mals verossfmll, como se pode depreender dos argumentos aduzldos
no corpo do artigo.

Comentario: Encontram-se nos Evangelhos canónicos


duas tabelas genealógicas de Jesús: a primeira em Mt 1,1-17,
e a segunda em Le 3,23-38.

S. Mateus procede de Abraáo até Jesús; S. Lucas, ao con


trario, comega em Jesús e retrocede até Adáo, «que era de
Deus» (Le 3,38). Comparando urna relagáo de nomes com a
outra, o estudioso verifica que nao coincidem entre si. O pro
blema assim formulado move muitos leitores da S. Escritura
a pedir explicagóes... Precisamente em vista de tal situagáo,
proporemos abaixo a problemática como tal e, a seguir, as
tres hipóteses construidas pelos exegetas para dar contas das
diferengas existentes entre as duas linhas genealógicas de
Jesús.

1. As características das duas listas

1.1. Mt 1,1-17

O primeiro Evangelho aprésenla a linha dos ascendentes


de Cristo até Abraáo, dispondo-a em tres series de quatorze
membros cada urna; o autor em 1,17 faz questáo de sublinhar
esta disposigáo dos nomes, dando a entender que era intencio
nal. Com efeito, um exame atento dos textos sagrados mos-
tra bem que o Evangelista omitiu varias geragóes para obter

— 280 —
AS DUAS GENEALOGÍAS DE JESÚS 17

o quadro artificioso de 3 x 14, ou seja, quarenta e dois nomes;


as omissoes nao se devem a mero esquecimento, pois sao fre-
qüentes e tém por objeto nomes importantes.

Eis as tres series mencionadas:


1. AbraSo 1. Salomño 1. Jeconias
2. Isaque 2. Robólo 2. Salatiel
3. Jaco 3. Ablas 3. Zorobabel
4. Judá 4. Asa 4. Abiud
S. Farés 5. Josafá 5. Ellacim
6. Es rom 6. Jorñ 6. Azor
7. ArS 7. Ozfas 7. Sadoque
8. lAmlnadab 8. Joata 8. Aquim
9. Naassom 9. Acaz 9. Eliud
10. Salmón 10. Ezequlas 10. Eleazar
11. Booz 11. Manassés 11. Mata
12. Obed 12. Amon 12. Jaco
13. Jessé 13. Josias 13. José
14. Davi 14. Jeconias 14. Jesús

Nesta tabela observe-se o seguinte:


Entre Jora e Ozias (v. 8), o autor sagrado silenciou tres
reís bem conhecidos: Ocozias, Joás e Amasias (cf. 2Rs 8,25-27;
11,2-19; 14,1). Entre Farés, que nasceu na térra de Canaá, e
Naassom, chefe da tribo de Judá na época do Éxodo, o Evan
gelista só menciona tres geracóes: Esrom, Ara e Aminadab;
ora este número é insuficiente para preencher o intervalo de
permanencia de Israel no Egito, que, segundo os cálculos mais
prováveis, foi de quatrocentos e trinta anos.
Entre Salmón, que nasceu no deserto, e Jessé, pai de
Davi, só figuram duas geragóes (v. 5s) para preencher um
intervalo de ao menos dois séculos, pois a construgáo do Tem
plo de Salomáo só foi iniciada quatrocentos e oitenta anos
após a travessia do deserto (cf. IRs 6,1); ora duas geragóes
sao insuficientes, pois os homens naquela época nao eram mais
longevos do que em nossos tempos...
O nome Jeoonias figura duas vezes (fim da segunda
serie, v. 11, e inicio da terceira, v. 12). Este nome grego,
porém, pode ser a tradugáo de dois nomes hebraicos muito
próximos um do outro: Joáaqim e Joiakin (pai e filho, con
forme 2Rs 24,6).
Pergunta-se agora: por que tanto se importava S. Mateus
com o esquema «tres series de quatorze geragóes»?
O motivo está em que quatorze representa o valor numérico
do nome hebraico de Davi (D = 4;V = 6;D=4). Assim Jesús
apresentado sob a rubrica 3 x 14 é apregoado como Davi ou

— 281 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

como Rei de Israel por excelencia (a multiplicagáo por tres, na


linguagem simbolista dos números, significa elevacáo ao grau
superlativo, plenitude de qualidades); a árvore genealógica de
Jesús, por conseguinte, no Evangelho de Mateus é arquitetada
de modo a exprimir propriamente urna tese teológica; o Evan
gelista quis dizer que em Cristo se cumpriram todas as pro-
messas feitas a Israel, pois Ele é o Consumador da obra de
Davi. Em comparacáo com esta mensagem, tornavam-se secun-
diários para o Evangelista o número exato e os nomes dos
varóes que se sucederam entre Davi e Cristo; S. Mateus tomou
a liberdade de os «arranjar» ou dispor de modo a transmitir
seguramente sua mensagem teológica. Com isto nao faltou á
veraddade, pois os leitores antigás reconheciam sua intengáo
artificiosa (de resto, comum entre os escritores de outrora).

1.2. Le 3,23-38

Embora Sao Mateus nao tivesse a intengáo de escrever


mera crónica a respeito de Jesús, estranha-se que a árvore
genealógica de Cristo por ele proposta tanto difira da que Sao
Lucas apresenta: esta sobe de Jesús até Adáo, o qual é ime-
diatamente oriundo de Deus. O terceiro Evangelista enuncia
77 (ou onze septenarios de) nomes, partindo de Cristo, pas-
sando por José, Heli, até chegar a Deus Pai...

Esses nomes parecem obedecer a urna disposigáo mnemo-


técnica, que assim se pode apreciar:
1? Serle 2? Serle 3? Serle 4? Serlo

1. Jesús 22. Salatlel 43. Davi 57. Taré


2. José 23. Nerl 44. Jessé 58. Nacor
3. Heli 24. Melqul 45. Obed 59. Saruque
4. Matat 25. Adl 46. Booz 60. Ragau
5. Levl 26. Cosa 47. Salmón 61. Faleque
6. Melqul 27. ElmadS 48. Naassom 62. Heber
7. Janal 28. Her 49. Amlnadab 63. Salé
8. José 29. Jesús 50. Ara 64. Calná
9. Matatías 30. Eliezer 51. Esrom 65. Arfaxad
10. Amos 31. Jorlm 5Sí. rares 66. Sem
11. Naum 32. Matat 53. Judá 67. Noé
12. Hesll 33. Levl 54. Jaco 68. Lameque
13. Nagal 34. SlmeSo 55. Isaque 69. Matusalém
14. Maat 35. Judá 56. AbraSo 70. Henoque
15. Matatías 36. José 71. Jared
16. Semei 37. JonS 72. Malaleel
17. Joseque 38. Ellacim 73. CalnS
18. Jodá 39. Meleá 74. Henos
18. Joaná 40. Mena 75. Sete
20. Resa 41. Matate 76. AdSo
21. Zorobabel 42. Nata 77. Deus.

— 282 —
AS DUAS GENEALOGÍAS DE JESÚS 19

Como se vé, os setenta e sete nomes ae agrupam com


certa harmonía: tres septenarios ou 21 nomes váo de Jesús
até o cativeiro babilónico (Zorobabel); outros tantos, do cati-
veiro até Davi; dois septenarios, de Davi até Abraáo (eram
estas as tres etapas da tabela apresentada por S. Mateus);
mais tres septenarios, de Abraáo até Deus, o Criador do género
humano e Pai de Nosso Senhor Jesús Cristo.

Nao se poderia provar que os agrupamentos ácima hajam


sido forjados artificialmente segundo alguma intengáo precon
cebida; contudo nao deixam de chamar a atengáo do estudioso.

De Davi a Abraáo, a lista é exatamente a mesma em Mt


e em Le, havendo apenas inversáo da ordem dos nomes. No
trecho, porém, que vai de Jesús a Davi, Sao Lucas enumera
seis septenarios, ao passo que Sao Mateus quatro; nesse tre
cho a tabela de Le nada tem de comum com a de Mt, a nao
ser os dois nomes Salatiel e Zorobabel (cf. Mt l,12s; Le 3,27).
Mesmo a respeito destes dois nomes os exegetas perguntam se
designam as mesmas pessoas: com efeito, em Mt Salatiel tem
Jeconias por pai, e Zorobabel tem Abiud por filho, ao passo
que em Le o pai de Salatiel é Neri e o filho de Zorobabel
é Resa.

Sendo assim, os estudiosos, desde os primeiros sáculos da


era crista, tém procurado a conciliagáo dos dois textos em
foco. Em vista disto, propóem-se hoje

2. Tres teorías exegéticas

2.1. A hipótese da genealogía de María

Añrmam alguns autores que a genealogia apresentada por


S. Lucas é a genealogia de María, Máe de Jesús, por conse-
guinte a genealogia real ou física do Senhor, ao passo que
a tabela de S. Mateus apresenta a ascendencia de José, pai
putativo de Jesús, por conseguinte a ascendencia meramente
legal ou oficial do Senhor: José descendería de Davi por vía
de Salomáo (cf. Mt 1,6), segundo a linha direta dos reís de
Israel; quanto a Mana, ela descendería de Davi por via de
Nata (cf. Le 3,31). Visando a facilitar a aceitagáo desta hipó
tese, seus defensores traduzem Le 3,23 de modo próprio, a
saber:

— 283 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

"Jesús, ao iniciar (seu ministerio público) com cerca de trlnta anos


de Idade, embora fosse tido como filho de José, era na verdade filho
de Hall...".

Heli, neste caso, seria o pai nao de Jesús nem de José,


mas de María Santíssima, da qual Jesús descendía imediata-
mente; assim, saltando o nome de María, S. Lucas teria pas-
sado ¡mediatamente para os ascendentes maternos do Senhor.

Eis, porém, que urna dificuldade parece levantar-se por


parte do nome do pai de María Santíssima. Conforme tradi-
cáo respeitável, seria Joaquim, (Joachim, em latim), e nao
Heli. Replicam que Heli ou Eli é a forma abreviada de Elia-
quim, sendo Eliaquim, por sua vez, nome equivalente a Joia-
quim, pois o que varia é apenas o modo de designar a Deus;
no segundo caso, Jo viria de Javé (= Aquele que é), enquanto
no primeiro caso Eli viria de £1 (= Deus); o significado do
nome seria conseqüentemente: «Javé (ou Deus), ergue, levanta».
Os nomes Joaquim, Eliacim (e Eli) se substituem mutuamente
na S. Escritura; cf. 2Rs 23,34; 2Cr 36,4; Jt 4,5.7.11 (Elia
quim) em confronto com Jt 15,9 (Joaquim).

Este sistema de solucáo do problema, proposto pela pri-


meira vez no fim do séc. XV por Ánio de Viterbo, encontra
desde o séc. XVI bom acolhimento por parte de exegetas tanto
católicos como protestantes.

A teoría, porém, nao satisfaz por dois motivos:

a) A tradigáo quase unánimemente afirmou que ambos


os Evangelistas referem a genealogía de Sao José; esta con-
vicgáo estava táo arraigada que até o séc. XV ninguém pen-
sou em recorrer á solucáo ácima, embora fosse táo cómoda.
Aos antigos, tanto judeus como greco-romanos, o que impor-
tava era a genealogía legal, oficial, nao propriamente a estirpe
natural; ora, estando Maria e José unidos em legitimo matri
monio, Jesús, que nascera nesse conúbio, era tido como legi
timo filho de José, embora seu nascimento tivesse sido virgi
nal (a prole, na verdade, pertence aos cónjuges); por isto o
Evangelista, narrando a ascendencia de José, nao fazia obra
vá, embora José fosse apenas o pai putativo ou oficial de
Cristo.

Para resolver urna dificuldade por vezes proposta, note-se


ainda: o fato de que os Evangelistas narram a genealogia de
José, filho de Davi e pai putativo de Jesús, e nao a de Maria,
máe do Salvador segundo a carne, nao permite concluir que

— 284 —
as duas genealogías de jesús 21

Jesús nao fosse Filho de Davi, como José; muito ao contrario:


María, sendo legítima esposa de José, devia igualmente ser da
Casa de Davi, já que os casamentes em Israel se faziam dentro
da mesma estirpe.

b) O texto de Le 3,23, que os propugnadores da sen-


tenga traduzem de modo próprio, significa, em seu sentido
obvio, que o Evangelista entende transmitir a genealogía de
José; é esta, com efeito, a sua traducáo mais provável, sem-
pre mantida pelos exegetas (pode-se dizer) até o séc. XVI:

"E Jesús, ao Iniciar (seu ministerio público) com cerca de trinta anos
de Idade, era tido como filho de José, filho de Hell, etc.".

É demasiado artificiosa e pouco fundada a traducáo ino-


vadora; além do que, nao se entendería a omissáo do nome de
María na árvore genealógica da própria Virgem Santíssima...
(note-se como o texto sagrado de Le refere a genealogía de
mulheres em 1,5; 2,36).

Na base destas observagóes, merece preferencia urna das


sentengas abaixo.

2.2. A h¡pól<ese da lei do leviralo

Suposto que os dois Evangelistas refiram a genealogía de


Sao José, como ácima foi dito, a primeira dificuldade que
surge para o exegeta é a de explicar como este varáo possa
ser apresentado por Mateus como filho de Jaco (cf. Mt 1,16),
quando Sao Lucas o propóe como filho de Heli (3,23).

A fim de elucidar a questáo, varios autores recorrem á


chamada lei do levirato, outrora vigente em Israel (cf. Dt 25,5s;
Rt 4,7; Mt 22,23-33; levir = cunhado, em latim): quando um
homem casado morria sem deixar herdeiro, o seu irmáo devia
esposar a viúva, a fim de suscitar prole ao defunto; caso esta
fosse de fato obtida, podía ser atribuida tanto ao seu pai real
(o segundo esposo da viúva) como ao seu pai legal (o pri-
meiro esposo, já falecido). Tal lei visava assegurar a perma
nencia da heranga ou do patrimonio dentro da mesma familia;
por isto só tinha sentido quando se tratava de dois irmáos
filhos dos mesmos genitores ou ao menos do mesmo pai (seme-
lhante disposigáo estava em vigor entre os assírios e os hititas).
Pois bem; fazendo-se a aplicagáo da lei do levirato ao nosso
problema, dir-se-á o seguinte-:

— 285 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

Mata, descendente de Davi por via de Salomáo, esposou


Está, da qual lhe nasceu Jaco. Urna vez morto Mata, Está
esposou Matat (ou Melqui), que descendía de Davi por via de
Nata; deste segundo conúbio, nasceu Heli. Por conseguinte,
Heli e Jaco eram irmáos uterinos, isto é, filhos da mesma máe.
Ora Heli veio a morrer sem filhos; entáo seu irmáo Jaco, em
virtude da lei do levirato, esposou a viúva de Heli, da qual
nasceu S. José; Jaco desta forma suscitava prole a seu fale-
cido irmáo Heli, de sorte que José podia ser dito filho de Jaco,
seu pai real (como aparece em Sao Mateus), e também filho
de Heli, seu pai legal ou oficial (como se vé em Sao Lucas).

Esquemáticamente ter-se-ia a seguinte figura:

Sao Mateus Sao Lucas


Linhagem de Davi por Linhagem de Davi por
via de Salomáo via de Nata

I I
MATA"""— * ESTA »——• -miATAT

I
JACO HELI

*JOSÉ*

Esta solugáo é, desde Julio Africano (séc. III), adotada


por numerosos exegetas. Aqueles que admitem que Salatiel e
Zorobabel (nomeados igualmente por Mateus e Lucas num tre
cho em que os dois evangelistas nada tém de comum) desig-
nam as mesmas pessoas, esses exegetas recorrem mais duas
vezes á lei do levirato para explicar as duas bifurcagóes da
linha genealógica decorrentes de tal hipótese: o que nao é inve-
rossímil, pois a lei do levirato devia ter aplicagáo freqüente.

Esta segunda solugáo do problema respeita bem os dados


da tradigáo e satisfaz ao texto do Santo Evangelho. Contudo
opóe-se-lhe certa dificuldade: a lei do levirato, como foi insi
nuado ácima, obrigava estritamente os filhos dos mesmos geni
tores ou ao menos do mesmo pai; nao se impunha, porém, aos

— 286 —
AS DUAS GENEALOGÍAS DE JESÚS 23

irmáos uterinos. Ora a hipótese proposta supóe a execugáo da


lei por parte dos filhos da mesma máe (Está). Nao seria arbi
trario admitir isto? É esta dúvida que leva varios exegetas a
recorrer a urna terceira solugáo.

2.3. A hipótese da adogáo


Segundo esta sentenga, Sao José terá sido filho de Jaco,
mas haverá sido adotado por Heli, de modo a também poder
ser considerado filho deste varáo. Ora Sao Mateus ter-nos-ia
transmitido os ascendentes de José por via de seu pai real,
enquanto Sao Lucas haveria seguido a linha do pai adotivo
de José.
A verossimilhanga desta hipótese depende da seguinte
questáo: a adogáo de filhos era ou nao costume vigente no
povo de Israel?
Responder-se-á que, embora a Lei de Moisés nada diga a
respeito, a prática da adogáo nao é estranha ao Antigo Tes
tamento; cf. Gn 48,5s; Ex 2,10; Est 2,7. Sabe-se outrossim
que estava em vigor entre os povos orientáis em geral, sendo
usual ainda entre os árabes de hoje. Nao há, pois, motivo
para nao a admitir na antiga nagáo israelita.
Com seguranca pode-se afirmar que no povo de Israel era
praticada a adogáo do genro por parte do sogro; aquele podia
entrar, sim, na familia deste com todos os direitos que a um
filho competiam. Tal tipo de adogáo se verificava com fre-
qüéncia especial nos casos de «filha herdeira», ou seja, quando
um pai nao possuia filhos masculinos a quem transmitisse os
bens da familia; entáo o lugar do filho primogénito era obvia
mente preenchido pelo genro.
Alguns textos bíblicos dáo testemunho dessa praxe em
Israel. Lé-se, por exemplo, em lCr 2,34s: Sesá nao teve filhos,
mas filhas; teve também um servo egipcio chamado Jeraá, ao
qual Sesá deu sua filha por esposa; esta gerou Eteu para ele
(isto é, para o velho pai). O texto de Esd 2,61 refere que
«Berzelai tomou por esposa urna das filhas de Berzelai, o
galaadita, e passou a ser designado pelo nome deste».
Nao se poderia provar que María Santíssima tenha sido
filha única e, por conseguinte, «filha herdeira». Nem é neces-
sário demonstrar isto para que tenha verossimilhanga a hipó
tese da adogáo de José na familia de Heli.
Das tres tentativas de solugáo do problema, a que mais
probabilidades reúne é esta tereeira. Será preciso, porém,
recordar que, para o leitor da S. Escritura, há urna tarefa

— 287 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

aínda mais importante do que a de procurar a conciliagáo das


duas tabelas genealógicas; faz-se mister, sim, antes do mais,
apreender a mensagem teológica desses textos, mensagem pri
mariamente intencionada pelos Evangelistas: Sao Mateus, jo-
gando era tomo do nome de Davi e subindo até Abraáo, quis
apresentar Jesús como o herdeiro das promessas feitas a Abraáo
e como o sucessor de Davi, o Rei de Israel por excelencia, o
qual, consoante as profecías do Antigo Testamento, veio bene
ficiar todos os povos. Quanto a Sao Lucas, remontando de
Cristo até o primeiro homem ou até Deus Pai mesmo, quis
acentuar principalmente o aspecto universalista da obra de
Cristo, mostrando que Jesús é o filho de Adáo, o Salvador de
todo o género humano.
* * *

(ContinuacSo da pág. 15)


Este breve olhar para dentro do livro de Donlno dé a ver quanto a
perspectiva do autor falsifica a historia. De resto, voltaremos a comentar
a obra em PR, dedlcando-lhe algumas páginas.

Código de Dimito Canónico, em edlcSo bilingüe (latino-portuguesa).


Traducáo oficial: Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil. —
Ed. Loyola, SSo Paulo 1983, 160 x 225 mm, 763 pp.

Saudamos a edlcSo bilingüe do novo Código de Dlreito Canónico, que


comecará a vigorar em 27/11 pf. Após vlnte e quatro anos de espera, o
povo de Deus tem agora urna coletánea de leis (1.752 cánones) atualIzada,
que versam sobre a vida dos leigos, dos clérigos, dos Religiosos, os sacra
mentos, os lugares e os tempos sagrados, a pregacáo, a catequese, as
escolas católicas, os melos de comunlcagSo social, os bens temporals da
Igreja, as sancdes e os procesaos judlclárlos... O texto oferece nio apenas
normas, preceltos e proiblcoes, mas também concepcoes teológicas e
eclesiológlcas, que constituem nSo raro pontos para a medltacao e a for-
macSo doutrlnárla do leitor; o novo Código procurou seguir de perto a
letra e o espirito da Constitulcfio Lumen Gentlum do Concilio do Vaticano II,
de Índole dogmático-pastoral; este fato vem a ser urna certa inovac&o na
prátlca legislativa da Igreja e penhor de enrlquecimento do Dlreito.

A traducáo portuguesa deve-se ao trabalho de bons canonistas bra-


slleiros, mas nSo é aínda a traducSo oficial da Santa Sé. Observe-se que a
edlcSo em pauta é acompanhada de notas explicativas ou breves comenta
rlos redigldos pelo teólogo e canonista Pe. Jesús Hortal S.J. e postos em
roda-pé, de modo a facilitar ao leitor a compreensáo do texto. Sem dúvlda,
seria para desojar que nao somante os clérigos e Religiosos conhegam o
novo Código, mas também os fiéis leigos portadores de algum encargo de
certa responsabilldade procurem ter acesso ao Código e o conhecam como
ele merece ser conhecldo e estimado.

O novo Código deverá por termo a comportamentos hesitantes que


nos últimos anos se Introduziram no povo de Deus pelo fato de estar em
translgSo de urna leglslacfio para outra. Permita Deus seja fator de coesio
e unldade entre todos os flélsl
E. B.

— 288 —
Na linha da Teología da Libertacáo:

"0 Ser e o Messias"


por José Porfirio Miranda

£m stntese: O autor do livro em foco parte de premissas do


exlstencialismo e do marxismo-leninismo, que ele aplica á exegese do
Evangelho. Em conseqüéncla, afirma que Jesús velo anunciar a (mediata
IrrupcSo do Reino de Deus, identificado com revolucSo social mals violenta
do que a do marxismo (este fol contaminado pelo capitalismo, de modo
que aínda se preocupa com produtlvldade); esta revolucáo havla de ocorrer
logo, segundo a mensagem de Cristo. Mas os discípulos fizeram do
Evangelho urna "religiSo", que desfibrou os propósitos revolucionarlos e
Imediatos de Jesús. Por Isto até hoje nfio houve tal transformacáo social;
els, porém, chegado o momento de realizar a revoluclo violenta e restaurar
o Cristianismo na sua Identidade secular ou náo-rellgiosa; Deus nao pede
culto, mas fustiga entre os homens.

Como se vé, o autor aborda o Evangelho a partir de categorías socio-


-políticas preconcebidas. Alias, tal é o esquema da teología da NbertacSo
em sua forma mals extremada: afirma, antes do mais, a necessidade da
praxis revolucionaria e, em fungáo desta, concebe a mensagem doutrinária
(logoa) crista, que assim é amoldada e desfigurada. Nao há dúvida, tal
procedimento falsifica o significado do Evangelho. Jesús velo revelar aos
homens o Pal, o misterio da Encarnacáo, o dom do Espirito, a flllacáo
divina..., verdades "puras", que, por certo, tém conseqüéncias multo
concretas no plano ético; estas conseqüéncias nfio sfio o objetivo primeiro
da pregafSo de Jesús, mas sao seqüelas moráis das verdades eternas re
veladas por Cristo. A reta posicSo do crlst&o perante o problema social é
formulada pela Doutrina Social da Igreja e suas encíclicas, que respeitam
o primado e a objetlvidade das verdades da fé, e despertam o fiel católico
para assumir na vida prática as conseqüéncias de tais premissas.

De resto, ó gratuito e falso dizer que o Cristianismo originariamente


nSo era Religlño (culto a Deus), mas apenas Incitamento á (mediata revo-
lucSo social. Jesús prevlu a dilacfio da parusia ou da consumacSo dos
tempos ñas parábolas do Jólo e do trigo, do grao de mostarda, do fermento,
da rede (cf. Mt 13,24-50).

i O Ser e o Méselas. Um estudo sobre o Messlanlsmo de Jesús, por


José Porfirio Miranda. Colecáo "Pesquisa e Projeto" n9 2. Traducáo de
Hugo Alberto Toschl. Ed. Paulinas, Sao Paulo 1982, 145x210 mm, 198 pp.

— 289 _
_26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

Comentario: José Porfirio Miranda identifica-se como


autor mexicano (p. 21), sem que se possam depreender as suas
características profissionais. Está convicto da necessidade de
urna transformado social imediata mais radical do que a do
marxismo, e recorre á S. Escritura, muito especialmente aos
Evangelhos, a fim de fundamentar a sua tese acentuadamente
revolucionaria. Coloca-se, pois, na linha extremada da Teo-
logia da Libertagáo. Já que as idéias do autor sao pessoais
e candentes, proporemos a sua tese, a qual se seguiráo alguns
comentarios.

1. As premissas do autor

José Porfirio Miranda é discípulo de duas escolas de pen-


samento: o existencialismo e o leninismo. A partir das pre
missas destas correntes, constrói a sua tese «teológica».

1.1. Existencialismo

O autor, que cita freqüentemente Jean-Paul Sartre e Mar


tín Heidegger, faz o auténtico ser depender da decisáo e do
agir do homem:

"O existencialismo descobrlu um novo campo do ser: um campo em


que o ser, para poder ser, exige a nossa dedsSo... O homem nSo existe
em sentido pleno se nao quando decide sobre o ser" (p. 23).

"A llberdade é o fundamento de todas as essénclas", afirma J. P.


Miranda, citando Jean-Paul Sartre; cf. p. 29 (L'étre et le néarrt, p. 514).

O próprio Deus so é na medida em que Ele é conhecido


como «aquele imperativo moral absoluto» ou como Aquele que
incita o homem a agir em favor da justiga social:

"O Deus da Biblia é um Deus futuro, pois... somonte no fim da


historia... os homens reconhecerSo no grito... do próximo aquele Impera
tivo moral absoluto em que consiste Deus... Ao contrario dos nossos
objetos ontológicos, o Deus da Biblia n§o ó antes, para ser conhecido de-
pols; é justamente enquanto é conhecido... Cessa de ser Deus asslm que
salmos da relacSo moral com o próximo. Segundo a ontologla ocidental
('filosofía da injustlca', como diz Levlnas), o objeto primelro existe e depois
ó conhecido, e existe Independentemente de ser conhecido ou nSo. Como
um tijolo, urna colsa, como um... objeto, justamente. Alguém dirá que a
realldade é Impensável de outro modo, mas os autores bíblicos continuam
a repetir que um Deus concebido como existente fora da InterpelacSo humana
de justiga e de amor nao ó o Deus que se revelou a eles, mas um ídolo
qualquer...

— 290 —
«O SER E O MESSIAS» 27

Somente num mundo de Justiga Deus será. O marxismo e o existen-


clalismo nao encontram Deus no mundo ocidental Justamente porque Deus
nao está nesse mundo e, portante, nSo pode ser encontrado" (p. 46).

Em conseqüéncia, como se verá adiante, J. P. Miranda


apregoa a urgencia de urna decisáo ¡mediata dos homens, espe
cialmente dos cristáos, em favor de urna revolugáo social.

Consoante os seus principios, o autor é contrario as «ver


dades puras» ou áquelas que nao implicam «a obrigagáo
improrrogável de transformar o mundo» (p. 72).

A outra fonte inspiradora do pensamento de J. P. Mi


randa é

1.2. O marxismo-leninismo

O autor é arauto de revolugáo social num sentido ainda


mais radical do que o do marxismo. Na verdade, diz ele, o
marxismo associa entre si produtividade e bem-estar, de modo
que nao dá atengáo aos improdutivos, ou seja, aos anciáos, aos
retardados mentáis, aos aleijados. «O tal deus que se
chama produtividade, nao reserva para eles lugar em seu
mundo. É triste observar isto: no momento em que
se trata realmente do homem, as bases marxistas se mos-
tram insuficientes. Todo o maravilhoso esforgo de Marx para
que 'a cada qual se dé conforme as suas necessidades', e nao
conforme a produtividade, nao tem eco no marxismo vigente»
(P. 40).
J. P. Miranda julga que a revolugáo marxista é insufi
ciente. Ela deixa ficar nos explorados — operarios e campo-
neses — o espirito burgués e capitalista, ou seja, o desejo do
lucro. Ora Lenin denuncia esta contaminagáo dos oprimidos
por parte dos seus opressores \ Donde se segué, conforme
J. P. Miranda, que «a sociedade comunista é irreali2ável se
nao se suprimir o desejo de lucro» (p. 20).

É á luz de tais premissas filosóficas que o autor considera


a mensagem de Jesús Cristo.

1 "Para Lenin, está claro que o próprlo proletariado, os próprios explo


radores, sejam operarios ou camponeses, foram Impregnados de espirito
burgués, daquele desejo de lucro que é tipleo do produtor privado: 'Estes
pequeños produtores rodeiam o proletariado de todos os lados por elementos
pequeno-burgueses, Impregnam-no destes elementos, corrompem-no, pro-
vocam constantemente no selo do proletariado recaldas de pusilanimidades
pequeno-burguesas, de atomizacáo, de Individualismo" (pp. 11s).

— 291 —
28 tPERGUMTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

2. A tese do livro

Cristo veio pregar urna revolucáo social a ser realizada


¡mediatamente. Essa revolugáo social introduz o Reino de Deus.
«Trata-se de crer que se completou o tempo e chegou o reino»
(P. 78).

O que Jesús veio anunciar, nao é propriamente um con-


teúdo, ou seja, o Reino de Deus, pois este já fora apregoado
pelos Profetas do Antigo Testamento, quando censuravam os
crimes e as injusticas de Israel e pediam respeito aos direitos
do próximo. O que Jesús veio trazer, foi a noticia do já agora:
neste momento é que o Reino de Deus deve ser inaugurado:

"NSo o conteúdo, mas o quando... Que havia um reino de Deus, todos


já sabiam. Que haverla um éschaton, todos sabiam. Mas que tudo isso se
realizo, se torne realldade presente, Isso o farlseu e o conservador e o
homem acomodado nfio querem aceitar... O único conteúdo do Evangelho
nSo é um conteúdo, mas um quando" (p. 79).

Para firmar esta tese, o autor prefere a esoatologia joa-


néia á sinótica, pois S. Joáo acentúa muito enfáticamente a
presenga do definitivo ou do éschaton no tempo atual; nao há
que esperar um fim dos séculos ainda distante para que se
instaure o Reino de Deus; cf. pp. 155-180. Este consiste, antes
do mais, em estruturas sociais justas. O termo «justica», que
na Biblia toma o sentido ampio de «ordem desejada por Deus»
(incluindo verdade, amor, respeito ao próximo e demais vir
tudes), é assumido por J. P. Miranda no sentido estrito da
virtude moral que procura dar a cada um o que lhe é devido.

O autor do livro pretende, com esta teoría, restaurar o


auténtico conceito de Cristianismo. Este terá sido deturpado
por aqueles que «absorveram o Cristianismo no esquema
'religiáo'»:

"A reabsorcfio do Cristianismo no esquema 'religifio' representou,


talvez, o maior desastre da historia. £ difícil pensar em falsIflcacSo malor,
e os senhores deste mundo difícilmente poderlam Inventar urna armadllha
mals eficaz para evitar a revolucáo da humanidade oprimida. A rellgl&o nao
altera a ordem vigente; teve sempre um lugar na socledade que sempre a
aceitou; nao Importa, ademáis, que nome tenha o deus do turno. Fazer o
Cristianismo entrar neste esquema fol a compreenslvel fraqueza dos per
seguidos e a torca sutil e Incontrastável dos opressores" (p. 42).

Verdade é que todos os homens sao espontáneamente reli


giosos, reconhece Miranda. Mas acrescenta:

— 292 —
«O SER E O MESSIAS»

"A mensagem da Biblia nao entra neste esquema, nao pretende satis-
fazer esta necessldade... Javé vem ao cosmo... para revolucionar, desde
os alicerces, este cosmo e esta Intelra estrutura social. Portante, recusa o
culto e o rejelta" (p. 42).

O autor cita entáo urna serie de textos bíblicos como


Mt 5,23; ICor 11,20-22; Mt 7,21-23; Am 5,21-25; Is 1,10-20;
Os 5,1.2.6; 6,6; 8,13; Mq 6,6-8; Jr 6,18-21; 7,4-7... De ma-
neira global, sem examinar o respectivo contexto de tais pas-
sagens, o autor afirma: «Javé nao exige justiga inter-humana
'além' do culto... Estas passagens, em síntese, dizem assim:
nao quero culto, mas justiga inter-humana, Tudo o que se
fizer para entender esta mensagem de outro modo, é mera
tergiversagáo... A religiáo é o lubrificante dos ciclos do
eterno retorno da historia. A revolta contra a religiáo é obri-
gatória para quem está convencido de que se deve realizar a
justiga» (p. 42s).

Com outras palavras: o autor repete o chaváo marxista


que julga ser a religiáo o opio do povo. Se ainda faz profissáo
de Cristianismo, entende o Cristianismo em sentido totalmente
secularizado ou secularista, como sistema propulsor da revo
lugáo social. O capítulo VIH do livrot que desenvolve esta tese
em toda a sua amplidáo, tem por título: «O equívoco cha
mado Cristianismo» (pp. 141-154); o capítulo IX, concebido
segundo a mesma orientacáo, intitula-se: «A demitizagáo do
Evangelho» (pp. 155-180). O autor diz explícitamente á p. 30:

"Esta coincidencia do Cristianismo com filosofías atéias, como as de


Heidegger e de Sartre, nao é fortuita, nem anedótica, como pretenden) os
propnos Heidegger e Sartre" tp. 30;.

Conseqüentemente, «a tarefa da teología nao é a de afir


mar verdades, mas de proclamar a noticia que se chama
'evangelho' » (p. 73), evangelho identificado com imediata
vinda do Reino através de violenta transformacáo social.

Tal é, em grandes linhas, a tese de J. P. Miranda. Este


quer urna revolugáo ainda mais radical que o marxismo (pois
lia de extinguir o conceito de lucro entre os homens) e a quer
de imediato, afirmando que o existencialismo, despertando nos
homens a consciéncia de culpa, há de ser o dinamizador dessa
transformagáo.

— 293 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

3. Ponderando...

O livro de Miranda nos sugere quatro pontos de reflexáo,


dos quais o primeiro é de índole geral e os seguintes visam a
tópicos particulares.

3.1. Teología ou teoría da libertajáo?

J. P. Miranda segué nítidamente o esquema da mais extre


mada teología da libertagáo. Com efeito; esta toma como
ponto de partida a praxis, ou seja, a necessidade de transfor
mar a ordem social, e em funcáo da praxis formula o logos
ou a doutrina da fé; em conseqüéncia, todas as proposigóes da
fé sao concebidas em vista da aceleragáo da revolugáo social.
Nao há verdades «puras»; qualquer proposigáo só é verídica
se concorre para a reforma das estruturas sociais.

Tal é, sem dúvida, o curso do raciocinio de Miranda. Ora


este procedimento intelectual ja nao merece o nome de teolo
gía, mas, sim, o de teoría da libertagáo. A auténtica teología
procede sempre da Palavra de Deus Revelada; o teólogo pro
cura aprofundá-la objetivamente, auscultando as verdades eter
nas e «puras» que ela transmite; Deus fala de si mesmo, de
sua vida trinitaria, do seu plano salvifico, que tem por centro a
Encarnagáo do Verbo e que implica para os homens a filiagáo
divina ou o consorcio da vida trinitaria. Deus fala também da
oragáo, á qual Ele convida todos os seus fiéis; deixou-lhes
mesmo o seu Corpo e o seu Sangue, mandando celebrar o me
morial da sua Paixáo... Destas verdades «puras» decorrem
conseqüéncias práticas altamente imperiosas para quem as
aceita: «a nobreza obriga». Sim; o cristáo há de imprimir neste
mundo os tragos do plano de Deus ou as marcas da vida nova,
da vida de filho de Deus, de que ele é portador. Isto implica
genuina renovagáo da sociedade, a fim de que, em lugar do
odio e das injustígas, reinem o amor e a justiga. A Doutrina
Social da Igreja formula minuciosamente tais exigencias éticas
e pungentes.

Destas ponderagóes se segué que nao é a teología da liber


tagáo em sua forma extrema que interessa ao cristáo, mas,
sim, a doutrina social da Igreja. Infelizmente, porém, muitos
julgam que, para construir um mundo novo, tém que pro-
fessar a teologia da libertagáo; nao percebem que esta, em sua

— 294 —
*0 SER E O MESSIAS» 31

forma mais aguda, já nao é teología, mas marxismo acober-


tado por fórmulas teológicas. O que importa ao cristáo dese-
joso de renovar a sociedade, é abracar e aplicar a Doutrina
Social da Igreja, contida ñas encíclicas papáis; é esta que, res-
peitando a Palavra de Deus em sua identidade e integridade,
deduz da mesma as normas de ética social que sao o auténtico
eco da Revelagáo. A justiga social é urna conseqüéncia impe
riosa da Palavra de Deus, mas nao é a primeira nota da sua
mensagem.

3.2. Cristianismo e Religiáo

O Cristianismo é, essencialmente, relacionamento do ho-


mem com Deus,... relacionamento filial com o Pai. Neste sen
tido pode e deve ser tido como Religiáo, de modo que nao
erraram aqueles que o conceberam e praticaram como Reli
giáo. O aspecto religioso, sacral e litúrgico do Cristianismo é
inerente a este, de tal forma que um Cristianismo sem Deus
e sem culto já nao é Cristianismo; um Cristianismo seculari
zado, tal como o apregoam os «teólogos da morte de Deus»
(van Burén, Altizer, Hamilton...) já nao pode ser atribuido
a Jesús Cristo.

O auténtico Cristianismo religioso nada tem que ver com


a) alienagao social <ou opio do povo. Ao contrario, o
genuino Cristianismo é severo e exigente para com seus adep
tos, como o lembrava insistentemente o Concilio do Vaticano II
(Constituigáo Gaudium et Spes n» 43): erra clamorosamente o
cristáo que instituí o divorcio entre a sua vida espiritual e a
sua vida profissional, entre o foro religioso e o foro civil.

b) magia... A palavra «Religiáo» foi atribuido signifi


cado pejorativo por teólogos como Karl Barth e Dietrich
Bonhoeffer, como se designasse a tentativa, do homem, de domi
nar a Deus mediante ritos e «preces fortes». Ora tal nao é o
sentido da religiáo crista; esta se baseia na graga de Deus,
que nao é previamente condicionada pelo homem, pois «Ele
primeiro nos amou» (cf. Uo 4,10.19).

3.3. Culto a Deus e justi$a social

De quanto foi dito, depreende-se que nao há oposigáo entre


culto a Deus e prática da justiga social. O que os profetas e
o Senhor Jesús recriminam nos textos citados por J. P. Mi-

— 295 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

randa, é o culto hipócrita ou o culto prestado por fiéis de


consciéncia culposa ou despreocupada dos ditames da Ética.
Os Profetas, proferindo seus oráculos em tempos de decaden
cia dos reinos de Samaría e de Judá, tiveram que censurar
repetidamente a atitude dos maiorais e do povo de Israel, que
faziam do ritual litúrgico urna especie de para-raio a imunizá-los
da justiga divina.

3.4. Pregajáo crista e escatologia

Nao há dúvida, Jesús anunciou o cumprimento das profe


cías messiánicas do Antigo Testamento e a irrupgáo do Reino
de Deus. Ele era a autobasiléia ou o próprio Reino, como
diziam os doutores da Igreja antiga. Com Jesús a «última
hora» da historia se initíou (cf. Uo 2,18). Isto quer dizer
que, após Jesús, os homens nao esperam mais nenhuma Reve-
lagáo nem algum sacramento novo da parte de Deus. A his
toria da humanidade poderia ter acabado logo com a geragáo
que ouviu a pregagáo do Divino Mestre.

Todavia, por designio de Deus (e nao por intervengáo dos


homens), esta «última hora» se protrai até nossos dias. Já no
Apocalipse, escrito nos últimos anos do século I, se exprimía
o anseio dos cristáos pela imediata consumagáo da historia,
anseio ao qual o Senhor Deus responde a partir do seu inson-
dável designio:

"VI sob o altar as vidas dos que tlnham sido morios por causa da
Palavra de Deus o o testemunho que déla tlnham prestado. E eles clamaram
em alta voz: 'Até quando, o Senhor santo e verdadelro, tardarás para fazer
justlca, vlngando o nosso sangue contra os habitantes da térra?' A cada
um deles fol dada entSo urna veste branca, e foi-lhes dito, também, que
repousassem por mais um pouco de tempo, ató que se completasse o
número dos seus companheiros e irmaos, que haveriam de ser mortos como
eles" (Ap 6,9-11).

«Até que se completasse o número de seus irmáos...» Ai


está o porqué da protelagáo do fim da historia. A Cidade de
Deus (como diría S. Agostinho) aínda está preenchendo o
número de seus cidadáos. Alias, é de notar que Jesús mesmo
previu a dilagáo do fim ou da consumagáo da historia ñas
parábolas do joio e do trigo, do grao de mostarda, do fermento
na massa (cf. Mt 13,24-33) e da rede (cf. Mt 13,47-50).

Na expectativa da consumagáo da historia, compete aos


cristáos trabalhar sobre a térra em prol de um mundo mais
justo e fraterno; sabem, porém, que nenhuma revolugáo ou

— 296 —
«O SER E O MESSIAS» 33

artimanha poderá provocar a consumagáo dos tempos ou, ao


menos, a plena instauragáo da justiga neste mundo. É ilusorio
crer que, mediante colaboragáo fraterna de todos os homens,
se estabelecerá paz e felicidade entre os povos, de modo a se
ter o «paraíso» sobre a térra. O pecado original (que, segundo
J. P. Miranda, é pecado de injustiga, cf. p. 25) deixarásem-
pre suas marcas na historia, de maneira que, somente quando
Cristo tiver vencido o último inimigo, a morte, estará consu
mada a obra da redengáo do género humano (cf. ICor 15,26-28).

Esta doutrina paulina, alias, nao se concilia com a afir-


magáo de J. P. Miranda, segundo o qual «ainda hoje no último
terso do sáculo XX, o mundo nao tem ouvidos para ouvir que,
se a injustiga é suprimível da historia humana, também a
morte é suprimível» (p. 37). Pergunta-se: o fato de que o
homem morre, está simplesmente e táo somente ligado ao fato
das inJustinas sociais? A morte, na Biblia, tem um sentido
marcadamente teológico; ela é vencida por Cristo mediante o
cultivo de um conjunto de valores, dos quais a justiga social
é apenas um.

Á luz de quanto foi dito, verifica-se que nao há oposigáo


entre a escatologia joanéia e a escatologia sinótica: S. Joáo
acentúa o fato de que os bens definitivos já existem sob forma
germinal na hora presente da historia através da ordem sacra
mental e da graga santificante; ao invés, os Sinóticos chamam
a atengáo para a etapa final do desabrochamento do germen
da graga santificante, descreyendo a parusia ou a segunda
vinda de Cristo em estilo apocalíptico. É de frisar, porém,
que essa parusia nao será senáo a plena manifestagáo de urna
realidade já latente no seio de Igreja e nos coragóes dos fiéis.

Eis as principáis reflexóes que pode sugerir ao leitor a


análise do livro de José Porfirio Miranda...

Ainda á guisa de observagáo final: a rubrica «Com apro-


vagáo eclesiástica» que figura ia p. 4 do livro, deixa margem
para urna pergunta: quem deu tal aprovacáo? Foi o livro
devidamente examinado por alguém que, depois de o ler crite-
riosamente, o pudesse aprovar em nome da Igreja? Ou será
que tal rubrica se tornou um estereotipo, mero ornamento de
fachada, que póe em causa a autoridade dos nossos Bispos
sem que estes possam responder por tal fórmula? Seria opor
tuno que se estabelecessem criterios precisos para o uso da
fórmula e constasse sempre o nome de quem tenha aprovado
em nome da Igreja.

— 297 —
Qual o sentido da Religiáo?

Freud e a Religiáo

Em síntese: Sigmund Freud combateu a religi&o em obras como


"Tótem e Tabú", "O Futuro de urna llusSo", "Moisés e o Monoteísmo"...
Para desfazer a rellglosldade, valeu-se de pesquisas sobre os povos primi
tivos e do fato de que o ser humano tem a capacldade de criar deuses á
sua imagem e semelhanca (ou á Imagem e semelhanca do pai). Todavía,
numa apreclacSo objetiva e serena, verlflca-se que os estudos etnológicos
de Freud chegaram a conclusSes hoje superadas pelos próprios etnólogos.
Verifica-se também com Cari Gustav Jung que a rellgiSo, longe de resultar
de um mecanismo de transferencia ou de urna neurose obsesslva, é o antí
doto das neurosos; Jung observava que o aumento de neuro.ses no mundo
atual está relacionado com o decllnlo da religlSo.

Os estudiosos reconhecem que a poslcáo anti-rellglosa de Freud se


deve, em grande parte, a problemas pessoais do mestre, que nunca estudou
a fundo a mística e nao encontrou no Catolicismo austríaco de sua época
a acolhida a que aspirava.

Comentario: O ateísmo de nossos días tem suscitado a


guestáo do significado ou do valor da religiáo. Será expressáo
de mentalidade ignorante, amedrantada ou doentia? Terá que
ver com infantilidade ou senilidade? — Entre os autores que
últimamente tentaram desfazer o sentido da Religiáo, conta-se
Sigmund Freud (t 1939), o fundador da psicanálise, que usou
de concepgóes próprias no intuito de destruir os valores reli
giosos, exercendo enorme influencia no pensamento e na con-
duta do homem contemporáneo: penetrou na pedagogía, na
ética, na medicina, na arte, tornando-se, especialmente para os
anglo-saxóes, o autor de urna concepcáo de vida.

As idéias de Freud, á primeira vista, impressionam o estu-


dante e o estudioso. Eis por que, á guisa de subsidio para o
aprofundamento do assunto, dedicaremos estas páginas á posi-
gáo de Freud perante a Religiáo. — Comegaremos por expor
alguns dados biográficos de Freud que nos permitiráo enten
der thelhor as atitudes do famoso mestre perante a fé.

— 298 —
FREUD E A RELIGIAO 35

1. Dados biográficos

Sigmund Freud nasceu de familia judaica em Freiberg


(atual Tchecoslováquia). Os seus pais eram fiéis & leitura da
Tora (Leí de Moisés) em casa. O menino tinha urna ama
católica, que o levava á igreja católica daquela pequeña cidade;
a crianca era muito atenta aos sermóes que ali ouvia.

Aos quatro anos de idade, seus pais o levaram para Viena


(Austria), onde poderíam melhor desenvolver o comercio.
Neste grande centro urbano o Catolicismo era a religiáo do
Estado, e os judeus sofriam restrigóes na vida social.

Na Universidade comecou por aderir ao monismo místico


de Schelling. Logo, porém, passou-se para a cosmovisáo mate
rialista de seu professor Brücke, de Fisica fisiológica. De
acordó com este pesquisador, as verdadeiras ciencias sao a Fí
sica e a Química; as reagóes fisiológicas e biológicas sao redu-
tíveis a estas. A ciencia há de poder explicar todas as mani-
festacóes da vida a partir da Física e da Química; compete á
ciencia formular teorías abrangentes para todos os fenóme
nos biológicos. Na Universidade, pois, deixou- de professar o
judaismo a ponto de pensar em casar-se apenas no foro civil;
todayia, por insistencia de sua noiva, aceitou as cerimónias
judaicas do matrimonio. — Nao simpatizava com o Catoli
cismo; parece que alguns católicos alegavam a origem judaica
de Sigmund Freud para dificultar a sua nomeagáo a urna cáte
dra universitaria. A posigáo assim sofrida levava-o a ver no
Catolicismo um adversario.

O fato, porém, é que a questáo religiosa multo interessava


a Freud. Leu numerosas obras sobre as religióes dos povos
primitivos. Dedicou-se também á pesquisa sobre o ocultismo.
Confessava que aceitaría a tese da sobrevivencia postuma se
alguém voltasse do além para dar-lhe um testemunho sobre o
assunto. É o que explica tenha Freud, na segunda metade
de sua vida, escrito alguns livros sobre a religiáo.

Em suma, nao se pode dizer que o pesquisador austríaco


era visceralmente ateu, como já se tem escrito. O próprio
Freud dizia-se, as vezes, ateu, mas, em outras oportunidades,
herético. Numa palavra: poderia afirmar-se que Freud era
ambivalente para com a religiáo. Rejeitava-a exteriormente,

— 299 —
35 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

mas procurava compreende-la; pesquisava-a como quem pro


cura algum valor. Nao renegou o judaismo, embora nao qui-
sesse seguir as observancias judaicas.

Examinemos agora a maneira como Freud considerou a


religiáo.

2. Freud e a Religiáo

Formado em medicina no ano de 1871, S. Freud pós-se a


pesquisar o comportamento humano e suas causas psíquicas,
frecuentemente inconscientes ao próprio sujeito. Assim deu
inicio á psicanálise sistemática ou á análise sistemática do psi-
quismo humano.

Entre as manifestagóes humanas prenhes de sentimentos e


desejos profundos estáo, sem aúvida, os fenómenos religiosos.
Por conseguinte, também estes foram por Freud submetidos a
um processo psicanalitico, destinado a descobrir as origens e
as causas do sentimento religioso.

2.1. Reügfóo e neurose obsessiva

A primeira publicagáo explícitamente religiosa de Freud


apareceu em 1907. Tratava-se de um artigo sobre «Os atos
obsessivos e as práticas religiosas» publicado no periódico
Zeitschrift fiir Beligionspsychologie. Julgando haver analogías
entre atos obsessivos e práticas religiosas, escrevia o autor:

"Depols de asslmllar estas coincidencias e analogías, podaríamos


arriscar-nos a considerar a neurose obsessiva como a companhelra patoló
gica da religlosldade individual e a rellglfio como urna neurose obsessiva
universal".

2.2. Tótem e Tabú

Freud verifícou que sua oonclusáo ultrapassava os termos


das premissas: nao lhe era lícito conceituar a religiáo a partir
de certos casos individuáis patológicos. Na verdade, nao se
pode dizer que todas as manifestagóes religiosas sao obsessi-
vas ou neuróticas. Em conseqüéncia, o pesquisador resolveu
aprofundar seus estudos, voltando-se para as expressóes reli
giosas dos povos primitivos; nao forneceriam estas urna pista
para se detectar a origem do fenómeno religioso?

— 300 —
___ FREUD É A REUGIAÓ 37

Como resultado de tal pesquisa, Freud publicou em 1917


o livro Tótem und Tabú. Baseava-se especialmente no estudo
do comportamento dos aborígenes da Australia tidos como os
homens mais primitivos existentes no inicio do século XX:
estes reverenciam um tótem, ou seja, um animal ou urna
planta ou alguma forga da natureza, que representa o ante-
passado do respectivo clá e vem a ser o espirito protetor deste
clá. Nao matam nem comem o tótem, exceto em ooasióes espe
ciáis (como os banquetes totémicos). Acontece também que os
povos totémicos so praticam a exogamia, isto é, só podem con-
trair casamento com pessoas de fora do seu clá totémico.

Ora Freud julgou encontrar nestes fatos a explicacáo para


o surto da religiáo. Na horda primitiva o velho pai «Gorila»
limitaya o acesso as mulheres, de modo a criar para seus filhos
um clima insustentável. Estes entáo resolveram matar o pai
(tótem) e comer o cadáver do mesmo. Todavia, feito isto,
conceberam o medo de que a mesma sorte lhes fosse infligida
por seus próprios filhos. Assim despertou-se neles o senti-
mento de culpa. Proibiram a seus descendentes matar o pai e
estípularam que os mesmos teriam de procurar mulheres fora
do clá, limitando de certo modo o uso do sexo (tabú). Desta
maneira nasceu a religiáo: ela compreende cerimónias litúrgi
cas, festas comemorativas..., que sao a continuagáo do sacri
ficio totémico e da ceia que se lhe seguiu; compreende tam
bém preceitos moráis, que sao o eco dos tabus iniciáis refe
rentes ao parricidio e <a exogamia.

Freud aplica tais concepgóes explícitamente ao «mito


cristáo»:

"No mito crlstao, o pecado original resulta incontestavelmente de urna


ofensa a Deus Pal. Ora, visto que Cristo libertou os homens da pressáo do
pecado original, sacrificando a próprla vida, podemos concluir que tal
pecado consistirá num morticinio. Segundo a lei do taliáo profundamente
arraigada na alma humana, um morticinio só pode ser expiado pelo sacrificio
de outra vida; o sacrificio de si mesmo implica a expiacSo de um ato
mortífero. E, quando o sacrificio da próprla vida deve provocar a recon-
ciliacSo com Oeus Pai, o crlme a expiar nao pode ser senáo o parricidio.

Assim na doutrina crista os homens confessam francamente a sua


culpabilidade no ato criminoso originarlo, pois somente pelo sacrificio de
um dos filhos os homens prestam a explacao mals eficaz. A reconcillacSo
com o pal é particularmente sólida pelo fato de que, ao mesmo tempo que
se cumpre esse sacrificio, os homens proclamam a renuncia á mulher, que
fol causa da rebellSo contra o pal. Mas aquí se manifesta urna vez mais a
fatalidade psicológica da ambivalencia. Ao mesmo tempo e pelo mesmo
ato, o fllho, que oferece ao pal a expiacBo mals cabal que se possa
imaginar, realiza os seus déselos em relacéo ao pai. Ele se torna Deus,

— 301 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

ele mesmo ao lado do pal ou, mals exatamente, em lugar do pai. A re-
ligISo do fllho substltul-se á religlio do pal. E, para assinalar esta subs-
tituIcSo, restaura-se a antiga refeicao totdmica ou, com outras palavras,
Instltul-se a comunháo, pela qual os Irmáos reunidos provam da carne e do
sangue do fllho, e nao do pal, a flm de se santificar e se identificar com ele.
Asslm, observando atravós das épocas sucessivas a identidade da refelcio
totémlca com o sacrificio animal, com o sacrificio humano teantróplco e com
a Eucaristía crista, encontramos em todas essas solenidades o eco e a
ressonancia do crime que tanto pesava sobre os homens e do qual eles
deveriam estar ufanos. Mas comunhfio crista, em última Instancia, nSo é
senSo urna nova supressáo do pal, urna repetigño do ato que exige explacéo.
E compreendemos quanto Frazer tinha razSo quando dizia que 'a comunháo
crista absorveu e assimitou um sacramento multo mals antigo do que o
Cristianismo'" (Tótem et Tabou, Payot, París 1951, pp. 211-213).

Como se vé, Freud se baseia em apreciagao muito super


ficial dos conceitos cristáos de pecado original, Redengáo,
Eucaristía, etc. O fato, porém, é que o livro causón discussáo
e espanto entre os estudiosos. Antes de comentar o assunto,
vejamos a ulterior evolugáo do pensamento do mestre vienense.

2.3. «O Firturo de urna llusáo»

Em 1927 Freud publicou tal obra, que já nao é o resul


tado de pesquisas empíricas, mas decorre de um filosofar sobre
o assunto.

Em prímeiro lugar, o autor analisa a forga dos argumen


tos geralmente aduzidos em favor da religiáo.

Devemos aceitar a religiáo: 1) porque apresenta dogmas,


e os dogmas se impóem por si; 2) porque se trata de verda
des transmitidas por nossos antepassados; 3) porque ao menos
alguns dos pontos fundamentáis da religiáo foram confirmados
pela experiencia; 4) porque, sem religiáo, nao haveria funda
mento sólido para manter a moralidade entre os homens.

Freud, após examinar cada um desses argumentos (que,


diga-se de passagem, sao extremamente fracos), julga-os insu
ficientes (alias, um cristáo diría a mesma coisa). Com efeito,
contra-argumenta Freud: 1) nao podemos crer em algo só por
ser dogma, pois isto nos levaría a crer também em absurdos;
2) os nossos antepassados eram homens mais rudes e crédulos
do que nos; por isso podiam deturpar o que nos queriam trans
mitir; 3) quanto as confirmagóes, ninguém voltou do outro
mundo para contar o que la ocorre; 4) os homens observaráo
reta conduta moral simplesmente pela necessidade de convi-
verem em harmonia, sem precisarem de recorrer a Deus.

— 302 —
PREÜD E A REtlGlAÓ 39

Por isto, pergunta Freud: se os argumentos dos apolo


gistas da religiáo nada provam, como se pode explicar a exis
tencia da mesma? — A resposta afirma que as razóes da reli
giáo estáo no próprio homem.

Com efeito; a conquista laboriosa da natureza e a civili-


zacáo exigem do homem sujeigáo a normas e renuncia aos
instintos. Ora é precisamente neste contexto que entra a
religiáo:

"Os deuses guardam urna tríplice tarefa a cumprir: exorcizar as torcas


da natureza, reconciliar-nos com a crueldade do destino, especialmente
manifestada na morte, e compensar-nos dos sofrimentos e das privacaes
que a vida social ImpSe ao homem" (L'Avenir d'une Illuslon. Denoel et
Steele, París, 1932, p. 46).

Sem metáfora, Freud diria: os homens fizeram das forgas


da natureza, inicialmente hostis, forgas protetoras ou forgas
equivalentes as de um pai ou as de um Deus. Com outras
palavras: a crianga necessita da protegáo que seu pai lhe ofe-
rece, pois é fraca; com o passar do tempo, porém, verifica que
ela será sempre crianga, ou seja, sempre carente, sempre neces-
sitada de tutela e amparo contra forgas naturais soberanas e
desconhecidas; em conseqüéncia, o adulto, já nao podendo con
tar com o apoio do pai, transfere para as forgas da natureza
os atributos da figura paterna; assim cria seus deuses, dos
quais ele tem medo, mas que ele procura tornar propicios e
que finalmente se tornam seus amigos e protetores. O con-
ceito de Deus, portanto, nao é senáo a projegáo da imagem do
pai que o homem traz dentro de si desde a infancia. Esse Deus
nao existe, mas é mera invengáo da mente; por conseguinte, a
religiáo é o culto de urna ficgáo ou é urna ilusáo; só serve á
aquietagáo dos instintos, enquanto o homem é incapaz de se
libertar déla.

"Quallficamos de ilusáo urna crenca que aparece gerada pelo impulso


da satisfacao de um desejo, presclndindo de sua relacáo com a realidad©,
da mesma forma que a ilusio prescinde de qualquer confirmacao por parte
do real" (ibd., pp. 83s).

Continua Freud: embora a religiáo até os tempos atuais


tenha sido útil á humanidade, ela deve ser rejeitada na me
dida em que o género humano chega á maior idade; o que
era bom na infancia, já nao convém ao adulto. Este dtíve
dominar seus impulsos como adulto, recorrendo ao Logos ou
á razáo. Isto acarretará urna certa desilusáo dolorosa para a

— 303 —
40 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 269/1983

humanidade: em vez de se reconfortaren! com a esperanga do


céu e da térra, os homens deveráo concentrar suas energías
em sua vida terrestre: «Entáo, como um dos nossos compa-
nheiros ateus, poderáo dizer sem pesar: Tteixemos o céu aos
anjos e aos pardais!' » (Freud).

O pesquisador vienense perguntou a si mesmo se esse


futuro sem religiáo, dirigido pela ciencia, nao será também
urna ilusáo... Freud reconheceu que essa visio do mundo
também pode ser ilusoria, mas julga que é melhor aceitar urna
ilusáo ocasionada pela ciencia do que a ilusáo da religiáo.

2.4. «Mal-estar na Civilizajáo»

Tres anos após a publicagáo de «O Futuro de urna Ilusáo»,


isto é, em 1930 Freud editou a obra «Malestar na Civilizagáo»,
em que também tratou de religiáo. Eis os pontos principáis
deste novo tratado:

a) Romain Rolland, escritor francés, Premio Nobel, obje-


tou a Freud que este nao levava em conta «a verdadeira fonte
dos sentimentos religiosos», a saber: «urna sensagáo de eter-
nidade, um sentimento de algo de ilimitado e, por assim dizer,
oceánico»; com outras palavras:... o sentimento religioso
inato em todo homem. — Freud respondeu-lhe que ele nunca
experimentara tal sentimento, o qual, de resto, poderia ser
considerado um resquicio da psicología infantil: tratar-se-ia da
náo-superagáo daquela fase em que a crianga aínda vive em
uniáo com a máe, nao realizando a separagáo do seu eu.
b) Freud, nessa mesma obra, abordava o problema da
procura da felicidade como razáo de ser da vida humana; com
pete a cada um encontrar a felicidade escolhendo os seus meios
e adaptando-se as condigóes do seu ambiente. A propósito
referiu-se á religiáo em termos céticos:
"A religiáo prejudica esse logo de adaptado e de seiecfio Impondo
uniformemente a todos as suas próprlas vías para chegar á felicidade e á
imunldade contra o sofrimento. A sua técnica consiste em rebalxar o valor
da vida e em deformar de modo delirante a imagem do mundo real; ora
Isto Implica a lntimldacáo da inteligencia. Desta maneira, reduzindo seus
adeptos a um infantilismo psíquico e fazendo-os compartilhar um delirio
coletlvo, a religiáo consegue preservar multa gente de urna neurose
obsesslva, mas nao faz mals do que isso. Ha, como dissemos, urna multidáo
de camlnhos que levam á felicidade, na medida em que esta é acessivel
aos homens, mas nenhum caminho leva infallvelmente a esse termo. A
próprla religiáo é Incapaz de cumprir a sua promessa" (Malaise dans la
clvilisatlon, trad. Odier, in Revue Francalse de Psychanalyse, rfl 4, 1934,
p. 693).

— 304 —
FREUD E A RELIGIAO 41

c) Freud critica ainda o preceito do amor a todos os


homens, que o Evangelho propóe como característica dos filhos
de Deus e como fonte de profunda felicidade interior. O pai
da psicanálise nao julga razoável amar «um estranho»:

"Se eu tenho que amar o estranho... slmplesmente porque ele tam-


bém é um habitante desta térra, á semel nanea de um Inseto, de um verme,
ou de urna serpente, tenho multo medo de que só urna parte ínfima de
amor emane do meu coracáo para ele... Por que dar tSo solene entrada
em cena a um preceito que, razoavelmente, nSo pode ser recomendado a
nlnguém?

O mandamento 'Ama a teu próximo como a ti mesmo' é, simultanea-


mente, a mais forte medida de defesa contra a agressividade e o melhor
espécimen dos procedlmentos antlpslcológlcos do super-ego coletlvo. Esse
preceito é Inexeqüível; tio forte InflacSo do amor só pode diminuir o valor
deste, nao, porém, afastar o perigo" (Ibd. p. 766).

Sem imediatos comentarios, passemos á última obra de


Freud, que é

2.5. «Moisés e o Monoteísmo» (1939)

Freud conhecia bem a exegese bíblica moderna, que dis


tingue na Tora ou nos livros de Moisés (Pentateuco) quatro
principáis fontes: a javista (J), a eloísta (E), a deuteronó-
mica (D) e a sacerdotal (P). Ora o autor vienense utilizou
estes dados para propor interpretacáo psicanalítica da religiáo
judaica.

Observa Freud que Moisés, na Tora, é apresentado ora


como taumaturgo, ora como líder violento; ora vive no Egito,
ora no deserto entre os madianitas; ora como judeu perse
guido, ora como membro da corte do Faraó. Em conseqüén-
cia, admite tenha havido dois Moisés, distanciados um do outro
pelo intervalo de 200 anos: o primeiro Moisés viveu no Egito,
era líder dos judeus, mas foi assassinado por eles em urna de
suas muitas rebelióes contra o líder; tal parricidio despertou o
sentimento de culpa no povo, sentimento que foi abafado
durante algum tempo, mas que veio á baila quando apareceu
o segundo Moisés, madianita, homem manso, sacerdote em
Cades e genro de Jetro. Após a morte do segundo, as duas
figuras se amalgamaram num Moisés idealizado como é o líder
descrito pela Tora. Desta maneira, os judeus se libertaram do
sentimento de culpa resultante do parricidio, e recuperaram o
monoteísmo que fora professado no Egito na época do pri-

— 305 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

meiro Moisés. Na verdade, o monoteísmo era obra do Faraó


Eknaton, mas o povo o atribuiu a Moisés; sob o impulso do
inconsciente, esta fé aflorou na mente do povo por ocasiáo do
aparecimento do segundo Moisés e se tornou a característica
do povo judeu, que até hoje conserva tal nota típica; se nao
fosse a religiáo induzida por Moisés, o povo nao teria sobrevi
vido através dos sáculos. — Os cristáos procuram recalcar o
monoteísmo professando a fé no Deus trino e praticando o
culto dos santos. No inicio deste processo cristáo, houve tam-
bém um morticinio: o de Jesús de Nazaré. Os seus discípulos
quiseram livrar-se da respectiva culpa, atribuindo-a aos judeus;
Sao Paulo, elaborando teológicamente o significado da morte
de Jesús, tornou-se o fundador do Cristianismo.

Eis, em breves termos, como Freud tentou reconstituir a


origem do judaismo e algo do inicio do Cristianismo.

Ao analisar a tese proposta em sua última obra escrita,


Freud reconhece:

"NSo menos do que antes, sinto-me incerto em face do meu próprio


trabalho... Nao é como se houvesse ausencia de conviccSo na correcSo
de mlnha conclusáo. tAdquIrl-a há um quarto de século, quando em 1912
escrevi meu Mvro sobre Tótem e Tabú' ... Desde aqueta época nunca
duvldel de que os fenómenos religiosos so pudessem ser compreendldos
segundo o padrSo dos síntomas neuróticos Individuáis ... Minha Incer
teza se Instala apenas quando me pergunto se alcance! sucesso em pro-
var estas teses no exemplo que aqui escolhl do monoteísmo judaico. A
meu senso critico, este Mvro, que tem sua origem no homem Moisés,
assemelha-se a urna dancarlna a equilibrar-se na ponta de um dedo do pé"
(citado por A. BenWJ, p. 38; ver bibliografía, p. 311).

Faz-se agora mister reftetir sobre tais teorías de Freud.

3. Algunras ponderagoes

Freud associou a origem e a continuidade da religiáo na


historia a mecanismos neuróticos. Para tanto, baseou-se espe
cialmente no estudo dos povos primitivos (donde Tótem e
Tabú) e na capacidade que o homem tem de transferir do pai
para «Deus» os seus anseios (O Futuro de urna DusSJo).

Examinemos de per si cada qual destas duas fontes de


argumentos.

— 306 —
FREUD E A RELIGIAO 43

3.1. Os povos primitivos

As conclusóes de Freud a respeito da religiosidade dos


povos primitivos estáo ultrapassadas. Com efeito,

a) Freud julgava que os aborígenes australianos eram


os mais primitivos habitantes da térra. Ora atualmente conhe-
cem-se outros povos ainda menos evoluídos como, por exemplo,
os pigmeus da África.

b) Mais: os pigmeus nao sao totemistas, mas, sim, mo


noteístas. O Pe. Willhelm Schmidt, livre-docente na Univer-
sidade de Viena e, como tal, colega de Freud, apurou, ao cabo
de prolongadas pesquisas na África e em outros continentes,
que, quanto mais primitiva é a civilizacáo de um povo, mais
tende a uma forma de monoteísmo simples. Esta tese, documen
tada em uma obra de varios volumes (Der Ursprung der Got-
tesidee), irritou Freud, o qual, porém, nao teve o que respon
der ao Pe. Schmidt e á escola etnológica Anthropos de Viena.
Os povos chamados «primitivos» nao possuem desenvolvimento
tecnológico nem grande aparato de civilizacáo, mas dispóem
de heranga cultural nao desprezivel; é o que pos em evidencia
o pesquisador Mircea Eliade em suas obras sobre a historia
das religióes, especialmente no volume «O Sagrado e o Pro
fano».

Hoje é comum dizer-se que nos diversos povos primitivos


ou naturais se encontram diversas formas de religiosidade: em
algumas tribos predomina o monoteísmo, ao passo que em
outras o animismo ou a magia.

c) As concepcóes de Freud sobre o totemismo sao hoje


em dia revisionadas. Com efeito,

— nem todas as tribos totémicas praticam a exogamia;

— em alguns casos, nao é a tribo, mas sao os individuos


que tém o seu tótem;

— segundo alguns, o totemismo é únicamente um fenó


meno social, sem conotacáo religiosa.

Dadas as divergencias existentes sobre o totemismo entre


os pesquisadores contemporáneos, já houve quem propusesse
o abandono deste conceito entre os cientistas.

— 307 —
M «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983
d) £ gratuita ou ficticia a teoría de Freud sobre a horda
primitiva, cujo chefe monopolizador de mulheres teria sido
assassinado pelos filhos. Nao há vestigios de semelhante epi
sodio ñas reminiscencias dos povos primitivos nem nos arqui-
vos da antropología cultural.

É, portante, destituida de fundamento real a reconstrugáo


«histórica» mediante a qual Freud pretende provar o surto da
Religiáo.

e) A mesma falta de base se verifica no tocante á teoría


dos dois Moisés amalgamados num so, conforme o livro «Moi
sés e o Monoteísmo». A crítica exegética do Pentateuco reco-
nhece, sem dúvida, a existencia de, pelo menos, quatro fontes
fundidas na Tora, mas nao vé razóes ponderáveis para admi
tir que a historia de Moisés ai narrada resulte da sobreposigáo
de dois personagens distanciados um do outro por duzentos
anos de intervalo! É gratuito afirmar que isto tenha ocorrido.

A propósito observava Martín Buber, filósofo judeu, perito


em cultura judaica:

"É de estranhar e lamentar que um pesqulsador tSo Importante em


determinado setor das ciencias como S. Freud possa ter publicado um llvro
Irisustentável e totalmente aclentffico e baseado sobre hlpóteses sem funda
mento, como 'Moisés e o Monoteísmo'" (Moisés, Zürlch 1948).

Alias, nao poucos comentadores de Freud observam que


o mestre se prejudicou ao ultrapassar os limites da sua área
específica de investigagáo científica. Entrou no campo da filo
sofía, da teología e da exegese bíblica como se a sua formagáo
médica e seus estudos do psiquismo humano o habilitassem a
discorrer sobre tais assuntos.

3.2. A proiejáo em «Deus» dos anseios de protecáo

Na obra «Futuro de urna Ilusáo», Freud explica o surto


da Religiáo pela consciéncia que o hornera tem, de que será
sempre neste mundo urna críanga necessitada da protecáo
paterna,... protecáo paterna que ele julga obter de um «deus»
criado á imagem e semelhanca do homem.

Tal argumentacáo ignora que a existencia de Deus nao


está necessariamente ligada á satísfagáo dos anseios humanos,
mas é provada no plano da metafísica; Deus é o Ser necessário

— 308 —
FREUD E A REUGIAO 45

para explicar os seres contingentes; é o Movente Imóvel que


explica a existencia de muitos moventes movéis; é a Suma
Perfeicáo exigida pelo fato de que existem graus de perfeicáo
entre os seres visíveis.

Além disto, deve-se observar que milhóes e milhóes de


pessoas professas de alguma crenga religiosa através dos
seculos nem por isto foram neuróticas. Muito ao contrario
dina Cari Gustav Jung, que a principio foi discípulo de Freud
mas depois se afastou da filosofía deste:
"Durante os trinta últimos anos, pessoas de todos os países civilizados
vleram consultar-me. Tratei de centenas de pacientes, sendo a matorla de
protestantes, número menor de Judeus e cinco ou seis católicos fiéis.

Ora na segunda metade da vida — feto é, ácima de 35 anos — nao


nouve um paciente cuios problemas, em última anállse, nfio comportassem a
necessldade de considerar a vida do ponto de vista religioso. Pode-se
afirmar que todos haviam caldo doentes porque tinham perdido o que toda
religiáo sempre deu aos seus adeptos através dos séculos e nenhum fol
realmente curado, se nao após ter reencontrado as suas Idéias religiosas"
("L'homme a la dócouverte de son ame").

C. G. Jung, em outra ocasiáo, dirigindo-se a pastores pro


testantes de Estrasburgo em 1932, exprimía opiniáo radical-
mente contraria á de Freud, ao dizer:

"Parece-me que o conslderável aumento de neurosos corresponde ao


«2Ü"n¿? di vida rel|9iosa" <cifad° P<>r J. H. Vanderveldt e R. P. Odenwald,
"Psychlatrie et Cathollclsme", p. 265). "»"»■".

Os analistas existenciais hoje em dia estáo convictos de


que as crengas religiosas nao correspondem a urna ilusáo, mas
a um fato,... fato que pode apresentar subsidios poderosos
para a psicoterapia. De modo especial, o analista vienense
Viktor Frankl afirma que muitos analistas nao se preocupam
mais com o futuro de urna ilusio, mas comegam a refletir
sobre a eternidade de urna lealidade. Outro analista, Th. Reik,
em reuniáo de psicanalistas realizada em Viena no ano de 1927,
afirmava que a posigáo de Freud em relagáo á religiáo pode-
ría ser tida como «a ailusáo de um futuro» (Die Ulusion einer
Zukunft).

Eis o que se pode observar á margem das teorías de Freud


sobre a origem da religiáo. Tais concepcóes nao tém voga nem
afetam o valor da psicanálise como tal; esta pode ser culti
vada sem que os seus cultores adotem as «ilusóes» do mestre
vienense relativas á religiáo. É precisamente o que passamos a
examinar sob o título abaixo.

— 309 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

4. Psícanálise e Religiao

Reconhecem os estudiosos que a posicáo de Freud diante


da Religiao é algo de pessoal do mestre, e nao se deriva neces-
sariamente da teoría psicanalista. É o próprio Freud, alias,
quem diz quanto segué:

"Em si a pslcanálise nSo é religiosa nom é Irreligiosa. É um Instrumento


sem partido, do qual se podem servir Religiosos e lelgos, desde que o facam
a servlco do alivio dos pacientes» (Carta de FreudI a¿ pastor Pfister, aos
9/02/1909).

Em «O Futuro de urna Ilusáo» ainda observa Freud:

"Nada do que dfsse até aquí contra o valor da religiao, predsava de


pslcanálise; tudo isto ]á fora dito por outros multo antes que houvesse a
psicanállse. Talvez, aplicando os métodos psicanal(ticos, se possa descobrlr
um argumento contra a veraddade da rellgISo; tanto plor para a rellgláo!
Todavía os defensores da Rellgláo terSo o mesmo dlrelto de se servir da
pslcanálise para apreciar plenamente a Importancia efetlva da doutrlna
religiosa" (ob. cit, p. 99s).

A aversáo pessoal de Freud á religiao e, em particular, ao


Catolicismo se explica, em grande parte, pelas experiencias
que Freud fez do Catolicismo:

a) É possível, sim, que sua ama lhe tenha apresentado


urna face amedrentadora ou muito severa da religiao, o que
terá traumatizado o menino.

b) Além disto, é de notar que Freud, como judeu, sofreu


restrigóes da parte dos católicos da Austria, especialmente
quando iniciava sua carreira na Universidade.

c) Mais: Freud pouco se interessou pela religiao profun


damente vivida por místicos e santos, mas apenas aquilatou a
fé através do testemunho e da vida de pessoas superficialmente
ou desfiguradamente religiosas; o próprio Freud reconheceu
esta lacuna em suas pesquisas, mas justificou-a dizendo que
só se interessava por aquilo que a religiao significa para a
humanidade em geral.

— 310 —
FREUD E A RELIGIÁO 47

d) Freud via na religiáo e, em especial, na religiáo cató


lica a principal adversaria de suas idéias, no que elas tinham
de materialismo e subjetivismo: «Das tres forgas que podem
contestar a posigáo da ciencia, a religiáo é, na verdade, o ini-
migo mais serio».

Apesar de rejeitar e ridicularizar a Religiáo, Freud escre-


veu a respeito da mesma até o fim da sua vida. Poder-se-á
dizer que, apesar de rejeitar Deus, ele procurava em seu íntimo
a face de Deus? Pode-se dizer que, frente á Religiáo, Freud
foi ambivalente, como dizem alguns dos seus comentadores?
— Só o Senhor Deus sonda as consciéncias; o fato é que
Freud contribuiu enormemente para desfazer a fé religiosa de
muitos e muitos leitores até hoje, servindo-se de argumentos
inconsistentes e dando vasáo a problemas pessoais. Quem quer
combater a Religiáo, deve primeiramente procurar conhecé-la
bem e com objetividade. E, procurando conhecé-la com obje-
tividade, é bem possível que se converta a verdadeira fé!...

Bibliografía:

BENKü, A., Psicología da Religiáo, Ed. Loyola 1981.

COMBES, A., Psychanalyse el Splritualilé. Bruxelles 1955.

DEMSEY, P., Freud, Pslcanállse e Catolicismo. Sao Paulo 1966.

GRATTON, H., Psicanálises de ontem e de hoje. Ed. Loyola, Sao


Paulo 1967.

JONES, E., Sfgmund Freud. Lite aitd Work, 3 volumes. London 1794.
Tradugfio brasileira pela Ed. Zahar, Rio de Janeiro 1970.

LHERMITTE, J., Riflessioni sulla Pslcanalisi. Roma 1955'.

NASE-SCHARFENBERG, Psychoanalyse und Religión. Darmstadt 1977.

PEREIRA DA SILVA, G., O Ateísmo de Freud. Rio de Janeiro 1966.

PLÉ, A., Freud et la Religión. París 1968.

VANDERVELDT E ODENWALD, Psychlatrle et Catholicisme. París 1954.

— 311 _
Mals um llvro sobre

"0 Que é a Maznaría"


por A. Tenorio de Albuquerque

Em slntese: O llvro em foco é urna apología da Masonería regular,


que nao leva em conta os abusos cometidos pela Maconarla Irregular (antl-
crlstfi) Ao tocar em assuntos históricos, repete "chavOes" sem exercer
o devldo espirito critico. Alóm do mals, sugere um certo relativismo doutrl-
nário, que nSo é aceltável quando se trata das verdades da fé.

Nflo queremos negar pontos positivos apresentados pelas Constituí-


coes da Maconarla e pela vivencia de membros desta. Mas Julgamos que
nao se podem silenciar os elementos atrás mencionados a ftm de exaltar
a Maconaria numa atltude slmplórla e Infiel aos fatos históricos

Comentario: Chegou á sétima ediggo o livro de A. T


Cavalcante de Albuquerque, intitulado «O que é a Maconaria» \
Em subtítulo, o autor apresenta os principáis tópicos da obra:
«Os objetivos altruísticos da Maconaria. Nao é anti-reli-
giosa. — É nacionalista. A Maconaria orientou os principáis
episodios da nossa historia». Como se percebe, o autor faz urna
apología da Maconaria, procurando realcá-la como escola de
filantropía náo-sectária e benemérita. Neste intuito afirma que
muitos prelados e sacerdotes da Igreja foram membros de Lojas
macónicas apesar das proibicoes dos Sumos Pontífices afir-
macáo esta que tem impressionado o público.

Ora, a fim de esclarecer alguns tópicos do livro, passaremos


em revista certas de suas páginas mais importantes, numa
atitude serena e objetiva.

1. Observasáo geral

1. Ao abordamos a temática «Maconaria», devemos


sempre ter em vista a distincáo entre Maconaria Regular e
Maconaria Irregular.

1$£ttc* E^íra Aurora Llmltada. R'o ^ Janeiro, 7« ed., sem data,


x 22o mm, 277 pp,

— 312 —
«O QUE fi A MACONARIA» 49

A primeira é a que conserva fidelidade aos principios reli


giosos dos respectivos fundadores no século XVÜI (1717-1723).
Em algumas de suas Lojas tal corrente da Magonaria apenas
professa a Religiáo natural ou filosófica chamada «deísmo»-
como quer que seja, respeita e valoriza «o Grande Arquiteto
do Universo».

A Maconaria Irregular separou-se da corrente tradicional


na segunda metade do século XIX, cancelando dos seus
documentos oficiáis a referencia ao Grande Arquiteto do
Universo e assumindo orientagáo hostil á Igreja Católica.
Ora Tenorio de Albuquerque parece ser memoro de Loja
da Maconaria regular (cf. pp. 30-33); descreve a Magonaria
únicamente através das características do tipo regular, sem
levar em conta que, no Brasil e na América Latina em geral,
a Maconaria tramou anulosamente contra a Igreja Católica.
Na verdade, a Magonaria nem sempre foi liberal e tolerante
como o autor a apresenta as pp. 91-93, mas mostrou-se impreg
nada por espirito sectario e conspirador, como se depreende,
por exemplo, da chamada «Questáo Religiosa» do Brasil
(1871-76) e das leis de perseguigáo religiosa promulgadas no
México sob os presidentes Benito Juárez (1861-72), Porfirio
Díaz (1877-81 e 1884-1911), Madero (1911), Carraza
(1915-20); outras nacóes da América Latina foram também,
em graus diversos, vítimas de legislagáo anti-religiosa, ins
pirada, em grande parte, por forcas magónicas.

A apregoada tolerancia da Magonaria, alias, é contraditada


por certos cánones vigentes em suas Lojas. Eis, por exemplo,
quanto se le na Constituigáo do Grande Oriente do Brasil:
"Art. 4, vfi 4: É elevar do macom nada Imprimir nem publicar sobre
assunto maconlco que envolva o nome da Institulcáo, sem expressa auto-
rlzacfio do Gráo-Mestre".

O artigo 92 do Regulamento Geral insiste:


"Os assuntos de natureza masónica nfio poderSo ser ¡mpressos ou
publicados pelos macons ou pelas Lojas sem que hala autorizacáo do
Gráo-Mestre Geral".

Ou ainda: a Lei Penal da Magonaria do Brasil, no artigo


19, § 3», proibe as Lojas, sob pena de suspensáo temporaria ou
fechamento definitivo, «iniciar ou sustentar, sem permissáo dos
poderes superiores, correspondencias com as potencias magó
nicas estrangeiras ou autoridades profanas sobre assunto
magónico».

— 313 —
50 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

Tais cautelas se compreendem bem numa sociedade que


deseje zelar por sua identidade. Levam-nos, porém, a entender
que a tolerancia exercida pela Magonaria tem seus limites e
nao é apanágio de tal sociedade.

2. Tenorio de Albuquerque insinúa que a Magonaria


nasceu dentro da Igreja e foi depois repudiada por esta:
cf. pp. 198-203.

Na verdade, o que se dá é o seguinte: as corporagóes de


pedreiros (nragons, em francés) da Idade Media gozavam de
grande prestigio e notáveis privilegios outorgados pelos reis
e pelos Papas; como as demais corporagóes medievais, pro-
fessavam a fé católica e a filiagáo á Igreja. No século XVI,
porém, tais agremiagóes comegaram a perder sua voga, visto
que o estilo arquitetónico e a cultura evoluiam. Em conseqüen-
cia, as Lojas de pedreiros foram recebendo em seus quadros
pensadores e outros profissionais náo-pedreiros; eram os
macons acceptés ou acoepted masons (magons aceitos). Estes
aos poucos foram dando as notas características ás Lojas de
pedreiros, que, do seu passado, só guardavam os símbolos
(esquadro, régua, compasso...) e os nomes. No século XVII
até mesmo elementos procedentes da Rosa-Cruz foram sendo
admitidos ñas Lojas de pedreiros. Assim a mentalidade e a
orientagáo destas Lojas perderam paulatinamente o seu cunho
próprio de instituigóes católicas. No século XVIII, James
Anderson elaborou as Constituigóes da Magonaria Especulativa
ou Filosófica, seguindo diretrizes de pensamento deísta (adepto
da religiáo natural ou filosófica) \ Conseqüentemente a
Magonaria Especulativa dos séculos XVII-XVIII (que se dis
tingue da medieval, chamada «operativa») já nao é bergada
pela Igreja Católica, mas desde o seu inicio seguiu qrientagáo
deista. Ora foi justamente essa atitude religiosa alheia a re-
velagáo sobrenatural que, entre outras causas, suscitou a
condenagáo dos Sumos Pontífices ia Magonaria (no século XVIII
o deísmo devia parecer muito estranho e repudiável aos
cristáos, pois tinha foros de impiedade ou apostasia).

Passemos agora á consideragáo de tópicos da obra em


pauta.

*O deísmo é o sistema filosófico que admite Deus reconhecido t§o


somante a partir da razSo natural. — Ao contrario, o teísmo professa a
crenja em Deus que se revelou através dos Patriarcas e Profetas bíblicos.

— 314 —
«O QUE É A MACONARIA» 51

2. Papas, bispos e clérigos ma$ons!

No intuito de mostrar a plena compatibilidade entre a


Magonaria e a fé católica, Tenorio de Albuquerque e outros
escritores macons alegam que muitos membros da hierarquia
católica pertenceram á Maconaria: assim o Papa Pió IX, os
Cardeais Cari Dalberg, Francisco de Sao Luis Saraiva, Bernis,
Antonelli, o conde de Irajá, bispo'do Rio de Janeiro, Dom José
Joaquim de Azeredo Coutinho, bispo de Olinda, Frei Caneca,
Frei Montalverne, Frei Sampaio...

Examinemos de mais perto a temática:

2.1. Pió IX e a Mojonaría

Escreve Tenorio de Albuquerque á p. 43:

"Dentre os Papas destacou-se pelo ódlo antlcrlstáo contra a Mago


naria Pío IX. Mostrou-se rancoroso contra a Institulgáo depois de Papa.
Pío IX chamava-se Giovanni Ferretl Mastal. Ele foi macom, tendo perten-
cido ao quadro de obrelros da Loja Eterna Cadena, de Palermo (Italia).
Sob o rfl 13.715 fol arquivada em 1839 na Loja Fldelldade Germánica, do
Oriente de NOrenberg, urna credencial de que fol portador o Irmfio Giovanni
Ferreti Mastal, devidamente autenticada, com selo da Loja Perpetua de
Ñapóles. Como Irmao, como macom, Giovanni Ferretl Mastai foi recebido
na Loja Fldelidade Germánica".

Antes do mais, observemos o equivoco subjacente a estes


dizeres: o nome do Papa Pió IX era Giovanni Mastai-Ferretti,
e nao Giovanni Ferreti Mastai. Na verdade, sabe-se que
Giovanni Ferreti Mastai era um jovem de vida livre, conhecido
em Roma por seus desmandos, o qual nada tinha que ver com
o Conde Giovanni Mastai-Ferretti, bispo de Imola, e, mais
tarde, Papa Pió IX. A propósito observa Dom Boaventura
Kloppenburg:

"Informa um autor que o primeiro que publicou esla infame bátela foi
Carlos Gasola, no Positivo de Roma, a 23 de marco de 1649; e na mesma
folha retratou-se aos 18 de junho de 1857. Por causa de táo torpe calúnia
fol o Frondeur de Lyon condenado no tribunal aos 18 de novembro de 1875,
a requisitorio do Sr. Lourens, advogado e delegado da insuspeita República
Francesa" (A Maconaria no Brasil, p. 265).

O mesmo Dom Boaventura refere outra versáo da mesma


lenda que faz de Pió Di um macom:

— 315 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 269/1983

"Outros contam a historia de manelra diferente. Dlzem que Pió IX


foi recebido numa Loja maconlca de Filadélfia e citam seus discursos al
proferidos e bom número de autógrafos arqulvados na Loja. Para tornar
aínda mate verídica a historia, chegaram a publicar a fotografía de Pió IX
com Insignias macónlcas. Mas, desgracadamente para o caso, Filadélfia
está no mundo civilizado, onde se sabe ler e escrever. Averlguou-se que
nem sequer existe naquela cldade unía Loja com o nome dado; encon-
trou-se que nenhuma Loja de Filadélfia havia recebido jamáis a Glovannl
Mastal-Ferretti; nenhuma Loja foi capaz de apresentar nem discursos nem
autógrafos, e isso pelo simples fato de que Glovannl Mastal-Ferretti nunca
esteve em Filadélfia. O próprio Grflo-Mestre do Oriente de Filadélfia des-
mentiu a ridicula invencáo, como também o Monde Maconique de Paris a
desmentlu" (obra citada, p. 265).

Como se vé, a estória de «Pió IX magom» merecería ser


arquivada urna vez por todas, em nome da verdade, que a
Magonaria tanto professa cultivar1. De resto, é interessante
notar que a Magonaria quis filiar a si outro Papa, isto é,
Joáo XXm; com efeito, a este foi atribuida urna oragáo que
exalta os magons, com detrimento do próprio Cristianismo; tal
oragáo evidentemente é espuria ou falsificada, como foi de
monstrado em PR 132/1970, pp. 554-556.

2.2. Bispos e clérigos ma$ons

Nao se pode negar que varios membros da hierarquia


católica se tenham inscrito na Magonaria. A propósito se-
guem-se cinco observagóes:

1) Seria preciso, antes do mais, investigar com exatidáo


caso por caso dos que sao indicados por Tenorio de Albuquer-
que, a fím de se averiguar se todos foram realmente membros
de Lojas magónicas ou se houve algum equivoco (como no caso
de Pió IX). Com outras palayras: para se poder interpretar
um episodio histórico, é mister que se tenha certeza de que é
realmente um fato ou algo que ocorreu verdaderamente. Caso
contrario, fazem-se elucubragóes no vazio ou sem fundamento.

2) Os nomes de bispos, padres e frades citados por T. de


Albuquerque como magons no Brasil e em geral na América
Latina sao do fim do sáculo XVIII e do inicio do sáculo XIX.

1 Entre os Mandamentos dos Sabios masónicos lé-se precisamente o


segulnte, reproduzido por T. de Albuquerque á p. 76:

"Procura a Verdade. Sé justo".

— 316 —
«O QUE é A MACONARIA» 53

Ora em tal época no Brasil e nos países hispano-americanos


fervilhava o ideal da independencia nacional. A Magonaria fora
precisamente trazida ao Brasil e aos países da América Latina
como arauto e dinamizadora da tese da emancipagáo nacional;
ela nutria aspiracóes e atividades de ordem política; de modo
especial, as Lojas de Pernambuco e da Bahia, pelos anos de
1810, como as do Rio pelos de 1820, eram centros políticos que
tramavam a independencia; os próprios livros macónicos insis-
tem neste particular. O magom Adelino de Figueiredo Lima,
no livro «Nos Bastidores do Misterio...» (Rio de Janeiro 1954,
p. 137), ao falar da fundagáo do Grande Oriente, escreve:

"E encerrou-se a sessáo sob o Juramento solene de que a nova


potencia maconlca independente tinha um flm especifico a cumprlr: fazer a
Independencia do Brasil".

Na mesma época nao poucos membros do clero aspiravam


ao ideal da independencia patria. Seja lembrada, por exemplo,
a revolucáo de 1817 em Pernambuco, que foi urna revolugáo
de clérigos. Frei Caneca, Frei Sampaio e Cónego Januário
foram conhecidos por seu patriotismo; ora este era também um
dos tragos importantes das Lojas magónicas. Eis por que
muitos clérigos se afiliaram a estas.

3) Acresce que na época das lutas pela independencia dos


países latino-americanos a Magonaria aínda nao se tornara
anticlerical. Era, pois, compreensível que os clérigos e os ma-
gons procurassem unir suas forgas em torno do ideal patriótico.

4) Tal adesáo a Magonaria, embora proibida pelos Papas,


podia parecer legítima aos clérigos por circunstancias jurídicas
especiáis: em virtude da lei do padroado, as Bulas papáis que
condenavam a Magonaria precisavam do beneplácito do rei
para ter forga de lei no Brasil e nos países sujeitos ao regalismo.
Ora o poder regio nao sancionava tais Bulas, de modo que os
clérigos podiam nao se julgar obrigados a observá-las1.

5) É preciso aínda reconhecer que nem todos os clérigos


adeptos da Magonaria foram disciplinados e exemplares. O seu
comportamento deverá ser avaliado no contexto de vida, nem
sempre observante, que levavam.

1 Em nossos días, dada a nítida distlncfio entre Igreja e Estado, nSo


serla posslvel admitir inseguranea, por parte dos clérigos, no tocante aos
seus deveres eclesiásticos. O fato, porém, pode ter ocorrido nos tempos
do regalismo ou do padroado.

— 317 —
54 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

3. A imagem da Igreja no livro

Tenorio de Albuquerque diz-se «católico» logo no inicio do


livro (cf. p. 19). Em geral, mostra-se respeitoso para com os
valores da religiáo. Todavía, ao apreciar episodios da historia
da Igreja, deixa-se ás vezes levar por interpretagóes tenden
ciosas mais do que pela genuína versáo da historia. Eis por
que abordaremos dois pontos de historia que o livro póe em
relevo.

3.1. A Igreja e a escravidáo

A p. 177 lé-se urna citacáo de obra de Joáo Dornas Filho


endossada pelo autor:

"NSo há, em todo o curso da historia do Brasil até 1877, um ato,


um gesto coletivo da nossa Igreja em favor dessa raca mlserável que retri
buía a servld&o com a abastanca, que pagava com prosperldade o avilta-
mento... Aos gemidos, ás Imprecacdes, ás frustradas rebeldías do deses
pero, a Igreja de Cristo respondía com apelos displicentes de resignacSo,
quando nSo retrucava com o argumento mals sólido de repressfio armada,
como se deu em Minas por 1820, em que o blspo de Mariana pessoal-
mente tomou armas para esmagar urna revolta de escravos desesperados".

As noticias transmitidas por este texto nao levam em conta


a documentagáo respectiva, que os historiadores dedicados á
pesquisa utilizam para esclarecer o assunto.

Precisamente em vista de quantos tém acusado a Igreja


de silenciar perante o escravagismo, os historiadores tém posto
em relevo documentos que manifestam a posigáo de protesto
de Papas, bispos e clérigos diante de tal instituigáo. Para nao
repetir quanto já foi dito em PR 267/1983, pp. 106-132, citare
mos mais urna página do Cónego José Geraldo Vidigal de
Carvalho, professor ilustre de Filosofía e Historia em Mariana,
a propósito da Igreja frente á escravatura no sáculo XDC:

«Particular interesse merecem os pronunciamentos feitos na


Assembléia Geral Constituinte de 1823, sobretodo por doutos sacer
dotes que nao deixaram dúvida alguma sobre a poskao firme, obje
tiva, evangélica do clero da época. Seja dito inícialmente que José
Bonifacio preparou urna representacáo para esta reuniao sobre a
Escravidao. Foi publicada em 1825. Formulava um projeto de liber-
racao gradual.

— 318 _
tO QUE £ A MACONARIA» 55

Convém que documentos como estes se¡am estudados. Trazen-


do-os á luz do dia, o conhedmento das revelacoes neles contidas
faz saber aqueles que dizem sem base que a religiao em nada
influendou na exfincao do regime escravocrata, a forca que a dou-
trina de Cristo constantemente teve na dissolucáo das opressóes. Os
argumentos de que a escravatura era um desrespeito ao direito natu
ral, ao Evanaelho e ao espirito cristao foram sempre os mais fortes,
apontados pelos líderes contrarios á servidao.
Na Assembléfo Geral Constituinte e Legislativa do Imperio do
Brasil o senso da fraternidade crista borbuihava significafivamente. Os
constituintes eram pessoas de elevado nivel cultural. Octavio Tar-
químo de Sousa acentúa! 'Quase todos tinham feifo os seus estudos
na Europa, estavam atentos aos sucessos políticos de lá e do conti
nente americano, e, formando idéia mais ou menos clara dos fins
de seu mandato, nao eram estranhos aos reclamos e necessidades de
seu país'. Pela edicáo fac-similar do Diario deste histórico conclave,
se verifica que está presente D. José Caetano da Silva Coutinho, oitavo
bispo e capelao-mor do Rio de Janeiro, dezenove sacerdotes, entre
os .quais o Pe. Belchior Pinheiro de ONveira, um dos artífices dos
aconfedmentos que culminaram a 7 de setembro de 1822; Pe. Manoel
Rodrigues da Costa, participante da Conjuracao Mineira de 1789;
Pe. José Custodio Dias, liberal radical; Pe. Antonio da Rocha Franco,
vigário da Vara de Vila Rica; Mons. Francisco Muniz Tavares, um dos
mentores da Revolucao de 1817; Pe. Inádo de Almeida Fortuna, tam-
bém comprometido com a insurreicáo pernambucana; Pe. José Mar-
tíniano de Alencar, cearense, teve parte ativa nos movimenfos pela
Independencia; Pe. José Ferreira Nobre, paraibano, participante da
Revolucao pernambuoana; Pe. Venancio Henriq-ues de Resende, de
Pernambuco, abolicionista denodado, que também foi valente Revolu
cionario de 1817. Estes e muitos outros sacerdotes enciclopedistas
se entregaram as lutas libertarias. Utilizaram-se do pulpito e da pala-
vm escrita para divulgacao de suas teses, entre as quais a libertacao
dos escravos, um dos múltiplos aspectos sociais de urna lide sem tre
guas a favor dos direifos humanos. Segundo Francisco de Assís Bar
bosa, Diretor do Centro de Estudos Históricos da FundacSo Casa de
Rui Barbosa, 'o grupo social'... mais numeroso e aguerrido do que
ho¡e se denomina intelligentzia, no Brasil de D. Joao VI até a maio-
ridade de D. Pedro II, ao final da terceira década da centuria, era
constituido pelos padres, adeptos do galicanismo, uns, defensores do
jansenismo, outros, ¡osefisfas ou febronianos, mas todos tocados pelo
enciclopedismo».

Nao nos alongaremos na apresentagáo de outros teste-


munhos, visto que o assunto já foi explanado em PR 267/1983.
Seria para desejar que os comentadores de episodios da
— 319 —
56 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

Historia da Igreja nao repetissem simplesmente alguns


«chavóes» cujo fundamento e documentagáo etes ignoram, mas
procurassem munir-se do aparelhamento devido a afirmagóes
de caráter científico.

Examinemos agora o caso de dois Papas citados por Teno


rio de Albuquerque.

3.2. Os Papas Gemente XIII (1758-1769) e Clemente XIV


(1769-1774)

A respeito de tais Pontífices lé-se no livro em foco:


«NSo se pode atribuir á Maconaria a responsabilidade da morte,
do assassínio de nenhum Papa. Entretanto pesam sobre os jesuítas
acusacoes gravísimas. Clemente XIII, diante das queixas contra a
Companhia de Jesús, do procedimento dos jesuítas, resolveu suprimir
a citada instituicSo. Em um Consistorio público, anunciou a sua reso-
lucáo, fixando a data de 3 de fevereiro de 1769 para executá-la;
gozava entao de excelente saúde. No dia 2 de fevereiro de 1769,
isto é, na véspero de assínar a resolucao, morreu envenenado, depois
de convulsoes e dores terríveis.

Clemente XIV, sucessor de Clemente Xlll, anunciou .que ia devol


ver a paz á Igreja e restaurar o Cristianismo extinguindo a Compa
nhia de Jesús. Cardeais, clero, monges e sobretudo os jesuítas, que
eram os mais relapsos, levantaram-se contra a nobre intencao do
papa, chegando um jesuíta a fixar, em pleno dia, na entrada prin
cipal do Vaticano, um cartaz que dizia: 'Rogai a Deus pelo Papa,
que está em perigo de morte'.

Inquebrantável em sua decisao, apesar de saber a que se expu-


nha, ao firmar a Bula, proferiu essas palavras proféticas: 'Firmo a
minna sentenca de morte com isto, mas obedeco á minha conscién-
cia'. Mandou prender o Geral dos jesuítas, padre Rice!, os seus assis-
tentes e o secretário-geral no Castelo de Santo Angelo; substituto o
seu cozinheiro por um franciscano de inteira confianca, tomando gran
des precaucoes para salvar-se da vinganca jesuítica; tudo foi, porém,
em vao; diz a historia que urna beata incondicional dos jesuítas con-
seguiu, mediante urna cesta de figos envenenados, envenenar o Papa,
fazendo-o passar por urna agonia lenta que durou tres meses. Seu
valor e serenidade acompanharam-no até a morte. Pouco antes de
expirar, declarou:

'Bem sabia eu que me envenenariam, mas nao julgava morrer de


um modo tao lento e cruel'» (pp. 34s).

Detenhamo-nos sobre cada um dos dois casos aduzidos.

— 320 —
«O QUE É A MACONARIA» 57

3.2.1. Clemente XIII

No tocante a Clemente xm observemos:

No sáculo XVH a Companhia de Jesús foi contestada por


seus adversarios, os jansenistas. Estes defendiam teses heré
ticas tanto em materia de doutrina quanto no setor da pastoral,
afirmando o rigorismo e a religiáo do medo. Os jesuítas, como
pioneiros da fé da Igreja, se lhes opunham. Constituiam urna
familia religiosa numerosa, benemérita desde os seus primeiros
anos de existencia no século XVI e amplamente espalhada pelo
mundo.

Acontece que a filosofía da época estava fortemente im


pregnada de racionalismo ou «iluminismo» — o que levava nao
poucos pensadores a combater os jesuítas simplesmente por
serem baluartes da Igreja ou «a sentinela avangada da Curia
Romana», como dizia Frederico n da Prússia (1740-86); ao
que Voltaire (1778) acrescentava: «Urna vez que tenhamos
os jesuítas, a Infame* será nossa presa fácil».

Todavia deve-se reconhecer que alguns membros da Com


panhia de Jesús, em réplica ia severidade dos jansenistas
cederam ao laxismo (probabilismo, em vez do probabilio-
nsmo...). — Os reis e governantes da época se imiscuiram na
controversia nem sempre por zelo da reta fé, e sim por inte-
resses políticos; o galicanismo, disseminando a concepcáo de
«Igreja nacional», subordinada ao poder regio, se alastrava
pelas cortes européias.

_ No século XVIII a situacáo se agravou, pois os jansenistas


nao cediam e nao poucos chefes de Governo, a comegar pelos
de Espanha e Portugal, se puseram a mover campanhas contra
a Companhia de Jesús, a ponto de pleitear a sua extincáo. Foi
em pleno contexto da controversia que o Papa Clemente Xin
govemou a Igreja.

Este Pontífice enfrentou o Marqués de Pombal, Sebastiáo


de Carvalho e Mello, Primeiro-Ministro de Portugal, que era
racionalista e anticlerical. Pombal p6s-se a banir os jesuítas
de Portugal e das colonias, acusando os Religiosos de favorecer

*A Infame = a Igreja Católica, no pensamento de Voltaire. (Nota do


autor),

— 321 —
58 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

na América do Sul a rebeliáo dos indígenas contra os brancos


Clemente xm rompeu relacóes diplomáticas com Portugal, mas
nao quis defender mais enérgicamente os jesuítas por receio
de um cisma de Portugal em relacáo a Roma. Escreveu todavia
a Bula Apostolicum Mnnus (7/01/1765), atendendo a solicita-
cao de mais de duzentos bispos, Bula que advogava a causa dos
jesuítas, como se depreende, por exemplo, do seguinte trecho:

"Declaramos, por espontánea vontade e por conheclmento seguro, que


a Companhla de Jesús se caracteriza por elevado grau de piedade e santi-
dade, embora exlstam homens que, depols de a ter desfigurado por mal-
dosas Interpretac6es, nao recearam qualiflcá-la de irreligiosa e impla, insul
tando assim da maneira mais ultrajante a Igreja de Deus" (citado por
Fllche-Martln, Htotolre de l'Eglise, vol. 19, París 1956", p. 43).

A resistencia do Papa Clemente XII as cortes regias da


época valeram-lhe a hostilidade das mesmas, que foram des
gastando cada vez mais a debilitada saúde do Pontífice. A luta
contra os jesuítas era, em última análise, luta contra o próprio
Papado. Em conseqüéncia, o Pontífice morreu na noite de 2
para 3 de fevereiro de 1768, vítima de ataque cardíaco, como
se pode ler na obra de Ludwig von Pastor, «Geschichte der
Paepste», vol. XVI, 1, pp. 955s. O mesmo historiador, cuja
autoridade é reconhecida no assunto, observa em nota que o
próprio Tanucci, incansável adversario da Companhia de Jesús
e conselheiro político de Carlos III, rei de Ñapóles, relegou
para o dominio das fábulas a noticia de que o Papa fora enve
nenado pelos Jesuítas: «II veleno supposto dato al Papa per
opera dei Gesuiti é riuscito una delle solite favole romane»
(carta dirigida ao Embaixador Azara, da Espanha, em Roma,
em 26/02/1769, e citada por L. v. Pastor, ob. cit., p. 955,
nota 7).

Ve-se assim que a auténtica historia difere sensivelmente


da versáo transmitida por quem nao é historiador profissional.

3.2.2. Clemente XIV

Quanto a Clemente XIV (1769-1774), cedeu finalmente á


pressáo contra a Companhia de Jesús, decretando a extincáo
da mesma, nao porque tivesse alguma acusagáo contra os
jesuítas, mas porque a existencia da Companhia se tornava
ocasiáo de grandes perturbacóes dentro e fora da Igreja, com
ameacas de cisma por parte de alguns países católicos.

— 322 —
«O QUE £ A MACONARIA» 59

Faleceu aos 21 de setembro de 1774, depois de haver publi


cado o Breve «Dominus ac Redemptor» aos 8/06/1773, que
suprimía a Companhia de Jesús. O Pontífice sofreu profunda
mente ao tomar tal atitude — o que parece ter acelerado o seu
desenlace final. Quando Voltaire foi informado a respeito da
extingáo da Companhia, exclamou com grande riso: «Dentro
de vinte anos nao haverá mais Igreja!» Referem algumas
fontes que urna das últimas frases de Gemente XIV foi pre
cisamente a seguinte: «Cortei-me a máo direita!»

Após decretar a extingáo da Companhia, o Papa se viu


acometido por profunda angustia e pela idéia fixa de que o
queríam envenenar: seu aspecto modificou-se, tornando-se
magro e pálido; foi definhando aos poucos até morrer de di
versas molestias agravadas por depressáo psíquica. O cadáver
se deteriorou rápidamente, exalando mau cheiro.

Nao causa surpresa que, após a morte ooorrida em tais


circunstancias, se tenha espalhado o rumor de que Clemente
XIV faleceu envenenado. Todavía é de notar que o cadáver
foi submetido a autopsia, que nada revelou. A fim de afastar
definitivamente tal rumor, o Cardeal Rezzonico, Camerlengo,
pediu aos dois médicos que acompanharam o Papa enfermo, e
ao cirurgiáo que presenciou a necropsia, escrevessem um re-
latório preciso sobre a molestia e a morte de Clemente XIV.
Os médicos firmaram com juramento seu testemunho contrario
á hipótese do envenenamento. Ainda hoje se pode ler a
Eelazione ufficiale sulla morte del Papa, com a observacáo:
«Niente veleno, affermano i due chirurgi di Palazzo e Salioeti» K

A rápida deterioracáo do cadáver é explicada pelas diversas


molestias de que padecía o Pontífice: apresentava eczemas viru
lentos e persistentes na superficie do corpo, abcessos na boca,
úlceras ñas gengivas, semelhantes as do escorbuto, além de
bronquite. Ora a medicina da época costumava ministrar doses
de mercurio para combater tais molestias; este elemento deve
ter contribuido para deteriorar o físico do Pontífice.

i "Nada de veneno, afirmam os dois cirurgifies di Palazzo e Saliceti".

— 323 —
JSO «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

Os adversarios dos jesuítas, entre os quais os jansenistas


de Utrecht (Holanda), insistiram ainda durante algum tempo
na divulgagáo da fantasista noticia de assassínio do Pontífice.
Todavía a critica histórica nao vé como atribuir foros de vera-
cidade a tal versáo. Eis o que escreve o conceituado historiador
contemporáneo Hubert Jedin em seu «Manual de Historia de la
Iglesia»: «Carece de todo fundamento el rumor, que se propagó
immeditamente, de que el Papa habia sido envenenado y asi
lo admite, en general, la crítica moderna» (vol. VI, p. 826).

Assim se evidencia a inconsistencia de quanto é alegado


pela historiografía menos rigorosa.

Sao estes alguns comentarios que a leitura da obra de A.


T. Cavaloante de Albuquerque sugere a quem a quer
aprofundar.

4. Conctusoo

O livro é urna apología da Maconaria regular, que nao


leva em conta os abusos cometidos pela Magonaria irregular
(anticristá). Ao tocar em assuntos históricos, repete «chavóes»
sem exercer o devido espirito critico. Além do mais, sugere
um certo relativismo doutrinário, que nao é aceitável quando
se trata das verdades da fé.

Nao queremos negar pontos positivos apresentados pelas


Constituicóes da Maconaria e pela vivencia de membros desta.
Mas julgamos que nao se podem silenciar os elementos atrás
mencionados, a fim de exaltar a Maconaria numa atitude pre
concebida e infiel á realidade histórica.

Bibliografía:

BIHLMEYER-TUECHLE, Historia da Igreja. Vol. 3, Ed. Paulinas. Sao


Paulo 1965.

DANIEL-ROPS, L'ére des granda craquements. París 1958.

FLICHE-MARTIN, Hlstolre de l'Egltse, vol. 19, París 1955.

JEDIN, H., Manual de Historia de la Iglesia. Vol. VI, Ed. Herder, Bar
celona 1976.

KLOPPENBURG, B., A Maconaria no Brasil. Ed. Vozes, Petrópolís 1956.

PASTOR, L v., Geschichte der Paepste, Vol. XVI, 1 e 2. Frelburg Im


Breisgau 1932.

— 324 —
Aínda urna vez:

Nostradamus: Profeta?
Em sintese: Fol publicado em portugués mals um livro sobre
Nostradamus, devido, este, a Henry C. Roberts. Tal autor propfie o texto das
"Centurias" de Nostradamus em portugués e acompanha-o com a sua Inter-
pretacáo. — Quem compara as interpretares oferecidas por H. Roberts
com as que Erika Cheetham apresenta em seu livro "As Profecías de
Nostradamus", verifica que divergem multas vezes entre si; donde se
evidencia a arbitrariedade dos Intérpretes. Na verdade, Nostradamus delxou,
no século XVI, um texto obscuro em dlaleto provencal mesclado de francés,
italiano, grego e latlm; tal texto se presta a ser repuxado para significar
diversos episodios da historia posterior ao século XVI; em conseqüéncla,
nao se pode atribuir a Nostradamus a autoridade de profeta propriamente
dito. Se Nostradamus acertou em algumas de suas previsfies, Isto se deve
ao fato de que conhecla a historia universal e os acontecimentos que nela
freqüentemente se repetem; além do qué, pode-se admitir que tenha gozado
de faculdades parapsicologías: telepatía, clarividencia, percepcSo extra-
-sensorial, que Irte permltiam perceber acontecimentos dentro de certos
limites de espaco e de tempo.

Comentario: Sobre Miguel Nostradamus (1503-1566) já


publicamos um artigo em 1978 comentando o livro de Erika
Cheetham intitulado «As Profecias de Nostradamus» (ed. Nova
Fronteira 1977); cf. PR 217/1978, pp. 22-35. — Em 1981 a
Editora Itatiaia deu a lume outro livro sobre Nostradamus,
livro que apresenta o texto (somente em traduc.áo portuguesa)
de dez Centurias (cada qual com cem quadras) e um comen
tario, aos cuidados de Henry C. Roberts K Este autor é um
adepto do ocultismo e de «leis sutis e imponderáveis que im-
pregnam o cosmos inteiro» (p. 13); professa urna nova cien
cia dita «Parapsicología», que lida com «mediunidade, telepa
tía, telecinesia...» (p. 13).

É muito interessante comparar entre si as interpretagóes


das «profecias» de Nostradamus apresentadas por Erika Chee
tham e por Henry C. Roberts. Este confronto, feito serena e
objetivamente, mostra bem como sao obscuras e nao significa
tivas as Centurias de Nostradamus. Este autor, tido como «um
dos maiores videntes da historia das ciencias ocultas» (Henry
Roberts, ob. cit, p. 11), aparece com a sua verdadeira face:

i As Verdadelras e Completas Profecías de Nostradamus Interpretadas


por Henry C. Roberts. TraducSo de David Jardlm Júnior. — Ed. Itatiaia, Ltda.
Belo Horizonte, 1981, 140 x 210 mm, 293 pp.

— 325 —
62 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

sao os intérpretes que o tornam «profeta», repuxando os seus


dizeres para significar este ou aquele quadro da historia pos
terior ao sáculo XVI. Toda a fama de Nostradamus pro
palada geralmente pela boa vontade dos ocultistas ou por
quem nao o estudou diretamente — dissipa-se instantánea
mente, pois se vé que Nostradamus nao profetizou, mas sao
os seus intérpretes que o fazem profetizar.

A seguir, proporemos breve esbogo biográfico do «vidente».


Ao que se seguirá o exame comparativo de «profecías» inter
pretadas por E. Cheetham e por H. C. Roberts.

1. Esbogo biográfico

Miguel Nostradamus nasceu de familia judia, da tribo de


Issacar, em Saint-Rémy (Provenga, Franca) na quinta-feira 14
de dezembro de 1503, aproximadamente as doze horas.1 Os seus
ancestrais, bons conhecedores de medicina e matemática, se
haviam tornado cristáos por efeito de um decreto do rei Luís XI
(1461-83), que ameagava os judeus nao batizados de confis-
cacáo dos bens; em conseqüéncia, os avós paternos tomaram
o sobrenome «Nostre-Dame»2 (Nostradamus, em latim vul
gar), enquanto os avós maternos adotaram o apelativo de
«Saint-Rémy», nome do lugar em que habitavam.

O jovem Miguel foi primeramente formado por seus avós,


que lhe ensinaram a matemática (naquela época, inseparável
da astrologia), como também a medicina e a farmacéutica.
Muito jovem, pois, aprendeu a manejar o astrolábio °, a con
templar as estrelas e a ler os «destinos» dos homens ñas con-
jungóes dos astros. Após a iniciagáo, o jovem foi para Mont-
pellier, onde se doutorou em medicina aos 26 anos de idade.

1 O prlmelro biógrafo de Nostradamus foi seu discípulo Jean-Aimes


de Chavigny, que publicou a biografía do vidente em 1594. — Note-se a
Indlcacáo precisa do dia e da hora em que nasceu Nostradamus; era neces-
sárla para que se pudesse definir o horóscopo do "profeta".

2 Nossa Senhora.

0 O astrolábio era um recipiente cheio de agua, que o observador


flcava olhando até que a agua se tornasse turva e as perspectivas do futuro
ali se desenhassem. Nostradamus se colocava, com urna vara na mfio, no
meló de um circulo mágico, chamado limbo, Junto ao astrolábio; falava-lhe
entao a voz de Branco, fllho de Apolo, que aparecía em meio ao fogo, como
Julgava o "profeta".

— 326 —
NOSTRADAMUS: PROFETA? 63

Terminados os estudos, viajou pela Provenga e o Langue-


doc; esteve na Italia (Miláo, Genova, Veneza). Entrou em con
tato com Julio Scaliger, filósofo e humanista famoso, que o
convidou para morar em sua casa, na cidade de Agen. Ali
casou-se e teve dois filhos. Praticava a medicina com grande
éxito — o que lhe granjeou fama e numerosa clientela. Sobre-
veio, porém, a peste, que, entre outras vitimas, fez perecer a sua
mulher e seus filhos — o que prejudicou enormemente a sua
reputagáo. Deixou Agen, e, triste, retirou-se para a Abadia de
Orval no Luxemburgo, onde escreveu as primeiras «profecías».

Por volta de 1554, reaparece em Marselha, onde contri


buí para debelar urna epidemia. Pouco depois, faz o mesmo
em Lyon, recuperando assim o seu prestigio.

Estabeleceu-se finalmente em Salon-de-Crau, onde se casou


de novo, vindo a ter sete filhos. Passou todo o resto da vida
a estudar e escrever, interessando-se geralmente pelo ocul
tismo. Em 1550, comegou a redigir um conjunto de «profe
cías», que, agrupadas em cem estrofes de quatro versos cada
urna, foram chamadas «Centurias». Deixou dez Centurias;
nao se sabe por que a Centuria VII nao foi completada. Os
versos estáo redigidos em linguagem obscura e hermética, que
resulta da mésela de francés, provencal, italiano, grego e latim.

O jovem rei Carlos IX, que em 1563 foi declarado de


de maíor idade, em 1564 nomeou Nostradamus médico e con-
selheiro seu. Isto teve pouca significagáo, pois nessa época o
«profeta» estava já idoso e cansado.

Por fim, Nostradamus faleceu aos 2 de julho de 1566.


Terá predito o día da sua morte, quando já consumido por
artrite e gota. Foi sepultado na igreja dos Cordeliers e depois
trasladado para a de S. Lourengo, em Salin, onde aínda se
pode ver o seguinte epitafio:

"Aquí repousam os restos de Miguel de Nostradamus, o único, na


opimSo de todos os moríais, cuja pena, quase divina, foi digna de trans
mitir, conforme o movimento dos astros, os acontecimentos futuros que se
daráo no mundo Intelro".

O povo, porém, recusou-se a crer que o profeta morrera.


Antes passou a afirmar que se encerrara em seu túmulo com
urna lámpada, papel, tinta e livros, e que ameagara de morte
quem tivesse a ousadia de abrir o sepulcro. Esta crenga

— 327 —
Jj4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

supersticiosa parece ter aproveitado aos exploradores, que


publicaram subseqüentes edicóes das Centurias contendo «pro
fecías» adaptadas aos acontecimentos posteriores á morte de
Nostradamus.

2. Exorne comparativo

Nao será possível estabelecer um confronto das obras de


Cheetham e Roberts de ponta-a-ponta. Por isto salientaremos
apenas os textos em que as divergencias sao mais flagrantes.

2.1. Centuria I. quadra 14


E. Cheetham, p. 25

Noslradamus: «Vindo das gentes escravizadas, cancoes, cantos


e pedidos, enguanto príncipes e senhores estao aprisionados. Estes
serao no futuro recebidos por idiotas sem cabeca como divinos
pregadores».

Comentario de E. Cheetham:

A REVOLUCAO FRANCESA 1789

«A maioria dos comentaristas acha que esta quadra se refere


as cancoes de demandas que a populacao faria quando da prisáo de
Luís XVI com sua familia no Templo. Os idiotas que teriam perdido
suas cabecas, sao os primeiros chefes do Terror, que por seu turno
seguiriam a aristocracia á guilhotina, mas qtie foram considerados
como os primeiros inspirados comandantes da Revolucao».

C. H. Roberts, p. 24

Nostradamus: «Prisioneira de Príncipes e Senhores, a gente


escrava, em cánticos e súplicas implora e, embora bronca, sem cabeca,
será acolhida por divinas preces».

Comentario de Roberts: «Predicao de urna revolucab da Rússia.


O povo russo ou eslavónico, oprimido pelos seus governantes,
procurará se esclarecer e livrar-se da opressao».

— 328 —
NOSTRADAMUS: PROFETA? 65

Como se vé, já a traducáo difere no texto da comentarista


Cheetham e no de C. H. Roberts: por exemplo, «divinas preces»
ou «divinos pregadores» tentam traduzir o provencal «divines
oraisons».

Mais: a quadra se refere á Revolucáo Francesa de 1789 ou


a urna revolucáo na Rússia? Há grande diferenca entre urna
e outra.

2.2. Centuria I. quadra 18

E. Cheetham, pp. 26s

Nostradamus: «Por culpa da desuniáo dos franceses e de sua


negligencia, as passagens estarao aberras para os maometanos. O
sangue inundará a térra e o mar de Siena, e o porto fenicio estará
repleto de navios e velas».

Comentario de E. Cheetham:

FRANCA E NORTE DA ÁFRICA, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL


«Esta quadra mostra o caos reinante na Franca durante 1940,
e que permitía ás tropas italianas a invasao do Norte da África sem
obstáculos. ,O sangue italiano derramado o seria ñas batalhas no
deserto: o porto de Marselha estava sempre em alerta, embora ocupado
pelos alemaes».

C. Roberts, p. 25

Nosh-adamus: «Dos galos a discordia e a negligencia abrirao


o caminho a Maomé. O sangue cobre a térra e o mar da Italia, e o
porto marselhes de naus se cobre».

Comentario de Roberts: «A Confederacáo Árabe Maometana,


dominada pela l,gre¡a Maometana, eravara urna cunha na geopolítica,
em grande parte devido á a¡uda francesa».

Como se vé, enquanto Erika Cheetham julga tratar-se da


invasáo do Norte da África por tropas italianas em 1940,
Roberts pensa na Confederacáo Árabe Maometana, que vaga
mente cravará urna cunha na geopolítica. — Afinal, italianos
e árabes maometanos nao se identificam entre si!...

— 329 —
66 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

2.3. Centuria I. quadra 33

E. Cheetham, p. 34

Nostradamus: «Próximo a urna grande ponte perto de urna


planicie larga, o grande leao, com suas forcas imperiais, causará urna
queda fora da cidade austera. Devido ao medo as portas Ihe serao
abertas».

Comentario de E. Cheethanrt A cidade austera da terceira linha


é provavelmente Genebra, berco do calvinismo. A planicie pode ser
a Lombardia, e o leao o comandante das forcas imperiais. Mas, se
Nostradamus desefava a queda de Genebra, pressionada pelo Santo
Imperio Romano, estova totalmente engañado. A ponte pode ser
interpretada como urna passagem na montanha. Devemo-nos lembrar
do forte sentimento anti-huguenote de Nostradamus, que ele deixa
perceber ñas suas Profecías».

C. Roberts, p. 29

Nostradamus: «Perto da grande ponte e da planicie, Grande


Leao, por foroa cesaríana, abatido será pela cidade austera, e as
portas Ihe serao fechadas».

Comentarlo de Roberts: «Winston Churchill voltará á política


Inglesa, para salvar o Partido Conservador do Trabalhista, mas será
derrotado por urna coalizao».

Percebe-se que o comentario de E. Cheetham é vago e


inseguro; leva a pensar em Genebra (Suica), Lombardia e Cal
vinismo (sáculos XVT/XVII). Ao contrario, o comentario de
Roberts indica Winston Churchill e o Partido Trabalhista da
Inglaterra no século XX. Afinal, sáculos XVI/XVII ou
sáculo XX?

2.4. Centuria I. quadra 49

E. Cheetham, p. 44

Nostradamus: «Muito antes destes acontecimentos o povo do


Leste, influenciado pela Lúa, no ano de 1700 fará grandes ¡migracóes,
e quase subyugará a área do Norte».

— 330 —
NOSTRADAMUS: PROFETA? 67

Comentario de Cheetham:

OS ACONTECIMENTOS POR VOLTA DE 1700

«O astrólogo Roussat também acreditava que os anos 1700 a


1702 trouxessem muitos levantes, mas ambos falharam nesta profecía,
que apenas poderla se aplicar ás diversas invasóes no norte
(Aquilonaire). Em fevereiro de 1700, Augusto II invadiu a Livónta.
Pedro o Grande tomou Azov e Kouban dos turcos; Carlos XII ocupou
a Groenlandia, e Pedro o Grande declarou guerra á Suécia, mas
nenhum desses acontedmentos tem a importancia que Ihes emprestou
Nostradamus».

C. Roberts, p. 33s

Nostradamus: «Muito antes de tais coisas sucederem, os do


Oriente, decretando a Lúa, no ano 1700 com grandes turbas conquis
ta rao o Norte quase todo».

Comentario de Roberts: «No ano 2025, de acordó com o


calendario lunar, a China, tendo completado sua expansáo industrial
e económica, absorverá quase toda a Rússia Setentrional e a
Escandinávia».

Como se depreende, Roberts teve que transformar o ano


de 1700 em 2025, supondo gratuitamente anos lunares. Já que
a «profecía» obviamente entendida fracassou, o intérprete
entende-a como predizendo algo de futuro, que nenhum estu
dioso pode atualmente controlar!

2.5. Centuria I. quadra 57

E. Cheetham, p. 47s

Nostradamus: «Por um grande desacordó soarao os clarins. Um


acordó rompido levanta a face para o céu: a boca sangrenta nadará
em sangue; o rosto untado de leite e mel jazerá no chao».

— 331 —
68 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

Comentarlo de Cheethom:

A EXECUCAO DE LUIS XVI, 21 de Janeiro de 1793

«Em 1973, entre os horrores e discordias da revolucáo, Luís XVI


aceitou a Constituicao decretada pela Assembléia Nacional (accord
rompu). Quando se dirigía para o local da execucao, ele terá reci
tado o Terceiro Salmo — exaltus1 caput meum (dressant la teste).
Quando a vítima é guilhotinada, o sangue espirra da boca do cadáver.
Nostradamus é extremamente detalhista. Luís é descrito como untado
de leite e mel, porque ele foi realmente untado como se fora um ritual
de coroacao».

C. Roberts, p. 35

Nostradamus: «Soará a trombeta na discordia, rompido o


acordó, ergue a cabeca ao céu, boca sangrenta há de comer o sangue
de rosto ao Sol, de leite e mel ungido».

Comentario de Roberts: «Urna predicao clara e direta. O


Japao, traicoeiramente, romperá o acordó com os Estados Unidos e,
desencadeando a guerra sangrenta, pora em prática seu plano de
Co-Prosperídade do Leste da Asía, pro meten do urna térra de leite e
mel aos seus comparsas».

Em súrtese: enquanto um intérprete v§ a execugáo de


Luis XVI ocorrida aos 21/01/1793, o outro pensa no Japáo, que
rompe traicoeiramente com os Estados Unidos! — Com quem
ficará o leitor?

2.6. Centuria VI. quadra 33

E. Cheetham, p. 254

Nosfradamus: «Sua mao finalmente através do sanguinario


Alus, ele estará incapaz de proteger a si mesmo pelo mar. Entre dois
ríos ele temerá a máo militar; aquele que é negro e irado o fará se
arrepender disso».

1 Há possivelmente al um erro: exaltus em vez de exaitans. (Nota


do editor).

— 332 —
NOSTRADAMUS: PROFETA? 69

Comentario de Cheethom:

O NOME DO TERCEIRO ANTICRISTO

«Alus é outro dos misterios de Nostradamus. Fico imaginando


se este nome terá alguma ligacao com o amedrontador Mabus da
Centuria II, 62. A palavra main é citada ñas duas ocasiSes. Pode ser
a busca do nome do terceiro anticristo que se liga á quadra enigmá
tica II, 28, onde Nostradamus parece tentar soletrar seu nome».

C. Roberts, p. 161

Nostradamus: «A derradeira mfio sangrenta em Alus, nao mais


o salvará gracas <ao mar. Entre dois ríos teme a forca armada Negro
e irado fa-lo-á arrepender-se».

Comentario de Roberts: «A estrofe parece conter urna predícáo


sobre o papel dos Estados Unidos na fase final da carreira de
Mussolini».

Erika Cheetam distingue tres Anticristos, segundo Nostra


damus: o primeiro terá sido Napoleáo I (1804-1815) é o segundo
Adolf Hitler (f 1945); o terceiro estaría para vir. — Pois bem;
perguntamos: a quadra ácima trata do Anticristo que ainda
vira, ou da política dos Estados Unidos em relagáo a Benito
Mussolini (t 1945)?

2.7. Centuria IX, quadra 84

E. Cheetham, p. 374

Nostradamus: «O rei descoberto completará a chacina, tño


cedo tenha descoberto sua origem: a torrente que abrirá a tumba de
mármore e chumbo, de um grande romano, com o símbolo da Medusa».

Comentario de Cheethom:

O TÚMULO DE SAO PEDRO?

«Ainda outro verso sobre a descoberta de um túmulo. A chave


é a palavra Medusine. é um anagrama para Deus in me, o que pro-
varia ser a verdadeira tumba de Sao Pedro, já que era este seu moto.
O túmulo que foi encontrado anos atrás era de outro papa, embora
fosse dos primeiros».

— 333 —
_70 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

C. Roberts, p. 258

Nostradamus: «Exposto, o rei pratica a hecatombe, após ter


descoberto o sua origem, abre a torrente o túmulo de mármore de um
romano com o emblema de Medusa».

Comentario de Roberts: «Um movimento supostamente revolu


cionario, baseado em idéias advogadas em Roma antiga, é aqui com
parado á cabeca de Medusa, que transformava em pedra quem a
olhava, querendo dizer que tais conceitos levariam a urna sociedade
estática e antiprogressista».

Observamos: ou o túmulo de Sao Pedro (Cheetham) ou


um movimento supostamente revolucionario (Roberts)...

2.8. Centuria III. quadra 77

E. Cheetham, p. 150

Nostradamus: «O terceiro clima incluido sob Aries, no ano


de 1727, em outubro, o rei da Pérsia capturado pelo do Eajto: batalha,
morte, prejuízo, grande vergonha para a cruz».

Comentarlo de Cheetham:

OUTUBRO 1727, PÉRSIA

«Eis aqui urna quadra .que nao só dá o ano do acontecimento,


como também o mes e o lugar. Nostradamus deve ter esquecido de
embaralhá-la como de costume a fim de tornar mais difícil seu
entendimento. Ela é absolutamente córrela. Em outubro de 1727 foi
feito um acordó de paz entre os turcos e os persas. O Egito era parte
do Imperio Otomano e apoiava os turcos. A perda para a cristandade
é explicada pelo fato de Shah Ashraf, em pagamento de ser reconhe-
cida sua dinastía, ter dado as térras do Emvan, Tauris e Hamadan aos
turcos, e reconhecido o sultao como legítimo sucessor do califa. O
poder otomano continuou forte até este século, e mais nenhuma
cruzada foi organizada pelos cristáos».

C. Roberts, p. 94

Nostradamus: «O terceiro clima sob Aries, no ano de 2025, 27


de outubro, o rei da Pérsia, vencido pelo Egito, e opróbrio á cruz».

— 334 —
NOSTRADAMUS: PROFETA? 71

Comentario de Roberts: «No ano de 2025, de acordó com urna


cronología especial enumerada por Nostradamus, estranhos aconte-
cimentos ocorrerao no Oriente para vergonha dos cristáos».

Cheetham afirma que, com muita clareza, a «profecía» se


refere a um acordó de paz entre turcos e persas datado de 1727.
Ao contrario, Roberts antevé o ano de 2025 (sem que possa ser
controlado)! — Há enorme distancia entre urna época e a
outra!...

2.9. Centuria III. quadra 84

E. Cheetham, p. 153

Nosfradamirs: «A grande cidade ficará breve bastante deserta,


nao restando nenhum de seus habitantes. Muro, sexo, templo, virgens
violadas, gentes morrerao pela espada, pelo fogo, praga e tiros de
canhao».

Comentario de Cheetham:

O SAQUE DE ROMA SOB PIÓ VI, 1775-1779

«Se a palavra sexe é urna abreviacao de Sextus, como bem pode


ser, este verso trata entao do saque de Roma pelas tropas napoleó
nicas. Muitos estudiosos pensam se tratar de París».

C. Roberts, p. 96

Nostradamus: «Desolada estará grande cidade, nao restará um


só dos habitantes. Muralha, sexo, templo e virgem violados, por
peste, fogo e ferro a gente morre».

Comentario de Roberts: «Este incidente ocorreu muitas vezes


durante a Segunda Guerra Mundial, mas aplica-se especialmente
a Lídice».

Afinal, sáculo XVIII ou sáculo XX?

335 —
72 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

2.10. Centuria IX, quadra 83

E. Cheetham, p. 374

Nostradamus: «O sol a vinte graus de Touro, hovera um grande


terremoto; o grande teatro cheio ficará arruinado. Ar, céus e térra
escureddos e perturbados, quando o infiel chamar a Deus e aos
santos».

Comentario de Cheetham:

UM TERREMOTO A 10 DE ABRIL

«Temos o dia, mas nao o ano do acontecimento; um verso tao


apocalíptico faz lembrar a fenda (da térra) de Los Angeles. «Sol
vingf de Taurus» pode significar vinte dias depois de o Sol se mover
em direcáo a Touro; portanto, a data é 10 de abril».

C. Roberts, p. 258

Nostradamus: «Sol vinte Tauro faz tremer a Térra, cheio o


grande teatro se arruina, ar, céu e térra tornam-se obscuros, quando
o infiel rogar a Deus e aos santos».

Comentarlo de Roberts: «A estrofe prevé o dia 10 de maio como


a data exata do grande Cataclismo».

Notamos: 10 de abril ou 10 de maio? Um terremoto já


passado ou o Grande Cataclismo... ?

2.11. Centuria VIII, quadra 22

E. Cheetham, p. 308

Nostradamus: «Coursan, Narbonne pelo sal a advertir Tuchan:


a graca de Perpignan traída; a cidade vermelha nao desejará con
sentir num vóo alto; urna bandeira falsa e urna vida extinta».

— 336 —
NOSTRADAMUS: PROFETA? 73

Comentario de Cheethaim

COMUNISMO NA FRANCA?

«Eis ai urna .quadra difícil. Existem muitos baluartes comunistas


na Franca de hoje em torno de Perpignon, a cidade vermelha. O resto
é obscuro».

C. Roberts, p. 212

Nostradamus: «Gorsan, Narbona, por sal advertida, Tucham, a


graca Perpignan traída, cidade rubra nao quer consentir, por Voldrap
termina vida cínza».

Comentario de Roberts: «Por um edito da 'cidade rubra' (Roma)


será concedida ojuda ás cidades francesas mencionadas na estrofe».

Perguntamos: a cidade vermelha será Perpignan ou Roma?

2.8. Centuria VIII, quadra 46

E. Cheetham, p. 318

Nostradamus: «Paulo, o celibatário, morrerá a tres leguas de


Roma e os dois mais próximos fugirao do monstro opressor. Porque
Marte tomará seu horrível trono, o galo e a águia, a Franca e os tres
irritaos».

Comentario de Cheetham:

GUERRA COM ALGUMA LIGACAO ENTRE PAULO VI


E OS KENNEDY

«O último Papa Paulo, anterior ao presente Paulo VI, morreu


em 1621. A ligacao do Papa atual com os Kennedy faz-nos datar esta
quadra para breve, para este século. O Papa atual morrerá fora de
Roma, na Franca ou no Ródano. Neste ponto os dois aliados seráo
ameacados de urna grande guerra (ve¡a a Centuria V 78 e VI 50).
O galo simboliza a Franca, que parece terá um importante papel nos
acontecimentos, e a águia, os Estados Unidos, lugar de ori.gem dos
Kennedy».

— 337 —
74 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

C. Roberts, p. 218

Nostradamus: «Paulo Mensolé morrerá perto do Ródano, deve


evitar estreitos de Tavare, pois Marte fará o mais horrível trono, do
galo e águia, tres irmaos da Franca».

Comertórfo de Roberts: «Advertencia a Paúl Mensolé para evitar


as estradas de Mf. Tarare,1 infestadas de ladroes e assassinos».

Observamos: Como difere urna interpretacáo da outra!


Isto se deve, em parte, ao fato de que o dialeto provencal fala
de Pol mensolee, que Cheetham traduz por Paulo o celibatário
(= Paulo VI), e Roberts, por Paúl Mensolé. — Ademáis é de
notar que, segundo a interpretagáo de Cheetham (formulada
em 1973), o Papa Paulo VI deveria ter falecido «fora de Roma,
na Franca ou no Ródano»...; ora é notorio que Paulo VI
morreu em 1978 em Castel Gandolfo (Provincia de Roma).
Perguntamos ainda: Tavare ou Tarare?

2.12. Centuria V, quadra 5

E. Cheetham, p. 203s

Nostradamus: «Sob o frágil pretexto de remover a servidao, o


povo e a cidade usurparao o poder. Ele fará pior, por causa das
trapacas de urna ¡ovem prostituta, levado ao campo, lendo a falsa
promessa».

Comentario de Cheetham:

LUÍS XVI E MARÍA ANTONIETA

«A Revolucao Francesa substituto um governo absoluto por outro


igualmente autocrítico. O povo de Paris tomou para si o governo de
sua cidade, depois da revolta da Bastilha, em 14 de ¡ulho de 1789.
A mulher que torna as coisas plores, por sua dupla vivencia e por sua
total extravagancia, é María Antonieta, cuja popularidade decaiu
depois do caso do colar de diamantes. Quando ela e o rei foram
apandados tentando fugir para St. Claude em 1792, e a familia foi

1 Tavare no texto de Nostradamus. Tarare no de Roberts.

— 338 —
NOSTRADAMUS: PROFETA? 75

trazida de volta, a multidSo dizia para Luís XVI: 'Nos amamos somente
vocé'. As promessas falsas sao aquelas feitas pelo rei, quando pro-
meteu nao tentar escapar do Templo onde ele e sua familia tinham
sido hospedados, para serem protegidos do povo. Eles fugiram para
Varennes em 1792, e foram capturados».

C. Roberts, p. 128

Nostradamus: «Pretextando sair da servidao, usurpará o povo


e a cidade, pior fará seguindo a prostituta, entregue para ler falso
proemio».

Comentario de Roberts: «A estrofe prediz os dias e as acóes


'fináis' de Hitler, seu falso casamento com a atriz Eva Braun e seu
falso testamento».

Ve-se que as duas interpretagóes sao totalmente desconexas


entre si — o que evidencia mais uma vez a arbitrariedade dos
intérpretes e esvazia a autoridade de Nostradamus como
«profeta».

2.14. Centuria IX, quadra 73

E. Cheetham, p. 370

Nostradamus: «O rei entra em Foix vestindo um turbante azul;


ele reinará por menos que uma revolucao de Saturno; o rei com o
turbante branco, seu coracao banido para Byzantium; o Sol, Marte
e Mercurio perto de Aquário».

Comentario de Cheetham:

18 DE FEVEREIRO DE 1981

«Este verso aparentemente descreve uma invasáo musulmana ou


vinda do leste, considerando-se o uso de turbantes. Foix entende-se
que pertenca a olguém que usa um turbante azul, e que reina há menos
de 19 anos e cinco meses. Aparece entáo uma figura branca, que de
alguma maneira é ligada a Constantinopla (Bizáncio). De acordó
com Me Cann (1942), esta quadra é datada pelos planetas como
sendo 18 de' fevereiro de 1981».

— 339 —
76 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

C. Roberts, p. 255

Nostradamus: «Rei de turbante azul entra em Foix, reina menos


que a rota de Saturno, Rei de turbante bronco vence Bizancio, Sol,
Marte e Mercurio ¡unto á Lúa».

Comentario de Roberts: «Foix, uma cidade do sul da Franca,


será o centro de disturbios militares, culminando com a escolha de um
governante que assegurará grande prosperidades.

No ano corrente de 1983 verifica-se que nao se cumpriu a


«profecía» referente aos 18/02/81... Por isto cautelosamente
Roberts propóe uma interpretagáo vaga e genérica da mesma.

2.15. Centuria X, quadra 74

E. Cheetham, p. 41 Os

Nostradamus: «No ano do grande sétimo número completado,


aparecerá nesta ocasiáo os ¡ogos de hecatombe, nao longe da idade
do grande milenio, quando os mortos sairao de suas tumbas».

Comentario de Cheetham:

A GRANDE GUERRA AÍNDA NESTE SÉCULO: 1979-1980?

«Quando surgir o sétimo número (pode ser que se refira ao fim


dos anos 70), a guerra explodirá de novo em amplíssima escala. A
data nao será longe do milenio, como afirma a Centuria X 72. A
última linha é puramente impressionista, a nao ser que Nostradamus
tivesse uma visáo do que seria o Juízo Final».

C. Roberts, p. 281 s

Nostradamus: «Tendo passado o ano do grande sete, o tempo


surgirá de Hecatombe, nao longe do reinado do milenio, quando os
defuntos sairao do tumba».

Comentario de Roberts: «Quando chegar o ano de 7000, o Dia


do Juízo estará próximo e os mortos sairao dos túmulos».

Notemos: 1979-1980 já se foram sem que acontecesse a


catástrofe predita. Terá sido adiada para o ano de 7000? Como
sao manipulaveis as «profecias» de Nostradamus!
• • •

— 340 —
NOSTRADAMUS: PROFETA? 77

2.16. Centuria Vil, quadra 35

E. Cheetham, p. 292s

Nostradamus: «O grande peixe vira se queixar e chorará por


ter sido escolhido, engañado em relacao á sua idade: ele difícilmente
quererá permanecer com eles e será iludido por aqueles que falam
de sua própria língua».

Comentario de Cheetham: «Henrique III, terceiro filho de Cata


rina de Médicis, foí eleito re¡ da Polonia, considerando que a Polonia
escolhia seus reis multo livremente (pesche). Devido á morte pre
matura de seu irmao Carlos IX, teve de deixar a Polonia e reclamar
seus direitos ao trono francés, o que transtornou os arranjos feitos
pela Polonia e pela Franca para fundarem urna nova dinastía. Ele
foi engañado (e também assassinado) por um colega francés, Jacques
Clément».

C. Roberts, p. 190

Nostradamus: «A grande bolsa há de gemer, chorar; tendo


escolhido um, sofrem engañados, ninguém mais quer ficar ao lado
deles, pela língua será desmascarado».

Comentario de Roberts: «A estrofe continua as predicoes da


anterior sobre a situacáo da Franca sob o hitlerismo, e se refere á
sabotagem do regime de Vichy, chefiado pelo Marechal Pétain, pelo
movimento de resistencia francés».

Ponderamos: ou vamos para o século XVI com Catarina


de Médicis e seus filhos, conforme Cheetham, ou vamos para
o século XX, segundo Roberts. Nao se poderia pensar tam
bém em algum episodio do século XVII ou do século XIX?
Por que nao?

Poderíamos prolongar o confronto entre as duas obras em


pauta, escritas para «explicar» Nostradamus. O que foi até
aqui apresentado, já basta para mostrar que nao é Nostrada
mus que está sendo explicado, mas sao os seus intérpretes que
explicam os respectivos modos de pensar.

— 341 —
78 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

3. Conclusño

A comparacao entre os dois intérpretes de Nostradamus


mostra como sao discutiveis e fainas as respectivas explanagóes:
um anula o outro, pois nao raro os intérpretes divergem entre
si frontalmente. Alias, o próprio modo de traduzir o texto
provengal e obscuro das «Centurias» nao é sempre o mesmo;
os tradutores diferem um do outro — o que dá margem a inter-
pretacóes diferentes da mesma «profecía». É oportuno que o
público tenha consciéncia disto, dado que é freqüentemente
bombardeado por «profecías», muitas das quais sao devidas a
Nostradamus; vé-se que este nao tem, como profeta, a autori-
dade que se lhe atribuí. Para explicar um ou outro caso em
que o «profeta» parece ter acertado (note-se bem: ... parece),
duas hipóteses vém em consideracáo:

1) Nostradamus conhecia a historia antiga, principal


mente de Roma; cíente do que se dera ñas grandes monarquías
do passado, nao lhe era difícil prever, no futuro, a repeticáo de
certos casos típicos da historia: guerras, revoluoóes, invasóes
de países, calamidades naturais... Até o fim dos tempos tais
coisas aconteceráo; quem as queira predizer em estilo ambiguo,
terá sempre razáo. Alias, o leitor, pela amostragem atrás
reproduzida, terá podido avaliar quanto sao ambiguos os
oráculos de Nostradamus; tudo podem dizer e nada dizem de
seguro.

2) Bruno Fantoni julga que «Nostradamus, mais do que


astrólogo, era realmente um homem dotado de facilidades
parapsicologías: telepatía, clarividencia, percepgáo extra-
-sensorial. As predigóes feitas ao futuro Papa (Sixto V,
1585-1590) ou a Catarina foram formuladas á simples vista das
pessoas, sem nenhum estudo astrológico previo» (Magia e
Parapsicología, Sao Paulo, p. 196).

Ensina o adagio latino: «Vulgos vult decipi», isto é, o povo


quer ser engañado. Poder-se-ia dizer mesmo: o ser humano,
como tal, gosta de ser engañado, porque gosta de decifrar
misterio e enigmas — decifracáo esta que geralmente é feita
por charlatáes e prestidigitadores (dos quais muitos podem
proceder de boa fé); a impressáo de estar percebendo coisas
novas e maravilhosas dificulta nao raro o exercício do senso
crítico. Ora este nao deve esmorecer, mas, antes, sirva á inte
ligencia e ao bom senso dos homens.

— 342 —
Urna crónica reveladora:

Os Fiéis (listaos na Albania

Sabe-se que a Albania é o país mais hostil do mundo aos


valores religiosos; a orientagáo maoísta do respectivo Governo
pretende arrancar violenta e rápidamente as mais profundas
raízes religiosas da populagio nacional.

Ora um boletim francés de informacóes ecuménicas publi-


cou recentemente algumas noticias sobre a vivencia religiosa
sufocada de fiéis católicos da Albania; cf. BEP/SNOP/SOP
(Bulletin oecuménique d'information) n» 546, de 15/11/1982),
p. 23. Tal breve crónica é importante, porque desvenda ao
leitor brasileiro um pouco do heroísmo dos irmáos que resistem
ao regime mais drásticamente anti-religioso do mundo. Eis o
texto respectivo em sua tradugáo portuguesa:

NOTICIAS DOS CATÓLICOS DA ALBANIA

O Keston College, centro británico de estudo dos problemas reli


giosos nos países comunistas, recebeu últimamente algumas noticias
referentes á situacao dos católicos na Albania. De modo geral, essas
noticias nao sao boas: os fiéis estao totalmente destituidos de contato
com os sacerdotes que ainda permanecem vivos e «livres»; tais sacer
dotes, alias, estao estriramente proibidos de exercer as suas funcóes
ministeriais e pastorais. Os presbíteros depreendidos em flagrante
quando administram os sacramentos em urna residencia particular
(todas as igrejas estao fechadas) sao infalivelmente condenados a
longas penas de ¡nternacao num campo de trabalhos forea dos. Apesar
disto, ha aqueles que, desprezando tal perigo, ousam continuar a
administrar os sacramentos.

O risco, alias, é compartilhado pelos fiéis, dos quais alguns


colaboram com os sacerdotes, de modo que o sacramento da Eucaris
tía, principalmente, é distribuido a bom número de pessoas que nao
conhecem pessoalmente o sacerdote nem se encontram com ele. Em
alguns grupos, que nao gozam da asssisténcia de um presbítero, os
fiéis se preparam assim para o día em que receberao de novo a auto-
rizacáo (muito alme¡ada) de irem á igreja.

— 343 —
80 «PERGUMTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

Algumas familias conHnuam a praticar diariamente a oracao em


com uní, embora os interessados saibam que com isto correm o risco de
ser enviados para um campo de trabalhos forcados, se forem de-
preendidos em oracao. Um desses fiéis disse: «Rezamos nao somente
por nos mesmos, mas por todos aqueles que sofrem, onde quer que
se[a. Quanto a nos, o que ¡á sofremos, purificou a nossa fé».

Entre os cristSos albaneses refere-se urna historia interessante,


cu¡a autentícidade nao é posta em dúvida: certa vez o filho de
eminente membro do Politburó albanés caiu gravemente enfermo; o
pai o levou entáo a urna igreja bem conhecída em Tirana, pedindo que
o sacerdote rezasse pela crianca. Tal homem era conhecido por sua
hostilidade militante para com todos os cristaos. A crianca recuperou
a saúde. Em conseqOéncia, o pai depositou certa quantia no fundo
de restauracáo da igreja, mas, dizem, a sua atitude hostil para com
os fiéis nao parece ter mudado. Foram assinalados na igreja de Nossa
Senhora do Bom Conselho em Shkoder casos análogos de cura de
familiares de membros do Partido ou de altos funcionarios do
Governo.

Conforme informacóes nao confirmadas, cristaos e muculmanos


teriam promovido manifestacoes diante de lugares de culto — igrejas
e mesquitas, templos fechados desde anos — no norte da Albania,
a fim de obter a reabertura dos mesmos.
Referem olguns turistas que encontraran! no sul da Albania
enancas que tinham prenomes cristdo, embora tivessem nascido
após 1976, data após a qual se tornou ilegal dar a urna crianca um
preñóme existente em calendario religioso.
• • •

É realmente impressionante a sanha anti-religiosa do


comunismo albanés... Mas nao é menos significativa a cora-
gem dos fiéis católicos — e dos cidadáos religiosos em geral —
daquele país, que enfrentam a perseguigáo e aguardam, espe-
rancosos, melhores dias. Possam os fiéis católicos residentes
nos países livres despertar sua chama religiosa ante o modelo
de irmáos perseguidos; é nos dias de paz que o cristáo se forta
lece para poder enfrentar denodadamente a luta e a perseguigáo
muito familiares aos seguidores de Cristo (cf. 2Tm 3,12).
Enquanto é lícito orar, participar dos sacramentos e viver
coerentemente a vida crista, o fiel católico utiliza o tempo
oportuno e a gra£a do Senhor. Desta maneira contribuí também
para obter da Providencia Divina o alivio do jugo que pesa
sobre a Igreja do silencio. Saiba cada qual pulsar ardentemente
com a Igreja universal, especialmente com as suas porgóes mais
sofredoras!
— 344 —
No cinema:

"GANDHI
1. Está nos cartazes de nossos cinemas o filme «Gandhi»
da producáo de Richard Attenborough, sob a responsabilidade
da Colombia Pictunes e com a colaboragáo do Governo e de
empresas da India. A película tem a duragáo de 3h 10 min e
concretiza um sonho concebido por Attenborough há vinte anos.
Apresenta 56 dos 79 anos da vida de Mohandas K. Gandhi,
chamado «o Mahatma», ou «a Grande Alma», comecando pela
chegada do advogado M. Gandhi á África do Sul em 1893;
vítima de discriminagáo racial no próprio trem em que via-
java, Gandhi iniciou a sua campanha de defesa dos direitos
humanos por meios nao violentos; continuou tal obra, logrando
éxito notável, até o dia em que foi baleado por um assassino
em 1948.

O filme exibe cenas grandiosas como a do cortejo fúnebre


de Gandhi, que reuniu 300.000 pessoas, a maior coneentragáo
humana já apresentada no cinema; belas paisagens da África
do Sul e da India aparecem aos olhos do espectador, parti
cularmente as cidades de Deli, Bombaim, Calcuta, Patna,
Amritsar, Udaipur e Allahabad... A filmagem foi minuciosa
mente preparada, tendo Attenborough procurado reconstituir
com precisáo as cenas e fases características da vida de Gandhi.

2. O filme merece elogios tanto do ponto de vista cine


matográfico como sob o aspecto do conteúdo. Póe em relevo
a tática da resistencia as injustigas sociais mediante recursos
nao violentos; dizia Gandhi: «Nao nos submeteremos a essa
lei iníqua... Teráo meu cadáver, nao, porém, a minha obe
diencia»; recusava qualquer prática que só visasse a acirrar
os ánimos e provocar o odio. O filme, devidamente calcado na
biografía de Gandhi, bem mostra o éxito de tal tática: os
ingleses, na India, renderam-se a nobreza de alma do Mahatma
Gandhi, reconhecendo a eqüidade de suas reivindicagóes e o
valor eloqüente de seus jejuns e preces. A abnegagáo, a renun
cia a si mesmo que acompanhem a defesa da justiga, dáo mais
relevo á boa causa; o autodominio ou a sufooagáo de paixóes
selvagens convence mais fácilmente os interlocutores do que
o clamor acompanhado por animosidade desregrada. Na ver-
dade, o homem moderno é muito sensivel á sinceridade de

— 345 —
82 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

quem fala; se este apregoa a verdade e o bem, mas nao os


testemunha por suas atitudes, desdiz-se e trai-se, ao passo que
o mensageiro que diz e vive o bem, persuade, em grande parte,
pelo seu tipo de vida. Na verdade, verifica-se que o mundo de
hoje precisa de santos e se deixa profundamente impressionar
quando descobre urna figura reta e sincera; a santidade, no
sentido pleno da palavra, é a tradugáo concreta e prática da
verdade e do bem.
Attenborough nao quis endeusar Gandhi, mas apresen-
tou-o com a grandeza de todo grande homem, que é sempre
humilde e simples. Embora nao tenha sido cristáo, Gandhi foi
um homem reto e religioso, cuja consciéncia Deus julgou.
3. Ao passo que a violencia gera a violencia e, muitas
vezes, só contribuí para agravar situagóes exacerbadas, a náo-
-violéncia é atitude nobre na medida em que venha a ser meio
para obter a extincáo de leis ou estruturas sociais injustas sem
derramamento de sangue. Posta a servigo de causa nobre, é
meío nobre porque apela para o senso humanitario das autori
dades, sem acirrar as paixóes e a animosidade que a luta vio
lenta costuma provocar em grau elevado. A respeito da greve
de fome como meio nao violento, já foi publicado um artigo
em FR 259/1981, pp. 379-386: é licita, contanto que nao leve
o individuo á morte; este nao tem o direito de extinguir a sua
vida em tais circunstancias.
É de notar que a náo-violéncia nao costuma ser aplicada
pelos extremistas, que preferem atibar a luta de classes, a sub-
versáo armada e das revolugóes. Praticam-na os budistas
como também grupos cristáos. Todavia nem sempre é fácil
distinguir em movimentos grevistas e semelhantes as intengóes
dos respectivos autores; podem também o adeptos do totali
tarismo estar envolvidos em manifestagóes de náo-violéncia.
O que leva os observadores a procurar exercer o devido dis-
cernimento frente a tais expressóes.
Em síntese, o filme «Gandhi» é o espelho da vida de al-
guém que foi corajoso e destemido em favor de nobre causa
e que merece a estima da humanidade porque deixou um tes-
temunho e exemplo que muito interessa aos cristáos. Embora
a filosofía religiosa dos cristáos seja diferente da de Gandhi,
podem estes ver no depoimento do Mahatma, ilustrado pelo
filme, um eco do slogan adotado pela Campanha da Fraterni-
dade — 1983: «Nao á Violencia, Sim isl Fraternidade».
Germine a sementé e dé frutos!
Esteváo Bettenoouxt O.S.B.

— 346 —
Uma Viasem á Polonia

De 12 a 18/05/83 o autor destas linhas teve a oportuni-


dade de estar na Polonia, a fim de participar de um Congresso
de COMMUNIO INTERNATIONALIS realizado em Ozarów-
-Oltarzew, perto de Varsóvia. Ao lado das delegagóes do Brasil
e da Polonia, achavam-se as da Franga, da Alemanha, da Es-
panha, da Italia, da Holanda, da Croacia, dos Estados Unidos
e do Chile. — Após os trabamos do Encontró, foi oferecido
aos estrangeiros o ensejo de visitar a cidade de Varsóvia total
mente reconstruida após a guerra (com seu mercado, seu cas-
telo real...), a de Cracovia e arredores, Nowa Huta, o mos-
teiro de Tyniec, o santuario de Kalvarie, Wadowice, a cidade
natal do Papa, o campo de concentragáo de Auschwitz-Birkenau,
o santuario mariano nacional de Jasna Góra em Czestochowa,
onde se venera a Virgem Negra...

As impressSes colhidas nesses inesquecíveis dias sao alta-


mente eloqüentes, de modo que abaixo oferecemos uma síntese
das mesmas aos nossos leitores:

1) O povo polonés... Trata-se de 35.000.000 de pes-


soas que, com poucas exceg5es, constituem uma populagáo
unida na afirmagáo dos seus ideáis patrióticos e religiosos. Ha
trezentos anos que esse povo sofre as vicissitudes da historia;
tal martirio tem agugado nos poloneses o senso da solidarie-
dade e a consciéncia dos imensos valores da fé. Resistem cora
josamente a formas de pressáo materialista ou atéia, mesmo
com prejuizo para a vida profissional e sua subsistencia eco
nómica. Quem se increve no Partido oficial, usufrui de privi
legios no trabalho, no gozo de ferias, no regime de habitagáo,
podendo comprar víveres e roupas em lojas próprias para os
membros do Partido Comunista, ao passo que os cidadaos nao
inscritos neste estáo sujeitos a regime de racionamento. Em
grande parte, as condigóes de subsistencia da populagáo tem
sido aliviadas pelos subsidios que lhe chegam da Escandinavia
e dos países ocidentais, subsidios estes que suscitam a viva
gratidáo da populagáo polonesa (especialmente quando se trata
de vitaminas e alimentos para as criangas).
Uma das afirmagóes mais significativas da fé destemida
do povo polonés, especialmente do seu operariado, é a cidade
de Nowa Huta, fundada pelo regime vigente para ser um

_ 347 —
84 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

reduto onde nao haveria nem cristáos nem pagaos, mas sim-
plesmente homens destituidos de senso religioso. Hoje em dia,
após anos de luta dos trabalhadores, existem nessa imensa
área habitacional seis igrejas paroquiais e urna sétima em vias
de construcáo, com atendimento por parte de numerosos sacer
dotes e Religiosas!

Merece particular mencáo a juventude polonesa, que ñas


escolas oficiáis é doutrinada segundo o marxismo, mas se acha
desiludida do mesmo e se volta espontánea e entusiasta para
os valores da fé. Os Seminarios Diocesanos e Religiosos, assim
como os Noviciados de Irmas, estáo cheios (no Seminario
Maior Palotino de Ozarów havia 120 estudantes!); a Polonia
é o país das vocacóes sacerdotais e religiosas. — Poder-se-ia
julgar que tal afluxo de voeacóes obedece a instinto gregario,
folclórioo e tradicionalista, visto que na Polonia os valores
patrios e os valores cristáos sempre estiveram intimamente
associados entre si. Na verdade, porém, esclareceram-nos os
padres poloneses que contactamos, os jovens procuram a Igreja
nao por razóes secundarias, mas simplesmente porque a juven
tude quer-se comprometer com um programa que valha a
pena ou que merega seu engajamento e seu entusiasmo; ora
na Polonia a Igreja é a única sociedade capaz de falar adequa-
damente aos jovens (e á populacáo), propondo-lhes um ideal
de liberdade, de respeito á pessoa humana, de esperanga para
o futuro ou, mima palavra, o sentido da vida; o materialismo
marxista frusta, e realmente tem frustrado, porque só pode
oferecer repressáo aos anseios da pessoa humana, que foi feita
para valores transcendentais ou mais eloqüentes do que os da
materia; o materialismo sufoca e esmaga nao somente no
plano físico, mas também no plano moral, intelectual e espi
ritual. Urna das expressóes mais tristes deste esmagamento é
a repressáo ao Sindicato Solidariedade; este exprimía (e ainda
exprime clandestinamente) o ideal do respeito á pessoa hu
mana e da colaboragáo em prol de urna sociedade menos mas-
sificada e mais livre; foi esfacelado, talvez por ter caminhado
com excessiva precipitagáo na reivindicagáo dos seus justos
direitos.

2) A Igreja. Esta é no país a grande forga e o baluarte


da populacho. Toca-lhe o difícil papel de sustentar as nobres
aspiracóes do povo, procurando, porém, evitar gestos irrefle-
tidos, que poderiam provocar a catástrofe no país. O clero é
numeroso (22.000 sacerdotes), jovem em grande parte, unido
á hierarquia e altamente dinámico. Urna das grandes tare-

— 348 —
VTAGEM A POLONIA 85

fas dos sacerdotes tem sido a catequese, muito recomendada


pelos Bispos e destinada a cultivar a fé da nova geracáo; desde
o pré-maternal existem cursos de Religiáo paroquiais acó-
lhendo criangas de tres anos de idade. Há padres que minis-
tram 20/30 horas-aulas de Catecismo por semana, enquanto
sao preparados leigos para assumir parte desta tarefa. Por
duas vezes o Goverrno quis limitar ou impedir a catequese,
mas teve que ceder ante a resistencia do clero e da populacáo;
oom efeito, em determinada fase, a Polícia exigiu que os páro-
cos lhe apresentassem os nomes das criangas que freqüenta-
vam o Catecismo; a isto recusaram-se os sacerdotes. Doutra
feita, o Governo quis reservar a fungáo catequética exclusiva
mente aos párocos, sem que outros sacerdotes ou Religiosos
a pudessem exercer; também isto nao encontrou obediencia.

O grande número de sacerdotes na Polonia nao quer dizer


que estejam desocupados; muito ao contrario, o clero polonés
se dedica integralmente ao ministerio ensinando as verdades
da fé, atendendo as numerosas solicitagóes de confissáo sacra
mental, pregando dias de recolhimento e retiros a casáis, a
operarios, a estudantes e a intelectuais, visitando os enfermos
e as familias, lecionando nos Seminarios, etc. — Em vista de
todos estes fatos, pode o Cardeal Primaz D. Josef Glemp
declarar aos congressistas de COMMUNIO: «A Igreja na Po
lonia nao está em crise». — Precisamente o que imuniza da
crise a Igreja na Polonia é a sua coeréncia ou a sua imper-
meabilidade em relagáo ao espirito secularista, que tanto tem
desfibrado o catolicismo, tirando-lhe as suas características
mais típicas; um catolicismo que nao seja «nem peixe nem
carne», ou- que nao tenha aspiracóes e propostas transcenden-
tais, diferentes (embora nao opostas) das dos psicólogos, soció
logos, economistas, políticos... perde a sua razáo de ser e
nao pode atrair a juventude, como também nao pode satis-
fazer aqueles que o professam; está fadado ao suicidio, por
perda da própria identidade. Ao contrario, um Catolicismo
que tenha a coragem de ser o que deve ser, sem sentir ver-
gonha de ser tal ou inveja dos que sao diferentes, tal Catoli
cismo é realmente o que diz o Evangelho: sal na térra, fer
mento na massa, luz no mundo. Pode-se crer que tal é o caso
do Catolicismo na Polonia; tal é o segredo da sua vitalidade.
3) A «Intelligeniaáa»... Os intelectuais na Polonia vol-
taram-se para o marxismo quando este comegou a governar o
país. Sem demora, porém, experimentaram a decepgáo — o
que abalou o regime. Muito expressivo é o fato de que na
Polonia a Igreja, apesar das numerosas restrigóes vigentes,

— 349 —
86 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

consegue construir nao poucas igrejas; isto se deve á circuns


tancia de que existe urna comunháo de ideáis entre a Igreja e
os arquitetos e pensadores, comunháo que nao existe entre
estes e o regime marxista. Para os homens que pensam e que
cultivam os valores da ciencia e da arte, a Igreja vem a ser
o espaco de liberdade necessária, liberdade que falta do lado
do sistema oficial.

Eis algumas reñexóes que urna visita á Polonia de nossos


días sugeriu ao signatario destas linhas e a seus companheiros
de viagem. O que mais impressionou a todos nos, foi a fir
meza do clero e do povo polonés, que trabalham e sofrem cora
josamente para nao trair sua fé, nem permitir seja gangre-
nada por concepeóes heterogéneas ou pelo secularismo.

Ouve-se, por vezes, a objegáo de que a Igreja na Polonia


é fechada ou retrógrada. — Tal ponto de vista é contraditado
se se leva em conta o fato de que as reformas do Concilio do
Vaticano n foram introduzidas na Liturgia e, de modo geral,
na organizagáo da Igreja. Esta conta com grandes teólogos e
homens de erudigáo que acompanham o Catolicismo ocidental
e nao raro visitam países do Ocidente, donde obtém a remessa
de numerosos livros e revistas (como pude ver na Biblioteca
do Instituto de Liturgia de Cracovia). Os fiéis leigos váo
assumindo o seu papel na Igreja, mas nao o podem fazer como
no Ocidente, visto que o Governo controla severamente os lei
gos que trabalham na Igreja, ao passo que ao clero deixa a
liberdade de exercício do seu ministerio.

Em suma, foi-nos de grande reconforto conhecer de perto


o fenómeno polonés, que multo nos enriqueceu e para o qual
pedimos a Deus as grasas da fortaleza de ánimo e da solida-
riedade jamáis violada por divisóes internas! Ao povo polonés,
especialmente aos amigos que nos acolheram, a efusiva grati-
dáo e a simpatía dos visitantes beneficiados.

Estéváo Bettenoourt O.S.B.

livros em estante
O Misterio do Deus Vivo, por Albert Patfoort O.P. TraducSo do ori
ginal Italiano por D. Cirilo Folch Gomes OSB. — Ed. "Lumen Chrlstl",
Rio de Janeiro 1983, 143 x 210 mm, 228 pp.

— 350 —
LIVROS EM ESTANTE 87

Este llvro corresponde ás apostllas utilizadas pelo autor na Unlver-


sldade S. Tomás de Aquino de Roma, onde o Pe. Patfoort leciona o tratado
da SS. Trlndade. A obra tem, por Isto, forma estritamente didática, dotada
de numerosas dlvisOes e subdlvisdes, que tornam o texto assaz claro.
A orlentacSo é tomista — o que, alias, corresponde á intengao da Igreja,
reafirmada recentemente no novo Código de Direito Candnico: "Os alunos
de Teología apren'dam a penetrar mals a fundo os misterios da salvado,
seguindo principalmente os ensinamentos de S§o Tomás" (canon 252, § 3;
cf. Concillo do Vaticano II, Decreto Optatam Totlus n? 16). — O Pe. Pat
foort, professor do Angelicum e consultor da Sagrada Congregagáo para
a Ooutrlna da Fe, apresenta-nos nfio apenas um tratado especulativo sobre
o misterio do Deus Uno e Trino, mas dedlca-se, antes do mais, ao estudo
do conceito de Deus na Biblia e formula, no decorrer da sua obra, consi-
deracOes apllcáveis á vida espiritual do cristáo, mostrando a Importancia
do misterio para a oragáo e o progresso Interior do estudioso.

Chamam a atencSo as páginas 44-50, relativas ao nome Ja vé (JHWH),


em que o autor propñe urna visSo das diversas maneiras de se entender
o nome de Deus revelado a Moisés em Ex 3,13-15; Patfoort opta peto sen
tido Intensivo do fórmula, que ele asslm reproduz: "Eu sou simplesmente,
totalmente e sempre o Existente" (cf. pp. 48-50); o autor tenta fundamentar
a sua poslcao, cíente de que há outras maneiras, também abalizadas, de
entender o nome JAVé. — Também merecem atencáo as ponderagóes
referentes ao Fllloque, vocábulo discutido pelos orientáis ortodoxos
(cf. pp. 201-203); o autor admite a posslbilldade de pluralismo termino
lógico a flm de se facilitar a re-uniSo dos cristáos bizantinos a Cátedra de
Pedro. — Nfio podemos deixar de mencionar outrossim a questSo recente
do "sofrlmento de Deus", abordada pelo Pe. Patfoort. O autor examina
varias sentencas atinentes ao assunto, e acaba admitindo que Deus possa
experimentar "alegría, compalxáo e desilusSo contemporáneas aos aconte-
cimentos da historia", contanto que tais emogoes nSo impliqúem mudanga
em Deus; em Deus nSo há novidade nem alteracáo, pois Ele é Ato Puro;
por isto tais emocSes "coexistem no único ato de amor de Deus que
abrange todos os objetos do seu amor em todos os seus aspectos"
(p 76). Tal posIgSo doutrlnária pretende atender aos textos bíblicos que
aludem aos afetos de Deus... Todavía é discutida por outros autores, que
preferem manter a doutrina da absoluta Impassibilidade de Deus.

Em suma, o livro se destina, antes do mais, aos Cursos de Teologia


ministrados a seminaristas e leigos que procurem sólida formagSo. A obra
oferece boa exposicSo sistemática; requer, porém, certa iniciagáo filosófica
para que haja pleno desfrutamento de seu conteúdo.

Eucaristía, Centro de Comunháo, pelo Pe. José Etspuetler SVD. —


Ed. Loyola, Sfio Paulo 1983, 138 x 207 mm, 112 pp.

Eis um llvro sobre a Mlssa escrito em perspectiva teológico-pastoral,


de modo a fomentar no povo de Deus' a vivencia da Eucaristía como ponto
aglutinador tíos fiéis. O autor propñe a doutrina referente á Eucaristía sobre
o fundo de cena da Páscoa judaica, mostrando a continuldade e a des-
continuidade entre a celebragáo do Antigo Testamento e a dos cristáos ou
entre a berakah (béngSo) judaica e a Eucharlstia (agSo de gragas) crista.
Percorre as sucesslvas fases do rito de celebragáo (Liturgia da Patavra,
Liturgia do sacriflbio-sacramento) relacionando-as com o ritual judaico
(quando isto tem procedencia) e expondo o significado cristáo, ascético-

— 351 —
88 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 269/1983

-místico, das mesmas. O llvro toma asslm um acentuado e válido teor


catequétlco, que o torna útil a clérigos e lelgos tanto para o fortaleclmento
da sua vida espiritual como em vista da tarefa de transmitir a doutrlna
da fé.

Igreja Popular, por Dom Boaventura Kloppenburg, OFM. — Llvrarla


Agir Editora, Rio de Janeiro 1983, 140 x 210 mm, 236 pp.

Já em PR 267/1983, pp. 133-149 fol publicada urna sfntese do texto


espanhol desta obra, que ora aparece em portugués após ter sido revista
e atualIzada. Impresso com o apoio da arquidlocese do Rio de Janeiro e
acom pan hado de palavras de recomendacfio do Emlnentfsslmo Sr. Cardeal
D. Eugenio Sales, o llvro vem a ser, antes do mals, um rico documentarlo
que elucida o que é Igreja Popular na conceltuaca'o dos seus arautos. A
"Igreja Popular" há de ser entendida como a expressSo mals concreta dos
movlmentos de Cristáos para o Socialismo, que professam a Teología da
LibertacSo em sua forma mals extremada. Publicando numerosas declara-
coes tanto de Congressos como de teólogos da Igreja Popular, o autor
contribuí para dlssipar as posslbilldades de llusao a respelto desta concep-
cSo; em suas expressQes mais exacerbadas, ela encobre urna opcSo pelo
marxismo (e marxismo agitador, dlsposto á revolucSo armada) camuflado
de rótulos religiosos. Diz Pablo Richard, um dos expoentes mals decididos
das teses da Igreja Popular:

"Este assunto da fé do povo é multo importante... Nfio há partlcipacáo


popular se nSo houver urna expressSo da fé, porque o povo fundamental
mente processa seus interesses em termos religiosos. Quer dizer, o povo
se move pelo pSo, trabalho, teto, agua, por interesses económicos e ma-
terlals, em termos religiosos... Se este sentimento religioso nao for
educado, pode ser, evidentemente, um impedimento ao processo. Mas,
quando há um trabalho de Igreja Popular, de evangelizado, isto se torna
um mar de lava, urna potencia. Foi o que fez a InsurreicSo sandinlsta (na
Nicaragua). O povo se levantou, a fé fol um detonador da moblllzacSo
popular" (p. 178).

"Quando o povo vé que as vanguardas süo átelas, rejelta-se como algo


de alheio... É Inútil; nao os mobilizas, aínda que Ihes expliques todas as
leis da historia... A revolucfio compreendeu que nSo há pior servlco.á
revolucSo do que declarar-se ateu" (p. 179).

O llvro é altamente recomendável porque oferece materia, geralmente


desconheclda, para se formar um jutzo objetivo e Isento de palxoes a res-
peito da tSo candente questáo da Teología da Libertacáo; reinam a propósito
muitos equívocos que nenhum cristSo há de querer aceitar conscientemente.

Historia do Cristianismo, das Orlgens a Justlnlano, por Ambroglo


Donini. TraducSo de Maria Manuela T. Galhardo. — Edlcoes 70, Lisboa 1980,
135 X 213, 311 pp.

A historia é o terreno mals disputado pelas Ideologías; estas procuram


encontrar nos fatos do passado o embasamento e o apolo para as suas
teses, propondo asslm novas e novas re-lelturas do pretérito. É o que
acontece também com o autor do llvro ácima, Ambroglo Donini, que
em 1926 aderiu ao Partido Comunista Italiano e em 1973, por ocasiño do
seu septuagésimo aniversario, fol condecorado pelo Soviete Supremo da

(Continua na pág. 15)

— 352 —
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vra do Papa". Documento da Sagrada Congregacao para o Culto Di
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Signo de Contradicción, Karol Wojtyla, 4? ed. (BAC Minor), 264 p.

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sard com o Papa, trad. de Antonio Carlos Vi llaga (Ed. AGIR), 1983,
354 p. — CrS 3.500,00.

O Nobre e Humilde Servico do Monge, (Novidade). D Gabriel Brasó, OSB.


Abade Presidente da Congregagáo Beneditina de Subiaco, Trad. de
Alceu Amoroso Lima e suas fllhas. Cartas circulares: a Ordem Bene
ditina, em' seu quinze sáculos de existencia, depois do Vaticano II,
1983, 232 p.
Lo» Dogmas d« la Iglesia: Son también hoy comprensibles? — Funda-
damentos para una hermenéutica del dogma — Por Leo Scheffczyk,
(BAC Mlnor), 330 p.

Igreja Popular, O. Boaventura Kloppenburg OFM (Ed. AGIR). Vasta cote-


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Queremos ver a Jesús (Retiro en el Vaticano, 1974), por el Card. Pironlo,


306 p. (BAC Mlnor).

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e 1968 (colecáo completa) — 1969 (ns. 110, 111, 112, 114,
116, 117, 118, 119).

1970 (ns. 128. 129, 132) — 1971 (ns. 136, 137, 141, 142,
143/144).

'1972 (ns. 149, 151, 152, 153, 154, 155, 156) — 1973 (ns. 161,
163, 165, 167, 168).

1974 (ns. 174, 175, 178, 180) — 1975 (ns. 187, 188, 189,
190, 191, 192).

1976 (ns. 196, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 203) — 1978
(colegio completa).

1979 (ns. 229, 230. 231, 232, 233, 234, 238, 240) — 1980
(ns. 242, 245, 246, 247, 248, 249, 250, 251, 252) —
1982 (ns. 263, 264, 265).

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