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POR MÔNICA CANEJO

Solo ancestral
A terra preta de índio revela muito mais que fertilidade.
Ela guarda pistas sobre a misteriosa pré-história da Amazônia.

N
as terras do município de Iranduba, provavelmente, de dejetos humanos e da fauna
no Amazonas, o agricultor João Rego e da flora aquáticas. “Isso pode significar que se
Braga cultiva mamão, coco, banana e trata de matéria orgânica advinda de atividades
laranja. É uma fartura de dar inveja. As raízes cotidianas das aldeias”, diz Neves.
de suas árvores frutíferas e a abundância da Ao longo dos séculos, sucessivas ocupações
produção são garantidas pela formidável “terra humanas foram aproveitando o potencial nutri-
preta de índio”, o tipo de solo mais fértil de toda tivo da terra preta e deixando, por sua vez, novas
a Amazônia. Em 2006, experimentos realizados matérias orgânicas, que a enriquecia ainda mais,
por uma equipe brasileiro-americana compro- num ciclo que não cessou de ocorrer. A terra preta é também a chave para se deci- Mamão e banana brotam facilmente do
varam que ele apresenta quantidade e variedade Com isso, hoje, é o caboclo da Amazônia frar um passado desconhecido do Brasil. “Elas solo trabalhado há milênios por povos
bem mais amplas de microorganismos que os quem se aproveita desse potencial. Dona Rai- talvez sejam o melhor indicador de que os am- antigos. A fertilidade da terra preta é
solos típicos dos trópicos – a terra preta é, lite- munda Braga, de 78 anos, mãe de João, a vida bientes amazônicos foram modificados pelas uma bênção aos atuais moradores de
ralmente, um terreno dotado de maior vitalida- toda trabalhou com lavoura. Sentada na frente de populações que ocupavam e reocupavam a área áreas próximas à bacia do rio Amazonas.
de. Braga, que aprendeu com a linguagem dos sua casa com um vestido branco e gestos tímidos, antes da chegada dos europeus”, diz Neves. Até
cientistas que se trata de um solo antropogênico ela louva a terra preta como uma dádiva da natu- pouco tempo atrás, as teorias mais aceitas defen- longínquo houve uma espécie de explosão cul-
– ou seja, derivado da ação humana –, explica reza: “Todo tipo de plantação vinga. A terra, mais diam a idéia de que o ambiente da floresta era tural, sugerida pelas modificações nos padrões
a seu modo: “Foi o ser humano quem fez esta úmida, custa a secar. Se a gente não usar adubo, demasiado hostil ao desenvolvimento de grupos de assentamento e pela rica produção de cerâ-
terra. Os antigos matavam o peixe e a caça, e as plantas ficam viçosas do mesmo jeito”. humanos. Assim, o amazônida pré-histórico vi- mica. Em cada escavação na terra preta, objetos,
deixavam tudo na terra. Queimavam o carvão Compreender a história da formação e as pos- veria de coleta, caça e pesca, num nomadismo esqueletos humanos e ossadas de animais vão
vegetal e também misturavam. Deu nisso”. sibilidades de uso da terra preta pode trazer mais que ignorava a agricultura. Nesse contexto, os compondo um cenário cheio de interrogações
O caboclo da floresta tropical está certo, ape- qualidade de vida aos moradores da região, assim grupos indígenas seriam pequenos e cultural- sobre a pré-história brasileira. Ao revolver esse
sar de os pesquisadores ainda não terem certeza como servir de modelo para o enriquecimento mente pobres. A presença dos grandes espaços lixo remoto, arqueólogos encontram pistas so-
se o carvão era levado ao solo intencionalmente do solo de outras partes do mundo. Especula-se a de terra preta derruba tais teorias. Extensos sí- bre a vida cotidiana desses ancestrais: indícios
ou se era mesclado aos refugos domésticos por viabilidade de reproduzir artificialmente a rique- tios arqueológicos datados em torno de 2,5 mil de alimentação, produção artesanal, mitologia,
acidente. Nos dois casos, porém, sabe-se que a za desse solo amazônico em regiões de terrenos anos atestam que já existiam grupos sedentários rituais, padrões funerários, arte.
terra preta garantiu a sobrevivência de enor- frágeis, promovendo a agricultura em locais de que se fixavam num mesmo local por períodos Para o agricultor João Rego Braga, contudo,
mes grupos humanos. É possível até, sugere o escassez de alimentos. Assim como a Revolução longos – o suficiente, pelo menos, para alterar a que já chegou a colher 4 toneladas de mamão
arqueólogo Eduardo Góes Neves, do Museu de Verde melhorou de modo dramático a agricultu- composição do solo. E eram grupos de grandes em uma única semana, menos importante que
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São ra dos países em desenvolvimento, a produção de proporções, com milhares de pessoas. o passado impresso na terra preta é o seu futu-
Paulo, “que dois grupos de índios tenham en- terra preta poderia desencadear o que a revista É possível que a agricultura tenha começa- ro, no qual ela pode vir a sustentar milhares de
trado em guerra para assegurar o controle desse científica Nature chamou de Revolução Negra do na Amazônia bem antes do que se pensava e pessoas. “Eu queria que toda a Amazônia fos-
solo há cerca de mil anos”. Os estudos atestam nas inúmeras regiões afligidas por solos pobres, que esses grupos se organizavam em núcleos que se fértil como aqui. E o mundo também”, diz.
que ele é composto também de fosfato, derivado, desde o Sudeste Asiático até a África. lembrariam pequenas cidades. Nesse passado Novamente, a ciência concorda com ele. j
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