Sei sulla pagina 1di 94

Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESEMTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
SL vista cristáo a fim de que as dúvidas se
. dissipem e a vivencia católica se fortaleca
k no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
z6i

Paradoxo da Cruz

Encíclica sobre o Trabalho

Que é á TFP?

Fée Política

Existem rapas humanas?

"O Milagre"

A real presenca de Cristo

Em Lanciano

E a historia dos
Concilios Ecuménicos?

ANO JUBILAR - Marpo Abril - 1


PERGUNTE E RESPONDEREMOS MARQO- ABRIL -1982
Publicacao bimestral N? 261
1957 - ANO JUBILAR - 1982

Diretor- Responsável:
D. Estevao Bettencourt OSB
Autor e Radator de toda a materia SUMARIO
publicada neste periódico

PARADOXO DA CRUZ 1
Diretor-Administrador:
A terceira encíclica de Jólo Paule 11:
D. Hildebrando P. Martins OSB
"LABOREN! EXERCENS" (SOBRE O
TRABALHO) 3
Administracao e distribuidlo: A opiniáo pública pergunta:
QUE É ATFP? 16
Edicóes Lumen Christi
Na ordem do dia:
Oom Gerardo, 40 - 59and., sala 501
FÉ E POLÍTICA 24
Tel.: (021) 291-7122
Momentosa questáo:
Caixa postal 2666
EXISTEM RACAS HUMANAS? 37
20001 Rio de Janeiro FU
Um livro de atualidada:
"O MILAGRE" de J. E. Martins Térra S.J. . . 41

Pagamento em cheque Na S. Eucaristía:


A REAL PRESENCA DE CRISTO 50
ou vale postal ao:
A Eucaristía, misterio da fé:
Mosteiro de Sá"o Bento EM LANCIANO. 61
do Rio de Janeiro Um pouco da vida da Igreja:
Caixa postal 2666 E A HISTORIA DOS CONCl'LIOS
20001 Rio de Janeiro RJ ECUMÉNICOS?

LIVROS EM ESTANTE 85

ASSINATURA ANUAL- 1982

NO PRÓXIMO NÚMERO
Até maio ' 800,00
Após maio 1.200,00
262 — maio-junho de 1982
Após novembro 1.600,00
O livro "Origens" de Leakey-Lewin
Assinatura comeca no mes da Inscricao Quem eram os mandeus?
"Ensaio de Ética Sexual" por Jaime Snoek
Renove-a quanto antes
A Igreja na Russia Soviética de hoje

As promessas a Deus e aos santos: sim ou nao?

COMUNIQUE-NOS QUALQUER A imagem da Virgem de Guadalupe:


inexplicável
MUOANgADE ENDEREgO
A assisténcia aos enfermos: questSes de Ética

Composicáo e imprestao:

Marques-Saraiva
O PARODOXO DA CRUZ
Estamos vivendo um dos períodos mais santos do ano
cristáo: a Quaresma, que desemboca na Páscoa aos 11 de
abril.
Neste período o cristáo revolve, mais urna vez, em sua
mente o misterio da Paixáo de Cristo, que se tornou «a bem-
aventurada Paixáo»; nela a Vida e a morte se defrontaram
em duelo tremendo, do qual saiu vitoriosa a /ida na manhá
da Ressurreigáo.
Tais verdades pertencem aos rudimentos da fé crista.
Todo fiel católico, desde que nasce, familiariza-se com a ima-
gem do Crucificado, que ele venera e exalta; em alguns luga
res, chega-se a encontrar a «cruz gloriosa» ou ornamentada
por pedras preciosas.

Tal representafiáo,.hoje habitual, só aos poucos foi sendo


assimilada pelos homens, pois a cruz, como instrumento de
suplicio dos escravos, lhes causava horror espontáneo. Sao
Paulo, alias, diz logo no limiar da era crista: «Anunciamos
Cristo crucificado, que, para os judeus, é escándalo, para os
gentíos é loucura» (ICor 1,23); apesar disto, o Apostólo
afirmava só pregar a palavra da cruz (ICor 1,18). Conforme
o escritor romano Plauto (f 184 a.G), a cruz era «o poste in
fame», «o lenho estéril», «a madeira criminal», «a horrenda
cruz»; outro escritor pagáo, Luciano (190 d.C), referia que a
letra T tinha sentido pejorativo, por causa do «maldoso ins
trumento» em forma de tau (T) que os tiranos erguiam sobre
a térra para «suspender a ele os homens». Estes e outros
fatos explicam a dificuldade que os homens dos primeiros sé-
culos tinham para aceitar a mensagem crista. Urna ilustragáo
eloqüente dessa dificuldade é-nos oferecida por um gráfico
encontrado ñas ruinas do Palatino em Roma: vé-se ai tosca
mente desenhado, á ponta de carváo, um homem crucificado
com a cabega de asno, diante do qual se acha um devoto re
verente; em baixo diz a inscrigáo: «Alexamenos adora Deus».
Este desenho bem mostra como os pagaos do Imperio Romano
identificavam a mensagem crista com «burrice». Outra cari
catura foi encontrada cm Oroszvar (Hungría), antiga Gerulata
da provincia romana da Panónia: representa alguém que car-
rega urna cruz, tendo a língua de fora por efeito do peso do
lenho! Em vista destes e de outros testemunhos, o historiador
Walter Bauer observa: «Os inimigos do Cristianismo sempre
se referiram, com grande insistencia e alegría maliciosa, ao
aspecto infamante da morte de Jesús. Um Deus ou um Filho

— 69 —
de Deus morto na Cruz! Esta noticia era suficiente para que
os antigos romanos se julgassem dispensados de dar atengáo
ao Evangelho!»
Apesar disto, também os escritores romanos verificavam
que a mensagem crista se propagava, e propagava rápida
mente. Tácito (f 120 d.C), por exemplo, registra que «o mal
(maltón)» ao qual Jesús dera origem, chegava sem demora
a Roma, «aonde tudo o que há de horrendo e vergonhoso no
mundo afluí e encontra numerosa clientela (quo cuneta undi-
que atrocia aut pudenda oonfluunt oelebranturque, Anuales
15, 44, 3). Os governantes do Imperio que recebiam ordem de
prender os cristáos, nada encontravam que desabonasse a es
tes, pois eram gente honesta e digna, á qual apenas se podia
objetar urna «supersticáo desarrazoada e desmedida»: «mi
aliud inven], quam superstitionem pravam, immodicam», dizia
Plínio o Jovem, governador da Bitínia, ao Imperador Trajano.
A cruz atravessou as perseguigóes do Imperio Romano
até a Paz de Miláo em 313. Aínda em 363 o Imperador Juliano
o Apóstata, após urna última tentativa de restaurar o paga
nismo, reconheceu finalmente: «Venceste, Galileu!»
A imagem da cruz continuou a se propagar até hoje, im-
plantando-se em meio a todos os povos da térra. Essa cruz com
pendia e simboliza bem a mensagem crista: ela traz a forga
de Deus dentro da fraqueza da criatura (cf. 2 Cor 12,9); ela
encobre e, ao mesmo tempo, revela a acáo transformadora do
Senhor no mundo. Consciente disto, dizia Sao Paulo: «Désejo
gloriar-me ñas minhas fraquezas, para que pouse sobre mim
a forga de Cristo. Por isto eu me comprazo ñas fraquezas, nos
opróbrios, ñas necessidades, ñas perseguigóes, ñas angustias
por causa de Cristo. Pais, quando sou fraco, entáo é que sou
forte» (2 Cor 12,9s).
É á luz destes fatos que o cristáo revé atualmente a sua
vida e a vida do mundo. Nao há quem nao carregue urna par
cela da cruz de Cristo. Ela é espantosa iá primeira vista, como
o foi para os primeiros destinatarios da mensagem; mas, após
reflexáo serena, ela já nao assusta; ao contrario, ela se torna
o que foi para Sao Paulo; motivo de confianca e esperanga,
pois dentro da realidade da cruz o cristáo recebe o penhor da
vitória sobre a morte ou a certeza da ressurreieáo.
Possa a celebragáo de Quaresma-Páscoa em 82 contribuir
para ilustrar aínda mais o salutar paradoxo da mensagem
crista, que entrevé ñas suas dores e ñas deste mundo nao as
dores de urna agonía, mas as dores de um parto (cf. Jo 16,
20-22; Rm 8,22), as dores da vida que, em duelo com a morte,
se mostrará mais forte do que esta!
E.B.

— 70 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXIII — 261 — Marco-Abril de 1982

A terceira encíclica de Joao Paulo II:

"Laborem Exercens"
(Sobre o trabalho)
Em sintese: A encíclica "Laborem Exercens'1 poe em relevo o tra
balho como expressao da pessoa humana, que nao pode ser tratada qual
mercadoria, sujeita ao capital. O trabalho tem prioridade cronológica
e axlológica sobre o capital. Desta concepcáo se derivam os direitos do
trabalhador que exerce a sua atividade, qualquer que seja, para se engran
decer como pessoa humana: em particular, a encfclica considera os direi
tos das mulheres que trabalham, dos emigrantes, dos camponeses, dos
deficientes... Realca a necessidade de um fundo de subsistencia desti
nado aos trabalhadores desempregados; reconhece o direito de associacio
em sindicatos, o direito á greve justa (sem fins políticos e sem prejufzo
para os servicos essenciais da sociedade), o direito ao salarlo-familia, á
aposentadoria... Conclul-se apresentando a espiritualidade do trabalho:
este vem a ser continuacáo da obra do Criador, assim como participacSo
da Páscoa (cruz, morte e ressurrelcSo) de Cristo.
O documento reveste-se de grande valor e oportunidade, fornecendo
subsidios para a reflexáo da humanidade conturbada pelo Jim de um
ciclo de civilizacáo (a civilizacSo do carváo e do petróleo) e posta no
limiar do seu terceiro milenio.

Comentario: Comemorando o nonagésimo aniversario da


primeira encíclica social, publicada por Leáo XIII aos 15 de
maio de 1891 com as palavras iniciáis Ronim Novarum, apa-
receu a terceira encíclica do Papa Joáo Paulo n com a data
de 15/09/81 e as iniciáis Laborem Exercens (trabalhando...);
tal documento, pronto para sair aos 15/05/81, foi postergado
em virtude do atentado sofrido por S. Santidade aos 13/05/81.
A encíclica Labarem Exercens versa, por inteiro, sobre o
trabalho humano, considerando as mais diversas facetas da
quest&o no mundo contemporáneo. O trabalho é tido como
«urna das características que distinguem o homem das demais
criaturas, cuja atividade, relacionada com a conseryagáo da
própria vida, nao se pode chamar trabalho» (proemio). Este
também vem a ser «a chave da questáo social» (n* 3). Nos
tempes de Leáo XHI a questáo do trabalho coincidía com a
do relacionamento entre patróes e operarios. Hoje em dia o

— 71 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

mesmo problema, reconsiderado, suscita conotagoes muito dife


rentes; com efeito, a humanidade se acha no fim de um ciclo
de civilizagáo, que foi caracterizado pelo consumo do carváo
e do petróleo, e está para iniciar novo ciclo, no qual a eletró-
nica, a automagáo e seus diversos produtos daráo nova caden
cia as atividades do homem e revolveráo profundamente os
tipos e as copdigóes do trabalho humano (cf. n' 1).

Cíente disto, o Papa Joáo Paulo II quis focalizar, do ponto


de vista ético, o presente e o futuro do homem mediante a
consideracáo direta do trabalho humano.

O documento em pauta é ampio e rico em dados, com-


preendendo cinco partes: 1) Introdugáo (continuidade de
Laborem Exercens com a doutrina das encíclicas anteriores);
2) o trabalho e o homem (trabalho e dignidade da pessoa);
3) o confuto entre trabalho e capital na fase atual da historia
(a panorámica do problema, pistas de solugáo ética); 4) direi-
tos dos homens que trabalham (antigás e novas situagóes);
5) elementos para uma espiritualidade do trabalho (o traba
lho e o binomio criacao-rodengao).

Ñas páginas sübseqüentes poremos em relevo os grandes


tragos da nova encíclica.

1. Trabalho objetivo e trabalho subjetivo (n.OÍ 5 e 6)

Urna das grandes novidades da encíclica (ao menos, no


plano das formulagóes explícitas) é a distingáo entre trabalho
no sentido objetivo e trabalho subjetivo. O primeiro seria o
trabalho-mercadoria, o trabalho como valor impessoal ou como
coisa. O trabalho no sentido subjetivo é entendido como obra
de uma pessoa, que através da sua luta cotidiana se vai rea
lizando e vai cumprindo o grande designio do Criador. Este
aspecto confiere a todo e qualquer tipo de trabalho uma dimen-
sáo valiosa; nao se pode exaltar apenas o trabalho intelectual
ou liberal com detrimento do trabalho manual ou bragal. O
Filho de Deus feito homem houve por bem trabalhar como
carpinteiro. Torna-se assim «patente que o fundamento para
determinar o valor do trabalho humano nao é, em primeiro
lugar, o género de trabalho que se realiza, mas o fato de
aquele que o executa ser uma pessoa. As fontes da dignidade
do trabalho devem ser procuradas sobretudo nao na sua
dimensáo objetiva, mas, sim, na sua dimensáo subjetiva» (n* 6).

— 72 —
«LABOREM EXERCENS»

Isto nao quer dizer que o trabalho humano nao deva ser
qualificado do ponto de vista objetivo (há trabalhos de maior,
e outros de menor responsabilidade). Mas retenha-se que o
primeiro fundamento do valor do trabalho é o próprio homem.

Disto se segué urna eonclusáo de natureza ética: o traba


lho é para o homem, e nao o homem para o trabalho. Isto
quer dizer que todos se devem empenhar para que o homem
seja engrandecido através do seu regime de trabalho, ficando
excluida toda e qualquer forma de produgáo que reduza o
homem a mero instrumento da produtividade.

Destas verdades se seguem outras:

2. Trabalho e capital: o problema (n? 7)

Trabalho e capital tém estado em confuto desde os inicios


da questáo social. O capital mais de urna vez sufocou o mundo
do trabalho, reduzindo os operarios a condigóes extoráivas e
contrarias á dignidade humana. Contra tal processo insur-
giu-se o marxismo, apregoando a coletivizagáo dos meios de
produgáo, a fim de que pela transferencia destes meios das
máos dos particulares para a coletividade, representada pelo
Estado, o trabalho humano fosse preservado da exploragáo.
A solugáo marxista, porém, é ilusoria, pois o grupo de deten-
tores dos meios de produgáo que constituem o Estado, pode
exercer um monopolio administrativo tal que desrespeite os
direitos fundamentáis dos demais cidadáos. «Deste modo, pois,
o simples fato de os meios de producto passarem para a pro-
priedade do Estado, no sistema coletivista, nao significa, só
por si, a socializacño (ou a posse comunitaria e justa) desta
propriedade» (n* 14).

Diante do problema, a Igreja apregoa: 1) a prioridade do


trabalho sobre o capital; 2) o direito de todos á propriedade
particular, desde que se recordem de que todos os bens natu-
rais tém destinagáo universal ou devem servir ao bem de toda
a comunidade.

3. Prioridade do trabalho (n.°* 12 e 13)

A Igreja sempre ensinou a prioridade do trabalho sobre


o capital. O trabalho é a expressáo da grandeza e da digni-

— 73 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

dade da pessoa humana; é também a continuagáo da obra do


Criador.

Além disto, verifica-se que o trabalho, utilizando os ele


mentos entregues ao homem pelo Criador, produz os seus
instrumentos, cada dia mais aperfeieoados, incluindo os recur
sos da técnica. Estes instrumentos, cujo conjunto constituí o
que se chama «capital», sao subordinados ao trabalho, porque
efetuados pelo trabalho. O capital nasceu do trabalho e é por
tador das marcas do trabalho humano. É preciso, pois, por
em relevo o primado do homem no processo de producáo ou o
primado do homem em relagáo as coisas. O capital nao é
senáo um conjunto de coisas, ao passo que o homem, como
sujeito do trabalho, independentemente do trabalho que rea
liza, é pessoa.

Esta visáo lúcida teológica e, ao mesmo tempo, humanista é


deturpada quando se considera o trabalho únicamente segundo
a sua finalidade económica. Ocorre entáo o que se chama «eco-
nomismo» ou «materialismo»; tal erro afirma o primado dos
valores materiais, colocando em posigáo subordinada á mate
ria os valores espirituais e pessoais (o agir do homem, os
valores moráis e semelhantes). .O economismo tem sua ori-
gem na filosofía e na prática económico-social do século XVIII,
época em que come^ou a industrializagáo; esta visava, antes
do mais, a multiplicar as riquezas materiais, isto é, os meios,
perdcndo de vista o fim, ou seja, o homem, a quem tais meios
devem servir. Este erro ameaga ainda hoje a sociedade e nao
poderá ser suplantado se nao se instaurar entre os homens
contemporáneos a firme convicgáo do primado da pessoa sobre
as coisas e do trabalho do homem sobre o capital (entendido
como conjunto dos meios de produgáo). Cf. n.os 12 e 13.

4. Propriedade particular (n.°* 14 e 15)

A Igreja defende o direito á propriedade particular, mesmo


quando se trata dos meios de producáo. Todavía a Igreja
observa que a propriedade particular tem urna finalidade social
ou deve servir ao bem comum da sociedade. Com outras pala-
vras: os bens de propriedade particular nao devem ser pos-
suidos como fim ou para possuir, nem devem ser possuídos
contra o trabalho, pois o único título que legitima a sua posse
é que eles sirvam ao trabalho, e, servindo ao trabalho, tornem
possivel a participado de todos os homens nos bens que o
Criador deixou para todos. Neste contexto, nao se vé por que

— 74 —
«LABOREM EXERCENS»

condenar a socializacáo de certos meios de producáo, desde


que haja condicóes oportunas e razóes suasivas para tanto.

A luz destes principios, percebe-se que inaceitável é o capi


talismo «rígido», que defende o direito á propriedade privada
dos meios de producáo sem apontar para a necessidade de que
o uso de tais bens sirva aos interesses comuns. Contudo a
rejeicáo do capitalismo liberal nao implica recusa da proprie
dade particular. De modo análogo, a socializagáo de certos
meios de producáo, como dito, nao quer dizer automática
mente que a sociedade venha a possuir em comum os meios de
produgáo, pois nao raro estes ficam em poder de um pequeño
grupo de homens que representam o Estado; estes nao sao os
proprietários, mas procedem como se fossem os detentares da
propriedade; o capitalismo dos particulares torna-se assim o
capitalismo do Estado e dos governantes.

5. Empregadores e desem prego (n? 8.16-18)

1. A encíclica laborem Exercens formula, em termos


novos, a distincáo entre emprogador direto e empregador
indireto.

"O empregador direto é aquela pessoa ou aquela ¡nstituigáo com as


quais o trabalhador estipula diretamente o contrato de trabalho segundo
condicóes determinadas" (rfi 16).

"No conceito de empregador indireto entram as pessoas, as insti-


tuicóes de diversos tipos, bem como os contratos coletivos de traüalho e
os principios de comportamento que, estabelecidos por essas pessoas ou
instituicaes, determinam todo o sistema sócio-economico ou dele resul-
tam" (n? 17).

Compreende-se que o empregador indireto determine subs-


tancialmente um ou outro aspecto do contrato de trabalho ou
mesmo o comportamento do empregador direto. Principal
mente o Estado, como grande legislador e responsável pelo
ritmo geral das empresas e dos contratos num país, é o em
pregador indireto por excelencia. Ao Estado, pois, compete
vigiar especialmente para que se observem as normas da jus-
tica ñas relacóes entre empregador direto e trabalhador. Mui-
tas vezes o próprio Estado nacional está inserido numa rede
de dependencia em relacáo a outros Estados ou a países alta
mente industrializados. Faz-se, pois, mister que se evite a
exploracáo dos países pobres por parte dos países ricos, explo
racáo que repercute ñas próprias condicóes de trabalho dos
cidadáos dos países pobres.

— 75 —
g «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

"Os países altamente industrializados e, mais ainda, as empresas que


em vasta escala superintendem os melos de producao industrial (as cha
madas 'sociedades multinaclonais ou transnacionais1), ditando os presos
mais altos possíveis para os seus produtos, procuram ao mesmo tempo
fixar os custos mais baixos possíveis para as materias-primas ou para os
produtos semi-elaborados. Ora isto, juntamente com outras causas, dá
como resultado criar urna desproporcao sempre crescente entre as rendas
nacionais dos respectivos países... Evidentemente isto nao deixa de ter
os seus efeitos na política local do trabalho e na sítuasáo dos trabalha-
dores ñas sociedades económicamente desfavorecidas.

O dador direto de trabalho que se encontra num sistema semelhante


de condicionamentos, fixa as condigóes de trabalho abaixo das objetivas
exigencias dos trabalhadores, especialmente se ele próprio quer tirar os
lucros mais elevados possíveis da empresa que dirige (ou das empresas
que dirige, quando se trata de urna situacáo de propriedade 'socializada'
dos meios de producto)" (n? 17).

2. Nesta altura da reflexáo, impóe-se a consideragáo do


problema de desemprego. Este pode tornar-se auténtica cala-
midade social, atingindo muitas vezes os jovens que, depois de
se terem preparado por meio de formagáo profissional ade-
quada, véem frustrada a sua vontade sincera de trabalhar no
desenvolvimento da comunidade. A verificagáo deste fato leva
a preconizar o estabelecimento de fundos em favor dos desem-
pregados, a fim de que estes possam subsistir com as suas
familias; na verdade, também os desempregados tém o direito
á vida.

Merece especial atengáo «um fato desconcertante de imen-


sas proporcóes: enquanto, por um lado, importantes recursos
da natureza permanecem inutilizados, há, por outro lado, mas-
sas ¡mensas de desempregados e subempregados e multidóes
indigentes de famintos». Este fato demonstra que, tanto no
interior das comunidades políticas como ñas relacóes entre
estas a nivel continental e mundial, ocorrem falhas que devem
ser reparadas (n* 18).

Ainda um fenómeno significativo chama a atengáo: o


desemprego se dá também entre os intelectuais; o número,
sempre crescente, de pessoas que obtém um diploma de estudos
superiores, acarreta a falta de emprego para muitas. O desem
prego dos intelectuais ocorre quando a instrugáo nao está
orientada para os tipos de servico de que carece a sociedade,
ou quando um trabalho que exige instrugáo profissional é me
nos bem pago do que o trabalho bragal. É necessário cuide a
sociedade de que nao se desval orize a instrugáo em grau supe
rior, enriquecimento importante da pessoa humana (cf. n? 8).

— 76 —
«LABOREM EXERCENS»

6. O trabalho da mulher (nf 19)

Voltando-se para a familia, Joáo Paulo n apregoa o cha


mado «salario-familia», «salario único, atribuido ao chefe de
familia, e que seja suficiente para as necessidades da familia,
sem que a esposa seja obrigada a assumir um trabalho remu
nerado fora do lar».

De modo geral, é necessário aplicar-se á revalorizagáo das


fungóes maternas, dos trabalhos que a estas andam ligados e
á necessidade de amor e carinho que tém os filhos.

"Reverterá em honra para a sociedade o lomar possivel á mae — sem


p6r obstáculos á sua liberdade, sem discriminacáo psicológica ou prática
e sem que ela fique numa situacao de desdouro em relacáo ás outras
mulheres — cuidar dos seus filhos e dedicar-se á educacao deles, segundo
as diferentes necessidades da sua idade. O abandono forcoso de tais
tarefas, por ter de arranjar um trabalho retribuido fora de casa, é algo de
nao córrelo, sob o ponto de vista do bem da sociedade e da familia, se
isto estiver em contradicho ou tornar dificels tais objetivos primarios da
missáo materna" (n? 19).

Valorizando as fungóes da maternidade, a encíclica está


longe de se mostrar avessa ao trabalho da mulher fora do lar.
Ao contrario, aceita-o e pede nao haja discriminagao em detri
mento da mulher, desde que esta se ache habilitada para
ocupar determinado emprego. Apenas o Papa deseja que a
mulher «nao se veja obrigada a pagar a própria promocáo
com a descaracterizagáo da sua feminilidade e com detrimento
da familia, na qual a mulher, como máe, tem papel insubsti-
tuível» (n11 19). É para desejar, portante, nao seja menos
valorizada do que as outras a mulher que opta prioritaria
mente pelos deveres da maternidade e, por isto, nao procura
trabalho fora de casa; seja, pois, o trabalho na sociedade
estruturado de tal modo que a máe de familia obrigada a
educar os filhos nao se veja constrangida a sair de casa para
ganhar o pao cotidiano ou para completar o ornamento de
casa.

7. O trabalho agrícola (n? 21)

O mundo agrícola e o trabalho nos campos, proporcio


nando á sociedade os bens necessários ao sustento cotidiano,
revestem-se de importancia fundamental. As condigóes dos

— 77 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 261/1982

trabalhadores agrícolas sao diferentes nos diversos países do


globo, nao só por causa dos diversos graus de desenvolvimento
da técnica agrícola, mas também, e talvez mais ainda, por
causa do insuficiente reconhecimento dos justos direitos dos
trabalhadores agrícolas.

O trabalho dos campos, além de ser físicamente exte


nuante, é pouco apreciado socialmente, a ponto de se sentirem
os camponeses marginalizados pela sociedade; daí o éxodo dos
mesmos, em massa, para as cidades, onde as condigóes de
vida sao por vezes ainda mais desumanas. Mais: «em certos
países em via de desenvolvimento, há milhóes de homens que
se véem obrigados a cultivar as térras de outros e que sao
explorados pelos latifundiários, sem espenanga de... poderem
chegar á posse nem sequer de um mínimo pedaco de térra...
Nao existem formas de protecáo legal para a pessoa do tra-
balhador agrícola e para a sua familia nos casos de velhice,
doenca ou falta de trabalho. Longas jornadas de duro traba
lho físico sao pagas miseramente. Térras cultiváveis sao dei-
xadas ao abandono pelos proprietários; títulos legáis para a
posse de um pequeño pedaco de térra, cultivado por conta pró-
pria de há anos, sao preteridos ou fioam sem defesa diante da
fome da térra de individuos ou de grupos mais potentes»
(n* 21). Também se deve mencionar o direito de cogestáo e
o de livre associacáo dos trabalhadores agrícolas como elemen
tos cuja nao observancia corrobora as injustas condicoes em
que vivem os camponeses.

Diante de tais falhas, os homens fc bem tomam oons-


ciéncia da necessidade de promover esoecialmente a dignidade
do trabalho agrícola, pelo aual o homem de maneira expres-
siva submete a térra recebida de Deus como dom e afirma o
seu dominio sobre o mundo visível. Ci. n* 21.

8. O trabalho dos emigrantes (n* 23)

Levem-se em eonsideracáo outrossim as nessoas nuc dei-


xam a patria de orií?em para procurar trabalho em outro país
Este fenómeno assume proporgóes cada vez mais vultosas.

Embora toaue a todo homem o direito áz emigrar, tal


realidade nao deixa de acarretar situaoóes que a ética crista
deve levar em conta: com efeito, é preciso que o emigrante nao
seja oonstransrido, em térra estrangeira. a aceitar condicóes de
trabalho injustas, principalmente quanto confrontadas com as
dos trabalhadcres nativos do país que o hospeda; nao seja

— 78 —
«LABOREM EXERCENS»

explorado financeira ou socialmente; nao sofra discriminacáo


por motivos de nacionalidade, religiao ou raga. Seria mesmo
desejável que todo homem pudesse encontrar em sua patria
as condicoes de trabalho suficientes e justas que lhe permitis-
sem contribuir para o aumento do bem comum no seu próprio
país. '

9. Os deficientes e o trabalho (n- 22)

Outro problema oue se impóe a quem estuda o trabalho,


é a situacáo dos deficientes.

"Tamhém os deficientes sao suieltos filenamente humanos, dotados


dos correspondentes direitos ¡natos, saqrados e invioláveis. ave. aoesar
das limltacóes e dos sofrimentos inscritos no sei; corDo e ñas suas facili
dades. D3em mais em relevo a dinnidade e a Grandeza do homem E. urna
u«>7 mío » oocsna n"f '«m rmai'5'""'1' deficiencias. * «im suieito dotado
de todos os seus dirnitos. dev<» fac¡l¡tar-s«-lhe a nartlcinacáo na vida da
sociedade em todas as dimensóes e a todos os ntveis oue sejam acessf-
veis oara as suas nossibilidades A oessoa deficiente é um de nos e oar-
ticioa olenamente da mesma humanldade nue nos. Seria aloo radicalmente
indlqno do hompm e seria urna neoaoSo da humanidade comum admitir h
vida da soctedade e. nortanlo. ao trabalho somente os membros na nlena
nr>e<v> rin* fnn**"»" di s*» <snr- rrirnue. nroofidondo dess«» modo, se recaina
nutna forma nra«fi rte discriminacSo: a dos fortes e saos contra os fracos
e doentes. O t^abalho no sentido obietivo deve ser subordinado tambám
no<¡)<> raso. *• rna"'"<a*o rir> ho^pni. ao s'tjeito do trabalho e n§o ás van-
taqens económicas" (n? 22)..

10. Sindicatos e greves W 20)

1. Entre os direitos dos trabalhadores está o de se asso-


ciarem em sindicatos, com a finalidade de defender os justos
interesses da sua vida profissional.

A experiencia ensina que as organizagóes deste tipo sao


elemento indispensável da vida social nao só no setor dos ope
rarios da industria, pois existem também os sindicatos dos
agricultores e os dos trabalhadores intelectuais, como existem
os sindicatos dos empregadores.

Os sindicatos nao sao expoentes da luta de classes ou de


luta contra os outros, mas, sim, protagonistas na luta pela
justiga social e pelos direitos dos trabalhadores em suas diver-

— 79 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

sas profissóes. «O trabalho tem como característica, antes de


mais nada, unir os homens entre si e nisto consiste a sua
forga social: a forca para construir urna comunidade» (n» 20).

É de notar que os justos esforcos para garantir os direitos


dos trabalhadores da mesma profissáo devem sempre levar em
conta as limitagóes impostas pela situagáo económica geral do
país. As exigencias sindicáis nao podem transformar-se numa
especie de egoísmo de grupo ou de classe. A vida sócio-eco-
nómica é como um sistema de vasos comunicantes, de modo
que cada urna das atividades sociais que tenham como finali-
dade salvaguardar os direitos dos grupos particulares, devem
adaptar-se a tal sistema.

Neste sentido a atividade dos sindicatos entra indubita-


velmente no campo da política, entendida como prudente soli-
citude pelo bem comum. Todavía o papel dos sindicatos nao é
o de fazer política no sentido da política partidaria. Os sindi-
catqs nao se devem assemelhar a partidos em luta pelo poder,
nem devem estar subordinados aos partidos políticos.

2. A tutela dos justos direitos do trabalhador pode re


correr á tática da greve. Esta é legítima, como recurso extremo
e dentro dos devidos limites. Nao se pode abusar da greve
para fins políticos, nem se deve permitir que a greve leve á
paralisagáo de servicos essenciais da sociedade (transporte,
alimentagáo, saúde, escola...); o bem comum exige a salva
guarda da ordem socio-económica. Os trabalhadores, portante,
devem ter o direito á greve, sem que sofram sangóes pessoais
por participarem da mesma.

Urna vez propostas as questóos de ordem ética relacio


nadas com o trabalho, o S. Padre passa, na quinta parte da
encíclica, a descrever os principáis tragos da espiritualidade do
trabalho.

11. Espiritualidade do trabalho (n.°° 24-27)

Se a Igreja julga seu dever pronunciar-se sobre o traba


lho numa perspectiva ética, Ela também se senté obrigada a
promover a espiritualidade do trabalho, apta a ajudar todos
os homens a se aproximar de Deus através da sua labuta
cotidiana.

— 80 —
«LABOREM EXERCENS» 13

Dois sao os principáis elementos de urna espiritualidade


do trabalho:

11.1. Participase© na obra do Criador (n? 25)

No primeiro capítulo do Génesis, o homem encontra o


primeiro «evangelho <?o trabalho». Com efeito, o texto bíblico
aponta o trabalho como continuacáo da obra do Criador; para
incutir a santidade do trabalho realizado em seis dias seguidos
de um dia de repouso, o autor sagrado apresenta o próprio
Deus a observar a semana do homem. Esta passagem bíblica
(Gn l,l-2,4a) nao tenciona descrever a fenomenología do surto
das criaturas, mas tem precisamente em mira chamar a aten-
cáo para o significado profundo do trabalho que o homem,
imagem o semelhanca de Deus, realiza muña semana.

A consciéncia desta verdade é formulada mais de urna


vez nos documentos do Concilio do Vaticano II, dos quais vai
aqui citado o seguinte trecho:

"Longo do pensar que as obras do ongenho e do poder humano se


opóem ao poder de Deus e de considerar a criatura racional como rival
do Criador, os cristáos, ao contrario, estáo bem persuadidos de que as
vitórias do género humano sao um sinal da grandeza de Deus e sao fruto
do sen designio inefável. Mas, quanto mais aumenta o poder dos homens,
tanto mais se alarga o campo das suas responsabilidades, pessoais e
comunitarias... A mensagem crista nao aíasta os homens da larefa de
construir o mundo, nem os leva a desinteressar-se do bom dos seus seme-
Ihantes, mas, pelo contrario, obriga-os a aplicar-se a tudo isto por um
dever mais exigente aínda" (Constituicfio Gaudium et Spes 34; ene. Laborem
Exercens n<? 25).

11.2. Parfieipasóo na Páscoa de Cristo (n? 26)

1. Esta verdade, segundo a qual o homem mediante o


trabalho participa na obra do Criador, foi particularmente
posta em relevo por Jesús Cristo, «Ele próprio homem do tra
balho, do trabalho artesanal como Jesús de Nazaré» (n° 26).
Jesús encara com amor o trabalho e em suas parábolas refe-
re-se a diversos tipos da atividade humana: o pastor, o agri
cultor, o médico, o semeador, o amo, o servo, o feitor, o pes
cador, o comerciante, o operario... Fala também das ativida-
des exercidas pelas mulheros, como alude também ao trabalho
dos estudiosos.

— 81 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

O ensinamento de Cristo sobre o trabalho encontrou eco


imediato na pregacáo do Apostólo Sao Paulo: este se dedicava
á confec?áo de tendas (cf. At 18,3) e formulou o principio
categórico: «Se alnuém nao quer trabalhar, abstenha-se tam-
bém de comer» (2Ts 3,10).

Os dizeres do Novo Testamento relativos ao trabalho fun-


damentaram decisivamente a espiritualidade crista do traba
lho; este, na sua expressáo material e concreta, é ulterior
mente destinado a promover a grandeza interior ou espiritual
do ser humano, pois ainda mais vale ser do que ter, como
lembra o Concilio do Vaticano II:

"O homem vale mais por aquilo que é do que por aquilo que tem.
Do mcsmo modo, tudo o que o homem faz para conseguir mais justiga,
urna fraternidade mais difundida e urna ordem mais humana ñas retacees
sociais, excede em valor os progressos técnicos. Com efeito, tais pro-
gressos podem proporcionar a base material para a promocao humana,
mas, por si sos, de modo nenhum sao capazes de a realizar" (Const.
Gaudium et Spes n? 35; Laborera Exercens n? 26).

2. O trabalho, seja manual, seja intelectual, acaneta


inevitavelmente a fadiga. Ora esta há de ser considerada
pelo cristáo á luz do misterio pascal de Cristo. O Senhor rea-
lizou a saivattáo da humanidade mediante o sofrimento e a
morte, aos quais se seguiu a ressurreicáo. Pois bem; supor
tando o que há de penoso no trabalho em uniáo com Cristo
cricificado, o homem colabora, de algum modo, com o Filho
de Deus na redencáo da humanidade. E, visto que a cruz é
inseparável da gloria da ressurreicáo, o cristáo vislumbra ñas
próprias fadigas do trabalho um principio de vida nova ou de
transfiguradlo ou a presenga dos valores da eternidade. Tam-
bém o Concilio do Vaticano II pos em relevo este significado
ambiguo (cruz-ressurreigáo) do trabalho humano, redigindo a
seguinte ponderacáo:

"É certo que nos é lembrado que nada aproveita ao homem ganhar
o mundo inteiro, se se perde a si mesmo. A expectativa da nova térra,
porétn, nao dove enfraquecer, mas antes estimular a solicitude por cultivar
esta térra, onde cresce aquele corpo da nova familia humana, que já con-
segue apresentar urna certa prefigurado em que se vislumbra o mundo
novo. Por conseguinte, embora se deva distinguir cuidadosamente o pro
gresso terreno do crescimento do reino de Cristo, todavia, na medida em
que tal progresso pode contribuir para a melhor organizagáo da sociedade
humana, tem multa Importancia para o reino de Deus" (Const. Gaudium et
Spes n° 39; ene. Laborem Exercens n° 27).

— 82 —
«LABOREM EXERCENS» 15

Consciente destas verdades, o cristáo procurará realizar


o seu trabalho de cada día tendo em mira nao só o progresso
terreno, mas também a sua própria santificagáo (mediante
confíguragáo a Cristo) e o desenvolvimento do Reino de Deus,
que deve transparecer através das realidades terrestres mode
ladas pelas máos do discípulo de Cristo.

Eis, em poucas páginas, o conteúdo da notável encíclica


Laborem Exercens, que em hora muito oportuna é apresen-
tada ao mundo — cristáos e homens de boa vontade em
geral — como contribuigáo para a solugáo dos graves proble
mas que deixam a humanidade perplexa no limiar do terceiro
milenio.

PÁSCOA
«O OUTRO MUNDO, QUE SEGUNDO A REVELACÁO,
É O REINO DE DEUS, É TAMBÉM A DEFINITIVA E
ETERNA PATRIA DO HOMEM (CF. FL 3,20); É A CASA
DO PAI (JO 14,2). PELA RESSURREigAO ESSE OUTRO
MUNDO EMERGE DEFINITIVAMENTE COMO NOVA
PATRIA DO HOMEM, A PARTIR DO MUNDO ATUAL,
QUE É TEMPORAL — SUJEITO Á MORTE E A DES-
TRUIC.AO DO CORPO... SEGUNDO A PALAVRA DE
CRISTO,... A RESSURREICÁO SIGNIFICA NAO APENAS
A RECUPERACAO DA CORPOREIDADE E A RESTAU-
RAC.ÁO DA VIDA HUMANA EM SUA INTEGRIDADE
GRACAS Á UNIAO DA ALMA COM O CORPO, MAS
TAMBÉM UM ESTADO ABSOLUTAMENTE NOVO DA
VIDA HUMANA. ENCONTRAMOS A CONFIRMACÁO
DESSE NOVO ESTADO DO CORPO NA RESSURREICÁO
DE CRISTO (CF. RM 6,5-11).

— 83 —
A oplnlao pública pergunta:

Que é a TFP?*

Em síntese: A TFP (sigla de Sociedade Brasileira de Defesa da


Tradicáo, Familia e Propriedade) representa um movimento que teve ori-
gem em julho de 1960 como (ruto da militáncia do Dr. Plinio Correa de
Oliveira e seus colaboradores ñas Congregacóes Marianas e na Acáo Cató
lica de SSo Paulo a partir de 1933.

A TFP assume posicóes rígidas que, no plano da fé, se opóem por


vezes ao Concilio do Vaticano II e á orientacáo da Igreja contempo
ránea — o que Ihe tem merecido pronunciamentos desíavoráveis da parte
de Srs. Bispos. No plano sócio-político, exerce yeemente campanha antl-
comunistas; tem plena razáo ao se opor ao marxismo, mas nao o deveria
fazer a ponto de recusar a validade da Ostpolitik do Vaticano.

Em suma, a TFP significa entusiasmo e zelo pela causa de Cristo e


do Evangelho no mundo de hoje. Corre, porém, o grande risco do fana
tismo ou de se fechar em suas posicóes rígidas, em vez de pulsar com a
S. Igreja, á qual Cristo prometeu assisténcia infalivel até o fim dos sáculos
(cf. Mt 28,18-20). Fazemos votos para que o fervor dos dirigentes e dos
jovens militantes da TFP, longe de se arrefecer, se ponha a servico incon
dicional da Santa Igreja representada pelo seu magisterio oficial.

Comentario: TFP vem a ser a sigla do nome SOCIE


DADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIQÁO, FAMi-
LIA E PROPRIEDADE, que tem desenvolvido campanhas
diversas no Brasil e no estrangeiro, distinguindo-se por sua
nota anticomunista. De vez em quando a imprensa dá noti
cias de tais empreendimentos; todavía poucos sao os que conhe-
cem com exatidáo o que seja a TFP, atuante no cenário bra-
sileiro. Eis por que abaixo proporemos algo do histórico da
TFP e as suas linhas doulrinárias acompanhadas de reflexóes.

1 . TFP: origens

A pré-história da TFP (como dizem os seus próprios arau-


tos) comega com o assim chamado «movimento católico» de
1928 a 1935. Os deputados católicos á Assembléia Consti-
tuinte de 1932-34 conseguiram fossem aceitas na nova Carta
do país os postulados maiores e menores da Igreja Católica.

(") Este artigo foi escrito antes das atividades da TFP em comego
de 1982 na diocese de Campos (RJI. Após tais ocorréncias a TFP me
rece ser julgada muito mais severamente ou condenada, pois se opóe á
unidade da Igreja — o que certamente nao é inspirado por Deus.

— 84 —
QUE É A TFP?

Dentre esses parlamentares, sobressaia, pelo número de votos


obtidos, o Dr. Plínio Correa de Oliveira, de vinte e quatro
anos de idade.

Plínio Correa de Oliveira era congregado mariano, junta


mente com outros intelectuais de Sao Paulo e do Brasil. As
Congregagóes Marianas, orientadas pelos PP. jesuítas, eram na
época eficiente foco de irradiacáo católica nos principáis pon
tos culturáis do país; em Sao Paulo, destacava-se a Congrega-
cáo Mariana da paróquia de Santa Cecilia, que tinha seu jor
nal próprio intitulado «Legionario»; colaboravam neste órgáo,
além de figuras distintas do laicato paulista, Mons. Antonio
de Castro Mayer, assistente eclesiástico do jornal, e o Pe. Ge-
raldo de Proenga Sigaud S.V.D. O venerável arcebispo de
Sao Paulo, D. Duarte Leopoldo e Silva, e seu bispo auxiliar,
D. José Gaspar de Affonseca e Silva, prestigiavam o movi-
mento mariano, especialmente o da paróquia de Santa Cecilia.
O «Legionario» era um órgáo combativo contra o comunismo
e outras tendencias revolucionarias: opunha-se também ao pen-
samento de Jacques Maritain, que preconizava aceitassem os
católicos a «política da máo estendida» oferecida pelos comu
nistas; a acolhida desta oferta, segundo Plínio C. de Oliveira,
deu origem á chamada «esquerda católica» e á lideranca
esquerdista da Democracia Crista.

No período de 1935 a 1943 fizeram-se sentir no Brasil


correntes ditas «progressistas», que propugnavam novas expres-
sóes da vida da Igreja: tais eram a Acáo Católica e o movi-
mento litúrgico, tidos como «democratizantes» ou niveladores
e liberáis dentro da Igreja. A estas tendencias respondeu Plí
nio Correa de Oliveira em 1943 mediante o seu livro «Em
defesa da Acáo Católica» (Ed. Ave María, Sao Paulo, 384 pp.),
prefaciado pelo entáo Nuncio Apostólico e futuro Cardeal Dom
Bento Aloísio Masella. O autor, na qualidade de presidente da
Junta Arquidiocesana da Acáo Católica Paulista, defendía rígi
dos principios de militáncia católica, que na época suscitaran!
celeuma entre os próprios católicos. Em conseqüéncia, o jor
nal «Legionario» foi mais e mais perdendo leitores e os reda-
tores do órgáo (inclusive o Dr. Plínio Correa de Oliveira,
autor do livro «Em defesa...») foram sendo relegados ao
ostracismo ou perdendo seu cargo no movimento católico. Em
fevereiro de 1945, Mons. Antonio de Castro Mayer — que
dera o Imprimatur ao livro «Em defesa...» e o apoiava com
seu prestigio de teólogo — passou, de Vigário Geral da arqui-
diocese, para simples Vigário-Ecónomo da paróquia de Sao

— 85 —
ig «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

José de Belém. Em marco de 1946, o Pe. Geraldo de Proenga


Sigaud, também destacado propugnador do livro, foi transfe
rido para a Espanha. Todavía permaneceram fiéis ao seu ideal
em torno de Mons. Castro Majyer e do Prof. Plínio Correa de
Oliveira oito membros do grupo do extinto jornal «Legionario»:
Adolpho Lindenborg, Fernando Furquim de Almeida, José de
Azevedo Santos, José Benedito Pacheco Salles, José Carlos
Castüho de Andrade, José Fernando de Camargo, José Gon-
zaga de Arruda, Paulo Barros de Uchoa Cintra. O mais velho
tinha 39 anos, e o mais novo, 22. Este pequeño grupo, em
fevereiro de 1945, resolveu constituir uma sede modesta á Rúa
Martim Francisco m 665, no bairro de Santa Cecilia. Ai, em
torno da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, reuniam-se
os antigos colaboradores do «Legionario» todas as noites sem
excecáo: analisavam o avanco do socialismo e do comunismo
no cenário nacional e internacional; rezavam; procuravam
crescer na devogáo á SS. Virgem segundo o método de Sao
Luís María Grignon de Montfort e interessavam-se especial
mente pela mensagem de Nossa Senhora de Fátima. A ami-
zade que unia entre si os membros do grupo, tornava-os cada
vez mais solidarios e coesos num mundo que lhes parecía
hostil.

Eis, porém, que, após dois anos de trevas, a luz comecou


a surgir para o ex-grupo do «Legionario»: em Janeiro de 1947,
o Pe. Sigaud era nomeado bispo de Jacarezinho (PR); em
marco de 1948, era a vez do Cónego Castro Mayer, nomeado
entáo bispo-coadjutor de Campos (RJ). Parecía que Roma
quería assim apoiar os dois sacerdotes e as idéias que defen-
diam.

Mais: em 1949 cerca de dez congregados marianos do


Colegio Sao Luís pediam admissáo no grupo da Rúa Martim
Francisco. Outros ainda se lhes agregaram, constituindo assim
o núcleo que haveria de formar as fileiras da futura TFP:
Caio Vidigal Xavier da Silveira, Celso da Costa Carvalho Vi-
digal, Eduardo de Barros Brotero, Fábio Vidigal Xavier da
Silveira, Joáo Sampaio Neto, Luiz Nazareno de Assumpgáo
Filho, Paulo Correa de Brito Filho, Plínio Vidigal Xavier da
Silveira e Sergio Antonio Brotero Lefevre.

Tal grupo, acrescido de novos e novos membros, foi fun


dando outras sedes, que tomaram o nome da rúa na qual se
achavam: havia, pois, o Grupo da Martim, o Grupo da Vieira
(á Rúa Vieira de Carvalho 27, 7' andar), o Grupo da Aure-

— 86 —
QUE É A TFP? 19

liano (á Rúa Aureliano Coutinho 23), e o da Alcacer (á Rúa


Aureliano Coutinho, 258. O nome «Alcacer do Sal» lembrava
urna das batalhas da reconquista em Portugal). Entre os
componentes deste último, achavam-se os jovens D. Luís de
Orléans e Braganca e D. Dertrand de Orléans e Braganca, da
familia imperial, em caráter estritamente apolítico.

Em Campos, o Sr. Bispo D. Castro Mayer fundou, no mes


de Janeiro de 1951, o jornal mensal de cultura intitulado «Ca
tolicismo» e destinado a combater o progressismo e o comu
nismo; entre os seus colaboradores, contava-se o Prof. Plínio
Correa de Oliveira. O periódico foi-se difundindo pelo Brasil
inteiro, onde criou em núcleos católicos um ambiente de alerta
tradicionalista. O programa do jornal «Catolicismo» foi em
1959 formulado e concretizado pelo Prof. Correa de Oliveira
no seu livro «Revolugáo e Contra-Revolugáo»; tal obra cons
tituí um marco para todos os membros do grupo «Catoli
cismo»: apontava como adversario a Revolugáo, isto é, o pro-
cesso de idéias que desde fins da Idade Media até os nossos
dias vém destruindo a cristandade, processo que compreende
a Reforma Protestante (1517), a Revolugáo Francesa (1789)
e a Revolucáo Comunista (1917). A Contra-Revolucáo seria
o empreendimento do grupo «Catolicismo». Tal livro conhe-
ceu dezesseis edicdes em cinco línguas: portugués, espanhol,
francés, inglés e italiano, chegando a urna tiragem de 86.000
exemplares.

A publicagáo de «Revolucáo e Contra-Revolugáo» foi o


passo decisivo que mudaría a fisionomia do grupo «Catoli
cismo», conferindo feigáo jurídica a essa familia religiosa: em
julho de 1960, fundava-se a Sociedade Brasileira de Defesa
da Tradicáo, Familia e Propriedade (TFP), que tinha por
socios fundadores e diretores membros do grupo «Catoli
cismo». A TFP vem a ser «urna entidade de caráter cultural
e cívico — com objetivos também filantrópicos — para enfren-
trar, no campo temporal, a dupla investida esquerdista-pro-
gressista» (Meio-século de epopéia anti-comunista, p. 66). Ou
aínda: «A TFP é urna sociedade cívica que se destina a defen
der e valorizar tres principios básicos da ordem natural e da
civilizacáo crista: a Tradicáo, a Familia e a Propriedade. Seu
fundador é o eminente pensador brasileiro Prof. Plínio Correa
de Oliveira, ex-constituinte federal e escritor de renome fir
mado em nosso continente e na Europa» (folheto «O que é
a TFP»).

— 87 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

A TFP expandiu-se no Brasil e no estrangeiro, criando


novos e novos núcleos especialmente na Argentina e no Chile.
Examinemos agora um pouco das idéias mestras e da atuagáo
da TFP.

2. Idétas-mestras e atuasao

Distinguiremos o setor religioso e o político.

2.1. No setor religioso

No tocante á fé católica e suas expressóes, a TFP é extre


mamente conservadora. Nao aceita as linhas diretrizes e as
principáis normas do Concilio do Vaticano II (1962-1965),
fazendo eco as atitudes e aos pronunciamentos do Bispo D. Mar-
cel Lefébvre. Como se sabe, este prelado, suspenso do uso
de ordens, ou seja, após proibicáo de celebrar oficios religio
sos, transgride as determinacóes da Santa Sé e nao somente
celebra a Santa Missa, mas tem ordenado sacerdotes: D. Leféb
vre chegou a ser recebido na sede da TFP aos 21/08/1967 e
aos 19/08/1974, proferindo conferencias para os membros da
sociedade.

De modo especial, os lefepistas recusam participar da


Santa Missa celebrada em vernáculo segundo o rito renovado
após o Concilio, tachando tal rito de herético. Por isto mui-
tas vezes recebem apenas a S. Comunháo fora da S. Missa.
Os membros da Sociedade alimentam a sua piedade em clima
de pessimismo; agucam a aversáo ao mundo de hoje, como
se estivesse todo sob o signo do pecado e do demonio: tor-
nam-se assim intransigentes e fanáticos. A mensagem de Fá-
tima é-lhes referencial freqüente; julgam que as punigóes pre
vistas em Fátima estáo sendo desencadeadas sobre a huma-
nidade e se tornaráo ainda mais veementes.

Mais de urna vez a TFP fez restricóes a atitudes de


Paulo VI ou da Santa Sé, principalmente no tocante á Ostpo-
litik ou ao diálogo da Igreja Católica com os países comunis
tas da Europa Oriental. Assim, por exemplo, aos 10/04/1974
foi publicada, em nome da TFP, urna Declaracao de Resistencia
em 45 jornais do Brasil; tal documento trazia o subtítulo:
«A política de distensáo do Vaticano com os movernos comu
nistas — Para a TFP: omitir-sc? Ou resistir?» Urna fonte tefe-
pista explica a propósito:

— 88 —
QUE É A TFP? _21

"Neste documento, ao mesmo tempo em que externava sua obedien


cia Irrestrita á Igreja e ao Papado nos termos preceituados pelo Direito
Canónico a TFP afirmava o direito e o dever de resistir á onentacSo
diplomática do Vaticano, na medida em que esta discrepa da orientacáo
tradicionalmente adotada pela Igreja em relacáo ao comunismo. Essa resis
tencia se haveria de fazer no espirito em que Sao Paulo resistiu na lace
a Sao Pedro (cf. Gl 2,11)" (Meio século de edopéia anticomunista, p. 248s).

2.2. No setor político

A TFP levantou a bandeira do anticomunismo. Tem sido


suspeita de propugnar, no Brasil, a restauracáo do governo
imperial (pois conta em seu quadro dois membros da familia
imperial); todavía esta suspeita tem sido formalmente desmen
tida pelos responsáveis da TFP. «Tomando em consideragáo
as circunstancias do Brasil hodierno, a TFP afirma que a res-
tauracáo da forma de govemo monárquico nao é desejável
nem praticável na presente era histórica» («A TFP em legí
tima defesa», em «O Estado de Sao Paulo» 04/06/75). Acon
tece, porém, que o anticomunismo da TFP se torna, por vezes,
fanático e obcecado, impedindo a Sociedade de compreender a
validade de um diálogo (sem concessóes traicoeiras) com o
adversario.

A Idade Media, com suas instituicóes e seus símbolos,


paira freqüentemente ante os olhos dos tefepistas, o que dá
a impressáo de que estes querem restaurar em nossos dias
costumes medievais. — Ora. a Sociedade em foco tem desmen
tido esta imputagáo. Julga, porém, que a Idade Media é um
modelo perene para a Igreja na medida em que entáo «a filo
sofía do Evangelho governava os Estados. A influencia da
sabedoria crista e a sua virtude divina penetravam as leis, as
instituigóes, os costumes dos povos, todas as categorías e todas
as relacóes da sociedade civil» (Leáo xm, encíclica «Immor-
talc »ei» de 1711/1885, citado no artigo «A TFB em legítima
defesa» do «Estado de Sao Paulo», 4/06/75) O fato, porem,
é que os símbolos (capas rubras, estandarte rubro timbrado
por heráldico leáo rómpante) da TFP sugerem ao público
urna orientagáo de doutrina e de vida que parece defasada em
nossos tempos.

Para mover as suas campanhas a TFP dispóe de grandes


quantias de dinheiro; a sociedade é poderosa, do ponto de
vista económico. A explicagáo que para o fato é dada, aponta,
como fonte desse dinheiro, a generosidade de amigos e ben-
feitores da TFP. Esta publica semestralmente o balango (com

— 89 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

a respectiva demonstrado da despesa e da receita) no Diario


Oficial e na imprensa quotidiana e fornece, sobre essa materia,
as informacóes pedidas por quem, com idoneidade e seriedade,
as queira conhecer.
A índole um tanto misteriosa e secreta da vida e das ati-
vidades dos membros da TFP tem sido nova fonte de suspeitas
da sodedade. Há quem atribua a esta urna como que «lavagem
de cránio» infligida aos seus jovens filiados; tenha-se em vista
especailmente o caso do menor Luís Antonio de Paula Santos na
cidade de Canoas, RS: o jovem, que passou mais de dois anos
interno em urna sede da TFP, ao reavistar os pais, mostrou-se
totalmente impassível diante deles. Também é citado o caso de
Luís Carlos Garrocho, que aos treze anos de idade se tornou mi
litante da TFP, mas nao perseverou e deu seu depoimento á
imprensa: o rapaz nao foi submetido á lavagem de cránio, mas
participou do estilo de vida da TFP (cf. VEJA, 29/10/1975,
pp. 20/22). Em 1975 a TFP esteve mesmo sob a ameaca de se
constituir contra ela urna Comissáo Parlamentar de Inquérito,
proposta pela bancada do MDB na Assembléia Legislativa do
Rio Grande do Sul; apuraría as atividades da Sociedade. A
ameaga, porém, nao se concretizou, a quanto parece, pois a
TFP, diante do «Estrondo publicitario» que assim se originou,
se defendeu eloqüentemente; com efeito, publicou, entre outras
coisas, a materia «A TFP em legítima defesa» no jornal «O
Estado de Sao Paulo», edigáo de 4/06/75; neste artigo eram
percorridas todas as objegóes que costumam ser levantadas
contra a sociedade, dando-se a cada qual urna resposta eluci-
dativa.

Procuremos agora formular

3. Urna avaliasáo

1. Nao há dúvida, as intencóes fundamentáis da TFP sao


válidas: o Cristianismo nao pode pactuar com o comunismo
ateu nem com a libertinagem de costumes. Requer disciplina e
austeridade de vida da parte dos seus discípulos, pois um Cris
tianismo amolecido ou desfibrado já nao é Cristianismo. É pre
ciso, portanto, reconhecer o valor das aspiracóes básicas da
Sociedade Brasileira de Defesa da Tradigáo, da Familia e da
Propriedade.

2. Todavía nao se pode deixar de mencionar e lamentar


o caráter obsessivo que marca o estilo de vida e as atividades
dos membros da TFP. De modo especial, para um auténtico

— 90 —
QUE É A TFP? 23

cristáo a fidelidade á Santa Sé é pedra de toque. Nao se en-


tende, pois, que os membros da TFP se oponham as disposi-
coes do Concilio e as normas emanadas dos Papas Paulo VI e
Joáo Paulo II; também nao se pode aceitar a conivéncia da
TFP com as atitudes de D. Marcel Lefébvre, o bispo que se
insubordina acintosamente contra o Concilio do Vaticano II e
os Papas subseqüentes, a ponto de ter sido suspenso de ordens.
Tais atitudes levam fácilmente ao cisma, cisma que se opóe
radicalmente as intencóes de Cristo; ninguém serve ao Se-
nhor Jesús ameagando dividir a única Igreja fundada por
Cristo.

É possível guardar fidelidade ao Evangelho e á Tradicáo


Crista sem manter apego a certas formas e expressóes que se
acham ultrapassadas na historia. A grande tarefa do Cristia
nismo hoje é apresentar, incólume e brilhante, o depósito da
fé dentro de moldes que o homem contemporáneo possa fácil
mente captar.

3. Em especial no tocante á Ostpolitík do Vaticano,


deve-se notar que nao implica derrogagáo á fé e á moral da
Igreja. Trata-se de urna tentativa de diálogo com os governos
marxistas da Europa Oriental no intuito de obter alivio para
os cristáos perseguidos naquela parte do mundo. Tal tentativa
já logrou resultados muito positivos e poderá ainda produzir
novos frutos — o que é vital para a S. Igreja. Tenha-se cons-
ciéncia de que o diálogo com todo e qualquer grupo, desde que
guarde fidelidade aos principios da fé e da moral católicas, nao
derroga á missáo da Igreja, mas, ao contrario, a integra. A
propósito da Ostpolitik, ver PR 175/1974, p. 275; 213/1977,
p. 367.
Sao estes dados que explicam os pronunciamentos da
CNBB contrarios á TFP. Esta se coloca numa posicáo que
destoa, por vezes, do magisterio da Igreja, como se seus men
tores tivessem melhor inspiracáo do que a própria Igreja apas-
centada por Pedro. Louvamos o entusiasmo dos dirigentes da
TFP e dos seus jovens milicianos; compreendemos suas inten
cóes básicas e seu ideal de fazer transparecer em todas as ins-
tituigóes da sociedade o fulgor do Evangelho. Nao se perca
nem arrefeca esse fervor! O mundo de hoje precisa de quem
acredite nos valores transcendentais e morra por eles. Apenas
formulamos o voto de que o zelo e o fervor dos membros da
TFP, hoje aplicados ao combate obcecado, se ponham a ser-
vigo da orientagáo central e oficial da S. Igreja! Todos entáo,
tefepistas e episcopado, seriam altamente beneficiados!

— 91 —
Na ordem do dia:

Fé e Política

Em síntese: O presente artigo, após percorrer o histórico das rela


ces entre a religiáo e a política, mostra que a libertacáo crista trans-
cende a ordem política, embora passe através desta; Jesús nao foi um
revolucionario político, mas veio pregar o Reino de Deus, que so estará
consumado no fim dos tempos. Isto nao quer dizer que o cristao nao se
interesse pela ordem de coisas temporais (ao contrario, sendo cristao,
compete-lhe exercer com todo o afinco as suas tarefas neste mundo, pois
ele traz o nome de Cristo); o cristao, porém, sabe que seria utópico
esperar a plena resposta para os anselos do hornero no decorrer da his
toria deste mundo. — A Igreja toca o direito de se pronunciar sobre assun-
tos políticos nao para tomar partido entre faccdes Igualmente legítimas,
mas sim para lembrar aos homens as exigencias da ética aplicada á poli-
tica Evitem os clérigos cair no clericalismo ou no messlanismo político
(o que acontecería se fizessem política partidaria em nome da Igreja);
tanto o clericalismo político como o cesaropapismo (ingerencia do Estado
em assuntos da Igreja) nao de ser repudiados.

Comentario: As questóes limítrofes entre fé e política


estáo na ordem do dia. Pergunta-se: qual o campo específico da
fé? E qual o da política? Como se relacionam entre si? Inega-
velmente as questóes se tornam especialmente difíceis pelo fato
de haver certa ambigüidade no tocante aos conceitos mesmos
de fé e política.

Na tentativa de esclarecer a problemática, abordaremos:


1) os conceitos em foco; 2) um pouco de historia; 3) a liber
tacáo do homem contemporáneo; ao que se seguiráo 4) con-
clusóes.

As páginas que se seguem, vém a ser, em grande parte,


o eco do estudo de Nicolás Boers intitulado Militarismo e cleri
calismo em mudanca (ver bibliografía á p. 104 deste fascículo).

1. Os conceitos em foco

1. Fó na concepcao católica é a resposta do homem a


Deus, que se lhe revela em Cristo e por Cristo. Esta revelagáo
tem por objetivo convidar o homem ao consorcio da vida do
próprio Deus, indicando-lhe as vias que mais adequadamente o
possam levar a tanto.

— 92 —
FÉ E POLÍTICA 25

Essas vías nao podem deixar de passar pela hisstória e pelo


ambiente concreto em que o homem existe; elas tendem, po-
rém, a transcender a historia e a geografía do homem, a fim
de levá-lo a plena realizacáo em Deus e na eternidade.

Ao conceito de fé se prende o de religiao, que é a mani-


festacáo da fé, por meio de um Credo, de atos rituais e de
preceitos éticos1.

2. Política é a arte de governar a polis, a cidade, o povo,


tendo em mira estabelecer o bem comum e o bem de cada ci-
dadáo. Estes bens sao de índole, primeiramente, temporal,
mas, visto que o homem é um ser psicossomático, nao podem
ignorar os interesses espirituais e transcendentais do ser hu
mano. Através dos valores temporais o homem tende aos
eternos.

Observa-se que a conceituac.áo assim proposta é suficiente


para sugerir espontáneamente a pergunta: Como se relacionam
entre si fé e política, que tém em mira áreas idénticas, embora
segundo enfoques diferentes?

Procuraremos preparar a nossa resposta percorrendo su


mariamente a historia do problema.

2. Um pouco de historia

1. A civilizacáo pré-cristá nao conhecia nítida separarlo


entre a ordem política e a ordem religiosa. É o que lembra
Christopher Dawson em seu livro Progresso e Keligiao:
"Toda a vida da sociedade possula orlentacfio religiosa e a religiao
era o centro vital do organismo social... É isto devido ao falo de que
os aspectos meteríais e espirituais da sua cultura se achavam inextrica-
velmente entremeados uns com os outros, de modo que o fator religioso
está presente em todos os momentos da sua existencia" (Rio de Janeiro
1947. p. 113).

Pode-se dizer que as civilizacóes arcaicas, como a sumé-


ria, a egipcia, a chinesa, a hindú tendiam a fundir valores re
ligiosos e valores sociais sob a hégide da religiao. A palavra

i Religiao, nos escritos de Karl Barth e Dietrich Bonhoeffer, toma um


sentido pejorativo, em oposicao a lé. Visto que tal distlncáo se prende a
determinado contexto teológico, nao a levaremos em conta neste artigo.

— 93 —
25 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

da Divindade tendía a penetrar toda a organizacáo da polis,


de modo a orientá-la numa especie de teocracia ora mais, ora
menos nítida: havia reis-deuses no Egito, na Assíria, na Ba
bilonia. .., imperadores filhos do Céu na China e imperadores
filhos do sol no Japáo.

Quanto ao mundo greco-romano, atesta Fustel de Cou-


langes:

"No regime social dos antigos a religiáo ¡mperava como soberana


absoluta na vida privada e na vida pública... o Estado era urna comu-
nidade religiosa, o rei um pontífice, o magistrado uro sacerdote, a lei urna
fórmula santa,... o patriotismo era pió e o exilio urna excomunháo,...
a liberdade individual era desconhecida e o cidadao estava sujeito ao
ao Estado por alma, corpo e patrimonio,... o odio contra o estrangeiro
se tornava obligatorio e as nogoes de direito e de dever, de justica e
de afeto paravam nos limites da cidade" (A Cldade Antiga, Lisboa 1958,
vol. II, p. 241).

O próprio povo de Israel, agraciado por Deus mediante a


Lei de Moisés e a Revelagáo sobrenatural, constituia urna teo
cracia, na qual o foro civil e o jurídico eram regidos pela cons-
ciéncia de que Javé era o grande Senhor de Israel. A evidencia
deste fato salta aos olhos de quem leia o Pentateuco.

2. Jesús Cristo, na plenitude dos tempos, langou o prin


cipio da separagáo entre a religiáo e a política, separacáo que
nao seria independencia da política frente á religiáo. Sao fa
mosas as palavras do Senhor: «Dai a César o que é de César,
e a Deus o que é de Deus» (Mt 22, 21). Jesús rejeitou as con-
cepcóes de messianismo político ou nacionalista como também
a de politica messianica; cf. Mt 4, 1-11 (as tentacóes de
Jesús); Israel poderia ser fiel ao Senhor Deus e, ao mesmo
tempo, súdito do Imperio Romano. Assim Jesús distinguiu,
como hoje se diz, o plano temporal e o espiritual, embora nao
tenha apregoado a total autonomía do temporal em relacáo ao
espiritual, como se verá adiante.

Observa-se que nos tres primeiros séculos os cristáos vi-


veram plenamente a sua fé sem parte eminente ñas fungóes
do Estado ou até mesmo formulando serias restrigóes a este,
que era pagáo e perseguidor. A propósito vém as significativas
palavras da epístola a Diogneto datada do inicio do século IH:

— 94 —
FÉ E POLÍTICA 27

"Os cristaos nao diferem dos demais homens pela térra, peta Ifngua
ou pelos costumes. Nao habitam cidades próprias, nao se distlnguem pot
idiomas estranhos, nao levam vida extraordinaria. Além disto, sua dou-
trina, eles nao a encontraram em pensamento ou cogitacSo de homens
desorientados. Também nao patrocinam, como fazem alguns, dogmas huma
nos. Mas, habitando, conforme a sorte de cada um, cidades gregas'e
bárbaras, é acompanhando os seus locáis em materia de roupa, alimen-
tacáo e costumes, que manifestam a admirável natureza de sua vida, a
qual todos reputam extraordinaria.

Habitam suas patrias, mas como estrangeiros. Participam de tudo


como cidadáos, mas tudo suportam como estrangeiros. Qualquer térra
estranha é patria para eles; qualquer patria, térra estranha. Casam-se e
procriam, mas nunca lancam fora o que geraram. Tém a mesa em
comum, nao o leito. Existindo na carne, nao vivem segundo a carne. Na
térra vivem, participando da cidadania do céu. Obedecem ás-leis, mas
as ultrapassam em sua vida. Amam a todos, sendo por todos perseguidos.
Desconhecidos, sao assim mesmo condenados. Mas, quando entregues á
morte, sao vivificados... Os judeus hostilizam-nos como alienígenas, os
gregos os perseguem, mas nenhum de seus inimigos pode dizer a causa
de seu odio.

Para resumir numa palavra, o que é a alma no corpo, sao os cristaos


no mundo".

3. Eis, porém, que em 313 o Imperador Constantino,


mediante o edito de Miláo, outorgou a paz e a liberdade aos
cristaos. Este processo culminou sob o reinado de Teodósio,
que em 380 declarou o Cristianismo Religiáo oficial do Estado;
desta forma o estatuto que tocava á religiáo paga, era trans
ferido para o Cristianismo. As conseqüéncias que os Impera
dores subseqüentes, até Justiniano o Grande (527-565), dedu-
ziram de tais premissas, foram de grande vulto a ponto que
hoje as julgaríamos indevidas e exageradas; sim, quem nao
fosse batizado, nao teria os direitos de cidadáo; os hereges
eram impedidos de assumir cargos públicos; o Imperador se
julgava tutor da fé e da disciplina da Igreja, exercendo o que
hoje chamamos «o cesaropapismo».

Nos séculos IV e V S. Agostinho de Hipona (f 430), her-


deiro da auténtica cultura romana e teólogo emérito, elabo-
rou os principios de uma ordem de coisas em que a religiáo e
a política, a Igreja e o Estado colaborariam na construcáo da
Cidade de Deus. — Pessimista em relacáo ao Imperio Romano

— 95 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

como tal, S. Agostinho concebeu o Cristianismo como fator


estruturante do Estado, ao mesmo tempo que identificava o
cidadáo e o cristáo. O doutor de Hipona preparou assim o ideal
medieval da Cristandade, ou seja, do regime em que todas as
realidades artísticas, humanitarias, sociais, políticas e religio
sas sao inspiradas pelos principios do Evangelho.

4. Na Alta Idade Media, os cristáos, desenvolvendo as


idéias de S. Agostinho, conceberam a tese segundo a qual o
fim supremo da sociedade é o Reino de Deus sobre a térra.
O Estado deveria colaborar com a Igreja na conducáo do ho
mem para o seu objetivo transcendental; seria o Santo Impe
rio. Esta cooperacáo era simbolizada pelas imagens do sol e da
lúa, da alma e do corpo, do ouro e do chumbo e, especialmente,
pela dos dois gládios. S. Bernardo (t 1153), por exemplo, lem-
brava que os Apostólos tinham duas espadas (Le 22, 38); urna
seria a espiritual, e a outra, a temporal; ambas pertenceriam
á Igreja, com urna diferenga apenas: a primeira está direta-
mente ñas máos do sacerdote e é usada pela Igreja; a segunda
é empunhada pelo Imperador ou pelo soldado do Imperador,
mas a servico da Igreja — ad nutam sacerdotis et iussum im-
peratoris. Isto significava que o Estado devia por o seu aparato
e os seus recursos a servico dos fins sobrenaturais do homem;
o Estado seria o brago secular da Igreja; em conseqüéncia, a
Igreja poderia depor os príncipes heréticos; os judeus, os in-
fiéis e os hereges seriam estrangeiros na sociedade medieval.

Os Papas S. Gregorio VH (1073-1085), Inocencio ni


(1198-1216), Inocencio IV (1243-1254) e Bonifacio Vffl
(1294-1303) representan! etapas da consciéncia ascendente
que os Pontífices tinham, de ser embaixadores do Rei dos reis
junto a todos os monarcas e príncipes da térra. A bula Unam
Sanctam (1302) de Bonifacio VIII vem a ser o ponto alto do
pensamento teocrático medieval. Um dos seus trechos funda
mentáis afirma o seguinte:
"Segundo o testemunho da verdade, o poder espiritual deve Insti
tuir o poder temporal e julgá-lo se nao for bom. Assim se cumpre na
Igreja e no poder eclesiástico o vaticinio de Jeremías: 'Eis que te cons
tituí hoje sobre as nacoes e os reinos'. Se o poder terreno se desvia,
será julgado pelo poder espiritual; se se desvia o poder espiritual menor,
será julgado pelo que Ihe é superior; se, porém, se desvia o poder supremo,
será jugado somente por Deus; nao o pode jutgar o homem, conforme o
testemunho do Apostólo: "O homem espiritual julga tudo, mas ninguém
o julga' (1Cor 2,15)".

A bula culmina na seguinte afirmagáo: «Dizemos, decla


ramos, definimos que todas as criaturas humanas devem ser

— 96 —
FÉ E POLÍTICA 29

submetidas ao Romano Pontífice por absoluta necessidade da


sua salvagáo» (cf. Denzinger-Schonmetzer, Enchiridion Sym-
bolorum et Definitionum 873s).

5. A suposicáo de que o Imperador e os demais sobera


nos temporais obedeceriam dócilmente ao Papa, foi sendo
mais e mais contraditada pelos fatos. Os imperadores medie-
vais, desde Henrique IV /1056-1106), nao hesitaram em lutar
contra os Romanos Pontífices. Bonifacio VIII, cujo texto
muito enfático acaba de ser citado, encontrou no rei Filipe IV
11285-1314) da Franca um adversario que o mandou prender
e lhe suscitou penosos dissabores; a época de Bonifacio Vn
(1294-1303) já nao era a de Inocencio HE (1198-1216).

De entáo por diante foi tomando vulto o absolutismo do


Estado, que se ia laicizando. Nao faltaram teólogos e canonis
tas que contribuiram para acelerar tal processo; tenham-se em
vista Marsüio de Pádua (t 1342 ou 1343) com a sua obra
Defensor Pacis, e Guilherme Occam (1290-1349); este, ne
gando a existencia dos conceitos universais e ensinando a du
pla verdade, separou da fé a ciencia, e da religiáo a política.
O universalismo e o objetivismo do pensamento medieval fo-
ram cedendo ao subjetivismo, ao particularismo, ao secularis-
mo e ao democratismo.

6. No sáculo XVI, algumas corrcntes de pensamento


contribuiram para mais ainda dissipar a síntese íilosófico-
religiosa da Idade Media. Destacamos

a tese de Maquiavel, que atribuiu ao Estado plena au


tonomía, de modo a fazé-lo a medida de todas as coisas;
a ramo de Estado ficaria sendo algo de absoluto;

a Reforma luterana, com o seu principio do livre


exame da Biblia ou do subjetivismo, contribuiu poderosamente
para separar o espiritual e o secular, o divino e o social, a
Igreja e o Estado. A conseqüéncia foi o conceito do Estado
laico ou leigou Mais: o individualismo, que se manifesta nos
principios do luteranismo, e a conseqüente multiplicagáo das
seitas protestantes deram origem á sociedade pluralista, ain
da hoje existente, em oposigáo a sociedade sagrada que os
medievais acariciavam.

7. A desintegragáo do mundo cristáo da Idade Media


iniciada no século XVI reforgou o absolutismo do Estado
dos séculos XVI/XVIH na Franga, na Alemanha, na Ingla-

— 97 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 26V1982
so

térra, na Espanha... As razóes de Estado predominavam so


bre as demais; embora os monarcas proiessassem a primazia
dos valores espirituais, estes eram subordinados aos interesses
políticos. JE o que se verifica na proclamacáo do principio
Cuius regio eius ct religio no século XVI, como também na
historia ao gaucanismo e do febronianismo, que bem exprime
as tendencias cesaropapistas dos monarcas da Franca e do
imperio austro-húngaro; segundo o conceito de Igreja iNíacio-
nai, a te religiosa do povo é a base da homogeneiaaae política
e da unidade nacional. Assim se estabeleceu uma especie de
uniao da Igreja e do Estado, que na época era chamada «a
alianga do Trono e do Altar»; a Religiao seria o Estado e o
Estado seria a Religiao.
rio decorrer do sécuio XVÍ1I, os íhósoíos í-acionaiistas ou
iiumimstas puseram-se a combater a Aiianga do Trono e do
Aliar ou a iteiigiao ao Justado. Por nm, em J.7by a Kevoiugao
i? rancesa separou decisivamente os dois poaeres — o temporal
e o espiritual —, estocando algo que Cavour lt 18fc>l) chama-
iia na itáua: «a igreja livre no listado livre».

A Revolugáo Francesa significa urna vertente na historia.


Moditicaram-se as relagóes entre a Igreja e o Estado, que no
decorrer dos séculos XlX e XX se tornou, nao raro, liberal e
ateu. A Igreja, após a Revoiugáo Francesa, viu-se oorígada a
recuar para uma posigáo defensiva num mundo intelectual e
socialmeníe hostil a ela, e a hitar pela restauragáo nao dos
seus privilegios, mas dos seus direitos.

Mais: a Igreja nos últimos decenios teve de enfrentar


ainda dois serios desafios:
— a ordem temporal dessacralizou-se; a sociedade tem-se
descristianizado;

— a própria Igreja, em suas fileiras, vem sentindo os em


bates da secularizacáo, de tal modo que um ou outro de seus
redutos tem feito concessóes excessivas ao processo de secula-
rizagáo.

Coisa estranha: em réplica a estes dois males, alguns


membros e setores da Igreja «tentam recuperar o prestigio
perdido no plano espiritual, engajando-se na luta social, as
vezes em aliangas incongruentes» (Nicolás Boer, Militarismo e
Clericalismo em mudanca. Sao Paulo 1980, p. 262). «Confi-
gura-se porlanto um típico fenómeno de clericalismo com as
suas conlradicóes e ironías: procura-se um novo triunfalismo

— 98 —
FÉ E POLÍTICA 31

com a adesáo as forgas que se exibem como depositarías do


futuro, embora em norne do combate ao antigo triunfalismo
chamado constantiniano» * (ib., p. 262).

A verificacáo destes fatos nos leva a analisar de mais


perto a atitude de quem hoje em dia procura secularizar a
Igreja e sua missáo em nome da libertagáo do homem.

3. A libertasao do homem coníemporáneo

Voltando-se para a situacáo do homem na América Lati


na, muitos pensadores cristáos julgaram dever dar importan
cia, puseram toda a sua visáo de fé em funcáo dos parámetros
políticas, sociais e económicas que o afligem. Em conseqüén-
cia, puseram toda a sua visáo de fé em funcáo dos parámetros
sócio-políticos da América Latina no intuito de promover a
emancipagáo. ' ,

i Vale a pena transcrever ainda a seguinte passagem de Nicolás Boer:

"0 clericalismo define-se como 'triunfalismo constantiniano'. Esta é


a sua psique intima, a sua forga motriz mais dinámica. Seus represen
tantes, na primeira metade do século passado, queriam reconquistar a
posiga'o de lideranca social, política, intelectual de que a Igreja fruiu na
monarquia 'católica' ou 'cristianíssima'. Seus representantes, na segunda
metade deste século, querem aderir aos que se exibem como depositarios
do futuro — velha política de uniao com o Século estabelecido — apesar
de o prego da uniáo ser a aceitacáo do cesaropapismo ateu e a perda
da identidade católica pela sua absorcáo na doutrina marxiste.
A alegada adaptadlo aos que devcriam ser balizados — mas que
nao o querem ser — nao passa de submissáo aos que se sentem supe
riores aos cristáos. Afinal a historia confirma Jacques Maritain, que alir-
mava ainda em 1936: 'O comunismo, tal como existe — antes de tudo,
afirmava ainda em 1936: 'O comunismo, tal como existe — antes de tudo,
o comunismo das repúblicas soviéticas — é um sistema completo de dou
trina e de vida que pretende revelar ao homem o sentido de sua existencia,
responde a todas as questdes fundamentáis que a vida coloca e manifesta
urna potencialidade inigualada de envolvimento totalitario, é urna religiáo,
e das mais imperiosas, e certa de ser chamada a substituir todas as outras
religides; urna religiáo ateísta, da qual o materialismo dialético constituí
a dogmática e o comunismo, como regime de" vida, é a expressáo ética o
social. Assim o ateísmo nao é exigido (e isto seria incompreensível) como
conseqüéncia necessária do sistema social; muito ao contrario, é pressu-
posto como o seu principio' (Humanismo integral, p. 44)" (Militarismo e
clericalismo em mudanca. p. 307).

— 99 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

A conseqüéncia disto é que Jesús Cristo mesmo foi con


cebido como revolucionario sócio-político, que teria morrido
por motivos políticos. Em última instancia, Jesús ter-se-ia
identificado com a causa do nacionalismo judaico da sua épo
ca, contando entre os seus discípulos alguns zelotas guerrilhei-
ros como Simáo, dito «o Cananeu», Pedro, o portador de es
pada, Judas Iscariotes, o homem do punhal, Tiago e Joáo, os
filhos do trováo...

Os autores cristáos contemporáneos que assim pensam,


fazem reviver em nossos dias o messianismo político ou o na
cionalismo messiánico que inspirou o judaismo antigo, como
inspirou o próprio Karl Marx no século passado (embora este
autor tenha associado o seu messianismo a urna filosofía ma
terialista atéia).

Em conseqüéncia, na perspectiva crista o Itegnum Dei se


identificaría com o regnum hominis; a salvagáo em Jesús
Cristo coincidiría com a libertagáo política, económica e so
cial. Com outras palavras: a Igreja é secularizada, e o Estado
é sacralizado ou divinizado,... divinizado nao em nome da fé
propriamente dita, mas em nome de alguma ideología de di-
reita ou de esquerda. A Igreja se torna democracia ou repú
blica, e o Estado se torna teocracia absolutista; o Estado exige
para si a obediencia e a infalibilidade que compete a Igreja
como continuagáo do misterio da Encarnagáo do Filho de
Deus, ao passo que a Igreja percebe a sua autoridade cada
vez mais contestada e enfraquecida. Procura-se configurar a
Igreja com seus valores eternos — a verdade e a graga — á
semelhanga das realidades temporais, enquanto estas váo
sendo concebidas á imagem e semelhanga dos valores eter
nos. Como dizia o Cardeal Emmanuel Suhard já em 1947, «a
fim de assegurar o desenvolvimento das formas terrenas da
Igreja, muitos esquecem a sua esséncia eterna» (Esstor ou
déclin de TEglise. Paris 1947).

O Pe. Yves Congar O. P., na sua monumental obra Vraie


et fausse reforme do l'Eglise, observa que a adaptagáo da
Igreja ao mundo moderno nao se pode fazer mediante urna
adaptagáo mecánica no sentido de a Igreja modificar os seus
principios para adotar outros. Já que a Igreja é um organis
mo vivo, sua adaptagáo ao ambiente histórico se faz de modo
orgánico o que supóe «um trabalho intelectual em profun-
didade, pelo qual os principios permanentes do Catolicismo
háo de comegar um desenvolvimento novo, assimilando, depois

— 100 —
FÉ E POLÍTICA 33

de ter decantado e, se necessário, purificado, as contribuigóes


válidas desse mundo moderno» (págs. 345s). Ó processo contra
rio, ou seja, a aceitagáo em ¿loco do pensamento moderno,
esvazia a identidade da própria Igreja.
Este quadro que acompanhamos no dia-a-dia da vida
contemporánea, exige urna reflexáo final.

4. Conclusoes

Formularemos alguns itens aptos a abranger sintética


mente o ponto de vista que abragamos.

4.1. Jesús Cristo e a libertasóo política

Seria falso conceber Jesús Cristo como um libertador po


lítico, revolucionario armado. O Senhor Jesús veio apregoar o
Reino de Deus que uitrapassa as estruturas deste mundo e só
estará plenamente realizado no fím dos tempes. Verdade é que
a implantagáo do Reino comega na historia mesma dos ho-
mens e tende a transfigurá-la conforme as exigencias do amor
e da justiga. Todavía é certo que no decorrer mesmo da histo
ria será impossível obter a consumagáo do Reino de Deus.
Por isto qualquer teoría que prometa plena justiga e frater-
nidade consumada como fruto de mudanza de estruturas so-
ciais é utópica, ilusoria e incompatível com os principios da fé
católica. A propósito advertía o S. Padre Joáo Paulo II os
bispos latino-americanos reunidos em Puebla aos 28/01/79:
"É um erro afirmar que a libertacSo política, económica e social
coincide com a salvacáo em Jesús Cristo, que o Regnum Dei se identi
fica com o Regnum hominís".

Ou ainda:
"Correm hoje por muitos lugares — o fenómeno nao é novo — releí-
turas do Evangelho, resultado de especulacóes teóricas mais do que de
auténtica meditacao da palavra de Deus e de um verdadeiro compromisso
evangélico. Elas causam confusao, ao afastar-se dos criterios centráis da
fé da Igreja, e cai-se na temeridade de comunicá-las, a título de cate-
quese, ás comunidades cristas. Em alguns casos, ou se silencia a divin-
dade de Cristo, ou se incorre de tato em formas de ¡nterpretacáo con
trarias á fé da" Igreja. Cristo seria apenas um profeta, um anunciador do
reino e do amor de Deus, mas nao o verdadeiro Filho de Deus, nem seria,
portento, o centro e objeto da mesma mensagem evangélica. Em outros
casos, pretende-se mostrar Jesús como comprometido politicamente, como
um lutador contra a dominacáo romana e contra os poderes e, Inclusive,
implicado na luta de classe. Esta concepeáo de Cristo como político,
revolucionario, como subversivo de Nazaré, nao se concilla com a cate-

— 101 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

nuese da Igreja Confundindo o pretexto Insidioso dos acusadoras de


Jesús com a atitude do própri oJesus — muito diferente —. alega-se,
como causa da sua morte, o desenlace de um confuto político e cala-se a
vontade de entrega do Senhor e também a consciéncia da sua missSo
redentora".

4.2. Reino de Deus e reino do homem

O Reino de Deus e o reino do homem nao se excluem


mutuamente, mas, antes, tendem a se realizar simultanea-
mente através da historia.
O Reino de Deus nao extingue o do homem, como afirma

muito sabiamente S. Tomás de Aquino:

"Gratia non destruit, sed perficit naturam. lus autem divinum, quod
est ex gratia, non tollit ius humanum, quod est ex nalurali ratione" (Suma
Teológica ll/ll, qu. 10, art. 10c) '.

Todavía os interesses do Reino do Homem ou do Estado


devem estar subordinados aos do Reino de Deus, pois o ho
mem nao foi feito para ser feliz nesta vida apenas, mas para
usufruir da felicidade do próprio Deus numa ordem de coisas
sobrenatural. O homem passa pela ordem temporal para
chegar á definitiva ou eterna. Por isto a Igreja, encarregada
de apregoar e implantar o Reino de Deus em meio aos ho-
mens, terá sempre o direito de julgar a ordem temporal na
medida em que esta interessa á consecugáo do fim supremo
do homem, ou seja, em nome da Moral.

Com outras palavras: o Estado goza de soberanía essen-


cíal no tocante á ordem temporal (economía, urbanismo,
transportes, comunicacóes...). mas está subordinado á Igreja
por urna subordinado acidental, ou seja, na medida em que
os valores temporais tém um caráter ético. A distincio entre
soberanía essencial e subordina«áo acidental pode também sel
assim formulada: a Igreja goza de poder direto sobre os va
lores esoiriluais e de poder indireto (rattone peccati, por causa
de possível pecado) sobre os valores temoorais. Esta última
fórmula deve-se a teóloeos dos séculos XVI e XVII. como
Francisco Suarez S. J. (1548-1617) e Sao Roberto Bellarmi-
no (1542-1621).

i "A graca nao deslról, mas aperfeicoa a natureza. Por conseguinte.


o direito divino, que se prende á graca, nao extingue o direito humano,
que procede da razáo oatural".

— 102 —
FÉ E POLÍTICA 35

4.3. Igreja e política

Estas proposigóes significam que a Igreja tem o direito


de se manifestar sobre assuntos de ordem política na medida
em que estes interessam á consciéncia moral. Mais precisa
mente em nome de Deus, sem exorbitar das suas fungóes,
pronunciar-se sobre a ordem política ou sócio-económica do
seu país. Eles o faráo, porém, apenas na medida em que o bem
moral estiver em causa, visando a preservá-lo de contamina-
gáo. Se dentro do setor do bem se propuserem diversas opgóes
partidarias igualmente válidas do ponto de vista moral, a
Igreja e seus ministros nao teráo o direito de apregoar aos
fiéis qualquer dessas opgóes de preferencia a outra. Ao minis
tro de Deus é lícito ter sua opgáo partidaria pessoal, mas nao
lhe é lícito identificar o Evangelho com tal opgáo, se outras
satisfazem igualmente á mensagem de Cristo.

É aos fiéis leigos que toca a militáncia na política parti


daria; após terem ponderado em consciéncia as diversas opgóes
que sé lhes oferecem, toca-lhes escolher a que mais condizente
parega com o Evangelho e empenhar-se pela promogáo da
mesma. A I^reja se faz presente na política militante por meio
dos scus filhos leigos, nao, porém, mediante os clérigos. Estes
háo de ser fatores de unidade dentro do legítimo pluralismo
político que possa ocorrer na sociedade; se os clérigos deixarem
de ser fatores de unidade, desintegrar-se-á a sociedade.

4.4. Política e absoluto

O cristáo está longe de fazer da política um valor abso


luto. Ele, antes, se há de empenhar por urna política do Abso
luto Com efeito; mais e mais o homem contemporáneo se in
terroga sobre o sentido da sua existencia, sobre o significado
da sociedade, da historia e do universo... Para estas questóes
essenciais, a política nao tem resposta; por conseguinte, em-
bora importante, a política está longe de atender as aspiracoes
mais íntimas de todo homem; este é essencialmente caracteri
zado pela sede do infinito e pela fome do absoluto; sao estas
que revelam a verdadeira vocagáo do homem. Dizia muito
oportunamente o Papa Paulo VI na sua encíclica sobre o De-
senvolvimento dos Povos:

— 103 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

"Longe de ser a norma suprema dos valores, o homem só se realiza


ultrapassando a si mesmo. Conforme a sabia palavra de Pascal: 'O homem
ultrapassa infinitamente o homem"' (n? 42).

Somente Deus está á medida do homem. Ora Deus se fez


homem a fim de que os homens se tornem filhos de Deus.
Mais: Cristo confiou á sua Igreja a missáo de levar o homem
a realizar a sua vocagáo divina pessoal e comunitaria. Essa
missáo implica que a Igreja se empenhe pela construcáo da
sociedade, respeitando a autonomía do Estado e das conscién-
cias. Mas este é apenas um aspecto da missáo da Igreja, povo
de Deus. O Concilio definiu essa missáo em toda a sua am-
plidáo ao dizer: «A Igreja associa trablho e oracáo para que
o mundo inteiro... seja transformado em Povo de Deus,
Corpo de Cristo e Templo do Espirito Santo» (Constituigáo
Gaudimn et Spes n* 15).

Numa palavra: a Igreia se interessa pela política en-


quanto afela a construcáo do Reino de Deus sobre a térra;
mas nao competo aos clérigos, dentre os diversos caminhos le
gítimos, optar por algum no exercício do ministerio sacerdo
tal: se o fizesítem, cairiam no clericalismo ou no messianismo
político, que háo de ser rejeitados. como o cesaropapismo há
de ser reDudiado. Aos fiéis leigos é que toca a tarefa da mili-
táncia política partidaria. Todos, porém. clérigos e leigos, teráo
sempre em mira o termo final da caminhada do povo de Deus
que tende á Jerusalém celeste, onde nao haverá mais Estado
ñem política, mas táo somente aquele valor ao qual tende toda
a arte política: o Absoluto contemplado face-a-face. Entáo
cumDrir-se-á o aue dizia S. Agostinho: «Insatiabiliter satiaberis
verifote. — Serás insaciavelmente saciado pela verdade».

Bibliografía:

BOERS, N., Militarismo e clericalismo em ¿nudanca. S§o Paula 1980.


BUHLMANN, W., O terceiro mundo e a Igreja. Sao Paulo 1976.
COULANGES, FUSTEL DE, A Cídade Anliga. Lisboa 1951.
GUTIÉRREZ, G., Teología da Llbertacáo. Petrópolis 1976.
JOURNET. CH., La jurisdictíon de l'Eglise sur la cité. Paris.
MARITAIN, J., Humanismo integral. Rio de Janeiro 1941.
Principios de urna política Kumanista. Rio de Janeiro 1946
Primauté du Spirítuel. Paris 1949.
O Homem e o Estado. Rio de Janeiro 1952.
Cristianismo e Democracia. Rio de Janeiro 1949.
SCHOOYANS, M., O desafio da secularízacáo. Sao Paulo 1968.

— 104 —
Momentosa questáo:

Existem Racas Humanas ?

Em sintese: O presente artigo aprésenla as conclusóes de um Colo


quio realizado em Atenas de 30/03 a 3/04/81 com a participacao de vinte
e tres dentistas das mais diversas disciplinas representantes de dezoito
países.

Estes estudiosos reafirmaram que o conceito de raca é assaz inde


finido e nao encontra apoio ñas mais germinas conclusóes da ciencia; é
alimentado especialmente por interesses sócio-político-económicos.

As conclusóes de tal Coloquio vém fccompanhadas de um apelo a


todos os hotnens de cultura para que difundam a auténtica posicáo da
ciencia frente ao racismo.

Comentario: O conceito de raga humana tem dado mar-


gem a conflitos políticos, por vezes desastrosos para popula-
góes inteiras. Nos últimos decenios, porém, os estudiosos tém
procurado averiguar em que consiste exatamente a nogio de
raga, táo evocada para provocar represalias entre os homens.
A UNESCO íOrganizagáo das Nagóes Unidas para a Educa-
gáo, a Ciencia e a Cultura), desde a sua fundagáo após a se
gunda guerra mundial (1939-1945), tem incentivado a análise
científica e crítica das teorías racistas; em conseqüéncia, pu-
blicou a propósito alguns escritos, por causa dos quais a África
do Sul se retirou da Organizagáo. Contudo a ciencia continua
a ser evocada para defender o racismo, principalmente no
setor da sociobiologia, que compara o comportamento humano
ao comportamento animal e recorre a testes psicológicos
(principalmente os de quociente intelectual ou QI) para esta-
belecer hierarquia entre os diversos povos da térra.

Ora na cidade de Atenas, entre 30/03 e 3/04/81,


a UNESCO promoveu um Coloquio sobre racismo entre vinte
o tres cientistas, que representavam dezoito países. Tais eram
os participantes:

Cinco geneticistas: Hubert Condamine (Franga), Endre


Czeizel (Hungría), Albert Jacquard (Franga), Costas B.
Krimbas (Grecia) e Eviatar Nevo (Israel);

— 105 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

Tres médicos: D. Tricnopoulos (Grecia), T. S. Tsunoda


(Japáo), e George Wald (U.S.A.)t premio Nobel de medicina;

Quatro antropólogos: Anta Diop (Senegal), S. Genoves


(México), L. P. Vid^arthi (India), Sra. I. M. Zolotareva
(U.R.S.S.);

Dois filósofos: Tahar Ben Jelloun (Marrocos) e A. C.


Bayonas (Grecia);

Um filólogo: John Bj^rnebye (Noruega);

Um psicólogo: Rémy Droz (Suica);

Dois historiadores: Joseph Ki-Zerbo (Alto Volta) e H.


Tawa (Líbano);

Dois sociólogos: A. Boudhiba (Tunísia) e M. Diabate


(Costa do Marfim);

Um etnólogo: M. Fraginal (Cuba);

Um jurista: P. Vegleris (Grecia).

A presidente da Fundagáo dos Direilos do Homem de


Atenas: Sra. A. Yotopoulos.

Eis, em poucas frases, o resultado do Coloquio:

1 . As conckisóes de estudos recentes

A unidade da especie humana foi confirmada pelas últi


mas descobertas da antropología, principalmente as de Ri
chard Leakey na Tanzania, que levaram a recuar por milhóes
de anos a época na qual se situava o aparecimento do homem
sobre a térra; acredita-se, em conseqüéncia, que a aventura
humana tem origem especifica. Por isto também as teorías
racistas sao nao somonte inaceitáveis, mas também destituidas
de sentido.

Esta última afirmacáo baseia-se nos seguintes argu


mentos:

— 106 —
EXISTEM RACAS HUMANAS? 39

1) Todas as tentativas de dar um conteúdo objetivo ao


conceito de raga apoiam-se sobre características físicas apa-
rentes. Ora as pesquisas recentes demonstraram que os fatores
genéticos que regem realmente a transmissáo dessas caracte
rísticas, sao muito mais diversificados do que se acreditava.
As diferengas entre as estruturas genéticas de dois individuos
da mesma populacáo sao muito maiores do que as que existem
entre as estruturas genéticas medias de duas populagóes.

Esta verificagáo torna impossivel toda definigáo objetiva


e estável das ragas humanas e, em conseqüéncia, esvazia estas
palavras de grande parte do seu alcance biológico. Quaisquer
que sejam as diferengas existentes entre os homens, a biología
nao permite estabelecer urna hierarquia entre os individuos e
as populagóes, de mais a mais que nenhum grupo humano
possui um patrimonio genético constante. Na verdade, a cada
ser humano corresponde urna combinagáo genética única entre
as inúmeras combinagóes possiveis.

2) A atividade intelectual constituí urna das caracterís


ticas essenciais do homem. As técnicas elaboradas a fim de
medir essa atividade nao podem ser utilizadas para comparar
as diversas populagóes entre si, pois foram concebidas para
comparar individuos dentro de urna determinada populagáo.
Segue-se que todo julgamento de valor fundado sobre as ca
pacidades intelectuais de um determinado grupo aferidas se
gundo tais técnicas é totalmente destituido de fundamento: «a
complexidade da interagáo entre os fatores biológicos e os fa-
tores culturáis retira todo sentido á questáo das partes res
pectivas do inato e do adquirido». É, pois, inadmissível que se
utilizem os resultados dos testes psicológicos, principalmente
o quociente intelectual, para finalidades de ostracismo e dis-
criminagáo racial.

3) Além da falta de fundamento biológico para as teo


rías racistas, os cientistas realgaram que nenhtim dado das
ciencias sociais apoia tais teorías. O racismo é muitas vezes
um instrumento utilizado por certos grupos a fim de fortalecer
o seu poderío — os casos mais graves sao o apartheid e o ge
nocidio —, chegando mesmo a ignorar que certos povos tém
a sua historia e a desconhecer a contribuigáo destes para o
progresso da humanidade.

4) Os participantes, que representavam diversas discipli


nas, fizeram questáo de salientar a nítida diferenga existente

— 107 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

entre a ciencia e o pensamento racista atual, que se apresenta


nao raro com a aparéncia de rigor científico, mas na verdade
utiliza indevidamente a terminología e as conclusóes da cien
cia. Cultivar a ciencia significa trazer larga parcela de respon-
sabilidade no tocante ao futuro da sociedade; essa responsabí-
lidade se exerce mediante opgóes políticas e éticas; estas de-
vem levar a respeitar sempre a dignidade humana — o que
implica a recusa do racismo.

A luta contra o racismo sob qualquer das suas modali


dades exige a ampia participagáo de todos os cientistas na
difusáo das auténticas conclusóes da ciencia.

Os signatarios da Declaragáo cujo conteúdo acaba de ser


exposto, redigiram-na sob a forma de um apelo dirigido «aos
povos do mundo e a cada ser humano», a fim de que inspirem
a sua conduta nos termos de tal documento, que vem a ser a
palavra da ciencia contemporánea a propósito do racismo.

2. Refletindo. . .

Já em PR 46/1961, págs. 411-414 foi abordado o tema


«racismo» na base de anterior pesquisa realizada por peritos
da ONU: a tese entáo defendida afirmava ser o conceito de
raga algo de vago e um tanto indefinido; com efeito, como
afirmam os cientistas reunidos em Atenas, há por vezes maior
número de diferencas genéticas, fisiológicas e somáticas entre
membros ditos «da mesma raga» do que entre membros ditos
«de ragas diferentes». Nao se deve, pois, afirmar a superiori-
dade de determinada raga sobre outra; interesses políticos,
económicos e sociais estáo geralmente na raíz do racismo, que
nao se pode valer dos laudos mais abalizados da ciencia.

A difusáo de tais conclusóes pode tornar-se dever impe


rioso nao somente dos fiéis cristáos, mas também de todo
homem culto e reto.

Estas noticias íoram extraídas do boletim Informations UNESCO tfi 766


(1981), págs. 1-2, onde se acha o artigo de Toby Burke: Les théories
racístes n'ont aucun sens, declaren! les savants.

— 108 —
Um livro de atualidade:

"0 Milagro"

de J. E. Martins Térra S. J.

Em sínlese: O Pe. Térra apresenta mais urna de suas interes-


santes obras, desta vez sobre o controvertido tema do milagre. O autor
admite a possibiüdade do milagre como sinal da presenca atuante de
Deus neste mundo; o milagre é, pois, antes do mais, urna palavra mais
eloqüente ou significativa do Senhor Deus. Assim Jesús fez milagros
que assinalavam a inauguracáo do Reino de Deus ou da era messianica;
é nesta perspectiva que o Pe. Térra considera também a possessao dia
bólica e os exorcismos, cuja realidade ele nao nega. Os relatos de mila-
gres" helenísticos atribuidos ao Deus Ascléplo sao encarados de tal
modo que se evidencia a diferenga entre os mesmos e os relatos evan
gélicos; o catéter de sinal de salvacáo escatológica e universal falta
aos portentos helenísticos.

O livro termina apresentando ampia bibliografía sobre o milagre em


portugués e em outras línguas; o Pe. Térra se encarrega de sintetizar
para o leitor o conteúdo de cada urna das publicacóes que ele recen-
seia, oferecendo assim ao público um trabalho de real valor exegético e
científico.

Comentario: O Pe. Joáo Evangelista Martins Térra S. J.,


ilustre exegeta brasileiro, brindou o público com mais um de
seus livros, desta vez sobre o milagre. Aborda assunto mo-
mentoso e delicado, com grande clarividencia e profundidade.
Abaixo proporemos breve síntese dos tragos principáis da
obra O autor nao sonriente expóe o conceito biblico-teológico
de milagre, mas ilustra a sua posigáo, referindo o conteúdo de
publicacóes brasileiras referentes ao assunto.

1. Milagre: que é?

O livro do Pe. Térra consta, em sua mor parte, de artigos


publicados na Revista de Cultura Bíblica, n' 13-16 de 1980.
Disto resultam algumas repeticóes, que nao impedem de
depreender as teses propostas pelo autor.

O Pe. Térra nao nega a existencia de milagres, mas, ao


contrario, afirma-a enfáticamente.

— 109 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

Quanto á nocao de milagre, é exposta á p. 189 nos se-


guintes termos:

"O milagre é um prodigio religioso que exprime, na ordem cós


mica, urna intervengo especial e gratuita do Deus de poder e de amor,
o qual endereza aos homens um sinal de vinda, no mundo, da sua
palavra de salvacSo".

Á p. 54 encontra-se esta outra definicáo de milagre:


"Fato físico relativo a salvacio terrena de um ou varios individuos,
que parece surpreendente aos espectadores e é interpretado como urna
agio religiosa que supera as torcas eletivas do homem".

A propósito observe-se:

1) Em ambas as fórmulas depreende-se que o milagre é


um sinal, ou seja, um fato que assinala a presenga atuante de
Deus no mundo: o Senhor o produz

— ou para responder á oracáo humilde e confiante dos


homens em testemunho de amor e benevolencia,

— ou para autenticar a missáo de alguém que se diga


enviado por Deus...

Donde se vé que o milagre nao é urna realidade isolada.


Nao deve ser considerado independentemente do seu contexto
histórico. Também nao é um show da Onipoténcia Divina des
tinado a extasiar os espectadores1. Vem a ser, sim, urna pa
lavra de Deus mais eloqüente e significativa, palavra «drama
tizada», que Deus julga oportuno proferir em determinadas
situacóes, a fim de mais incutir aos homens a sua mensagem.

Está claro que esta «palavra» mais eloqüente nao forca


o assentimento do homem ou nao extingue a liberdade. Lemos
á p. 55: «Somente a fé permite reconhecer a presenca do mi
lagre». Esta frase significa que o milagre supóe, da parte do
homem, disponibilidade e abertura para receber a mensagem
que o sinal de Deus transmite; essa disponibilidade, porém,
nao é necessariamente a fé em Deus, pois os milagres como
sinais extraordinarios se dirigem nao raro aqueles que nao
tém fé, a fim de lhes abrir mais fácilmente os olhos; diz Sao
Paulo: «As línguas (na medida em que sao algo de extraordi
nario) sao um sinal nao para os que créem, mas para os que
nao créem» (ICor 14,22).

1 Ao contrario, os relatos helenísticos de milagres atribuem a estes


varios tragos espetaculares e grotescos, no intuito de mais glorificar o
taumaturgo.

— 110 —
«O MILAGRE» 43

2) Quanto a ser algo de extraordinario, deve-se frisar


bem que o caráter extraordinario ou portentoso do milagre
nao é o constitutivo exclusivo do milagre. Acrescente-se-lhe a
índole de sinal ou linguagem.

O Pe. Térra faz questáo de dissipar a idéia de que o mi


lagre derroga as leis da natureza (como alegam certos auto
res: Baruc Spinoza, Voltaire, Anatole France... que, em con-
seqüéncia, negam a possibilidade do milagre). «O milagre náó
viola a 'lei natural' nem vai contra a ordenacáo do mundo.
Com efeito, o mundo... é um continuo vir-a-ser ñas máos de
Deus» (p. 24). Por conseguinte, no milagre Deus comunica
á criatura a capacidade de agir de maneira nova: «assim os
milagres de cura em geral nao superam a possibilidade de
urna cura natural, mas apressam o processo... de tal modo
que demonstram a atuagáo de forgas totalmente superiores as
das curas normáis» (p. 24).

"O milagre é urna atuacao de forjas presentes no mundo segundo


a própria regularidade, mas de modo tal que a combinagao que se
manifesta neste momento nSo seria normalmente possível. Por conse
guinte, o milagre, como iniciativa divina, se insere perfeitamente na
atuacao da ordem natural" (p. 24).

Ora quer-nos parecer que estas explicagóes necessitam de


ulterior elucidagáo. O Pe. Térra e outros autores desejam evi
tar a objegáo segundo a qual o milagre é derrogagáo as leis
naturais e, por isto, nao seria possível. Todavía perguntamos:
um fato que nao é «normalmente possiveb, nao é um fato que
foge as normas ou as leis da natureza? Nao é um fato extra
ordinario?

Observamos que, pela razáo de ser sempre um sinal, o


milagre nao deixa de ser um acontecimento extraordinario ou
portentoso. Diriamos mesmo: ele só é sinal porque é prodi
gioso. Um fato normal ou ordinario perde-se na rotina dos
acontecimentos e geralmente nada significa para os homens.
Concordamos, sim, com o Pe. Térra quando diz que «o mila
gre nao pode estar fora da ordem universalíssima da Provi
dencia», que tem duas modalidades: a) o concurso ordinario
que Deus presta as criaturas para que ajam segundo as leis
da sua natureza; b) as intervengóes extraordinarias, fora e

— 111 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

ácima das leis naturais. «O milagre faz parte da ordem esta-


belecida por Deus desde toda a eternidades (cf. p. 30).

O milagre nao é urna especie de retoque, que Deus intro-


duziria no seu plano para corrigir defeitos, á medida que os
iría percebendo; mas é parte integrante que desde toda a eter
nidade Deus incluí no seu plano para manifestar de modo es
pecial o seu poder, a sua bondade e a sua providencia e for-
necer um criterio claro e seguro á sua revelacáo (cf. p. 30).

3) Para que o milagre possa ser reconhecido como cri


terio da revelacáo divina, é necessário que

a) o fenómeno em foco seja fato históricamente com-


provado, e nao produto da ficcáo ou da imaginaeáo devota;

b) o fenómeno histórico nao possa ser explicado por ai-


cuma causa natural criada, ou seia, por teorías científicas, por
fatores parapsicológicos ou por intervencáo diabólica;

c) o fato histórico inexnlicável possa ser tido como res-


posta de Deus á crece humilde ou como intp.rvencáo do Se-
nhor destinada a autenticar a santidade dp alguém, a mensa-
gem de um profeta, a missáo de um legado...

O Pe. Térra anresenla estes tres requisitos recorriendo a


nomenclatura próprin- o milaern deve ter a sua vordade his
tórica íprimeira condi^áo), filosófica 'segunda condicáo), teo
lógica e relativa (terceira condicáo). Cf. págs. 31s.

Passemos agora a outro trago importante do conteúdo do


livro.

2. Os milagres na Biblia

Distinguiremos entre o Antigo e o Novo Testamento.

2.1. No Antigo Testamento

Muito a propósito escreve o autor á p. 35, nota 23:

"O Antigo Testamento nao oferece nem urna teoría sobre o mila
gre porque está impregnado por urna fé que atribuí a Oeus tudo o que
acontece, tanto o normal como o extraordinario. O Antigo Testamento nao
pergunta se o milagre é produzido por Deus ou por urna torca chamada
'natural'... O homem da Biblia vé o milagre em tudo o que Oeus faz:

— 112 —
«O MILAGRE» 45

suas facanhas, suas proezas, suas obras, suas maravilhas. Mas, de tempo
em tempo, sua acáo aparece mais espetacular, alcanzando tal grau de
intensidade que o povo é convidado a reconhecer mals de perto a
Intervencao amorosa de Deus... Ao fiel toca descobrir a acSo de Deus
e glorificar o Senhor Onipotente".

Estas palavras corresponden! fielmente ao pensamento do


judeu do Antigo Testamento: Deus é responsável por tudo o
que acontece no mundo, sem que o fiel se preocupe com a dis-
tincáo entre feitos ordinarios (naturais) e feitos extraordina
rios (portentosos). Predomina, para os judeus, o aspecto de
sinal ou de palavra eloqüente que a historia assume em todos
os seus acontecimentos (ordinarios ou extraordinarios).

2.2. No Novo Testamento

1) O Novo Testamento anuncia a presenca do Reino de


Deus sob forma germinal ou embrionaria (cf. Me 1, 15).

Os milagres aparecem como parte importante das narra-


cóes dos evangelistas e da pregacáo dos Apostólos. Nem
mesmo os inimigos de Jesús negaram os milagres do Senhor;
preferiram deturpá-los dizendo que era com o auxilio dos de
monios que Cristo expulsava os espíritos maus; cf. Me 3,22.

No confronto com a historia das religióes verifica-se que


os milagres de Jesús se distanciam nítidamente dos feitos
mágicos, dos portentos sensacionais e dos gestos vingativos que
se encontram nos relatos helenísticos e rabínicos de miligres.

Por que os evangelistas consagram tanto espago aos mi


lagres? Por que os fatos miraculosos lhes pareciam táo im
portantes?

Porque os evangelistas os consideram como sinais:

— sinais da missáo divina de Jesús. A ressurreicáo, por


exemplo, é o sinal que autentica a pregacáo e os feitos de
Cristo (cf. Mt 12, 39s);

tais sinais nao somente assinalam, mas também rea-


lizam, de maneira incoativa, a restauracáo da natureza ferida
pelo pecado. Jesús, por exemplo, ressuscita Lázaro, cura le
prosos, restituí a vista aos cegos, faz os coxos andar... por
que quer dar aos homens um penhor da plena remogáo de
todas as chagas induzidas pelo pecado.

— 113 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

"Trata-se de sinals de salvacSo no pleno sentido da palavra, mas


que Indicam urna consumadlo definitiva ainda por vir. O milagre da
cura, que atinge o vértice na ressurreicáo dos mortos, já é urna salva-
cSo. Mas, ao mesmo lempo, é o primeiro esboco de urna nova cria-
pao que se realizará com a nossa ressurreifáo e glorifica^So. É um
Inicio que solicita a espera da realizacáo e, ao mesmo tempo, um penhor
que realiza já, de algum modo, esta espera" (p. 44).

Movido por estes principios, o Pe. Térra afirma que «os


prodigios de castigo nao sao verdadeiros milagres. Só há ver-
dadeiro milagre quando a ultrapassagem se produz no sentido
de um aumento da restauracáo da vida. Milagre punitivo seria
urna contradicáo» (p. 168).

Diante destas assercóes, deixamos duas perguntas: Quer


o autor dizer que nao houve a punicáo portentosa de Ananias
e Safira nem a maldigáo da figueira (cf. At 5,1-11; Mt 21,
18-22)? Ou apenas tenciona afirmar que o nome de milagre
nao pode ser atribuido a tais fatos reais?

2) Em particular, com respeito a. possessáo diabólica,


escreve oportunamente o Pe. Térra:

"A Insistencia com oue o Novo Testamento fala da expuIsSo dos


demonios, Impede oue se interprete como simples cura de doencas men
táis. Nao se trata de ODinióes daouela época devidas á falta de conhe-
cimentos médicos. Cristo, quando fala do espirito maligno, parte de um
ponto de vista que está além do médico e do psiquiatra. Refere-se áquele
oue se oculta por detrás daquilo que se pode constatar naturalmente.
A presenca de Satanás nao pode ser comprovada nem negada pela
ciencia, visto que nao se manifesta sob forma de sua realidade empí
rica a margem das oossihilidades naturais, mas age no campo natural e
se adapta a ele" (p. 43).

Como se vé, o autor do Iivro nao nega a possessáo diabó


lica como se fosse mero fenómeno parapsicológico, mas, na
qualidade de exegeta e teólogo, reconhece tanto a realidade
como a razáo de ser e o significado de tal fenómeno: «A cura
de um possesso nao é apenas um beneficio privado, mas urna
vitória na luta de Jesús contra as forcas que se opóem ao reino
de Deus... A expulsáo dos demonios, o combate do poder
satánico é um dos dados fundamentáis da consciéncia que
Jesús tem da própria missáo» (p. 43).

Jesús veio nao somente para ensinar urna doutrina. mas


para vencer o «Príncipe deste mundo» (Jo 14. 30). vitória
esta que tem seus ecos antecipados na expulsáo do demonio
em casos significativos.

— 114 —
«O MILAGRE» 47

3. Milagres no mundo helenístico neto cristóo


No comeeo do século XX os pesquisadores da Historia
Comparada das Religióes, no afá de negar a originalidade do
Cristianismo, procuraran! descobrir na literatura helenística e
rabínica os modelos de «fazedores de milagres» e de milagres
que os evangelistas teriam adotado. Os milagres narrados no
Evangelho careceriam de realidade histórica. Tal foi a posi-
c.áo de F. C. Baur (Appolonius von IJyfana und Christus.
Leipzig, 2a. ed. 1876), a de R. Reitzensten (Hollenistische
Wundererzaíilung, Leipzig 1913), E. Norden (Agnosias Theos,
Leipzig 1913).

Eis alguns dos relatos de milagres helenísticos que vém ao


caso:

1) Como estivesse grávida havia cinco anos, Cleo foi ao


santuario de Asclépio em Epidauro e dormiu no lugar sagrado.
Logo que saiu deste, deu á luz um menino, que, apenas nas-
cido, foi lavar-se por si mesmo na fonte e logo se pos a correr
ao redor de sua máe. Por ter obtido este favor, Cleo mandou
escrever num ex-voto: «Nao admirei o tamanho do quadro, mas
o poder do deus: durante cinco anos, Cleo levou o peso em seu
ventre, até fazer a incubado x e o deus lhe devolveu a saúde».

2) Ambrosia de Atenas, caolha, acudiu suplicante ao


deus Asclépio. Enquanto dava a volta no santuario, zombou
dizendo que certas curas eram inverossímeis e que cegos e
coxos nao podiam ter sido curados simplesmente por terem
tido urna visáo noturna. Durante a noite, porém, teve ela
mesma urna visáo, sonhou que Asclépio estava de pé junto
déla e lhe dizia que ia curá-la, mas pedia como salario que
colocasse no santuario um porco de prata como recordacáo da
sua estúpida ignorancia. Depois de dizer-lhe isto, fendeu-lhe
o olho doente e lhe aplicou um colirio. Ao chegar o dia, foi-se
curada. — Este episodio permite oensar numa óperaqáo cirúr-
pica e em tratamento médico realizado durante o sonó.
3) Eufánio, menino de Epidauro, sofría de um cálculo.
Durante a noite, pareceu-lhe aue o deus estava de pé diante
dele e lhe dizia: «Que me darás se cu te devolver a saúde?»
O menino respondeu: «Dez ossinhos». O deus se pos a rir e
prometeu curá-lo. Quando chegou o dia, partiu curado.

Pousada noturna no santuario.

— 115
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

4) Amphimnestos levava peixes a. Arcadia. Fizera o voto


de dar a Asclépio o dízimo da venda dos peixes, mas nao o
cumpriu. Enquanto vendía seus pescados em Tegeu, de repente
inclinou-se sobre os peixes e estes se puseram a mordé-lo e
despedagá-lo. — Grande multidáo se reuniu em torno do es-
petáculo; entáo Amphimnestos confessou a fraude da qual se
tornara culpado perante Asclépio. A vítima suplicou ao deus
que Ihe perdoasse; logo os peixes o foram lamber e Amphim
nestos consagrou o dizimo deles a Asclépio».

Tais relatos, segundo os críticos literarios, obedecem a


urna estrutura assim definida:

a) apresentacáo do doente e do mal;

b) intervengáo do deus (Asclépio) durante a noite pas-


sada no santuario. Com freqüéncia o doente vé a divindade.
Esta age por vezes como médico (derramando colirio no olho
ou ungindo com bálsamos) ou como cirurgiáo. Dá urna ordem,
que deve ser cumprida após o despertar. As vezes faz um gesto
mais maravilhoso: toca a boca de urna pessoa muda, cura um
epiléptico com o anel do seu dedo. Acontece também que o
paciente seja lambido por animáis do santuario (caes e ser-
pentes);
c) segua-se a cura, descrita em poucas palavras. Por
vezes fica proclamada para os pósteros mediante um ex-voto.
Nenhum desses relatos contém mensagem para a vida re
ligiosa ou moral do fiel nem procura estabelecer comunháo
entre este e seu deus.
De resto, o estudo destes relatos manifesta que com fre
qüéncia foram embelezados e romanceados. Evidencia também
que se distinguem nítidamente das narracóes de milagres atri
buidos a Jesús pelos evangelistas. Com efeito,
a) os milagres de Jesús se situam num quadro histórico
preciso, identificável quanto ao tempo e ao lugar mima ou
em mais de urna fonte evangélica;
b) os milagres do Senhor tém por objetivo socorrer aos
que sofrem, autenticar a missáo de Jesús ou confirmar a fé
dos discípulos. Significam a inauguracáo definitiva do Reino
de Deus (cf. Mt 12, 28). Os traeos de mera fantasía, de curio-
sidade ou o burlesco nao tém lugar nos relatos de milagres
evangélicos; estes sao de estilo muito simples e sobrio, que
revela no evangelista a certeza de que diz a verdade e, por
isto, nao precisa de embelezar falsamente os seus relatos;

— 116 —
«O MILAGRE» 49

c) Jesús nao realiza milagres por meios mágicos. Ser-


ve-se soberanamente do poder da sua palavra, embora oca
sionalmente tenha feito gestos para indicar os efeitos dessa
palavra;

d) a ausencia do conceito de salvagáo escatológica no


pensamento grego nao permite seja o milagro um sinal de
salvagáo definitiva e universal.

Desejamos ainda chamar a atengáo, na obra do Pe. Térra,


para a resenha de bibliografía sobre o milagre apresentada as
págs. 198-251. As obras e artigos publicados no Brasil sao ai
analisados criteriosamente de modo a informar o leitor sobre
o conteúdo dos mesmos.

4. Reflexóo final

O Pe. Térra tornou-se benemérito, entre outros títulos,


pela maneira exaustiva como tem abordado certos temas
candentes da atualidade: o diabo, a oracáo, os direitos huma
nos, o milagre...

O livro sobre o milagre que acabamos de apresentar, en


riquece a bibliografía brasileira, distinguindo-se por erudigáo,
de um lado, e, de outro lado, equilibrio, ponderagáo e profunda
visáo teológica.

O autor afirma a historicidade dos milagres de Jesús, em


bora reconheca as possíveis formas de redagáo e estilo pró-
prias do respectivo género literario. Considera os milagres,
antes do mais, como sinais do Reino ou como palavras do Se-
nhor dotadas de especial eloqüéncia e significacáo. De modo
especial, aceita a realidade da possessáo diabólica e do exor
cismo; este assinala, nos Evangelhos, a inauguracáo de urna
nova ordem de coisas, marcada pela Vitoria sobre o pecado e
Satanás.

O estudioso lera prazer e vantagem cm percorrer os su-


cessivos capítulos desta obra do Pe. Térra, nos quais muito
há que aprender nao só no plano da cultura bíblica, mas tam-
bém no da .teología sistemática.

— 117 —
Na S. Eucaristía:

A Real Presenca de Cristo

Em síntese: O artigo refere-se a recente controversia sobre a real


presenca de Cristo na S. eucaristía. Embora nao tenha sido levada em
profundidade, a polémica suscitou a necessldade de se porem mais urna
vez em relevo os fundamentos bíblicos e tradicionais da fé na real
presenca de Cristo no sacramento do altar. É a esta carencia que atende
o artigo abaíxo, explanando os textos do Novo Testamento relativos á
promessa da S. Eucaristía, á Instituicáo da mesma e á celebracao euca-
ristica na Igreja antiga.

Comentario: Nos meses de agosto-setembro 1981 ocor-


reu, através da imprensa do Brasil, ardente controversia em
torno da real presenca de Cristo na Eucaristía. A ocasiáo da
polémica fbi a realizacáo de urna Semana Eucarística na dio-
cese de Caratinga (MG), á qual um escritor teceu críticas em
linguagem pouco elevada. Embora a negagáo da verdade de fé
tenha encontrado réplica de varias partes do Estado de Minas
e do Brasil, será oportuno lembrar ñas páginas de PR os por-
qués da fé católica na real presenga de Cristo eucarístico. A
Eucaristía é, sem dúvida, o misterio da fé por excelencia; mas
a, fé tem suas credenciais; os fiéis católicos nao devem profes-
sar os artigos de fé sem saber por que os professam,... por
que professam tais e tais, e nao outros.

Por conseguinte, porcorreremos abaixo alguns dos textos


bíblicos mais salientes, assim como testemunhos da Tradicáo
referentes a S. Eucaristía.

O Novo Testamento apresenta textos concernentes 1) á


promessa, 2) á instítuigáo e 3) á celebragáo da Sagrada Eu
caristía, textos que dáo claro testemunho da real presenca do
Senhor no sacramento do altar.

Examinemos as principáis dessas passagens.

1. A promessa da Sagrada Eucaristía

A promessa se acha consignada em Jo 6. O quarto Evan


gelista, escrevendo mais de trinta anos após os demais, ou seja,
por volta do ano 100, nao quis reiterar a narrativa da institui-

— 118 —
REAL PRESENCA EUCARÍSTICA 51

cao da Eucaristía já apresentada por S. Mateus, S. Marcos, S.


Lucas e S. Paulo (1 Cor 11); procurou, antes, desenvolver o
profundo significado doutrinário do gesto de Jesús, referindo
a promessa que o Senhor fizera do Pao da Vida.

Qual seria entáo o conteúdo de Jo 6?

1.1. O conteúdo de Jo 6

Reúne tres episodios harmoniosamente concatenados a fim


de incutir urna grande tese ou o misterio da Eucaristía: a mul
tiplicacao milagrosa dos páes (w. 1-15) significa o poder de
Jesús sobre o pao; o caminhar sobre as aguas (w. 16-21) in-
cate o poder do Senhor sobre o seu corpo e os elementos da
natureza; por fim, o sermáo sobre o Pao da vida (w. 22-71),
utilizando os ensinamentos dos dois quadros anteriores, anun
cia um pao que será o próprio corpo de Cristo.

Nesse sermáo, que nos interessa de modo particular, Jesús


se propóe diretamente como o pao que dá a vida verdadeira,
imortal. Alguns exegetas julgam que na primeira parte do dis
curso (w. 22-50) o Senhor tem em vista o consumo meramente
espiritual, que se dá mediante afé: quem eré, come... Tal
interpretacáo é aceitável; nao se poderia, porém, esteñder á
segunda parte do sermáo (w. 51-71)), a qual visa claramente
ao consumo sensivel de um pao que é a verdadeira carne de
Cristo; tenham-se em vista, por exemplo, as expressóes muito
vivas e concretas do trecho 6,51-56:

51 «'Eu sou o pao vivo que desceu do céu; se alguém


comer deste pao, vivera eternamente!

O pao que eu darei é a minha carne, entregue para a vida


do mundo.

52 Puseram-se, entáo, os judeus a disputar entré si:


'Como pode esse dar-nos a comer (phagein) a sua carne?'

53 Retornou Jesús: 'Em verdade, em verdade vos digo:


Se nao comercies a carne do Filho do Homem e nao beberdes
o seu sangue, nao tereis vida em vos.

54 Quem come (ho trogon) minha carne e bebe meu


sangue, tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia.

55 Porque minha carne é verdadeira comida e meu san


gue é verdadeira bebida.

— 119 —
52 «PERGUNTfl E RESPONDEREMOS» 261/1982

56 Quem come a minha carne e bebe o meu sangue,


permanece em mim, e eu nele'».

A clareza e a insistencia destas palavras exigem sejam


entendidas em seu pleno realismo. Note-se que no v. 52 os
judeus perguntavam como Jesús lhes poderia dar a sua carne
a comer (phagein, em grego); entáo, visando a esclarecé-los,
Cristo, Ionge de enveredar por uma explicagáo alegorista, rea-
firmou o sentido literal das suas palavras, utilizando no v. 54
expressáo aínda mais forte, isto é, o verbo trogo, que significa
«mastigar, dilacerar com os dentes», sem sentido pejorativo,
mas num realismo extremo.

Quem quisesse interpretar metafóricamente os dizeres do


Mestre, deveria comprovar explicitamente a sua tese — o que
seria difícil ou impossivel, pois o sentido metafórico que as ex-
pressóes de Jessus podiam ter em linguagem semita é inadmis-
sível no contexto de Jo 6: «comer a carne de alguém» signifi
caría metafóricamente «ofender essa pessoa, persegui-la até a
morte» (cf. SI 26,2); «beber o sangue de alguém» equivaleria
a «arder de odio para com tal pessoa». Ora está claro que
Jesús, em Jo 6,54, nao podia convidar os seus ouvintes ao odio
para com o Divino Mestre, prometendo-lhes em troca a vida
eterna.

Os ouvintes de Cristo entenderam naturalmente as pala


vras do Senhor em sentido literal, perguntando conseqüente-
mente, cheios de admiragáo: «Como nos pode dar a comer a
sua carne?» (v. 52). Ora acontecía que, quando os discípulos
se enganavani a respeito das afirmacóes do Divino Mestre,
tomando ao pe da letra expressóes que deviam ser entendidas
metafóricamente, o Senhor tratava de desfazer o equívoco (cf.
Jo 3,3-8; 4,32-34; 11,11; Mt 16,6-8); no caso, porém, de Jo 6,
Jesús, visando a esclarecer seus ouvintes surpresos, nao so-
mente nao atenuou o realismo de suas palavras, mas, ao con
trario, o acentuou: nos w. 53 a 54 acrescentou, em sua res-
posta, a mencáo de «beber o sangue do Filho do Homem» e
de «mastigar, dilacerar com os dentes a sua carne». O Senhor
manteve destarte a sua posicáo, muito embora soubesse que,
em conseqüéncia, varios dos seus ouvintes haveriam de O
abandonar (cf. v. 66); Cristo nao hesitou mesmo em intimar
os doze discípulos a definir a sua atitude com toda a clareza:
ou crer no realismo das palawras anteriormente proferidas
pelo Senhor e, conseqüentemente, acompanhá-Lo, ou negar fé
e, conseqüentemente, afastar-se (cf. v. 67).

— 120 —
REAL FRESENCA EUCARÍSTICA 53

1.2. Urna objesao

Eis, porém, que o v. 63 tem causado dificuldades exegé-


ticas: «É o espirito que vivifica; a carne para nada serve. As
palavras que Eu vos disse, sao espirito e vida». Que tinha em
vista o Senhor com esta advertencia?
Jesús apenas visava a remover um entendimento grosseiro
de suas afirmacóes, o entendimento chamado «cafarnaítico»
(porque característico dos ouvintes de Cafarnaum, onde Jesús
falava): nao se tratava de comer carne enquanto tal (está
claro que esta por si só nao santifica o homem) nem de comer
a carne do Senhor em suas condicóes terrestres (como se come
a carne do acougue), mas, sim, de reeeber a carne de Cristo
glorificada e elevada aos céus, emancipada das leis do espaco
e do tempo. É a carne nessas circunstancias novas que Jesús
chama «espirito»; é espirito, porque está toda penetrada pela
Divindade (na verdade. é a Divindade de Cristo que, mediante
a carne, vivifica os fiéis na Eucaristía).
Acrescentou o Senhor que as suas palavras sao espirito,
nao como se tivessem de ser entendidas em sentido figurado,
mas p^lo fato de terem um alcance espiritual e de exiRÍrVm um
entendimento sobrenatural (na fé): sao vida também, porque
nos revelam o meio de termos a vida em nos.
S. Agostinho (t 430), táo explorado pelos simbolistas,
propóe de maneira admirável a exegese de Jo 6,63:
"A carne para nada serve, se ela está só. Que o Espirito (= a
Divlndade) se ¡unte a ela, como a caridade se pode ¡untar á ciencia,
e entáo ela servirá muilo. Pols. se a carne para nada servisse, o Verbo
nao se fría feito carne para habitar entre nos. Se Cristo muito nos valeu
encarnando-se, como é que a carne para nada serve? Eis contudo que o
Espirito sr emnenhou Rtti noesa salvacao mediante a carne. A carne fol
o receptáculo: considera o oue ela contlnha. nSo o oue ela era. O esp-
rito é oue vivifica, a carne para nada serve: minha carne, que dou
a comer, nao é a ca'n<» (a! como eles a concebiam (= como came de
(In lo tr. 27,5V

Sao Joáo Crisóstomo (t 407) diz o mesmo sob nova


forma:

"Se aquele aue nSo come a carne de Jesús e nao bebe o seu
sangue. nao tem a vida em si, como seria verdade que essa carne, sem
a qual ninguém possui a vida, para nada serve? Vés, por conseguinte,
oue a frase 'A carne para nada serve' significa nio a carne de Jesús,
mas o modo carnal como eles escutavam" (In lo 6,30 tom. 47, ed Migne gr.
LIX 265).

— 121 —
54 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

De resto, o sentido realista de Jo 6 é reconhecido por nao


poucos autores liberáis e até protestantes (Zahn, Schanz,
Bauer, LoisjO.

É á luz de Jo 6 que se háo de entender os episodios abaixo


referidos.

2. As narrativas da ¡nstituigao

2.1. O conteúdo das narrativas

As narrativas da instituigáo durante a última ceia do Se-


nhor empregam, por sua vez, palavras muito claras: «Isto é
meu corpo... Isto é meu sangue». Cf. Mt 26, 26-28; Me 14,
22-24; Le 22, 19s; 1 Cor 11, 23-25.
Jesús naquela ocasiáo, ao deixar as derradeiras instrucóes
aos discípulos, terá evitado qualquer termo de sentido ambiguo
(ñas horas supremas e decisivas os homens costumam recorrer
a linguagem precisa). Cristo, assentado á mesa com os Apos
tólos, tinha diante dos olhos todas as geracóes cristas através
da historia; sabia previamente que de maneira geral, durante
séculos e sáculos, os seus discípulos haviam de interpretar os
seus dizeres em sentido realista, prestando adoracio ao SSmo.
Sacramento. Nao obstante, segundo as hipóteses racionalistas,
Cristo, «que nao quería ensinar a real presenqa na Eucaristía»,
teria usado termos ambiguos, induzindo em erro seus primeiros
discípulos, homens simpies e rudes, e, depois deles, urna mul-
tidáo de fiéis cristáos! Diga-se mais: Cristo teria usado ter
mos aparentemente claros para ocultar um simbolismo assaz
difícil de se apreender; com efeito, é arduo definir qual o sig
nificado metafórico que Jesús possa ter tido em mira ao profe
rir as suas palavras simples sobre o pao e o vinho; em 1577,
sessenta anos após o surto do luteranismo. Sao Roberto Be-
larmino dizia ter aparecido havia pouco um livrinho que anre.
sentava duzentas interpretacóes dos protestantes para as pa
lavras: «Tsto é meu corpo»!
Contra a perspectiva de um Jesús a induzir em orro os
sous discípulos, insurrria-so em 1529 o humanista, crítico iró
nico, Erasmo do Rotterdam, nue escmvia a Bero a propósito das
diversas sentencas «eucarísticas» dos Reformadores (Lulero.
Zwingli):
"Jamáis me pudo persuadir de oue .lesus, a Verdade e a Bondade
mesmas. tenha nermitido oue por tantos séculos a sua Esnosa. a Inreia.
haia prestado adoracao a um pedazo de pSo em lugar de adorar a Jesús
mesmo".

— 122 —
' REAL FRESENCA EUCARÍSTICA 55

Ademáis a fórmula de consagracáo do vinho soa, segundo


Mt e Me: «Isto é o meu sangue, o sangue da Alianca que será
derramado por muitos» (Mt 26,28; cf. Me 14,24), frase que faz
eco as palavras de Moisés: «Este é o sangue da Alianca...»
(Ex 24,8). Ora nao há dúvida de que o Legislador do Antigo
Testamento, ao falar assim, tinha diante dos olhos o sangue
de urna vítima a selar a Alianca sinaítica. Donde se pode con
cluir que Jesús, ao falar na última ceia, tinha em vista verda-
deiro sangue, o seu próprio sangue.
Contudo costumam-se propor objeeóes a interpretacáo
obvia das palavras de Jesús.

2.2. Objecóes

2.2.1. Ser = Simbolizar?

Varios sao os textos da Sagrada Escritura em que Cristo


ou os Apostólos empregam o verbo «ser» no sentido de «sig
nificar, simbolizar». Sirvam de exemplo
Jo 14,6: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida»;

Jo 15,1: «Eu sou a verdadeira videira, e meu Pai o


vinhateiro»;

ICor 10,4: «A pedra era o Cristo» (texto particularmente


utilizado pela exegese protestante).

Em resposta, far-se-á observar que o contexto de tais


versículos indica suficientemente tratar-se de alegoría ou lo-
cucáo figurada, donde natural e evidentemente decorre o sen
tido simbolista do verbo ser nessas passagens. No contexto,
porém, da última ceia, falta todo indicio de simbolismo; arbi
trario, portanto, e avesso aos principios básicos da interpreta
cáo de qualquer trecho literario seria, na exegese de tais epi
sodios, fugir ao sentido obvio e literal do verbo ser.

Além disto, verifica-se que ñas frases citadas o sujeito é


um pronome pessoal ou um substantivo, sujeito bem determi
nado e por si mesmo diverso do respectivo predicado; a apro-
ximacáo entre sujeito e predicado em tais sentengas só pode
ser figurada ou metafórica. Ao contrario, ñas frases da con
sagracáo eucarística o sujeito é um pronome demonstrativo,
pronome que por si mesmo é indeterminado e vai receber sua
determinagáo do substantivo com o qual ele está relacionado,
podendo mesmo identificar-se com o significado deste substan-

— 123 —
56 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

tivo. Na frase de Cristo, portanto, o pronome demonstrativo


touto (em grego), isto ou este, relacionado com oorpo, nao
somente nao se opóe á identificagáo com oorpo, mas exige-a,
de tal modo é simples e clara a cópula é. Em outros termos:
na afirmagáo do Senhor, o pronome «isto» (touto) designa
urna substancia existente sob as aparéncias externas do pao,
substancia cuja natureza é enunciada pelo predicado «meu
corpo». De resto, nota-se que «isto (ou este) é meu corpo»
equivale a «ELs aquí meu corpo», como incute a comparacáo
de Ex 24,8 com Hb 9,20 (a fórmula «Este é o sangue» de Ex
reaparece em Hb como «Eis o sangue»).

No tocante a ICor 10,4, onde Sao Paulo aplica a metá


fora do Rochedo a Cristo, note-se que este texto nao pode ser
vir para ilustrar a fórmula da consagracáo eucarística, pois
o Apostólo em ICor 10 exprime formalmente sua intengáo de
recorrer a urna metáfora: «Nossos pais todos beberam do
mesmo alimento espiritual; bebiam, com efeito, de um Ro
chedo espiritual que os acompanhava; e o Rochedo era o
Cristo». O adjetivo «espiritual», duas vezes ocorrente nestes
dizeres e diretamente associado a «Rochedo», indica bem que
o hagiógrafo quer empregar urna figura de linguagem. Sao
Paulo mesmo, sem negar a realidade da historia do éxodo, de-
clarou expücitamente que ele a considerava em 1 Cor 10 como
figura do que se dá com os cristáos do Novo Testamento
(cf. v. 10). — Na fórmula de consagracáo eucarística, ao
contrario, falta todo e qualquer indicio de uso metafórico das
palavras.

No inicio do século passado, os autores liberáis apoiavam


a sua interpretacáo simbolista na tese de que a língua ara-
maica, em que Jesús falou, tinha um só verbo para exprimir
a identidade real e a representacáo simbólica.

Em 1828, porém, N. Wiseman publicou o estudo «Horae


syriacae», em que enumerava mais de quarenta verbos ara-
maicos capazos de exprimir a nocáo de «significar». Além disto,
sabe-se que os Evangelistas e Sao Paulo escreveram em grego,
usando a forma verbal csti (= é), e nao semanei (= signifi
ca) ; assim fazendo, transmitiram-nos a interpretagáo auténtica
das palavras de Jesús.

— 124 —
REAL FRESENCA EUCARiSTICA 57

2.2.2. Em memoria

O Senhor mandou repetir a ceia sagrada cm sua memoria


(cf. ICor ll,24s). Ora, dizem, o memorial só se pode referir
a pessoa ausente, nao a presente. Cristo, por conseguinte, nao
está presente sob os véus eucarísticos.

Responder-se-á que nao é absurdo falar do memorial de


ura ser presente, desde que este nao apareca aos sentidos; com
efeito, dizemos que nos lembramos de Deus, embora Deus nos
esteja sempre presente (cf. SI 76, 3 na Vulgata e na trad. de
Almeida); análogamente fazemos o memorial de Cristo, que
de maneira invisivel, mas bem real, se acha no sacramento
da Eucaristía.

2.2.3. Cálice é alianza

Conforme Paulo e Lucas, Jesús disse: «Este cálice é a


nova Alianca em meu sangue, que será derramado» (Le 22,20;
cf. ICor 11,25). Ora, assim como o cálice continuou a ser cálice
após estas palavras, dir-se-á que também pao e vinho nao dei-
xaram de ser pao e vinho após os dizeres que, conforme Mt e
Me, Jesús proferiu sobre eles. Que replicar a isso?

Na realidade a fórmula de Pl e Le coincide com a de Mt e


Me quanto ao sentido doutrinário, incutindo ambas a real pre-
senca; apenas se deferenciam no plano filológico ou estilístico.
Ao passo que Mt e Me empregam urna construgáo de frase muito
lisa e clara, a tradicáo de Paulo e Lucas recorre a dois artifi
cios de redagáo, mencionando sucessivamente o recipiente em
lugar do respectivo conteúdo (o cálice em lugar da substancia
do vinho que ele continha) no sujeito da frase, e o efeito em
lugar da causa (a Nova Alianca em lugar do sangue que a
tornou possível e a selou) no predicado da mesma frase; por
conseguinte, se quiséssemos fazer abstracáo dos artificios de
estilo, teríamos em Pl e Le a construgáo: «Isto (ou esta subs
tancia que se acha contida no cálice) é o meu sangue, o san
gue que acarreta e sanciona a Nova Alianga entre Deus e os
homens». A construgáo artificiosa de Sao Paulo e Sao Lucas
serve para exaltar a realidade da Alianca selada pelo corpo e
o sangue de Cristo imolados, enquanto a formulacáo simples
de Sao Mateus e Sao Marcos realga principalmente a realidade
da presenga do corpo e do sangue do Senhor que selou essa
Alianga.

— 125 —
58 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

2.2.4. «Até que venha...»

Em ICor 11,26 lé-se: «Todas as vezes que coméis desse


pao e bebéis desse cálice, anunciáis (katangellete) a morte do
Senhor até que Ele venha». Nao quer isto dizer que nao está
presente na ceia eucarística Aquele cuja vinda ainda se espera
no porvir?

No texto ácima, Sao Paulo recorda o íntimo nexo que liga


a ceia sagrada com a morte do Senhor (o verbo katangéllete
no indicativo presente, conforme o autor protestante J. Weiss,
implica mesmo a idéia de realizagáo). A seguir, diz-nos o
Apostólo que esse «anuncio» sacramental da imolacáo do Se
nhor é permanente ou se efetua todas as vezes que se celebra
a ceia eucaristioa, até que o Senhor Jesús haja por bem en
cerrar o atual regime da fé e dos sacramentos, tornando-se
presente de maneira visível entre nos. Como se vé, o Apostólo
estabelece distincáo entre «presenga de Cristo glorioso, mani
festó», tal como é aguardada urna vez para o fim dos tempos,
e «presenga do Senhor sacramental, velada» (mas bem real,
como se deduz do contexto já analisado), tal como a temos na
Eucaristía «todas as vezes», isto é, todos os dias. Nao é o
binomio «presenga-auséncia» que o hagiógrafo quer focalizar,
mas, sim, a distinjáo entre «presenga visível (a ser obtida
urna vez)» e «presenga invisível (que se verifica muitas vezes,
permanentemente)».

3. A celebragáo da S. Eucaristía

3.1. O texto de ICor 11,27-30

Há urna passagem principal que, atestando a celebragáo


da Eucaristía na Igreja nascente, dá claro testemunho da fé
na presenga real do Senhor:

"Todo aquele que comer desse pao e beber do cálice do Senhor


Indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Por conse
guirte, examine-se cada um e entáo coma desee pao e beba do cálice.
Pois lodo aquele que come e bebe indignamente, come e bebe a pró-
pria condenacSo, por nao discernir o corpo e o sangue do Senhor. E
por isso que há muitos doentes e enfermos entre vos e mu ¡tos já mor-
reram" (ICor 11,27-30).

— 126 —
REAL PRESENQA EUCARÍSTICA 59

Neste texto o Apostólo deduz consequencias gravissimas


da profanagáo do pao e do vinho eucarísticos; a razáo de tais
penas é o fato de que se torna profanador do corpo mesmo c
da sangue do Senhor quem viola o sacramento; a malicia de
tal pecado e a condenagáo a morte, tanto temporal como eter
na, de que fala Sao Paulo, nao se entenderiam se a Eucaristía
fosse mero símbolo do corpo e do sangue de Cristo. Donde
conclui Goguel (o qual, nao obstante, é adversario da pre
senta real, por ter Sao Paulo na conta de grande inovador
dentro do Cristianismo primitivo):
"Bachmann observa com razio que, se o Apostólo diz 'réu do
corpo o do sangue do Senhor', e nao apenas 'réu perante o Senhor.
¡sto se deve ao fato de que, para Paulo, o pao-corpo e o cálice-sangue
sao realmente o Senhor, e nao (meros) símbolos. O caráter realista
da concepcáo paulina explica também as conseqüéncias que, aos olhos
do Apostólo, tem a comunháo indigna" (L'Eucharistie des origines a
Justin martyr. Paris 1910, 178).

3.2. Urna obje?5o

Eis, porém, que contra a interpretagáo ácima parece le-


vantar-se urna objegáo por parte de ICor 10, 16-21. Nesta
passagem Sao Paulo confronta a Eucaristía com os sacrificios
náo-cristáos, sacrificios em que certam.ente nao se admitía a
real presenca da Divindade sob os véus das carnes imoladas.
Eis as palavras do Apostólo:

"Porventura o cálice de' béncáo que abengoamos, nao é a comu-


nhño do sanguo de Cristo? O pao que partimos, nSo é porventura a
comunháo do corpo de Cristo? Já que há um so pao, nos todos, sendo
muitos, constituímos um só corpo, porque todos participamos do mesmo
pao Considerai Israel segundo a carne: os que comem das vltimas nao
estao em comunhSo com o altar? Mas que digo? Que a carne sacrifi
cada aos ¡dolos é alguma coisa? Ou que o ¡dolo é alguma coisa?...
Mas o que se sacrifica, aos demonios é sacrificado e nao a Deus. Ora
nao quero que entréis em comunháo com os demonios. Nao podéis
beber do cálice do Senhor e do cálice dos demonios; nao podéis par
ticipar da mesa do Senhor e da mesa dos demonios".

Que quer esta passagem dizer?


Sao Paulo intenciona proibir formalmente aos seus fiéis
a parlicipacáo nos banquetes rituais em que se comiam carnes
imoladas aos ídolos. Em vista disto, alude a urna crenga comu-
mente professada ñas antigás religióes: toda ceia ritual produz
a uniáo dos convivas entre si e com a Divindade, Divindade
que os convivas julgavam estar presente em meio a eles
(admitir alguém á sua mesa é um dos sinais mais eloqüentes

— 227 —
60 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 261/1982

de amizade). Ora, diz o Apostólo, tal comunháo com o Invisí-


vel se dá de fato nos banquetes religiosos pagaos, apenas com
a ressalva de que, os ídolos e deuses do politeísmo nao tendo
realidade alguma, é com os demonios ou espíritos maus que
os pagaos contraem alianga, pois sao os demonios que inspi-
ram a idolatría (cf. Dt 32,17; Br 4,7; SI 95,5). A comunháo
se dá também nos sacrificios judaicos, reconhece Sao Paulo,
pois os israelitas, comendo parte das vítimas imoladas a Javé,
entram no ámbito das coisas consagradas ao Senhor (cf. Dt
12,lls; 18,1-4; Hb 13,10). Pois bem; a mesma concepcáo, o
Apostólo transpóe-na para a ceia dos crístáos ou a Eucaristía:
a comunháo eucaristica dá uniáo com Cristo. Esta expressáo,
porém, nao lhe parece suficiente para traduzir todo o misterio
da Eucaristía, que, segundo se deprccnde, ultrapassa a reali
dade de qualquer rito náo-cristáo; é, em termos precisos, com
o carpo e o sangue de Cristo que os fiéis entram em contato
(comunháo) quando recebem respectivamente o pao e o vinho
eucarísticos. Trata-se,
pois, de uniáo com a Divindade nao
meramente espiritual ou mística (como ela se dá nos cultos
náo-cristños), mas física, adquirida precisamente medíante o
corpo e o sangue do Senhor recebidos como alimento. Nesse
contexto parece mereeer atengáo especial o fato de que o
Apostólo afirma que o pao é a comunháo com o corpo de
Cristo (nao apenas a da ou a representa) e, paralelamente,
que o cálice é a comunháo... (nao simplesmente a propor
ciona ou simboliza).

Quanto ao fato de que o Apostólo em ICor 11,23-28 fala


repetidamente de pao, referindo-se á Eucaristía, nao quer dizer
que negué a real presenca do Senhor: embora as aparéncias
de pao permanecam as mesmas depois de proferidas as pala-
vras da consagracáo (permanencia que nos habilita a falar
sempre de pao), Sao Paulo muito recomendava aos seus fiéis
que discernissem do pao comum esse «pao» que é o Corpo
(cf. ICor 11,29).

Em conclusáo, verifica-se que a real presenca de Cristo


na S. Eucaristía constituí urna proposito de fé freqüente-
mente atestada pela Sagrada Escritura. A Tradicáo crista,
ininterruptamente desde a era dos Apostólos, ensinou esse
dogma e dele até hoje recebe sua vital idade.

— 128 —
A Eucaristía, misterio da fé:

Em Lanciano

■ Em sfntese: Em Lanciano (Italia) narra-se maravilhoso fato, que


tem servido para suscitar e fortalecer a fé na real presenca de Cristo na
S. Eucaristía: no sáculo VIII durante a celebracáo da S. Missa um monge
basiliano (da Ordem de Sao Basilio Magno) terá observado que a hos
tia consagrada repentinamente se tornou carne e o vinho consagrado
sangue verdadeiro. Estes elementos foram guardados e venerados atra-
vés dos séculos. Aínda em 1970/71 foi realizado um exame científico de
partes da carne e do sangua guardados desde o século VIII como reli
quias; as conclusoes de tal pericia médica afirmavam tratar-se de ver-
dadeira carne e auténtico sangue; a própria conservacSo destas reliquias,
deixadas no seu estado natural durante tantos séculos e expostas & acáo de
agentes físicos, atmosféricos e biológicos é tida como fenómeno inexplicável.

Nao há dúvlda, porém, de que a*fé dos católicos na real presenca


de Cristo eucaristíco nSo se fundamenta sobre tal episodio, mas, sim,
sobre as afirmacóes da S. Escritura e da TradicSo, que o magisterio da
Igreja sustentou Inabalavelmente através dos séculos. Lanciano, para
quem tenha a evidencia dos fatos, vem a ser ilustracao da verdadeira fé.

Comentario: Alguns leitores de PR enviaram a esta re


vista o texto que se segué, referente a Lanciano e á S. Euca
ristía, pedindo a sua publicacáo. A redagáo de PR nao se furta
a difundir tal artigo. Verdade é que a fé dos católicos na real
presenca de Cristo eucarístico nao se funda propriamente sobre
o episodio narrado, mas, sim, antes do mais, sobre os textos da
S. Escritura interpretados pela Tradicáo oral e pelo magiste
rio da Igreja. Mesmo sem Lanciano a fé seria sólida e inaba-
lável, porque baseada com muita clareza sobre os mais firmes
alicerces da Revelacáo Divina, como se demonstra no artigo
deste fascículo as págs. 118-128. Lanciano, para quem tenha
a evidencia dos fatos, vem a ser ilustragáo das verdades da fé.

— 129 —
62 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

LANCIANO E A FÉ EUCARÍSTICA

1. O núcleo

Lanciano é urna pequeña ádade da Italia, na provincia dos


Abruzos. Foi al¡ que, no século oitavo, há 1.200 anos, deu-se um
milagre extraordinario na Igreja de Sao Legociano, durante a cele-
bracao da Santa Missa. Um monge basiliano daquele convento
comecou a duvidar se na Hostia estaría verdadeiramente o Corpo
de Cristo e no Cálice, o Seu Sangue. Foi entao que se realizou o
milagre. A Hostia grande tornou-se repentinamente Carne e o
vinho consagrado mudou-se em Sangue, verdadeiro Sangue, que
coagulou e se dividiu em cinco glóbulos de forma e tamanhos dife
rentes. O monge, atónito, ainda pensou em esconder o prodigio,
mas, perante a realidade do caso extraordinario, confessou a sua
falta de Fé e o milagre com que o Senhor viera confirmá-lo.

Ho¡e, a 1.200 anos de distancia, as reliquias sagradas man-


tém-se bem conservadas e praticamente intactas. A Carne, guar
dada entre dois cristais, tem a forma de Hostia Redonda, com seis
centímetros de diámetro, mais grossa nos bordos que no centro,
onde há um pequeño espaco vazio. No meló da Carne, vislum-
bram-se algumai manchas brancas de finíssima espessura, restos das
primitivas especies do pao.
A Carne aparece de cor castanho-escuro,
que se torna robada quando se coloca urna luz por tras do reli
cario. O Sanque, coagulado, tem urna cor vermelho-escura e é for
mado por cinco qolas diferentes e separadas com o peso total de
15 gramas e 85 miligramos.

A antiga igreia de Sao Legociano, quealguns identificam com


Sao Loncjino (o oficial romano que trespassou o Coracao de Cristo,
originario de Lanciano), foi substituida pela atual, dedicada a Sao
Francisco; é aos franciscanos que ela pertence.

Os Papas enriqueceram-na com privilegios, dum modo parti


cular Lea o XIII. que, em 1887, concedeu «in perpetum» (para
sempre) indulgencia plenária a todos os fiéis que visitarem este
Santuario nos oito dias anteriores á festa anual, que cai no último
domingo de outubro. Os fiéis, no decurso dos tempos, porfiaram em
enriauecer e embelezar tanto o altar como o Sagrado Relicario, que,
na forma atual. é de prata dourada. fot inaugurado em abril de
1773 e mede 63 cm de altura. No alto, entre os dois crisfais, está
a Hostia de Carne. As cinco gotas de Sangue coagulado guardam-se
num cálice, também de cristal, com 15 cm de altura, que repousa

— 130 —
^ LANCIANO E EUCARISTÍA 63

na base do relicario. Na fita de ouro segura por dois anjos, léem-se


as palavras: «Tantum ergo Sacramentum veneremur cernui» (incli
nados profundamente veneremos tao grande Sacramento), palavras
essas tiradas do hiño composto por Santo Tomás de Acruino.

2. Os exames científicos: condusSes

Repetidas vezes, no decorrer dos sáculos, fizeram-íe exames e


reconhecimentos das Sagradas Reliquias, dum modo particular em
17 de fevereiro de 1574, e em 1637. A 23 de outubro de 1770,
o arcebíspo Dom Gervasone tirou algum tempo a Hostia de Carne
para polir o relicario. O arcebispo Dom Petrarca, em 26 de outu
bro de 1886, na presenca de cónegos e sacerdotes quebrou os
selos que prendem o cálice, podendo observar o Sangue. Nao
tocou, porém, na redoma da Carne.

Nos nossos tempos, de tanta crítica e de dúvidas, exigia-se um


estudo rigoroso e científico. Para isso, no día 18 de dezembro de
1970, as 9 horas e 30 minutos, o Relicario foi trazido do altar
para a sacristía e colocado em cima de urna mesa coberta de panos
broncos. Com lícenga da Santa Sé, o arcebispo de Lanciano, Dom
Pacífico Perantoni, na presenta de varios sacerdotes, concedeu ao
Dr. Oduardo Linoti, professor de Anatomía, Histologia Patológica e de
Microscopio, e Diretor Clínico dos Hospitais Reunidos de Arezzo, auto-
rizacao para proceder ao exatne científico das Sagradas Reliquias.

Cortados os selos e abertas as redomas, o Prof. Linoti cortou


com urna tesoura pequeníssimas partes da Carne e do Sangue cca-
gulado, que levou para estudo nos laboratorios da Faculdade de
Medicina na Universidade de Sena. Depois de rigorosos e minucio
sos exames radiológicos, anatómicos e histológicos, em que foi a¡u-
dado por varios analistas, sobretudo pelo Dr. Rugério Bertelli, pro
fessor de Anatomía da mesma Universidade, chegou as conclusóes
que apresentou em sessao pública no día 4 de marco de 1971, na
igreja de Sao Francisco. Estavam presentes o arcebispo, párocos,
superiores de casas religiosas, presidente da Cámara, autoridades
civis, judiciárias, militares e académicos, varios médicos e muito povo.
Eis as conclusóes:

1 . A carne é verdadeira carne, o Sangue é verdadeiro sangue.


2. A Carne é tecido muscular do coracáo (miocardio).
3. O Sangue e a Carne sao de pessoa humana.
4. A Carne e o Sangue sao do mesmo grupo sanguíneo (AB),
o que indica tratar-se duma mesma pessoa.

— 131 —
64 «tPERGUNTS E RESPONDEREMOS» 261/1982

5. O diagrama do Sangue corresponde a sangue humano,


fresco, tirado de um corpo humano, NAQUELE MESMO DÍA.

6. Nem na Carne nem no Sangue foram encontrados quais-


quer preparados para os preservar da corrupcño. Sao carne e san
gue simples, naturais.

7. A conservacao destas reliquias, deixadas no seu estado


natural durante tantos séculos e expostas á a cao de agentes físicos,
atmosféricos e biológicos, é fenómeno que nao tem explicacáo.

Antes aínda de se tornar públicas as conclusoes, os peritos


que intervieram ñas análises, enviaram telegrama ao Superior dos
franciscanos de lanciano: «Et Verbum Caro factum est», i.é. «E o
Verbo se fez Carne». Brilhante ato de fé.

Pela primeira vez, no decurso da Historia, ao menos quanto


ao milagre eucarístíco de Lanciano, a ciencia, dotada de meios
excepcional e precisos, oferece-nos dados categóricos e decisivos
que confirmam a validade e a certeza sobre o milagre. Foi lavrada
urna ata com o relatório médico e conclusoes científicas e tiradas
varias copias. Urna délas foi entreaue ao Santo Padre, Paulo VI,
outras ao arcebispo da diocese, as Curias Generalícia e Provincial dos
Frades Franciscanos.

Depois de tornados públicos os resultados, os peregrinos acorre


rá m cada vez mais numerosos, a contemplar e venerar o Corpo e
o Sangue de Cristo. T5o espantoso milagre é mais urna prava do
qve sabemos pela fé: que na Consagracáo o pao deíxa de ser pao
para se tornar Corpo de Cristo e o vínho deixa de ser vinho para
se tornar o Sangue de Cristo. Em Lanciano aparece um sangue
VIVO, atualmente vivo, porque análises mostraram o sangue como
se fosse tirado, naquele momento; de vma pessoa viva, e nao de
um cadáver. E urna prova de que Jesús ressuscitou. pois sua Carne
aue está na Eucaristía nao é de um morto. mas de um ser vivo.
£ carne viva, qloriosa, de Deus vivo e glorioso. Comenta o escritor
francés Jean Ladame:

«Há um fato aue me impressiona ainHci mais: a carne que «


conserva no Relicario é carne do Coracao. Nao a de urna oufra
Darte do corpo adorável de Jesús, mas do músculo propulsor do
Sangue, que, portanto, dá vida para o coroo inteiro. do músculo oue
é o símbolo mais manifestó e eloqüente do amor do Salvador para
conosco».

— 132 —
LANCIANO E EUCARISTÍA 65

3. Observacóes fináis

A nalureza «humana» do Sangue e da Carne do «Milagre Euca-


rístico» foi conhecida por meio de precipitacao segundo o método
de Lhenuth. O grupo sanguíneo AB a que pertencem o «Sangue e a
Carne» é muifo vulgar entre os ¡udeus. Para os a/eu negam o Sobrena
tural, o milagre de Lanciano aprésenla um problema ¡nsolúvel. É
que nao é possível explicá-lo humanamente. Por outro lado, ex-
clui-se qualquer hipótese de burla ou falsificacáo; ninguém seria
capaz de retirar num coracáo humano que, como se sabe, é um
músculo aberto por dentro, um pedaco uniforme de fibra muscular.
E, se tal fosse possível, tanto esse tecido como o Sangue estariam
mortos e sujeitos á decomposicao. A análise científica, porém,
demonstrou que as especies de há 1.200 anos se apresentavam
tais como se naquele instante houvessem sido retiradas de um
corpo vivo. Na análise do Sangue notou-se a presenca de pro
teínas e sais minerais, nomeadamente cloretos, fosfatos e ainda
magnesio, potássio, sodio (em qvantidade reduzida) e cálao. Isto,
apesar de as gotas de Sangue do Cálice se encontraren! expostas
á acáo dos agentes biológicos, pois estáo guardadas apenas num
Cálice de 13 cm de altura (3 no pé e dez na copa, com um diá
metro de 16 cm na parte mais alta e 5 na base).

Lanciano é a prova tangível da verdade das palavras sacra


mentáis: «Isto é o meu Corpo; isto é o meu Sangue». É também
a confirmacáo de que a presenca real se mantém para lá da Missa
sob as especies do pao e do vinho consagrados, como, alias, sem-
pre foi ensinado pela Igreja.

— 133 —
Um pouco de vida da Igreja:

E a historia dos Concilios Ecuménicos?

Em sfntese: A historia dos vinte e um Concilios (assembtéias de


todos os bíspos da Igreja) val abaixo sumariamente descrita, de modo
a mostrar, por alto, a sucessáo dos desafios que a Igreja teve de
enfrentar através dos tempos. Na Igreja dos sete primeiros séculos o Im
perador bizantino tinha participacao de grande monta na realizacáo dos
Concilios Ecuménicos; o monarca se julgava responsável pela reta fé e
pela disciplina dos cristáos; isto o levava nao raro ao exerclcio de inde-
vido cesaropapismo. Todavía nenhuma decisáo de Concilio logrou auto-
ridade antes de ser aprovada e confirmada pelo bispo de Roma ou o
Papa.

Desde o lim da fdade Media até o século XIX registraram-se ten


dencias conciliarislas, que atribuiam aos Concilios a faculdade de julgar
e depor o Pontífice Romano. Tais tendencias nao correspondiam ao
pensamento da Igreja antiga nem prevaleceram no decorrer dos Séculos.

A historia dos Concilios vem a ser, de certo modo, a própria his


toria da Igreja. A síntese abaixo proposta tem os inconvenientes da bre-
vidade e a vantagem de permitir urna visáo de conjunto centrada nos
grandes embates da historia da Igreja.

Comentario: Um Concilio Ecuménico é urna assembléia


de bispos da Igreja inteira convocados a fim de estudar de
terminado tema de fé ou disciplina moral. A universalidade
dos bispos reunidos nao há de ser matemática; basta que re-
presentem legitima e significativamente a Igreja inteira.

A pedido de leitores, publicaremos, a seguir, a lista dos


Concilios Ecuménicos assim como as circunstancias em que
cada qual se reuniu e as decisoes que tenha promulgado. Tal
percurso oferecerá ao leitor breve síntese de historia da Igreja.

— 134 —
HISTORIA DOS CONCILIOS ECUMÉNICOS 67

1. A seqüéncia dos Concilios

1.1. Concilio de Nicéia I (325)

O primeiro Concilio Ecuménico foi o de Nicéia I, reunido


de 26/05 a 25/07/325.

Desde o sáculo II, os cristáos voltaram a sua atengáo para


as verdades da fé reveladas pelo Evangelho, procurando pene-
trar-lhes o sentido. Sem dúvida, urna das que mais se impu-
nham ia reflexáo dos fiéis, era a questáo do relacionamento de
Jesús Cristo com Deus Pai ou com o único Deus (revelado no
Antigo Testamento): seria Jesús realmente Deus ou apenas
criatura?

Após correntes que concebiam Jesús como inferior ao Pai,


o presbítero Ario de Alexandria em 312 comecou a ensinar
que o Logos (ou o Fllho) era, como criatura, subordinado ao
Pai; daí os nomes de sua escola: arianismo ou subordinacio-
nismo.

O Imperador Constantino, que concederá a paz aos cris


táos mediante o Edito de Miláo em 313, quis contribuir para
a solucáo da controversia teológica assim originada, convo
cando um Concilio universal para Nicéia (Asia Menor) em
325. O Papa S. Silvestre, idoso como era, fez-se representar na
assembléia, dando-lhe a autoridade legítima. Os padres conci
liares, após acalorados debates,

1) definiram que o Filho de Deus é consubstancial


(homoousios) ao Pai — o que significa que nao é criado, mas
compartilha a esséncia do Pai (ou a Divindade). Esta verdade
foi expressa no Símbolo de Nicéia;

2) fixaram a data de Páscoa, que seria celebrada no


primeiro domingo após a primeira lúa cheia da primavera;

3) estabeleceram a ordem de dignidade dos Patriarca


dos: Roma, Alexandria, Antioquia, Jerusalém.

O Papa S. Silvestre confirmou as decisóes do Concilio.

— 135 —
6g «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

1.2. Concilio de ConstanHnopIa I (381)

Após a controversia sobre a divindade do Logos, os cris-


táos se voltaram para a do Espirito Santo: houve quem pro-
fessasse ser o Espirito Santo mera criatura. O arauto principal
desta tese foi Macedónio, bispo de Constantinopla; donde o
nome de Macedonianismo ou Pneumatomaquism» que lhe foi
dado. O Imperador Teodósio (379-395), zeloso da reta fé,
houve por bem convocar novo Concilio Ecuménico, desta vez
para Constantinopla. Esta assembléia reuniu-se de maio a ju-
lho de 381. Firmou tres decisSes principáis;

1) O Espirito Santo é Deus, da mesma substancia que


o Pai e o Filho. Em conseqüéncia, o Símbolo de fé Niceno foi
completado com as palavras:

«Cremos no Espirito Santo, Seiihor e font» de vida, que


procede do Pal, que é adorado e glorificado com o Pai e o Füho
e que falou pelos Profetas».

2) Foram condenados todos os defensores do arianismo


sob qualquer das suas modalidades.

3) Á sede de Constantinopla ou Bizáncio foi atribuida


urna preeminencia sobre as demais logo após a de Roma, pois
Bizáncio era considerada «a segunda Roma».

O Concilio de Constantinopla I nao contou com a pre-


senga do Papa ou de algum legado deste. Todavia foi reconhe-
cido explicitamente pela Sé de Roma a partir do sáculo VI, no
que concerne as suas proposicóes de fé (divindade do Filho e
do Espirito Santo).

1.3. Concilio de Éfeso (431)

Após o estudo da SS. Trindade, os cristáos se detiveram


sobre Jesús Cristo: como poderia ser Deus e homem ao mesmo
tempo?

Levando adiante idéias de autores anteriores, Nestório,


bispo de Constantinopla, pós-se a combater o título Thecdokos,
Máe de Deus, que os cristáos desde o século ni atribuiam a
Maria SS... Tal titulo significava que em Jesús havia urna só
pessoa — a divina —, que, além de possuir tudo o que Deus

— 136 —
HISTORIA DOS CONCILIOS ECUMÉNICOS 69

possui, dispunha de verdadeira natureza humana. Para Nestó-


rio, a humanidade de Jesús seria apenas o templo ou o reves-
timento do Filho de Deus; a divindade teria passado por María,
mas nao nascera de María, o que implicava urna pessoa hu
mana em Jesús distinta da segunda pessoa da SS. Trindade.
Tal doutrina causou celeuma entre os cristáos, de modo que o
Imperador Teodósio II (408-450) convocou um Concilio
Ecuménico a se realizar em Éfeso (Asia Menor) de junho a
setembro de 431. O Papa S. Celestino I (422-432) fez-se repre
sentar por S. Cirilo de Alexandria. O Concilio de Éfeso

1) condenou e depós Nestório, rejeitando a sua doutri


na. Nao elaborou fórmula de fé, mas aprovou a segunda carta
de S. Cirilo a Nestório;

2) condenou o pelagianismo (doutrina execessivamente


otimista no tocante a natureza humana) e o messalianismo
(corrente de esDiritualidade que apregoava a total apatía ou
urna Moral indiferentista).

O Papa S. Celestino I confirmou as decisóes do Concilio


de Éfeso.

1.4. Concilio de Calcedonia (451)

O pensamento teológico, tendo superado o Nestorianismo


(que cindia Jesús Cristo, atribuindo-lhe dois eu ou duas pes
soas), esteve sujeito a movimento pendular. A tese da orto
doxia, que rejeitava a dualidade de pessoas, foi exageradamente
enfatizada no chamado «monofisismo» ou «monofisitismo».
Com efeito, Eutiques de Constantinopla, adversario de Nestó
rio e seguidor de S. Cirilo, ultrapassou o seu mestre, ensinando
o seguinte: em Cristo, nao havia apenas urna só pessoa (um
só en), mas havia também urna só natureza, visto que a na
tureza divina absorvera a humana.

Tal posicáo suscitou ardente controversia, pois se lhe


opunham Teodoreto de Ciro, Domno de Antioquia e o próprio
Papa S. Leáo I (440-461).

O Imperador Marciano (450-457) convocou entáo um


Concilio Ecuménico para Éfeso, o qual, iniciado nesta cidade,
foi transferido para Calcedonia (junto a Constantinopla); du-

— 137 —
70 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

rou de 8 de outubro a novembro de 451. Sao Leáo Magno,


Papa, enviou seus legados, assim como urna carta que definía
a doutrina ortodoxa; em Cristo havia urna só pessoa, mas
duas naturezas (a divina e a humana) nao confundidas entre
si. Tal doutrina foi aclamada pelos padres conciliares, que
condenaram Eutiques e o monofisismo aos 25/10/451.
O Concilio de Calcedonia também se voltou para questóes
disciplinares, condenando a simonía *, os casamentes mistos e
proibindo as ordenacóes absolutas (isto é, realizadas sem que
o novo clérigo tivesse determinada fungáo pastoral).
Em seu famoso canon 28, o Concilio reconheceu á sé
de Constantinopla, a cidade imperial, os mesmos privilegios que
á de Roma. O Papa S. Leáo Magno recusou-se a aprovar este
canon, visto que Roma é a sede dos Apostólos Pedro e Paulo,
ao passo que Constantinopla nao foi sede de Apostólo, mas
derivava sua importancia do simples fato de ser sede do Im
perador.

1.5. Concilio de Constantinopla II (553)

O Concilio de Calcedonia nao conseguiu por termo as


controversias cristológicas. Em 527 subiu ao trono imperial
de Bizáncio Justiniano I, que muito se interessava ñor assun-
tos teológicos; em conseqüéncia, julgou que serviría á causa dn
verdade e da Tgreja se condenasse tres autores do século V
tidos como nestorianos: Teodoro de Monsuéstia, Teodor«to do
Ciro e Ibas de Edessa. Ori.einou-se assim a controversia dos
Tres Capítulos, visto que os bispos orientáis e ocidentais assu-
miram atitudes diversas diante da Dosfcáo de Justiniano. Esto
constrangeu o Papa Vigílio a ir de Roma a ConstantinoDla
para apoiar o Imoerador. Finalmente Justiniano rpsolveu «in
vocar um Concilio Ecuménico para dirimir a controversia.
Este, reunido em Constantinopla de 5/05 a 2/06/553. conde-
nou os Tres Capítulos. O pana Vierílio aorovou tal condenaoáo
denois ñ° proclamada nelo Concilio, dando assim foros de leei-
timidade tanto ao Concilio de Constantinopla TE quanto ao seu
decreto condenatorio.

O Papa S. Gmjório I, em 591, confirmou o mencionado


Concilio, que foi fortemente agitado por causa da indevida in
gerencia do Imperador.

'Venda de cargos eclesiásticos ou de beneficios espirituais, tendo


sido SimSo Mago o primeiro a tentar a compra, conforme At 8,18s.

— 138 —
HISTORIA DOS CONCILIOS ECUMÉNICOS 71

1.6. Concilio de Constairfinopla III (680/1)


O monofisitismo, que nao se extinguiu após o Concilio de
Calcedonia, assumiu nova forma (assaz sutil) chamada mono-
teletísmo. Este ensinava que em Cristo havia urna só vontade
(a divina) e um só principio de atívidade ou energía (o divino)
o que redundaria em unidade de natureza ou monofisismo.
O protagonista desta tese era o Patriarca Sergio de Constanti-
nopla, ao qual se opunha Sofrónio de Jerusalém. A disputa
suscitou, da parte do Imperador Constantino IV Pogonato
(668-685), a convocado de bispos, inclusive legados papáis,
para Constantinopla; assim teve origem mais um Concilio
Ecuménico (7/11/680 a 16/09/681). O monotelitismo foi entáo
condenado e afirmou-se a existencia, em Cristo, de duas von-
tades (a divina e a humana) moralmente unidas entre si, e de
dois principios de atívidade.
Os Papas S. Agatáo (678-681) e Sao Leáo H (682-683)
confirmaran! as sentengas do Concilio.

1.7. Concilio de Nicéia II (787)

O Concilio de Constantinopla m encerrou a serie de con


troversias teológicas sobre Jesús Cristo, sua Divindade e sua
humanidade; os pontos essenciais referentes á SS. Trindade e
a Encarnagáo do Filho estavam definidos. Todavía os teólogos
nao cessaram de estudar as verdades da fé. Novo motivo de
disputas veio a ser o uso de imagens ñas igrejas, dando oca-
siáo á controversia iconoclasta*.
Desde os primeiros sáculos os cristáos costumavam pintar
e esculpir as figuras de Cristo e dos santos, nao a fim de
adora-las, mas no intuito de melhor poder voltar sua atencáo
para o Senhor e seus irmáos mártires ou confessores da fé.
Todavía, sob a influencia do judaismo e do islamismo, houve
cristáos no sáculo Vm que se puseram a combater o uso das
imagens; os Imperadores Leáo m o Isáurico (717-741), Cons
tantino V Coprónimo (741-775), Leáo IV (775-780) favorece-
ram o iconoclasmo. O principal defensor das imagens foi Sao
Joáo Damasceno (í 749), que, juntamente com outros cris
táos, padeceu ardua perseguicáo por causa de sua fidelidade
á Tradicáo crista. Morto Leáo IV, a rainha-máe regente, que
patrocinava o culto das imagens, resolveu, de comum acordó

Em grego: etkon, imagem; klao, quebrar.

— 139 —
72 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

com o Papa Adriano I (772-795), convocar um Concilio


Ecuménico para Nicéia. Este realizou-se de 24/09 a 23/10/787;
foi entáo lida a carta do Papa ao Patriarca Tarasio de Cons-
tantinopla e a Irene em favor das imagens; o Concilio decla-
rou outrossim que reconhecia a intercessáo de María, dos
anjos e dos santos, assim como o culto da Cruz e das ima
gens; tal culto seria relativo ao Senhor Jesús e aos santos, de
modo tal que ao primeiro (Jesús Cristo) se prestaría adora^So
e aos santos vcneracaSo.
Após o Concilio, a luta ainda continuou, salientando-se
entáo o patriarca Nicéforo de Constantinopla e o monge Teo
doro Studita como defensores das imagens.
No Ocidente o Imperador Carlos Magno (800-814) mos-
trou-se um tanto propicio ao iconoclasmo, o que nao teve gra
ves conseqüéncias na vida do povo cristáo.

1.8. Concilio de Conslantinopla IV (869/870)


A exposigáo até aquí mostra como os cristáos orientáis
eram propensos a discussóes teológicas, as vezes de índole
sutil. Tais controversias punham nao raro o Oriente em con
fronto com o Ocidente, especialmente com a sé de Roma, onde
havia menos acume dialético.
As tensóes foram, a partir de 859, alimentadas pela ati-
tude do patriarca Fócio de Constantinopla. Este em 867 reu-
niu um Sínodo em Constantinopla, eme, sob a inspirado de
Fócio, proferiu a condenagáo da so de Roma. Entáo n Papa
Adriano II (867-872) e o Imperador Basilio I (867-886) en-
tenderam-se sobre a convocagáo de um Concilio Ecuménico,
que teve lugar em Constantinopla de 5/10/869 a 28/02/870:
os padres conciliares assinaram um documento aue nrescrevia
a todos a submissáo á Igreja de Roma, «na oual a fé sempre
se conservou sem mancha». Fócio foi condenado por fomentar
o cisma. O Concilio reafirmou outrossim a ordem de nrece-
déncia das cátedras patriarcais: Roma, Constantinopla, Ale-
xandria, Antioquia. Jerusalém.

O culto das imagens foi confirmado.

O Papa Adriano II aprovou as decisñes do Conc'lio.

1.9. Concilio do Latróo I (1123)


Com o Concilio de Constantinopla IV termina a serie dos
Concilios Ecuménicos realizados no Oriente. Em 1054 deu-se

— 140 —
HISTORIA DOS CONCILIOS ECUMÉNICOS 73

o cisma de Constantinopla, que perdura até hoje (excetuados


breves periodos de reatamento). De entáo por diante, os Con
cilios Ecuménicos serio todos celebrados no Ocidente.

Nos séculos X e XI, a Igreja latina sofreu do mal da in


gerencia do poder político na distribuicáo dos bispados; os Im
peradores e os senhores feudais queriam nomear os prelados
de acordó, com os seus interesses políticos, praticando assim o
que se chámava «a investidura leiga»; á autoridade eclesiástica
tocaría apenas dar a ordem sacra ao candidato designado ex
clusivamente pelo poder civil. Como se compreende, desta prá-
tica resultavam bispos sem vocagáo pastoral e, conseqüente-
mente, o clero se ressentia de relaxamento da respectiva dis
ciplina; havia outrossim simonía e nicolaísmo *. Em Roma, a
própria cátedra de Pedro era cobigada pelas familias nobres
da cidade e das redondezas, que tentavam impor-lhe os seus
favoritos.
Com o Papa Gregorio VII (1073-85) comegou a forte ré
plica da Igreja a tal situagáo ou a luta do sacerdocio e do Im
perio, que redundaría em fortalecimento do Papado. Em 1122
o Papa Calixto n (1119-1124) e o Imperador Henrique V assi-
naram a Concordata de Worms, que assegurava á Igreja ple
na liberdade na escolha e ordenagáo de seus bispos. Tal resul
tado foi promulgado pelo Concilio do Latráo I, convocado
pelo Papa Calixto II para Roma e celebrado de 18/03 a
16/04/1123 por cerca de trezentos bispos e abades.

Os cánones definidos pelo Concilio versavam todos sobre


a disciplina eclesiástica. Com efeito, voltaram-se contra a si
monía, o nicolaísmo e proibiram a ordenagáo de bispos que
nao tivessem sido escolhidos canónicamente.

Em particular no tocante ao celibato sacerdotal, note-se


que desde os primeiros séculos foi abragado espontáneamente
pelos clérigos; o Concilio de Elvira (Espanha), por volta de
306, foi o primeiro a promulgar tal praxe em ámbito regional;
no decorrer dos séculos, subseqüentes Concilios regionais con-
firmaram o celibato dos clérigos. O Concilio do Latráo I nao
criou a lei do celibato, mas apenas fez corroborar a legislacáo
vigente ñas diversas regióes da Igreja, usando os seguintes
termos:

> A palavra nicolaísmo designava o concubinato do clero, que os


medlevais julgavam estivesse indiretamente mencionado em Ap 2,6.15.
onde há referencia aos seguidores de Nicolau.

— 141 —
74 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 261/1982

"Proiblmos expressamente aos presbíteros, diáconos e subdiáconos viver


com concubinas e esposas como coabitar com outras mulheres; exce-
tuam-se apenas aquelas com as quais o Concilio de Nicéia permitiu
habitar únicamente por motivo de necessidade, a saber: máe, ¡rmá, tia
paterna e outras a respelto das quais nao pode haver suspeita".

As decisóes do Concilio do Latráo I foram confirmadas


pelo Papa Calixto n.

1.10. Concilio do Latráo II (1139)

Este dista do anterior apenas dezesseis anos. Foi convo


cado pelo Papa Inocencio n (1130-1143) para reafirmar a
unidade e a disciplina da Igreja após o cisma do antipapa Ana-
cleto n. Na verdade, em 1130, quando morreu o Papa Honorio
IITíói eleito o Papa legítimo Inocencio II; todavia urna faccáo
elegeu ilegítimamente Pedro de Leáo como antipapa Anacleto
II. Este conseguiu prevalecer em Roma — o que levou Inocen
cio II a deixar a cidade eterna. Sao Bernardo, tendo reconhe-
cido Inocencio como Pontífice legítimo, moveu reis, nobres e
todo o povo de Deus a apoiarem o Papa. Este conseguiu voltar
a Roma em 1133; finalmente, Anacleto faleceu aos 25/01/1138.
Foi entáo que Inocencio, desejoso de consolidar a unidade da
Igreja, reuniu mais de quinhentos bispos e abades no Concilio
do Latráo II, de 4 a 30/04/1139. Esta assembléia corroborou
os cánones do Concilio do Latráo I e de Concilios regionais an
teriores, proibindo a simonia e o nicolaísmo; aos clérigos vetou
outrossim o exercício da medicina e da advocacia. Rejeitou a
usura ou os juros; quem cedesse a esta prática, seria tido como
infame.

Os decretos do Concilio foram confirmados por Inocen


cio H.

1.11. Concilio do Lairáo III (1179)

A luta da Igreja medieval contra os Imperadores, de um


lado, e contra males internos, de outro lado, prosseguiu mesmo
após os Concilios anteriores.

— 142 —
HISTORIA DOS CONCILIOS ECUMÉNICOS 75

Alexandre ÜI teve um pontificado longo (de 1159 a 1181),


durante o qual quatro antipapas se sucederam por instigagáo
dos Imperadores germánicos, especialmente de Frederico I
Barbarroxa (1152-1190). Eram Vítor IV (159-64), Pascoal HI
(1164-68), Calixto m (1168-78), Inocencio m (1178-80). Du
rante o mesmo pontificado agravou-se o movimento dos Cata
ros ou albigenses, hereges dualistas, que assolavam regióes do
Norte da Italia e do Sul da Franca.

No final do seu pontificado Alexandre ni quis reunir um


Concilio Ecuménico para tomar as providencias exigidas pelas
circunstancias. Tal assembléia se reuniu na basílica do Latráo
de 5 a 19 de margo de 1179. Entre outras medidas promulga-
das entáo, destacam-se

a regulamentagáo das eleigóes papáis; doravante se-


riam exigidos 2/3 dos votos, ficando excluido qualquer recurso
a autoridades leigas para dirimir dúvidas oriundas no processo
eleitoral;

rejeicáo do acumulo de beneficios ou fungóes dentro


da Igreja por parte de urna só pessoa;

recomendagáo da disciplina da Regra aos monges e


aos cavaleiros regulares, que interferiam indevidamente no
governo da Igreja;

promogáo e organizagáo do ensino, em favor de estu-


dantes que nao pudessem pagar seus mestres;

condenagáo das heresias da época, que tinham um


fundo dualista (catarismo) ou de pobreza mal entendida (a
Pattária, o movimento dos Pobres de Liáo ou Valdenses).

O Papa Alexandre ni confirmou as decisdes do Concilio.

1.12. Concilio do Latráo IV (1215)

O pontificado de Inocencio m (1198-1216) representa o


apogeu do prestigio papal em toda a historia da Igreja.

Ao termo da sua gestáo, marcada, entre outras coisas,


pelo surto das Ordens mendicantes, pelo combate aos albigen
ses, pela intervengáo em questóes da Igreja da Inglaterra...,
Inocencio m quis reunir um Concilio Ecuménico. Convocado

— 143 —
76 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

desde 19/04/1213 para abrir-se a 1711/1215, o Concilio teve


sua primeira sessáo aos 11/11/1215, com a presenga de 412
bispos, 800 abades e Superiores de Ordens Religiosas, embauca
dores de reís e nobres, que perfaziam urna bela imagem da
grandeza da Igreja governada por Inocencio. O Concilio de-
cretou

a condenagáo dos albigenses e valdenses, assim como


a dos erros de Joaquim de Fiore, que esperava o fim do mun
do para breve, apoiando-se em falsa exegese bíblica; o Conci
lio professou a existencia dos demonios como sendo anjos bons
que abusaram do seu livre arbitrio pecando;

— a realizagáo de mais urna cruzada para libertar o


Santo Sepulcro de Cristo, que se achava ñas máos dos mugul-
manos;

a profissáo de fé na Eucaristía, tendo sido entáo usada


a palavra «transubstanciagáo»;

a obrigagáo da confissáo e da comunháo anuais.

O Concilio legislou aínda sobre varios pontos da disciplina


e da Liturgia da Igreja, abrangendo ampia área da vida ecle-
sial. Aprovado pelo Papa Inocencio m, é o mais importante
dos Concilios antes do de Trente

1.13. Concilio de liao I (1245)

Ao grande Papa Inocencio DI sucederam-se Honorio m


(1216-1227), Gregorio IX (1227-1241), Celestino IV (1241),
Inocencio IV (1243-1254). Este período foi, sem dúvida, glo
rioso para o Papado, mas caracterizou-se pela recrudescencia
da luta entre o Sacerdocio e o Imperio. Na Alemanha, o Impe
rador Frederico II (1215-50) foi pessoa marcante; afilhado do
Papa Inocencio III, teve urna corte de soberano oriental ou
sultáo, dada ao luxo desenfreado e um tanto recoberta pelo
véu do misterio.

Inocencio IV, sentindo-se inseguro em Roma, transferiu


sua residencia para Liáo na Franga, onde poderia contar com
a tutela do rei Sao Luís IX. Lá o Papa quis reunir os bispos
da Igreja universal para considerar o procedimento do Impe
rador, as invasóes dos árabes e dos mongóis no Oriente e a

— 144 —
HISTORIA DOS CONCILIOS ECUMÉNICOS 77

re-uniáo dos cristáos gregos com os latinos. O Concilio durou


de 28/06 a 17/07/1245, limitando-se quase únicamente a ouvir
o depoimento de Tadeu de Suessa, delegado do Imperador;
após o que o monarca foi excomungado.

1.14. Concilio de Uóo II (1274)

Após Frederico II a luta entre o Sacerdocio e o Imperio


declinou — o que levou Gregorio X (1271-1276), um santo
Pontífice, a procurar o reatamento de cristáos bizantinos e oci-
dentais. Para tanto, escreveu ao Imperador Miguel Vm o Pa
leólogo, de Constantinopla, mostrando-lhe que a re-uniáo de
todos os cristáos fortalecidos fortalecería a presenga dos mes-
mos no Oriente. O Imperador Miguel mostrou-se disposto a
aceitar a uniáo com Roma, apesar dos protestos de dignitários
da corte bizantina. Por isto, enviou legados a Liáo, aonde o
Papa convocara todos os bispos da Igreja. O Concilio durou
de 7/05 a 17/07/1274. Conseguiu realmente a re-uniáo de la
tinos e bizantinos sob o primado do Papa.
A fim de evitar as constantes intervengóes políticas de
Imperadores e nobres na eleigáo dos Papas, o Concilio promul-
gou novas medidas para garantir a liberdade dos eleitores,
entre as quais a prescricáo de permanecerem em local fechado
a chave ou conclave.
O Papa Gregorio X abriu e encerrou o Concilio dando ple
na aprovagáo aos seus atos.

1.15. Concilio de Viena-Franja (1311-12)

O Papa Clemente V (1305-1314) teve que enfrentar o rei


da Franga Filipe IV o Belo, que representava, na época, o surto
do absolutismo dos monarcas independentes do Sacro Imperio
Romano.

O rei cobigava os bens da Ordem dos Templarios. Esta era


constituida por cavaleiros que, mediante votos religiosos, se
consagravam a Deus e se comprometiam a defender os pere
grinos da Térra Santa. No fim do século XIH os Templarios
haviam perdido a sua finalidade específica de cavaleiros; en
riquecidos por doagóes, comegaram a provocar a ambigáo do
rei. Este entáo pós-se a pressionar o Papa, levando-lhe acusa-
góes contra os Templarios, a fim de obter a extingáo da Or
dem. Clemente V, nao querendo assumir a sos a responsabili-

— 145 —
78 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

dade de tal atitude, convocou para 16 de outubro de 1311 o


Concilio Ecuménico de Viena (Frange); o local se deve ao fato
de que os Papas residiam em Avinháo desde 1305 A assem-
bléia se reuniu até 6/05/1312. Acabou cedendo as instancias
da situagáo criada pelo rei, declarando supressa a Ordem dos
Templarios. Estiveram na pauta conciliar também os Francis
canos, dos quais urna corrente, dita «dos Espirituais», alimen-
tava idéias exageradas ou mesmo heréticas sobre a maneira de
viver a pobreza. O franciscano Pedro Olivi foi outrossim con
denado por sua doutrina, que admitía no ser humano elemen
tos intermediarios entre a alma e o corpo.

O Papa Clemente V confirmou as decisóes do Concilio.

1.16. Concilio de Constanza (1417)

A crescente ingerencia da Franga na historia do Papado


levou nao somente ao exilio de Avinháo (1305-1378), já men
cionado anteriormente, mas também ao Grande Cisma do Oci-
dente. Com efeito, quando o Papado voltou a fixar residencia
em Roma no ano de 1378, o primeiro conclave realizado na Ci-
dade Eterna elegeu o Papa Urbano VI (1378-89), ao qual um
grupo de Cardeais, influenciado pelo rei da Franga, opós o an
tipapa Clemente VII (1378-94), que ocupou a sede de Avinháo.
Houve entáo, daí por diante, duas obediencias na Igreja: a de
Roma, auténtica, e a de Avinháo, espuria. Desejosos de reme
diar a este mal, varios Cardeais e bispos se reuniram em Pisa
num «pseudo-Concílio ecuménico» de 1409; declararam depos-
tos o Papa e o antipapa e elegeram Alexandre V, que se tornou
o segundo antipapa, com sede em Pisa.

A situagáo perplexa assim oriunda foi superada aos pou-


cos pela intervengáo do Imperador Sigismundo (1410-37). Este
resolveu convocar um Concilio para Constanca em 1414. Tal
assembléia nao era legítima, pois se reunía sem a aquiescen
cia do Papa ou do bispo de Roma; os bispos e teólogos reuni
dos comecaram por afirmar o conciliarismo ou declarar (ilegi-
timamente) a supremacia do Concilio ecuménico sobre o Papa,
de tal modo que o Romano Pontífice deveria submeter-se as
decisóes do Concilio. Em conseqüéncia, depuseram o antipapa
Joáo XXm. Quanto a Gregorio XII, o Papa legitimo, resolveu
convocar os Padres Sinodais reunidos em Constanca, para que
doravante pudessem constituir auténtico Concilio Ecuménico;
tendo os referidos bispos aceito o mandato, Gregorio XII re-

— 146 —
HISTORIA DOS CONCILIOS ECUMÉNICOS 79

nunciou as fungóes papáis, de modo que a cátedra de Pedro


ficou vacante. Por sua vez, Bento XIII, o antipapa residente
na Catalunha, foi deposto pelo Concilio. — Estava assim aberta
a vía para a legítima eleicáo do sucessor de Gregorio XII. O
novo Papa foi finalmente escolhido aos 11/11/1417 com o
nome de Martinho V.

O Concilio de Constanca só se tornou legítimo a partir da


sua 36a. sessáo, ou seja, depois que Gregorio XH lhe conferiu
autoridade para agir. Donde se vé que a apología de conciha-
rismo feita anteriormente nao tem valor teológico ou jurídico.
Após a eleigáo de Martinho V, os padres conciliares aínda
condenaram a doutrina de Joáo Wiclef, Joáo Hus e Jerónimo
de Praga, que eram precursores de Lutero. Tomaram medidas
relativas á disciplina do clero e estipularam que periódicamente
se realizariam Concilios Ecuménicos para atender ao governo
da Igreja.

1.17. Concilio de Ferram-Florenca (1438-1445)

Martinho V, desejoso de continuar a obra dos Concilios


anteriores, convocou um Concilio Ecuménico para Basiléia
(Suiga) em 1431. Eis, porém, que os padres em Basiléia reafir-
maram o conciliarismo, rejeitado anteriormente — o que pro-
vocou conflitos entre a assembléia de Basiléia e o sucessor de
Martinho V, que era Eugenio IV. Em conseqüéncia, este Papa
resolveu dissolver o Concilio de Basiléia e convocar outro para
Ferrara em 1438; esta assembléia teria por principal objetivo
promover a re-uniáo de gregos e latinos.
O Concilio de Ferrara, aberto aos 10/01/1438, contou
com a presenca do Imperador bizantino Joáo o Paleólogo e de
sua comitiva. Desabonou as resolucóes do Concilio de Basiléia.
A peste tendo surgido em Ferrara, o Papa Eugenio IV trans-
feriu a assembléia para Florenca. O tema principal dos estu-
dos foi a extingáo do cisma: após prolongadas conversagóes, os
conciliares puseram-se de acordó sobre os pontos teológicos e
disciplinares controvertidos, assinando a Bula La«tentur caeli
de 6/07/1439. Também voltaram á unidade da Igreja crístáos
monofisitas (coptas, etíopes e armenios).
Em fins de 1442, já tendo partido os gregos, o Papa trans-
feriu o Concilio para Roma. Nesta cidade, aínda voltaram á
unidade da Igreja os monofisitas da Mesopotámia, alguns gru
pos de nestorianos (caldeus) e de maronitas (monotelitas) da
ilha de Chipre.

— 147 —
80 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

Infelizmente, a uniáo com Bizáncio foi efémera, pois os


prelados do Patriarcado de Constantinopla se recusaram a
aceita-la.

T.18. Concilio do Latráo V (1512-1517)

A vida da Igreja, após o Concilio de Ferrara-Florenca,


viu-se agitada por causas diversas: persistencia de correntes
conciliaristas, que eram fomentadas pelos monarcas desejosos
de criar Igrejas nacionais independentes de Roma...; além do
que, havia necessidade de serias medidas disciplinares.
Diante disto, o Papa Julio II convocou mais um Concilio
Ecuménico, que foi inaugurado aos 3/05/1512 e só se encerrou
aos 16/03/1517 sob o pontificado do Papa Leáo X. Condenou
a Pragmática Sancáo de Bourges, declaragáo que favorecía a
criacáo de urna Igreja Nacional de Franca. Com isto o conci-
liarismo foi mais urna vez rejeitado. Em lugar de tal documen
to, a Santa Sé e a Franca assinaram urna Concordata que re-
gulamentava as relagóes entre os dois Estados.
No setor doutrinal, o Concilio tomou posicáo de grande
importancia, condenando a tese segundo a qual a alma humana
é mortal e urna só para todos os homens; tal tese, segundo o
seu autor Pietro Pomponazzi, seria verídica no plano filosófico,
aínda que falsa no plano teológico. — Foram outrossim toma
das medidas disciplinares relativas ao clero (seus estudos e sua
formacáo) e á pregacáo; exigiu-se o Imprimatur para livros
que versassem sobre fé ou teología; seria queimado todo livro
nao munido da devida permissáo.
Infelizmente, as resolugoes do Concilio, oportunas como
eram, nao encontraram eco nos diversos países católicos, pois o
clima da época, bafejado por cultura paga, dificultava urna se
ria e profunda conversáo dos cristáos. Como quer que seja, o
Concilio do Latráo V preparou a grande Reforma da Igreja,
promulgada pelo de Trento.

1.19. Concilio de Trento (1545-47, 1551-52, 1562-63)

Este foi o mais importante Concilio de toda a historia,


importancia esta que se explica pela problemática que enfren-
tou (a Reforma protestante) e as solucóes que adotou.
Pouco depois de lancar o seu brado de protesto contra a
Igreja em 1517, Lutero apelou para a realizacáo de um Con
cilio Ecuménico que considerasse os pontos por ele lancados
em rosto a Igreja.

— 148 —
HISTORIA DOS CONCILIOS ECUMÉNICOS 81

Todavía este apelo só comegou a encontrar resposta sob o


pontificado de Paulo m (1550-55). As razóes do adiamento
eram varias: o Papa Leáo X nao deu grande importancia ao
gesto de Lutero; além disto, havia certa resistencia, da parte
dos clérigos, a urna reforma dos costumes na Igreja; ademáis
a situagáo geral da Europa era de agitagáo política.

Foi precisamente a agitagáo religiosa e política da Europa


que cindiu a realizagáo do Concilio em tres etapas na cidade
de Trento:
A primeira fase (1545-47) definiu mais urna vez o canon
das S. Escrituras e declarou a Vulgata latina isenta de erros
teológicos. Abordou as questóes discutidas sobre o pecado ori
ginal, a justificagáo, os sacramentos, a residencia dos bispos
ñas respectivas dioceses. A peste tendo comegado a grassar
em Trento, o Papa transferiu o Concilio para Bolonha. O Im
perador Carlos V tendo-se oposto a esta determinacáo, foi ne-
cessário suspender o Concilio.
A segunda fase continuou em Trento (1551-52) sob o Papa
Julio m (1550-55). Promulgou longa exposigáo e cánones so
bre a Eucaristía (presenca real, transubstanciagáo, culto...).
Algo de semelhante ocorreu no tocante ao sacramento da Pe
nitencia (necessidade, partes essenciais, satisfagáo) e ao da
Ungáo dos Enfermos (origem, efeitos, ministros, sujeito...). O
Concilio, aos 28/04/1552, foi mais urna vez suspenso por mo
tivo de pressóes políticas. .

O Papa Pío IV (1559-1565) reabriu o Concilio aos 18/01/


1562. Esta terceira fase reafirmou as verdades referentes ao
S. Sacrificio da Missa, aos sacramentos da Ordem, do Matri
monio, ao purgatorio, á invocacáo dos santos, as imagens e as
indulgencias. Promulgou também resolugáo a respeito dos Re
ligiosos e das monjas.
Pela Bula Benedictus Deus (26/01/1564) Pío IV confir-
mou todos os textos conciliares, dando por encerrado o Con
cilio que havia de marcar profundamente o catolicismo dos
tempos modernos.

1.20. Concilio do Vaticano I (1869-70)

Após o Concilio de Trento, a tendencia ao esfacelamento


dos valores da Idade Media mais e mais se fez sentir. A Revo-
lucáo Francesa (1789) significou o brado da razáo e do nacio
nalismo contra a fé. Seguiu-se-lhe o século XIX, que foi mar-

— 149 —
g2 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

cado pelo materialismo e o ateísmo fora da Igreja, e dentro


da Igreja pelos ecos das tendencias conciliaristas e do separa
tismo, que solapavam a autoridade papal e a unidade da Igreja.
Foram estes fatores que induziram o Papa Pió IX (1846-78),
aconselhado por eminentes figuras do episcopado e do laicato
católicos, a convocar o 20' Concilio Ecuménico para o Vati
cano. A grande assembléia de 764 padres conciliares se reuniu
de 8/12/1869 a 20/10/1870, tendo por objetivo fazer frente
ao racionalismo do sáculo XX, como o Concilio de Trento fizera
frente ao protestantismo do sáculo XVT.

Infelizmente o Concilio foi suspenso (nao encerrado, po-


rém) prematuramente por causa do inicio da guerra franco-
alema em setembro de 1870. Promulgou, porém, duas Consti-
góes Dogmáticas de real importancia:
urna, a Dci Filius, sobre a fé católica ensina que Deus
se revela através da criacáo como também através de Jesús
Cristo; por conseguinte, pode ser reconhecido tanto pela razáo
como pela fé, as quais nao podem estar em desacordó entre si;
a outra, a Pastor Aeternus, referente á Igreja, definiu
a infalibilidade do Pontífice Romano quando fala ex cathedra
sobre assuntos de fé e de Moral.

O Concilio trataría também dos bispos e dos demais mem-


bros da Igreja se nao tivesse sido interrompido abruptamente.
Tal tarefa haveria de ser a do Concilio do Vaticano n.

1.21. Concilio do Vaticano II (1962-65)

Como dito, o Concilio do Vaticano I ficou incompleto dei-


xando em suspenso diversas questóes teológicas e pastorais.
Os Papas desde Sao Pió X (1903-14) pensaram em reativar
os trabalhos do Concilio: todavía as circunstancias nao favore-
ciam tarefa de tal envergadura. Foi a coragem do idoso Papa
Joáo XXHI (1958-63) que convocou o 21' Concilio Ecuménico
da historia aos 25/12/1961. Este certame foi inaugurado aos
11/10/1962 sob Joáo XXIII, e encerrado aos 7/12/1965, sob
o Papa Paulo VI. Tinha em mira, de modo geral, realizar o
aggiornamento ou a atualizacáo da Igreja numa época em que
os costumes e as mentalidades evoluem com rapidez surpre-
endente. O alcance deste Concilio foi enorme: sem perder o

— 150 —
HISTORIA DOS CONCILIOS ECUMÉNICOS 83

contato com a Tradigáo, os padres conciliares promulgaram


dezesseis documentos (Constituicóes, Decretos, Declaragóes),
que levaram em consideragáo os principáis temas que se im-
punham á reflexáo da Igreja. O Concilio teve índole eminente
mente pastoral, isto é, visou á vida crista e a sua disciplina, em
vez de se voltar para definigóes de fé ou de Moral. A abertura
equilibrada dos documentos conciliares pode ser percebida em
seus tragos mais marcantes:

renovacáo da Liturgia, que deveria ser celebrada em


estilo mais comunitario e acessível aos fiéis;

reafirmagáo da Igreja como sacramento, estruturado


por Pedro e a hierarquia, sem deixar de responsabilizar, na
medida precisa, todo o povo de Deus;

abertura para os demais cristáos (protestantes, orto


doxos e outros) que nao se acham em plena comunháo com a
Igreja de Cristo entregue a Pedro e seus sucessores;

declaragáo sobre as religióes nao cristas, ñas quais os


padres conciliares realgaram a existencia de elementos positi
vos;

declaragáo sobre a liberdade religiosa, que significa o


direito, inerente a todo homem, de formar livremente a sua
oonsciéncia diante de Deus e da fé;

tomada de posigáo da Igreja frente as diversas facetas


que o mundo de hoje lhe apresenta: familia, comunidade polí
tica, economía, cultura, paz e guerra...

Em síntese, pode-se dizer que o Concilio do Vaticano II


foi urna das mais belas e significativas realizagóes da Igreja
nos tempos modernos, fadada a ter muito ampias conseqüén-
cias (das quais algumas foram menos felizes em virtude de
falsa compreensáo dos textos e da mente dos padres conci
liares).

— 151 —
84 «tPERGUNTS E RESPONDEREMOS» 261/1982

2. Conclusfio

Quatro observagóes parecem oportunas á margem da his


toria dos Concilios:
1) Os Concilios refletem nítidamente a historia da Igreja
e seus embates. Foram solenes assembléias em que a Igreja co
munitariamente se voltou para os desafios que a caminhada
através dos tempos lhe suscitava. As decisóes dos Concilios,
por isto, háo de ser lidas e compreendidas sempre á luz do res
pectivo contexto histórico,

2) Os primeiros Concilios eram convocados pelos Impe


radores e nao pelo bispo de Roma ou o Papa. A Igreja, em
seus primeiros sáculos, embora fosse confiada a Pedro, nao
podia ter governo táo centralizado como o teve a partir da
Idade Media, visto que as comunicagóes eram outrora difíceis
entre Oriente e Ocidente. Contudo, para que as definieses dos
Concilios tivessem autoridade, foi sempre necessário que o
bispo de Roma as aprovasse e confirmasse. Nenhum Concilio
tem poder de decisáo sem a participagáo e o apoio do Papa,
ainda que esta aprovagáo lhe seja dada depois de realizado o
Concilio.

3) A teoría conciliarista, que pretendía estabelecer os


Concilios ácima dos Papas, nao representava o pensamento
tradicional da Igreja e, por isto, nao prevaleceu. Violava o
conceito de Igreja, sacramento e dom de Deus, em favor da
concepgáo de Igreja, sociedade meramente humana ou «repú
blica».
4) Quem estuda a historia dos Concilios (infelizmente a
que vai proposta nestas páginas, teve de ser resumida ao ex
tremo), tem a ocasiáo de reconhecer a agáo de Deus entre os
homens. A Igreja subsiste até hoje nao por causa dos valores
dos homens que a integram (estes valores existiram e existem,
sem dúvida!), mas por causa da presenga eficaz de Deus que a
sustenta através dos séculos.
i

i A guisa de bibliografía:
\ BROSSE. HENRI, ROUILLARD, Wctlonnaire de le Fol Chréllenne.
| Tomo II: L'hisloire. París 1968.

i HAYWARD, F., Les Concites Oecuméniques. Paris 1961.


i HEFELE, C. J. v., Conciliengeschichte, 7 vols., 1855-74.

Esteva» Bettenoourt O.S.B.

— 152 —
livros em estante
Rebeldes e Inquietos em Jesús Cristo, por José Fernandes de 011-
veira (Pe Zezinho SCJ). - Ed. Santuario. Aparecida do Norte, 1981,
145 X 210 mm, 278 págs.

O conhecido e benemérito Pe. Zezinho publicou mais um livro para


jovens que desla vez é, como diz o subtitulo, urna "Introducao ao cato
licismo". Compreende quatro partes: Comprometimiento com a greja;
ComDrometimento com o povo; Comprometimento com Cristo: onentacoes
de Puebla aos jovens. Trata-se de urna súmula que exolana aos |ovens
alqumas nocóes básicas da fé crista, da organizado hierárquica e da
doutrina social da Igreja; por exemplo, o leitor ai encontrará o que difí
cilmente descubrirá em livros para a juventude, como a explicacao do
oue seia urna diocese. urna paróauia. a CNBB, urna comunidade de base,
a Vida Reliqiosa. a hierarouia, a Curia Romana, a Curia Diocesana...
(náqs 70-77). Em conseaüéncia. o jovem se poderá tornar mais cons
ciente do aue é ser membro da Iqreia e portador da mensagem do
Evangelho aos homens do nosso tempo.

Multo imnortante no livro é a PaHe III. em aue o autor resDonde


a diversas ofirountas ou<» osralmente iowns e adultos levantam a res
olto Ha rfou|ri"a « Ha dfeciollna da Inreja; tra»a-se de urna sumula de
AnoiooWi'-a míe. rnm m"i««< razSo. o Pe. Zezinho valoriza; na realidade.
«prifirp-se rué mt'itos ratóliros se dfiixam imDressionar oor obiepoes
inconsistentes formuladas oor adversarios. A propósito desta Parte III,
Doder'amos sugerir ao autor alguns pontos:

i»Ae. 20íi: "Por «ue batizamos criancas?" — A resoosta poderia


sp' corroborada ofila cltacSo nxnl'clta He textos bíblicos (os protestantes
nrocuram sempre a fundamentapio bíblica): assim

ern ftt io. 1..22 44.47.a8. lA-se oue Cornélio, como todos os
e«?us «>arei«tes e amigos, foram batizados depois de ter recebido o Espi
rito Santo;

— em At 16,13-15. lé-se que Lidia foi batizada com todos os de


sua casa;

— em At 16,31-33, está dito que o carcereiro de Filipos foi bati-


zado com toda a sua familia;

— em At 18,8, lé-se que Crispo, chefe da sinagoga de Corinto, foi


balizado com toda a sua familia;

e 1Cor 1,16, lé-se que Paulo batizou a familia de Estéfanas.

Em tais casos de conversfio coletiva, nao se pode provar que


havia filhos pequeninos em casa e que tais criancas tenham sido bati-
zadas. Pode-se, porém, admitir com verossemelhanga que tal se tenha
dado- a casa (olkos, em grego, domus, em latim), para os antigos, era a
familia com todos os seus domésticos, ás vezes multo numerosos, dos
quais faziam parte as criancas e os bebés. Se assim é, pode-se crer
que já os Apostólos batizavam criancas; de resto, Jesús disse: "Quem
nSo nascer da agua e do Espirito, nao poderá entrar no Reino de Deus"
(Jo 3,5), sem abrir excecao para as criangas.

— 153 —
g6 «PERGUNTS E RESPONDEREMOS» 261/1982

Págs. 145-148: as respostas poderiam ser mais persuasivas, mos


trando que Jesús Cristo so íundou urna Igreja: aquela que Ele confiou
a Pedro e seus sucessores; por consegulnte, esta é a Igreja de Cristo;
as outras comunidades eclesiais sSo fundadas por homens (Lutero, Cal-
vino, Wesley, Smith, Mellen Gould White...); possuem alguns auténticos
elementos do Cristianismo (a Biblia, a oragSo, o zelo de Deus, o espi
rito missionário...), mas nao possuem todos os meios de salvagáo que
Cristo colocou á nossa disposigSo; donde se vé a necessidade de evitar
o relativismo religioso. Tais observares dizem respeito especialmente
á resposta da pág. 147.

Pág. 206: "O que acontece depois da morte " — a resposta


comeca um pouco frouxa ou relativista ("quem está certo, eu nao sei...
só Deus sabe"); depois torna-se mais clara. O autor tem conviccáo
muito definida, mas é talvez um pouco tímido ao propó-la. A respeito
do purgatorio poderia ser mais explícito; nao se reduz a um "instante"
logo depois da morte ou na hora da morte.
Outros pontos mais poderiam ser indicados, nos quais um pouco
mais de precisao seria desejável. Como quer que seja, o livro, em seu
conjunto, será útil aos nossos jovens. O Pe. Zezinho merece grande
louvor por ter a coragem de abordar assuntos difíceis e delicados sem
fazer concessBes indevidas, mas guardando absoluta fidelidade á ver-
dade e á Igreja. Continué nesse seu apostolado, que preenche lacuna
seria e importante!
A Igreja no Brasil. Vol. I: Origem e desenvolvfmento (século XVI),
por Arlindo Rubert. — Ed. Pallotti, Santa María (RS) 1981, 157 X 233 mm,
392 págs.
O autor é erudito sacerdote diocesano de Frederico Westphalen (RS).
Para escrever esta obra, passou mais de quatro anos em pesquisas nos
arquivos da Santa Sé, de Portugal, dos Acores, da Espanha, de Angola
e do próprio Brasil. Como diz, assim conseguiu reunir ampia documen-
tacáo "em boa parte inédita, que vem legitimar a seriedade científica da
obra" (pág. 5). O presente volume trata apenas do século XVI, ficando
os restantes para os próximos tempos. Quem lé a obra, nao pode deixar
de se sentir compensado pelo valor, as minucias e a fundamentacSo
sólida das informacSes que recebe. Trata-se de trínta capítulos multo
densos que vao da "Presenca da Igreja no descobrimento" (cap. I) até
"Personagens da Igreja e do Estado relacionados com o Brasil" (cap. XXX),
passando por temas como "A Igreja e os indígenas do Brasil (1500-1549)"
(cap. VIII). "Os jesuítas no Brasil" (cap. IX), "A InquisigSo ou Santo
Oficio no Brasil" (cap. XXII); no final, seis Apéndices apresentam documen
tos básicos para a historia da época, como a carta do Pe. Manuel Lou-
renco, primeiro Vigário da Bahia, a D. Joáo III (Apéndice C), o Alvará
ds Fundacáo do Seminario do Brasil (Apéndice G)...
Na sua Introducáo (págs. 13-27), o Pe. Rubert tece algumas con-
sideracóes teológicas sobre a Igreja qual continuacao do Verbo Encar-
nado:
"A pessoa de Cristo é a chave e o eixo da historia. A Igreja, que
é o povo de Deus da nova alianca, apresenta-se, no seu aspecto objetivo,
como presenca da pessoa de Cristo no mundo. Neste sentido é santa e
indefectivel. perfeita e aperfeicoante, pela sua doutrina. para todos os
seus membros. Mas, no aspecto subjetivo, como sociedade ou comuni-
dade humana, está sujeita a erros e pecados, a deficiencias e omissóes,
a apegos e tradigoes, que devem ser oportunamente revísionados para

— 154 —
LIVROS EM ESTANTE 87

nao faltar á voz do espirito, que geme dentro déla até chegar á paru-
6ia. É, portanto, o reino de Deus em marcha, é a grande peregrina que
busca seu aperfeicoamento de santidade, de universalidade e de profunda
comunháo... Foi consciente desta sua missSo que desde os seus exor
dios repeliu o puritanismo montañista, mais tarde o dos cataros, depois
einda o dos 'fraticelli' e outros. Foi também grapas á sua conscíéncia
de presenta e sinal de Cristo que condenou, mesmo em épocas em que
nao brilhava pelas virtudes de seus mais altos mcmbros, as doutrinas
erróneas a respeito do depósito da fé recebido de Cristo, do qual é
guardia fiel e auténtica por expressa vontade do mesmo Cristo" (págs. 13s).
Esta consciéncia de Igreja "encarnacáo do Divino no humano", nor-
teia a compreensio dos fatos da historia da Igreja, observa o Pe. Rubert.

O livro é rico em dados, que contribuem para urna reconstrucáo


viva dos primordios da Igreja no Brasil. Poder-se-ia notar ainda a Índole
apologética (nem sempre necessária) que o livro por vezes toma; assim,
por exemplo, ás págs. 37s, quando trata dos nomes cristáos da térra
e dos acidentes geográficos do Brasil.

Além de cumprimentar o autor pela obra, cuja continuacao os estu


diosos aguardam com interesse, nao podemos deixar de agradecer á Edi
tora Pallotti a pubticacao de tal volume, depois que "outras colegas mais
avantajadas a negaram" (pág. 365). Realmente "obras deste género sao
raras entre nos, ... pois se trata de mais do que urna Historia da Igreja
no Brasil, merecendo os foros de Enciclopedia eclesiástica do Brasil"
(pág. 365).

Enconlros que ¿marcam, por Frei Battistini. Edicáo segunda, própria.


Pedidos á Caixa postal 93630, Avenida Padre Anchieta 256, 25900 Magé
(RJ), 160 X 230 mm, 199 págs.

O autor é um pastor de almas que já se tornou conhecido por


outras obras catequéticas. O presente volume compreende tres partes:
1) Preparacao para a Primeira Comunháo; 2) Primeiro ano de perseve-
ranc.a (preparagáo para a Crisma); 3) Segundo ano de perseveranja;
destina-se a colegios, paróquias e comunidades de base. O livro é
didático e adaptado á gente simples; além dos modelos de aula, traz um
repertorio de oracóes e cantos. Cada licáo é acompanhada de perguntas
ou exercicios, dos quais os pais devem participar em casa. Apenas á
pág. 31 sugeriríamos ao catequista que nao insista no conceito de paraíso
terrestre como "lugar belissimo". Recomenda-se este manual de cate-
quese, que é fruto da experiencia e do zelo de alguém que com muito
ánimo se vem dedicando á Boa Causa.

Dias de gratuidade. Oracao ao amor gratuito de Deus, pelo Pe. Paulo


Lisboa S.J. — Ed. Loyola, Sao Paulo 1981, 133 x 210 mm. 189 págs.

Diz Sao Paulo que "nao sabemos como devemos orar" (cf. Rm 8,26).
Eis por que a oragáo tem de ser ajudada. O Espirito Santo o faz, sern
dúvlda, e o faz muitas vezes mediante a experiencia de mestres famosos.
S. Inácio de Loiola (t 1556) foi certameme alguém a quem o Espirito
revclou os caminhos da oragfo; assim instruido, deixou escritos e roteiros
para a oracao, que os seus discípulos, membros da Companhia de Jesús,
tém transmitido e traduzido para os fiéis cristáos das geracóes subseqüen-
tes até hoje. Ora o Pe. Paulo Lisboa S.J. tem-se dedicado á pregacáo de
retiros inacianos, dois quais resultaram quatro obras que sao auténticos

— 155 —
g8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 261/1982

programas de oracáo. O último é o que agora apresentamos: contém os


esquemas de meditagio e oracáo para oito dias centrados sobre o tema
da aratuídade de Deus aos homens e dos homens entre si. Tais esque
mas como diz o autor, poderáo ser utilizados também como "instru
mento para os tempos fortes de oracáo no cotidiano" (pág. 9). O livro
é serio e profundo; baseia-se sobre textos bíblicos, dos quais há um reper
torio seleto ás págs. 127-183. Só podemos dizer ao leitor: faca a expe
riencia se aínda nao tem um método de oracáol E necessário dar prio-
ridade'á oracao diaria e profunda na vida do cristáo.
Éxodo: urna hermenéutica da liberdade, por J. Severino Croatto.
Traducéo de J. Américo de Assís Coutinho. Coléelo "Teología e Liber-
tacao" n"? 12. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1981, 130 X 200 mm, 179 págs.
O autor já é conhecido no Brasil por urna "Historia da Salvacáo"
muito utilizada ñas escolas. Na obra em foco aplica á exegese os prin
cipios da teología da libertagSo. Esta parte da praxis ou da historia
atual para ler e interpretar a S. Escritura; ao contrario, a clássica teo
logía lé a S. Escritura á luz da historia antlga e transiere para os días
atuais as conclusóes de tal leitura (o que nao deixa de acarretar exigen
cias serias para o crístao). Mais: a teología da libertacáo julga que o
éxodo de Israel retirado do Egito por Javé para entrar em Canaa se
prolonga ñas lutas atuais em prol da Justica social (tal é também a
posicáo de Croatto; cf. págs. 35-37). Ora a esta tese se deve lembrar
que a historia do povo bíblico é cortamente guiada por Deus, de tal
modo que se pode dizer que o próprio Deus quería tirar Israel do Egito;
em nossos dias, porém, nao nos é lícito identificar a causa de Deus com
determinada causa política, pois a política hoje é cortamente ambigua ou
polivalente; torna-se difícil dizer que num partido político está represen
tada toda a causa do Bem, e no oposto está representada toda a causa
do Mal. — Observa-se outrossim que quem deseja interpretar a S. Escri
tura a partir das condicoes sócío-económicas da América Latina arrisca-sa
a tirar conclusóes artificiáis ou unilaterals e a nao apreender o auténtico
e pleno sentido da mensagem bíblica.

O livro de Croatto nao deixa de ser urna obra erudita e bem con
catenada. É de lamentar, porém, que se baseie em premissas discutidas.

E.B.

— 156 —
LISTA DE PREQOS

A MISSA SEGUNDO O CONCI'LIO Cr$ 200,00


RITOS DE COMÚNHAO Cr$ 200,00
A LITURGIA DO POVO DE DEUS Cr$ 300,00
MISSA DA RESSURREICAO Cr$ 9,00
MISSA DE FORMATURA Cr$ 7,00
BODAS DE PRATA E DE OURO Cr$ 45,00
MEUS 15 ANpS Cr$ 45,00
CELEBRACÁO DE NOIVADO (4 páginas) Cr$ 8,00
A UNCAO DOS ENFERMOS Cr$ 80,00
RITO DO BATISMO Cr$ 30,00
RITO DO MATRIMONIO Cr$ 30,00
OREMOS PELOS MORTOS / Cr$ 200,00
A MISSA EM LATIM PARA OS FIÉIS Cr$ 85,00
ENCONTRÓ COM A BIBLIA Vol. I - NOVO TESTAMENTO Cr$ 400,00
ENCONTRÓ COM A BIBLIA Vol. II - ANTIGO TESTAMENTO Cr$ 400,00
A REGRA DE SAO BENTO LATIM-PORTUGUÉS Cr$ 600,00
A REGRA DE SAO BENTO EM PORTUGUÉS. Cr$ 300,00.
VIDA MONÁSTICA Cr$ 550,00
BENTO EM QUADRAS E QUADRINHOS Cr$ 500,00
FREÍ OOMINDOS DATRANSFIGURAQAO MACHADO Cr$ 600,00
APOFTEGMAS Cr$ 500,00
RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA Cr$ 1.500,00
GRANDE ENCONTRÓ Cr$ 300,00
A PALAVRA DO PAPA - VIDA E MISSAO DOS RELIGIOSOS Cr$ 280,00
O PEQUEÑO CALENDARIO LITÚRGICO 1982 Cr$ 100,00
CALENDARIO BENEDITIVO 1982 Cr$ 200,00
OBLATOS SECULARES Cr$ 50,00
O JOGO DA VELHA Cr$ 400,00
PERSONAGENS DA PAIXAO E DO PRESEPIO Cr$ 400,00
CINCO DÍAS COM MARÍA MAE E MESTRA Cr$ 300.00
JOÁO PAULO II AOS JOVENS Cr$ 250,00
Ll VRO DO TOMBO Cr$4.000.00
SANFONA C/POSTAIS Cr$ 200,00
VIDA E MILAGRES DESAO BENTO (OESENHOS) Cr$ 600,00
VIDA E MILAGRES DE SANTO BENTO (SAO GREGORIO MAGNO) Cr$ 300,00
SAO BENTO - SUA VIDA NARRADA AOS JOVENS Cr$ 200.00
BENTO, HOMEM DE FÉ Cr$ 300,00
HISTORIA DE SAO BENTO E DE SEU TEMPO. Cr$ 800,00
SAO BENTO E SUA OBRA ' Cr$ 200,00
OS MONGES BENEDITINOS NO BRASIL Cr$ 200,00
NOVENA EM HONRA DE SAO BENTO Cr$ 100,00
A VIDA DO PEQUEÑO SAO PLACIDO Cr$ 300,00
REGRA DE VIDA Cr$ 50,00
HORA MERIDIANA E COMPLETAS Cr$ 220.00
VÉSPERAS DA SEMANA Cr$ 120.00
JOÁO PAULO MEO ESPfRITO BENEDITINO Cr$ 280,00
O CORPO HUMANO E A VIDA Cr$ 150,00
A DOUTRINA DATRINDADE ETERNA Cr$ 850,00
UMA VOZ DO MOSTEIRO Cr$ 500,00
A VOCÉ QUE SOFRE : Cr$ 300,00
O IDEAL MONÁSTICO E A VIDA CRISTA DOS PRIMEIROS DÍAS Cr 150,00
SENTIDO E ESPfRITO DA REGRA OESAO BENTO Cr$ 450,00
RITUAL DAS EXEQUIAS Cr$ 4,00
JOGRAIS EVANGÉLICOS Cr$ 300,00
O MOSTEIRO DE SAO BENTO (ÁLBUM PEQUEÑO) Ir. Bruno Cr$ 350.00
QUADRO MURAL - O ANO LITÚRGICO Cr$ 200,00
QUADRO MURAL- ESTRUTURA GERAL DA MISSA Cr$ 200,00
MISSAL POPULAR FERIAL (PORTUGAL) Cr$2.000,00
MISSAL POPULAR DOMINICAL (PORTUGAL) Cr$2.000,CO
• itho«ia r>A mi<tca Cr$ 65,00
"RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA"
por D. Cirilo Folch Gomes OSB, 2? ed, 1981,689 págs.

A edicab acha-se consideravelmente modificada, com atualizacao da bibliografía e varias nocCes


novas em seus 12 capítulos. Trata-se de um Comentario ao CREDO DO POVO DE DE US, no
qual, após 90 págs. de Teología Fundamental que esiudam a Fé e as razfies de crer, o Autor
passa a analisar os artigos do Credo. A linguagem procura ser amena e acessrvel a pessoas que se
iniciam na Teología. Ao mesmo tempo slo fornecidas, em numerosas notas de rodapé, as
referencias para aprofundamento ulteriores. Na apreciacüo de um recensor espanhol (G. Gino-
nés), estamos ante-"urna das mais acabadas sinteses de teología dogmática de nossos días". Já
alias a 1?ed. tivera diversas recensóes muito favoráveis. Preco: 1.500,00.
Do mesmo Autor:
"A DOUTRINA DA TRINDADE ETERNA", 1980.400 págs.

Esta obra compreende 3 partes. Na Ia estuda a problemática moderna quanto á doutrina trini
taria. Na 2a examina os dados bíblicos, documentacao do Magisterio, a reflexSb escolástica. Na
3? parte deferide a conveniencia do uso, em nossos dias, da expressSo "tres Pessoas", que alguns
autores pretenderam criticar. Conforme apreciacSo de A. Perego (em "Divus Thomas"), "a
obra é de viva atüalidade, porque trata de modo sereno e documentado urna doutrina sempre se-
gura" Preco: 850.00

NOVIDADE:
LITURGIA DAS HORAS (Rito monástico), para uso coral nos mosteiros beneditinos.
I tomo: ADVENTO, NATAL, EPIFANÍA -A venda: Cr$600,00
11 tomo: TEMPO COMUM (A sair)
III tomo: QUARESMA, PÁSCOA, TEMPO PASCAL - A venda: 800,00
IV tomo: PROPRIO E COMUM DOS SANTOS (em preparacSo).
O SALTERIO (formato 21x14), contando os 150 salmos, 53 Cánticos do Antigo Testamento e
22 do Novo. Edicab bilingüe e so em portugués, para uso nos mosteiros beneditinos. Texto lati
no da novíssima Vulgata aprovada por Paulo VI e promulgada por Joáo Paulo II. a sair breve
mente.

A PALAVRA DO PAPA: coletánea de algumas homilías, discursos e alocucCes do Santo Padre


pronunciadas por ocasiao de suas viagens apostólicas, bem como de Documentos da Santa Sé:

Vol 1 -Joao Paulo II e o espirito Beneditino Cr$ 280,00


Vol. 2—0 Corpo Humano e a Vida (Eutanasia, Escatologia) Cr$ 150,00
Vol. 3 — Vida e missáo dos Religiosos: AcSo e ContemplacSo Cr$ 250,00
Vol. 4 —Joao Paulo II aos Jovens (AlocucSes em 10 países) Cr$ 250,00
Vol. 5 — Liturgia das Horas (InstrucSo Geral sobre a Liturgia das Horas, da Sagr.
Congr. para o Culto Divino, Paulo VI, 1971), Nova impressao Cr$ 280,00

III Livro do Tombo do Mosteiro de Sao Bento do Rio de Janeiro (1783-1829) — 3?vol. de urna
Serie de Documentos Históricos. Formato 28x19. Abertoem 26 de fevereiro de 1793. peloJuiz
de Fora Dr. Balthazar da Silva Lisboa, contém 146 documentos, ou escrituras, abrangendo o
período dessa data até 19 de Janeiro de 1829. O II Livro (1688-1793) no prelo. O I Livro foi
destruido pelos invasores franceses em 1711. Cr$ 4.000,00.

Freí Domingos da Transfiguracao Machado, Restaurador da Congregado Beneditina do Brasil.


Sua vida e obra. Por Michael Scherer OSB. 185 p. Cr$ 420,00

EDIQOES LUMEN CHRISTI


Rúa Dom Gerardo, 40 - 5? andar - sala 501
Postal ?fififi - Tel.: (021» 291-7122

Potrebbero piacerti anche