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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESErsTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda queslóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
Sumario
N..

"DEUS EM ASCENSAO" 221

Canal de Beagle:
A SANTA SÉ ENTRE A ARGENTINA E O CHILE 223

Enciclopédico o claro:
O DOCUMENTO DE PUEBLA 232

ApSndlce: A alocu?áo de Jo3o Paulo II aos 21/02/79 261

Notável testemunho:
A ENCÍCLICA "REDEMPTOR HOMINIS" 263

LIVROS EM ESTANTE 3a capa

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

«Sexo/espionagem» de David Lewis. — «Coisas da vida».


«As profecías do Papa Jooo XXIII» por Píer Carpí. Ainda o Mé
todo Billings.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Número avulso de qualquer mes Cr$ 18,00

Assinatura anual Cr$ 180,00

Direcab e Reda$áo de Estéváo Bettencourt O.S.B.

ADMINISTBACAO
Livraria Mlssionária Editora
redacao DE
REDAgAO nv pb
PR
Búa México, 168-B (Castelo)
20.031 Rio de Janeiro (RJ) Caixa Postal 2.686
Tel.: 224-0059 20.000 Rio de Janeiro (RJ)
CENT

"DEUS EM ASCENSÁO"
%* ZTLÜ&JS**" I!*»». recemWe
dois artigos de jornalistas italianos — Umberto *we-^*>-
Cto
yanni María Pace — que mostram e documentara a volta dos
filósofos e dentistas para Deus nos tempos atuais. Nao há
duvida, o estilo dos articulistas é de crónica para o grande
publico, mas nem por isto deixa de ser significativo. *
Umberto Eco propóe a tese de que o senso do sacro é
mato em toda criatura humana. As suas expressóes podem
variar, mas, como tal, ele atravessa os sáculos e as revolu-
goes culturáis. O homem de hoje, mesmo quando professa o
ateísmo, exprime-se segundo modalidades que sao caracte
rísticas do pensamento religioso. Com efeito, os adeptos do
marxismo ateu, por exemplo, professam um messianismo
libertador, que renovará a sociedade, abolindo toda injusaca
e acarretando o surto do homem novo (nao se pode esquecer
alias, que Marx foi judeu e reproduziu em termos leigos a
expectativa messiánica do judaismo, vendo no proletariado
sacrificado em prol da justiga o Messias dos nossos tempos).
Enquanto os jomáis, de um lado, noticiam que a sociedade
se toma cada vez mais arreligiosa, de outro lado, divulgam
o aparecimento de correntes e grupos místicos das mais diver
sas tendencias (oriental, milenarista, apocalíptica...). A
crise das ideologías totalitarias (marxismo russo, maoísmo
chinés, nacional-socialismo...) e, de modo especial, a recon-
ciliagáo da China com os Estados Unidos tém decepcionado
os que professavam irrestritamente a mística do comunismo
e a onipoténcia do Partido, fazendo que se voltem para o
Transcendental; com efeito, nenhuma das potencias mera
mente humanas se mostra suficiente para preencher as gran
des e incoercíveis aspiragóes que todo ser humano traz em
seu intimo.
Giovanni María Pace detém-se mais sobre o senso reli
gioso dos estudiosos das ciencias naturais. Após o divorcio
proclamado entre a ciencia e a fé na época moderna e, de
modo particular, no sáculo passado (com as teorías evolucio
nistas e mecanicistas de Darwin), os cientistas retornam
espontáneamente para Deus, guiados pela evidencia mesma
das conclusoes a que váo chegando. «O fato é patente no
mundo anglo-saxónico, especialmente na Inglaterra, onde
urna estatística informa que em dez cientistas oito seguem
urna fé religiosa». Mas nao somente entre os anglo-saxónicos
isto ocorre: na Universidade de Miláo, o prof. Felice Mon-
della ministra um curso intitulado «Aspectos Filosóficos do
» Cf. ISTO t, 18/4/1979, pp. 58-62.

— 221 —
Problema Mente-Cerebro»; em suas aulas o professor tem
repetido a palavra «alma»; ele se apressa em esclarecer «É
urna coincidencia». Mas é urna coincidencia significativa!
Um dos fatores que tém levado os estudiosos a reconhe-
cer a presenta de Deus no mundo, é a realidade do uni
verso. ... Verifica-se que este nao é estático (nem sempre
existiu e nem sempre existirá). Já em 1913 um astrónomo do
Observatorio Lowell, nos Estados Unidos, descobriu galaxias
que se afastavam da Térra á veiocidade de miihóes de quilo-
metros por hora. Na mesma época, outro astrónomo, Edwin
Hubble, fortalecía a tese de um universo em expansáo, e
Albert Einstein elaborava a teoría da constante ampliagáo
das fronteiras do cosmos. Ora, raciocinaram os novos cosmó
logos, se o universo se dilata, ele o faz a partir de um mo
mento inicial, o big bang (a grande explosáo), da qual se
originaram a materia em expansáo, com as categorías de
espago e de tempo. A prova definitiva do big bang foi obtida
em 1965, com a descoberta da radiagáo existente em todo o
universo,... radiagáo que é tida como o residuo ou o eco da
tremenda explosáo inicial. Assim a nogáo de Deus Criador
do mundo, professada pelas Escrituras, se esboga no horizonte
dos astrónomos: «Os cientistas escalaram montanhas da igno
rancia, conquistaram os cumes mais altos e, quando finalmente
se debrucaram sobre o último pico, encontraram sentados lá
em cima um bando de teólogos» (p. 62). Por isto dizia
Einstein: «Na nossa época materialista, os trabalhadores da
ciencia sao os únicos homens profundamente religiosos...
Nao posso conceber um dentista auténtico que nao tenha fé
profunda».
Estas afirmagóes podem ser interpretadas á luz da obser-
vagáo de Lovell: «Tenho a impressáo de que, mais do que
aumento dos cientistas que acreditam em Deus, ocorre o
aumento dos cientistas que já nao se envergonham de pro
clamar a sua própria fé».
É esta a crónica despretensiosa que os informes jornalís-
ticos oferecem ao público. A averiguagáo dos fatos fala pro
fundamente as pessoas de fé e, de modo especial, aos cris-
táos. É a estes que, em última análise, compete levar a res-
posta cabal aos anseios dos seus semelhantes que váo deseo-
brindo os vestigios do Criador através da caminhada dos seus
estudos.
É, pois, para desejar que este mes de junho, mes de
Pentecostés ou do Espirito que renova a face da térra, seja
para os cristáos penhor de nova tomada de consciéncia da
responsabilidade que lhes toca na hora atual.
«Brilhe a vossa luz diante dos homens...» (Mt 5,16).

E B.
— 222 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XX — N* 234 — Junho de 1979

Cana! de Beagle:

a santa sé entre a argentina e o chile


Em slnlese: o presente artigo aprésente os precedentes do recenta
litigio ocorrido entre a Argentina e o Chile por causa da soberanía sobre a
regláo do Canal de Beagle. Após tentativas de acordó direto, os dols países
houveram por bem em 1971 recorrer á arbltragem da Coroa da Inglaterra.
Esta, tendo constituido urna comissfio Internacional de lurlstas, apresentou,
após cinco anos e meló de estudos, um laudo favorável ao Chile; este país
ficarla com o dominio das llhas Picton, Lennox e Nueva postas até entfio
sob litigio. — A Argentina, porém, julgou nSo poder abrir mSo de sua sobe
ranía sobre tal regiáo; pelo que, aos 25/01/78, declarou nula ou "n§o legal-
mente pronunciada" a sentenga de arbitragem. Segulram-se conversares
sobre o assunto por parte de urna comissáo mista, que nSo consegulu
acordó. Tudo se encaminhava para um confuto armado entre os dois países
quando ambos resolveram atender a urna sugestSo que Ihes vlnha sendo
feita por outras nacSes, a saber: a de solicitar a IntervencSo da Santa Sé.
Esta envlou entáo a 25/12/78 um legado seu, o Cardeal Antonio Samoré,
ao Cone-Sul, obtendo finalmente que aos 8/01/79 os dols países assinassem
acordó que afastava o perlgo de guerra (mediata e resolvía pedir á Santa
Sé urna medlacSo para o confuto.

Asslm a diplomacia do Vaticano se pos mals urna vez a servlco da


paz mundial, colaborando na mlssSo pastoral e religiosa da S. Igreja. Tanto
o S. Padre Joáo Paulo II como o Cardeal Samoré e os bispos do Cone-Sul
recorreram a instante oracáo e pediram as preces dos liéis para obter a
almejado éxito — o que bem demonstra o interesse pastoral ou religioso
que anímou a S. Igreja em sua funcSo de mediadora da paz.

Comentario: Aos 8/01/79, a Argentina e o Chile solici-


taram ao Papa Joáo Paulo Ú aceitasse a mediacáo no con-
flito que opunha esses dois países entre si. O Sumo Pontífice
respondeu favoravelmente — o que evitou o desencadeamento
de guerra desastrosa entre as duas nacdes vizinhas. Visto
que o caso tem remotos antecedentes e nem sempre aparecau
claro aos olhos do público, vamos, ñas páginas subseqüentes,
reconstituir o paño de fundo do gesto de 8/01 pp. e procurar
medir o alcance do confuto e das suas possiveis solucóes.

— 223 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 234/1979

1. O remoto fundo histórico

O litigio versa sobre a zona contida entre o estreito de


Magalháes e o cabo Horn, que o estreito de Drake separa da
Antártida.

O estreito de Magalháes, descoberto em 1520, era a única


passagem marítima entre o Atlántico e o Pacífico até 1615.
Nesta data, descobriu-se, abaixo do cabo Horn, a ampia via
do estreito de Drake. Em 1830, foi descoberto também o
canal de Beagle, que tomou tal nome por causa da nave que
realizou o empreendimento sob o comando do capitáo inglés
R. Fitzoy. O canal de Beagle se estende na direcáo Leste-
-Oeste a 70 milhas aproximadamente ao Norte do cabo Horn,
tendo a largura de 3 a 3,5 milhas. O seu comprimento é cal
culado em 120 milhas se, conforme a tese argentina, se lhe
dáo por limites ao Oriente as ilhas de Novarino e de Picton
ou em 150 milhas se, de acordó com os chilenos, se assinala
o cabo Sao Pió como ponto de partida do canal ao Oriente.

A importancia de tal zona se percebe do fato de que ela


inclui as tres referidas passagens marítimas, que sao as úni
cas vias interoceánicas naturais do hemisferio ocidental. O
interesse de diversas nagdes pela regiáo se agugou recente-
mente por varios motivos: assim os litigios ocorridos em torno
do canal de Panamá, os disturbios políticos da África do Sul,
a evolucáo do direito do mar e a projetada exploragáo dos
recursos minerais da Antártida, cujos territorios sao reivin
dicados também pela Argentina e pelo Chile em fungáo da
sua posicáo geográfica frente ao Polo Sul.

A diferenga na computagáo da extensáo do canal de Bea


gle nao é meramente da algada cartográfica. Ao contrario, é
objeto da polémica que se desenvolve há decenios entre a
Argentina e o Chile.

Segundo o dimensionamento chileno, as tres ilhas de Pic


ton, Lennox e Nueva — pequeñas e escassamente habitadas —
encontram-se ao Sul do canal e, por conseguinte, sao de pro-
priedade chilena (de acordó com o art. 3 do Tratado de Limi
tes de 23/07/1881, que assinala ao Chile «todas as ilhas ao
Sul do Canal de Beagle até o Cabo Horn»). Ao invés, a Ar
gentina atribuí ao canal urna dimensáo que excluí as tres
ilhas referidas do teor do mesmo artigo 3»; tais ilhas recai-
riam, pois, sob o dominio da Agentina, juntamente com outras

— 224 —
S. SÉ ENTRE ARGENTINA E CHILE

ilhas vizinhas, praticamente nao habitáveis. Para afirmar a


sua posigáo, a Argentina se louva também no Protocolo de
1V05/1S93 e na Acta aclaratoria de los Pactos de arbitraje
y limitación do alrmamentos de 10/07/1902. Segundo a Argen
tina, o limite entre os Océanos Atlántico e Pacífico é o meri
diano que passa pelo Cabo Horn, ficando para a Agentina as
ilhas a Leste desta e para o Chile as ilhas a Oeste.

O litigio fronteiric.0 entre os dois países teve a sua pri-


meira expressáo em 1847. Entre as etapas mais importantes
dos debates, sobressai o Tratado General de Arbitraje de
28/05/1902, documento pelo qual os dois Governos se obri-
garam a submeter os seus pontos de vista á arbitragem da
Coroa inglesa. O recurso a esta nao foi realmente efetivado
senáo em conseqüéncia do Acuerdo de arbitraje o compiro-,
miso respecto a una controversia entre las Repúblicas de Ar
gentina y de Chile en la Zona del Canal de Beagle, assinado
aos 22/07/1971.

O Governo inglés, aceitando a solicitagáo de arbitragem


datada de 22/07/1971, entregou, segundo o seu costume em
tais casos, o estudo da questáo a urna corte judiciária. Esta
foi composta por cinco juizes da Corte Internacional de Jus-
tic.a de Haia (um inglés, um francés, um sueco, um norte-
-americano e um nigeriano); após cinco anos e meio, a Co-
missáo entregou o seu laudo, unánimemente proferido, ao
Governo británico, que o sancionou e deu a conhecer as par
tes interessadas aos 2 de maio de 1977; tal sentenga, como
rezava o art. 14 do Compromisso argentino-chileno, seria
«legalmente obrigatória e inapelável». O laudo assinalava ao
Chile as ilhas Picton, Lennox e Nueva e, implícitamente,
todas as outras ao sul do canal de Beagle; ficaria assim res-
trito apenas á parte continental dos dois países o principio de
que o Océano Pacífico na regiáo toca ao Chile e o Océano
Atlántico á Argentina.

2. A denuncia do laudo

Eis, porém, que, aos 25/01/1978, o Governo de Buenos


Aires declarou nula a sentenga de arbitragem; julgava-a «nao
legalmente pronunciada», baseando-se para tanto em razóes
minuciosas, que nao vem ao caso expor.

Estes poucos elementos basíam para manifestar quáo


desagradáveis devem ter sido para a Argentina as determina-

_ 225 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 234/1979

góes do laudo de arbitragem e as suas conseqüéncias. A revi-


sao do principio de que o Atlántico toca táo somente á Ar
gentina e o Pacifico ao Chile parecía á Argentina acarretar
serio prejuizo para o equilibrio das forgas no sul do conti
nente americano; o Chile estenderia seu poder e sua agáo
para dentro do Océano Atlántico, gozando da faculdade de
controlar, mediante posigóes adquiridas no estreito de Maga-
lháes, no canal de Beagle e no estreito de Drake, a navegagáo
argentina e as vias que a ligam a outros países do mundo oci-
dental. A Argentina, por voz do seu Governo, proclamou que
nao podia admitir tal reviravolta de sua posigáo na ponta aus
tral do continente.

Sendo assim, aos 20/02/1978, em Puerto Montt (Chile)


os presidentes da Argentina e do Chile assinaram urna Acta,
que estabelecia a realizagáo de negociagóes diretas entre os
dois países, ficando sem valor a sentenca pronunciada pela
comissáo de arbitragem referida.

As conversagóes foram, na verdade, efetuadas dentro do


prazo estipulado, isto é, até 2/11/1978. Nesta data, a comis
sáo mista de negociagóes pode propor aos Governos dos dois
países a realizagáo de varios acordos referentes a problemas
económicos e a alguns aspectos da política antartica. Todavía
ficavam pendentes as questóes básicas concernentes á jurisdi
cáo dos dois países sobre aguas e térras da ponta do conti
nente sul-americano; apenas haviam sido esbogadas solugóes
nao amadurecidas: assim as ilhas em litigio seriam desmilita
rizadas, seriam constituidas em territorios neutros, seriam
destinadas exclusivamente a fins pacíficos ou seriam cenado
de atividades promovidas por comités mistos argentino-chi
lenos.

Ora a falta de proposta de solugáo global e amadurecida


fez que a pendencia se agravasse. Ó Governo chileno passou
a insistir na execugáo do laudo que lhe atribuía a soberanía
sobre todas as ilhas em questáo. Quanto á Argentina, decla-
rava que, somente no caso de ter jurisdigáo sobre certo número
de ilhas, gozaría de seguranga frente á projecáo chilena no
Atlántico Sül.

O impasse das conversacóes fortaleceu a hipótese de


guerra entre os dois países, pois o clima era de forte tensáo
no Cone-Sul. Foram chamadas aos quarteis e enviadas as
fronteiras meridionais diversas levas de reservistas de ambos

— 226 —
S. SÉ ENTRE ARGENTINA E CHILE

os países. Moveram-se em prol de negociagoes de paz os


diplomatas interessados, especialmente os embaucadores dos
Estados Unidos e os Nuncios Apostólicos acreditados em Bue
nos Aires e em Santiago.

3. A ¡ntervensSo da Igreja

Durante o ano mesmo de 1978, enquanto ocorriam as con-


versagóes argentino-chilenas em ambiente tenso e pesado, os
bispos da Argentina e do Chile houveram por bem publicar
urna carta pastoral coletiva datada de 12/09/78, na qual diziam
entre outras coisas:

"Solicitamos as Autoridades que, em vlrtude da sua prolissSo de fé


crista, abandonem todo comportamento apto a favorecer a guerra; detenham
o insidioso dinamismo da corrida aos armamentos e salvaguaidem os legí
timos direitos da soberanía nacional segundo um ampio criterio «e diálogo
e de fraterna compreensáo. Recordem-se das palavras de Pió XII: 'Nada
ó perdido com a paz; tudo pode ser perdido com a guerra"" (L'Osserva-
tore Romano 29/09/78)

A seguir, os bispos exortavam os fiéis a unir-se de modo


especial em oracáo pela paz no domingo 24 de setembro. O
jornal L'Osservatore Romano, noticiando o documento em
29/09, punha em evidencia a importancia atribuida pela Santa
Sé ao problema da paz entre os dois países.

Durante o seu breve pontificado, o Papa Joáo Paulo I


quis corroborar o apelo dos bispos argentinos e chilenos, diri-
gindo-lhes urna mensagem aos 20/09/78, a qual teve o signi
ficado de um testamento.

Aos 2/11/78, estava, sem éxito, encerrado o prazo das


negocia7Óes diretas previstas pela Acta de Puerto Montt. A
Argentina excluia entáo o recurso a Corte Internacional de
Justiga. Em conseqüéncia, parecía que, para evitar a guerra,
só restava urna alternativa a ser imediatamente posta em prá-
tica, a saber: a mediacáo de um país amigo. Os Governos dos
dois países pareciam um tanto céticos quanto aos bons resul
tados da mediagáo em táo espinhosa situa?áo; todavía varios
órgáos e entidades sugeriram a conveniencia de um apalo á
Santa Sé. Em vista deste passo, foi enunciado um encontró
dos chanceleres dos dois países em litigio aos 12/12/78; seria
a extrema tentativa de solucio... Caso esta falhasse, só
restaría realmente o confuto armado!

— 227 —
8 «PERPUNTE E RESPONDEREMOS* 23'1/107r>

Foi entáo que o Santo Padre Joáo Paulo II quis enviar


mensagem telegráfica aos presidentes dos dois países, apelando
para a conciliacáo, sem, porém, mencionar alguma mediagáo.

Na realidade, o encontró dos chanceleres se realizou sem


fruto algum — o que aínda diluiu a esperanca de solu;áo pací
fica. Verdade é que as duas partes em litigio concordavam
fundamentalmente em pedir a mediagáo da Santa Sé, mas
julgavam nao dever expor S. Santidade o Papa a um doloroso
insucesso.

A situagáo se tornava cada vez mais aflitiva, quando aos


15 de dezembro de 1978 o Governo argentino se dirigiu ao
Conselho de Seguranga das Nagóes Unidas para informá-lo
sobre o «estado de tensáo» existente entre os dois pa:ses. Aos
21/12/78 era a vez do Chile, que solicitava a convocagáo ime-
diata do Conselho Permanente da Organizagáo dos Estados
Americanos para tomar as providencias cabíveis no caso.

Era opiniáo de varios Governos — principalmente da


América Latina — que sonriente a Santa Sé poderia obter o
apaziguamento dos ánimos. Ora o descnrolar dos aconteci-
mentos foi assim descrito pe^ S. Padre em seu discurso ao
Colegio Cardinalícic em 22/12/78:

"No día de onlem, diante das noticias sempre mais alarmantes que
retatavam o agravamento e mesmo o posslvel (tldo por nSo poucos como
(mínente) desfecho da situagáo, del a saber ás duas partes interessadas a
mlnha disposicao — ou até o desejo — de enviar ás duas capltals um
representante especial, para obter mais diretas e concretas InformacSes
sobre as respectivas posicSes, assim como para examinarem e procurarem
Juntos a possibilidade de uma honrosa composlc§o pacifica da questSo.

No flm do dia chegou a noticia da aceltacSo de tal proposta por parte


dos dois Governos, com expressóes de gratldSo e de confianca, que, en-
quanto me reconfortavam, me iazem também aínda sentir a responsabilldade
que tal intervengo comporta; como quer que seja, a Santa Sé julga nSo
poder furtar-se a" tal responsabilidade. E, visto que ambas as partes enfati-
zam unánimemente a urgencia de intervencSo, a Santa Sé procederá com
toda a possivel solicltude.

Entrementes desejo renovar o meu caloroso apelo aos responsaveis,


para que evitem passos que possam acarretar conseqüéncias Imprevlslvels
— ou, antes, demasiado previsiveis — da danos e de sofrimentos para as
populacSes dos dois países irmáos".

O feliz efeito da atitude do Papa fez-se sentir sem demora.


No dia seguinte, o jornal de Roma Corrieíre della Sera escrevia:

— 228 —
S. SÉ ENTRE ARGENTINA E CHILE

"Argentina e Chile dellveram-se quando já estavam em plena via de


colislo. A ordem de cessacSo de alarme ocorreu ontem de manha quando
o Governo de Buenos Aires anunclou ter aceito a missáo de um represen
tante do Pontífice para encaminhar conversacoes entre a Argentina e o
Chila... o que a decisao do Papa fora aceita com gratidao... Foi ¡mediata
e posí.iva lambém a aiitude de Santiago. Mesmo com as suas inevitáveis
limitacbes, a inteivenfáo do Vaticano afastou — ao menos por enquanto
o perigo de um conllito que nos últimos días se agravava. As noticias pro»
venien.es das regioes limítrofes nao deixavam dúvidas sobre a densidade
da ameaca".

Ao mesmo tempo, os jomáis de Washington comunica-


vam que a Organizagáo dos Estados Americanos, na reuniáo
do seu Conselho Permanente, decidirá suspender qualquer
medida, na expectativa dos resultados da missáo enviada aos
dois países em litigio. O gesto de Joáo Paulo II inspirava res-
peito, admiracáo e confianga.

4. Finalmente, um acordó provisorio

O enviado papal foi o Cardeal Antonio Samoré, que par-


tiu de Roma aos 25/12, acompanhado por Mons. Faustino
Sáinz Muñoz e pelo Pe. Fiorello Cavalli, do Conselho de Ne
gocios Públicos da Igreja. Desembarcaran! em Buenos Aires,
donde seguiram para Santiago; continuaram as negociagóes
aló chcgar a urna conclusño positiva aos 8/01/79 em Monte-
vidéu.

A principio, o Cardeal Samoré tentou levar os dois Go-


vernos a retomar as conversares diretas. Todavía esta ten
tativa foi frustrada pela irredutibilidade das duas partes. As-
sim, na impossibilidade de acordó direto, o legado pontificio
procurou fazer que os dois contendentes concordassem em
dirigir á Santa Sé um formal pedido de mediagáo. O acordó
foi finalmente assinado em Montevidéu (territorio neutro) aos
8/01/79. A mediagáo difere da arbitragem pelo fato de nao
serem as suas conclusóes obrigatórias (como sao as da arbi
tragem). A mediacáo, no caso, teria em seu favor a autori-
dade moral de que goza a Santa Sé, principalmente entre os
países católicos.

O acordó de Montevidéu logrou, de imediato, dois efeitos


muito positivos: o afastamento da perspectiva de guerra
armada entre a Argentina e o Chile e a realizado de urna
pausa ñas discussóes, pausa propicia a suscitar clima de maior
serenidade e mutua confianga. A Argentina e o Chile volta-

— 229 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

riam a considerar-se como dois países irmáos, cujas sortes


estáo indissoluvelmente associadas entre si; puseram de parte
exageradas tendencias nacionalistas e procuraram viver o
juramento proferido em 1904 debaixo da estatua do Cristo
dos Andes: «Estas montanhas desabaráo antes que argentinos
e chilenos rompam a paz jurada aos pos de Cristo Redentor».

O Cardeal Samoré revelou singulares dotes de diplomata


unidos a vivo esp.rito de fé. Dizia ele posteriormente que as
negociagóes com os seus interlocutores haviam decorrido em
nivel elevado; «tinham sido ponderados os valores moráis e
espirituais da qusstáo e nao apenas os aspectos jurídicos e
políticos que até entáo tinham interessado as conversacóes
argentino-chilenas. Os dois Governos tomaram consciéncia de
que, tendo solicitado a intervengo do Papa, cuja autoridada
é marcadamente espiritual e cujo objetivo principal é a paz,
o novo caminho a seguir seria o de conversar com o Sumo
Pontífice e, na presenca deste, conversar entre si» (cf. revista
Criterio, 25/01/1979, p. 6).

A diplomacia pontificia vem a ser um aspecto e um ins


trumento da mlssáo da Igreja; adota, em seus procedimentos,
criterios moráis e religiosos, que a caracterizam em ampia
escala. Ora o Cardeal Samoré foi fiel a essa tática, que ele
pos em relevo ñas entrevistas á imprensa e á televisüo; soli-
citou as preces das comunidades contemplativas e entregoj-se
ele mesmo á oragño; participou de cerimónias religiosas cm
favor da paz o promoveu outras nos santuarios de Lujan (Ar
gentina) e Maipú (Chile). Mencionou enfáticamente o valor
da oracáo na homilia proferida na Catedral de Buenos Aires
e voltou a referi-la no discurso pronunciado por ocasiáo da
assinatura do acordó no Ministerio do Exterior em Monte-
vidéu.

O próprio S.. Padre, aos 22/12/78, convidada o mundo


cristáo á oragáo, quando anunciava o envió de um represen
tante ao Cone-Sul. Também a lv de Janeiro de 1979, por
ocasiáo do Ángelus, pediu as preces de todos para que fosse
coroado de éxito o alvissareiro desenrolar das conversares.

Alias, muito antes da missáo pontificia na América do


Sul, já os bispos da Argentina e do Chile haviam exortado os
seus fiéis a que orassem pela paz.

Assim a tarefa do Cardeal Samoré nao foi apenas urna


Vitoria no plano diplomático, mas equivaleu também a um

— 230 —
S. SÉ ENTRE ARGENTINA E CHILE 11

despertar da fé e a uma atuagáo pastoral da Igreja, que ds


tal forma procurava ser a auténtica representante do Senhor
da paz entre os povos.

A Santa Sé professa, entre os seus principios, o de man-


ter-se neutra diante dos conflitos internacionais. Todavia, no
artigo 24 do Tratado do Latráo (que definiu o Estado do
Vaticano e o seu Estatuto), atribuiu a si o direito de intervir
sempre que «as partes em litigio fagam concorde apalo á
missáo de paz da Igreja; esta entáo se dispóe a fazer valer a
sua autoridade moral e espiritual».

Aos 6/06/78, Paulo VI referiu-se a este artigo em sua


mensagem sobre o desarmamento dirigida á Assembléia Ge-
ral das Nagóes Unidas:

"Condividindo os vossos problemas, conscientes das vossas dificul-


dades, fortes em nossa própiia fraqueza, dizemo-vos com giande simplici-
dade: se alguma vez julgardes que a Santa Sé possa contrlouir pata supe
rar os obstáculos que entiavam o caminho da paz, esta Sé nao se escon
derá debalxo do aigumento da sua Intempotalidade, nem recuaiá dlante da
responsabilidade que uma Inlervencio desejada e solici.ada possa acarretar.
A tal ponto estimamos e amamos a pazl Fiuto da boa vontade dos homons,
mas constantemente exposta a perigos que a boa vontade nao consegue
sempre superar, a paz sempre apateceu á humanidade, piincipalmente, como
um dom de Deus. A Ele nos a pediremos" (cf. La Civillá Caltolica, 1978,
III. p. 83).

É sob a luz destas palavras, proferidas meses antes da


interven ?áo de Joáo Paulo II, que se deve considerar o gesto
pacificador da Santa Sé no Cone-Sul. De resto, tal atitude
nao foi algo de singular na historia da Igreja; outras varias
se Ihe antecederán!, sendo famosa, entre todas, a de Alexan-
dre VI: aos 4 de maio de 1493, o Pontífice, a pedido de Por
tugal e da Espanha, proferiu sentenga que arbitrava sobre a
posse das térras já descobertas ou a serem descobertas no
novo mundo. Mais recentemente, Leáo XIII, solicitado pela
Espanha e a Alemanha, interveio na controversia destes dois
países relativa ás ilhas Carolinas (1885), caso este ao qual
muito se assemelha o conflito argentino-chileno.

Em suma, se a intervengáo de Joáo Paulo II no Cone-


-Sul nao foi algo de inédito, foi cerlamente um gesto de cora-
gem e desprendimento, que bem pos em evidencia a solicitude
pastoral da S. Igreja.
Estas páginas muito devem ao artigo de Glovann! Rullf, La medlazione
della Santa Sede Ira Argentina e Cile per la zona auslrale del due paesl,
in La Civillá Caltoliea, 3089, 3/03/79, pp. 470-479.

— 231 —
Enciclopédico e claro:

o documento de puebla

Em sintese: O texto da 3a. Assembléla da Conferencia Episcopal


Latino-Americana se aprésenla como sintese harmoniosa dos aspectos espi
ritual e temporais da missao da Igreja. Quem nele deseja ver um incentivo
á acao social e á militancia em prol da justíga, encontra al sobejo fundamento
para tanto. Todavía nSo se deverla ler o documento unllateralmente, tentando
entender tais passagens em sentido extremado. Ao contrario, há de se re-
conhecer que a praxis apregoada pela Assembtéia de Puebla é decorréncia
de urna vlsáo de fé nítidamente proposta em prfmeiro plano e em réplica a
teses avancadas oriundas dos setores mais radicáis da chamada "teología
da MbertacSo". Segundo o documento de Puebla, a missSo da (oreja fica
sendo, antes do mais, urna tarefa escatológlca e transcendental (n? 150s.
383), tarefa, porém, que passa por estruturas temporais e se preocupa serla-
mente com a Ciislianizacao das mesmas (n? 152...), a tal ponto que esque-
cer tais estruturas seria incoeréncia ou traicao ao Evangelho (n? 356).

Entre as proposicñes características do documento, sallentam-se: Jesús


como Deus e homem (n<? 99), a consciéncia que Jesús tinha da sua missáo
(n? 98), a Igreja como intencionada e preparada por Cristo (n? 129), a
Igreja como camlnho normativo que Deus aponta ao homem (n? 130), a
Igreja de Cristo como una e única depositáiia da plenitude dos meios de
salvagao (n? 131), a necessidade de se julgar a política á luz da fó, e nSo
vlce-versa (n? 414), a atualidade e a autorldade do maglstéilo da Igreja
(n? 130s. 156-8. 343s), a suficiencia da mensagem evangélica para promover
a libertacáo do homem (n? 411), o primado da oracáo (n? 151s), a rejeicáo
da violencia como pretenso meio de libertacao (n? 393s)... relvindl-
cacoes dos bispos em favor da justica, mesmo as que mais ousadas parecam
(como seriam o direito de asilo, n? 1056, a anlstia como slnal de reconcilia-
cao crista, n? 1052s...) sao formuladas á luz da fé e da oríentacáo trans
cendental do Evangelho.

Comentario: Cerno é do conhecimento de muitos, de 27/01


a 13/02/79 realizou-se em Puebla de los Angeles (México) a
3» Assembléia Geral da Conferencia Episcopal Latino-Ameri-
cana (CELAM), que estudou o tema «Evangelizaeáo no pre
sente e no futuro da América Latina». Para esse encontró
convergiram as atenúes de numerosos homens, cristáos e
nao cristáos, interessados na sorte da América Latina e no
papel que á Igreja toca ai desempenhar. O documento final,
expressáo do pensamento unánime (apenas houve um voto em
branco) dos 179 bispos votantes, vem a ser urna declaragáo

— 232 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 13

de principios e um conjunto de normas pastarais da Igreja


frente aos anseios das populagóes da América Latina de hoje.

Dada a importancia de tal documento, procuraremos, a


seguir, transmitir urna sintese do seu conteúdo, baseada no
texto provisorio do mesmo,... texto aprovado pelos bispos
reunidos em Puebla, mas ainda nao confirmado pela Santa Sé.
Na verdade, pode-se crer que o documento venha a ser rati
ficado em sua substancia, pois foi elaborado em ass'duo con
tato com o S. Padre Joáo Paulo n, na tentativa de exprimir,
da maneira mais fiel possível, o pensamento oficial da Igreja.
Utilizaremos o texto publicado pelas Edigóes Paulinas, citando
os números indicadores de parágrafos do documento. Tra-
ta-se de um volume de 359 páginas, de estilo um tanto denso,
mas assaz claro. Procuraremos expó-Io acompanhando, de
modo geral, a seqüéncia dos temas abordados. Podem-se dis
cernir, como inspiragáo metodológica do documento, as tres
etapas características do clássico método da Agáo Católica:
Ver, Julgar, Agir.

PARTE I: VER

O titulo da Parle I vem a ser: «Visáo pastoral da reali-


dade latino-americana».

Neste panorama distinguem-se alguns tragos caracterís


ticos:

1.1. O contexto só cío-culturaI

O contexto sócio-cultural da pastoral latino.americana


aponta

— distancia crescente entre ricos e pobres — o que é


contrario ao des-.gnio do Criador (n* 17);

— milhóes de latino-americanos que sao vítimas de sala


rio de fome, desemprego e subemprego, desnutrigáo, mortali-
dade infantil, falta de morada adequada, problemas de saúde
e de instabilidade no trabalho (n* 18);

— abusos de poder, que se traduzem em delato, viola-


gáo da privacidade, torturas, exilio, terrorismo... (n» 23b);

— 233 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

— enfraquecimento do quadro político, com graves pre-


juizos para a participacáo dos cidadáos na condugáo dos seus
próprios destinos (n* 25);

— economía do mercado livre, legitimada por ideologías


liberáis, que anlcpóem o capital ao trabalho, o económico ao
social (n' 26e);

— ideologías marxistas, como também ideologías de Se


guranza Nacional, que sacrificam valores cristáos em nome do
totalitarismo (n« 26f);

— debilitagáo dos valores básicos da familia, que se torna


presa fácil do divorcio e do abandono do lar (n? 29).

O panorama se estende com grande realismo e fidelidade


a outros itens da realidade social latino-americana.

Vejamos agora a

1.2. SifuacSo da Igreja hoje na América Latina

Eis algumas notas típicas:

1) O continente latino-americano, evangelizado outrora


por missionários católicos, vai hoje conhecendo um surto de
pluralismo religioso e de indiferentismo (n.os 41-46).

2) Ouve-se um generalizado clamor pela justiga e pelo


respeito aos dircitos íundamcntais do homcm. JÉ o que tem
levado a Igreja a publicar numerosas cartas pastorais e decla-
ragóes sobre a jusüca social (n.os 49-51).

3) As comunidades eclesiais de base (CEBs), cuja exis


tencia conta dez anos apenas, tém-se constituido focos de
evangelizado e libertagáo, embora em alguns lugares os inte-
resses políticos as tenham manobrado para que se afastem
da auténtica comunháo com os seus bispos (n.os 58-58).

4) O laicato católico tem tomado consciéncia de sua


missáo, contribuindo para renovar a vida paroquial e dioce
sana e a catequese (n.os 59s. 71s).

— 234 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 15

5) A liturgia reestruturada tem conseguido purificar a


mentalidade religiosa de muitos fiéis, promovendo a partid»
pagáo destes ñas celebragóes sagradas (n' 61).

Procuram-se agora

1.3. Tendencias atuais que esbocam o futuro

Sejam assinalados os seguintes tragos, que parecem pos-


sibilitar a previsáo do contexto futuro dentro do qual se desen
volverá a evangelizagáo da América Latina:

1) O ritmo acelerado de crescimento da populagáo, que


se concentra ñas grandes cidades. No futuro, a populagáo
será majoritariamer.te jovem e terá crescente dificuldade para
encontrar emprego (n9 73).

2) Os meios de comunicagáo social tendem a programar


sempre mais a vida do homem e da sociedade, exercendo
inñuéncia crescente sobre o respectivo ambiente (n« 73).

3) Os modelos sociais Janeados pela tecnocracia tendem


a se impor, apesar dos anseios por urna ordem internacional
mais justa (n» 73).

4) A mingua dos recursos naturais leva alguns pensa


dores a propugnar a redujo da populagáo das nagóes pobres,
enquanto outros propóem urna 'prosperidade racionada', isto
é, urna sobriedade compartilhada (nJ 73).

Estas tendencias suscitam aspiragóes no homem latino-


-americano, que a Igreja apoia e que consistem essencial-
mcnte cm urna qttalidade de vida mais humana, com distri-
buigáo mais justa dos bens e oportunidades e com mais res-
peito á dignidade humana (n' 74).

Tal sumario levantamiento de características do conti


nente latino-americano provoca naturalmente a necessidade
de um julgamento. Pergunta-se: a presente situagáo será con
forme ao plano de Deus para a América Latina? Qual o
designio de salvagáo que o Senhor dispós para a América
Latina?

É o que o documento expóe em sua Parte II.

— 235 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

PARTE II: JULGAR

O texto de Puebla propóe nesta sua segunda Parte dois


capítulos: 1) conteúdo da evangelizagáo; 2) que é evangelizar?

A fim de atingir maior clareza e síntese, apresentaremos


estes dois capítulos, que se sobrepóem freqüentemente, sem
respeitar estritamente a ordem dos respectivos parágrafos.

II. 1. Que é evangelizar ?

Por certo, o plano de Deus sobre a América Latina é um


designio de justica, fraternidade e amor a ser apregoado me
diante a evangelizagáo. Diga-se, pois, o que é evangelizagáo
segundo o documento de Puebla.

«A evangelizagáo é um chamado a. participagáo na comu-


nháo... Ela nos leva a participarmos dos gemidos do Espi
rito, que quer libertar toda a criagáo» (n« 127).

«A evangelizagáo, que leva em consideragáo o homem


todo, procura atingi-Io em sua totalidade, a partir de sua
dimensáo religiosa» (n' 268).

O conteúdo essencial da evangelizagáo é «a proclamagáo


clara de que Jesús Cristo, Filho de Deus feito homem, morto
e ressuscitado, oferece a salvagáo a todos os homens como
dom da graga e da misericordia de Deus» (n' 243).

Com outras palavras aínda: «A evangelizagáo leva a


conhecer Jesús como o Senhor, aquele que nos revela o Pai
e nos comunica o seu Espirito. Ela nos chama á conversáo,
que é reconciliagáo e vida nova; Ela nos leva á comunháo
com o Pai, a qual nos torna filhos e irmáos. Pela caridade
derramada em nossos coragóes, faz brotar no mundo frutos
de justiga, de perdáo, de respeito, de dignidade e de paz»
(n» 244).

A evangelizagáo «comega nesta vida, tem sua plenitude


na eternidade» (n' 245).

A evangelizagáo assim entendida tem «lagos de uniáo


muito fortes» com a promogáo humana em seus aspectos de

— 236 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 17

desenvolvimento e libertagáo (n» 247). Portante a Igreja nao


precisa de recorrer a sistemas e ideologías para amar, defen
der e colaborar para a libertagáo do homem: no centro da
mensagem da qual é depositaría e pregoeira, ela encontra
inspiragáo para atuar em favor da fraternidade, da justiga e
da paz, contra as dominagóes, escravidóes, discrimina;6es, vio
lencias e atentados á liberdade religiosa, contra as agressóes
ao homem, e tudo o que atenta contra a vida» (n« 247, citando
Joáo Paulo II em seu discurso inaugural da 3» CELAM III 2).

De modo especial, o capítulo 1» da Parte n expóe qual


seja

11.2. O conteúdo da evangelizado

Os bispos reunidos em Puebla fizeram eco ao discurso


programático proferido peio Papa Joáo Paulo II ao abrir a
3» Assembléia da CELaM em 28/U1/79. Por conseguinte,
apresentaram como pontos centráis da evangelizagáo: a ver-
dade sobre Jesús Cristo, a verdade sobre a missáo da Igreja,
a verdade sobre o homem. Assim é que o documento de Pue
bla contém urna sintese valiosa de Cnstologia, Eciesioiogia e
Antropología; cada um destes tratados eniauza a mensagem
perene da te e denuncia erros que Últimamente neles se tem
introduzido.

II. 2.1. A verdade sobre Jesús Cristo

«É dever nosso anunciar claramente, sem deixar dúvidas


ou equívocos, o misterio da Encarnagáo: tanto a Divindade
de Jesús Cristo tal como a ensina a fé da Igreja, quanto a
realidade e a forga de sua dimensáo humana e histórica.

Devenios apresentar... Jesús de Nazaré... consciente


de sua missáo, anunciador e realizador do Reino e fundador
da sua Igreja, a qual tem Pedro como alicerce visível; Jesús
Cristo vivo, presente e atuante na historia e na sua Igreja»
(n* 98).

«Nao podemos desfigurar, parcializar ou ideologizar a


pessoa de Jesús Cristo, nem fazendo déla um político, uní
líder, um revolucionario ou um simples profeta, nem redu-

— 237 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

zindo ao mero campo individual aquele que é o Senhor da


Historia.

Fazendo eco ao discurso que nos dirige o Santo Padre


ao inaugurar a nossa Conferencia, afirmamos: 'Qualquer
silencio, esquecimento, mutilac/áo ou inadequada acentuacáo
da intcgridade do misterio de Jesús Cristo, que se separe da
fé da Igreja, nao pode ser conteúdo válido da evangelizacáo'.
Urna coisa sao as 'releituras do Evangelho, resultado de espe-
culagóes teóricas' e 'as hipóteses, talvez brilhantes, porém,
frágeis e inconsistentes que délas derivam', e outra coisa a
'afirmaca» da fe da Igreja: Jesús Cristo, Verbo e Filho de
Deus, se faz homem para aproximar-se do homem e oferc-
cer-lhe, pela forc.a de seu ministerio, a salvac.áo, grande dom
de Deus' » (n« 99).

A seguir, o documento apresenta urna síntese de toda a


obra salvlfica de Jesús Cristo, que destruiu o poder do pecado
sobre o lenho da cruz e, como penhor de nossa participagáo
em sua Vitoria, nos deixou a Eucaristía e o Espirito Santo
(n.os 100-127).

11.2.2. A verdade sobre a Igreja

«A Igreja é inseparável de Cristo, porque Ele mesmo a


fundou, por um ato expresso de sua vontade, sobre Pedro e
os doze, constituindo-a como sacramento universal e neces-
sário de salva;áo. A Igreja nao é um 'resultado' posterior
nem urna simples conseqüéncia 'desencadeada' pela agáo evan-
gelizadora de Jesús. Ela nasce certamente desta a;áo, mas
de modo direto, pois é o mesmo Senhor que convoca os seus
discípulos e Ihes comunica o poder do seu Espirito, dotando
a nascente comunidade de todos os meios e elementos essen-
ciais que o povo católico reconhece, em sua fe, como da
instituicáo divina» (n° 129).

Fazendo frente a correntes teológicas pouco ortodoxas, o


documento enfatiza assim o fato de que a Igreja nao é algo
de acidental ou imprevisto por Jesús, mas é realmente a efe-
tivacáo de um designio alimentado pelo Senhor Jesús antes
mesmo da sua Paixáo.

«Além disto, Jesús aponta a sua Igreja como caminho


normativo. Nao cabe, pois, á decisáo do homem aceitá-la ou
nao... Aceitar o Cristo exige aceitar a Igreja» (n' 130).

— 238 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 19

«A Igreja de Cristo é urna só: aquela edificada sobre


Pedro... Só na Igreja Católica se dá a plenitude dos meios
de salvagáo, legados por Jesús aos homens mediante os
apostólos» (n* 131).

Os membros da Igreja constituem um povo santo, «como


cidadáos do céu, com o coragáo enraizado em Dais mediante
a oracáo e a contemplagáo. Atitude esta que nao quer dizer
fuga ao terreno, mas condi;áo para urna entrega fecunda aos
homens. Pois quem nao tiver aprendido a adorar a vontade
do Pai no silencio da oracáo, difícilmente conseguirá fazé-lo
quando o seu irmáo exigir renuncia, dor, humilhagáo» (n' 151).

A autoridade que Cristo concede aos pastores da Igreja,


é muito mais do que um simples poder jurídico. É particlpa-
gáo no misterio de Cristo Cabeca e, por isto, urna realidade
de ordem sacramental (n» 156).

«Considerado em sua totalidade, o ministerio hierárquico


é urna realidade de ordem sacramental, vital e jurídica, como
a Igreja» (n« 157).

«O dever de obediencia que o povo de Deus tem frente


aos pastores que o conduzem, fundamenta-se — mais do que
em consideracóes jurídicas — no respeito de fé ante a pre-
senga sacramental do Senhor neles. Esta é urna realidado
objetiva de fé, que independe de qualquer consideragáo pes-
soal» (n« 158).

O documento de Puebla atende também á questáo da


«Igreja popular» ou «Igreja que nasce do povo». Tal expres-
sáo é ambigua. Se significa «Igreja encarnada nos meios
populares e revestida dos sinais da cultura popular», nada
há que lhe objetar. Mas se significa outra Igreja, distinta da
Igreja oficial ou institucional, é claro que merece recusa, pois
implica divisáo no seio da Igreja e negagáo da fun;áo hierár-
quica. Tal posigáo, de resto, poderia ser condicionada por
fatores ideológicos, como dízia Joáo Paulo II ao inaugurar a
assembléia da CELAM (n« 162).

Entre as notas de que se reveste a Igreja de Cristo, o


documento destaca «comunháo e participagáo».

Comunháo... Isto quer dizer que a Igreja, como sacra


mento universal de salvagáo, está inteiramente a servigo da

— 239 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

comunháo dos homens com Deus e entre si. A Igreja se


esforga por dar ao mundo um exemplo de comunháo de amor
em Cristo. Cada comunidade eclesial deveria constituir-se em
modelo de convivencia, onde se consigam unir liberdade e
soiidariedade (n» 171s).

Participaga»... Entre outras coisas, isto significa que a


Igreja deve ser, na América Latina de hoje, «a escola onde
se eduquem homens capazes de fazer historia com Cristo e
como Cristo», a fim de impulsionar eficazmente todos os seus
semelhantes em diregáo ao Reino de Deus. Por conseguinte,
a Igreja ensinará os homens a evitar duas atitudes extremas:
a) o passivismo dos que cruzam os bra;os diante do desen
rolar da histeria, esperando que somente Deus atue e liberte;
b) o ativismo dos que, numa perspectiva secularizada, consi-
deram Deus distante e, por isto, tentam angustiosa e frené
ticamente levar sem Deus a historia á frente (nv 173s).

A esta altura, o documento se refere a praxis ou ao modo


de agir de Jesús: Cristo procurou a cada instante seguir fiel
mente a vontads do Pai, perscrutando os sinais da Providen
cia e a hora que o Pai marcara para cada um de seus passos
(m 176). Ao mesmo tempo, porém, Jesús sabia que a agáo
do Pai devia passar através da sua agáo pcssoal (n' 175).
Donde se vé que a América Latina precisa de homens que,
como Jesús, sejam capazes de trilhar dócilmente os caminhos
que a Providencia Divina indica,... capazes também de rea
lizar sua conversáo pessoal, a fim de poder agir em favor
dos seus irmáos sofredores (n? 178). — Estas observares
afastam decisivamente a imagem do cristáo guerrilheiro, pro
tagonistas da luta de classes e dado á praxis marxista da liber-
tagáo. É certo que Jesús Cristo, o modelo, nao procedeu de
tal modo.

A tarefa do cristáo assim esbogada será sempre ardua e


dramática por causa do pecado existente no mundo. Todavía
a Igreja sente-se animada a empreendé-la, pois confia na
intercessáo de Maria, a quem o povo cristáo dedica filial venera-
Cáo sempre recomendada pelos Sumos Pontífices (n.os 180-231).

II. 2.3. A verdade sobre o homem

«No misterio de Cristo, Deas desee ao mais profundo do


ser humano para restaurar, a partir de dentro, a sua digni-
dade» (n* 202).

— 240 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 21

Na América Latina, essa dignidade é ameagada por cinco


enfoques erróneos:

Na visáo determinista, o homem se julga vitima de forcas


ocultas e mágicas, ás quais deve servir para nao ser aniquilado
por elas. Donde a prática da feitigaria e o interesse crescente
pelos horóscopos. Essa visáo leva o homem a cruzar os bracos
diante da historia, acreditando que tudo o que acontece é
imposto por Deus (n» 205).

«Uma variante dessa visáo determinista se apoia na idéia


errónea de que os homens nao sao fundamentalmente iguais
entre si... Dai decorre com freqüéncia a situacáo real de
desigualdade em que vivem operarios, camponeses, indígenas
e empregadas domésticas» (n» 208).

Na visáo psicologista, a pessoa humana é tida como jo-


guete do instinto fundamental erótico e privada de liberdade.
A esta concepgáo se prendem o pansexualismo e o machismo
latino-americano (n» 207).

Na visáo economista, a pessoa é considerada como peca


que produz e consomé; é julgada em nome do ter, do poder
o do prazer. Esta perspectiva assume modalidades próprias
no liberalismo económico e no marxismo coletivista; este
último é materialista e ateu, sufocando o direito á liberdade
religiosa, que está na base de todas as liberdades (n.os 208-210).

A visáo estatista tem sua base na teoría da Seguranza


Nacional. Limita as liberdades individuáis e confunde a von-
tade da Nagáo (n? 211).

Na visáo dentista, só se reconhece como verdade aquilo


que a ciencia pode demonstrar. A meta é a conquista do
universo mediante a ciencia; em nome desta tudo se justifica,
inclusive o que possa constituir afronta á dignidade humana.
As comunidades nacionais sao submetidas ás decisóes de um
novo poder: a tecnocracia (n' 212).

Frente a esses enfoques deformadores, os bispos latino-


-americanos professam que «todo homem e toda mulher, por
mais insignificantes que paregam, tém em si próprios uma
nobreza inviolável, que eles mesmos e os demais devem res-
peitar e fazer respeitar sem condigóes» (m 214).

— 241 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 234/1979

Condenam «todo menosprezo, diminuido ou injuria as


pessoas e aos seus direitos inalienáveis, todo atentado contra
a vida humana, desde aquela que ainda está oculta no seio
materno até a que s¿ tornou inútil e a que está concluindo
o sea curso temporal, toda vioiagáo ou degradagáo da con
vivencia entre os individuos, os grupos sociais e as nacóes»
(m 215).

O reconhecimento da dignidade humana exige o respeito


á liberdade,... liberdade que possibiiita ao homem me.hor
cultuar a Deus como filho, colaborar com os homens como
irmáo, dominar o mundo como senhor (n} 219).

A dignidade humana opóe-se o pecado, tanto aquele que


rompe diretamente com Deus, como aqueie que viola as boas
relagóes com os homens em conseqüéncia de egoísmo, ambi-
gáo, inveja, injustiga... (n.os 255-235).

Urna vez exposto o conteúdo da evangelizagáo, os bispos


passam a considerar alguns aspectos do mesmo no contexto
da América Latina: evangelizagáo e cultura (n.os 2Ó3-316),
evangelizado e reiigiosidade popular (n.os 317-341), evange
lizagáo, libcrtagáo e promogáo humana (n.os 342-3Y8), evan
gelizagáo, ideoiogias c política (n.us 379-416).

II.3. Aspectos particulares

II.3.1. Evangelizasáo e cultura

A cultura é o conjunto de valores que animam e de


contravalores que debilitam um povo, e que reunem os mem-
bros desse povo sobre a base de urna única consciéncia cole-
tiva. A cultura abrange as formas pelas quais esse povo se
exprime: língua, costumes, instituijóes e estruturas de con
vivencia social... (n7 265).

Ora todo homem nasce no seio de urna cultura. Por isto


a Igreja procura atingir, com a sua agáo evangelizadora, nao
somente os individuos, mas também a cultura de cada povo.
Ela trata de alcangar e transformar, com a forga do Evan-
gelho, os criterios de julgamento, os valores determinantes,
os pontos de interesse, as linhas de pensamento, as fontes
inspiradoras e os modeios de vida da humanidade que este-

— 242 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 23

jam em contraste com a Palavra de Deus e com o designio


de salvagáo (n* 272).

A evangelizagáo da cultura terá de enfrentar os serios


problemas que as megápoles, com sua índole desumana e
secularizada, oferecem aos portadores da Boa-Nova (n.os 304-
-313). Para tanto, há de descobrir caminhos pastorais adap
tados as circunstancias de vida ñas grandes cidades. Haverá
também de interessar-se, em especial, pelo sistema educativo,
pela catequese, pelo mundo operario, pelos grupos indígenas
e afro-americanos como pela promogáo da mulher conforme
a própria identidade feminina (n.os 314-316).

11.3.2. Evangelízaselo e religiosidade popular

Entende-se por religiosidade popular o conjunto das cren-


gas profundas de um povo e das atitudes e expressóes que
as manifestam. É, com outras palavras, a forma cultural que
a religiáo adota num determinado povo. A religiáo do povo
latino-americano, em sua forma cultural mais característica,
é expressáo da fé católica (n* 317); ao lado de grandes valo
res, apresenta aspectos negativos ou supersticiosos derivados
de influencias estranhas e de ignorancia (n* 328).

Ora é necessário que o catolicismo popular seja purifi


cado, completado e dinamizado pelo Evangelho. Para tanto,
requer-se que os agentes de evangelizagáo se aproximem do
povo, procurem compreender-lhe as expressóes religiosas e for
talecer a fé preciosa, mas debilitada, da gente simples (n' 330).
Se nao o fizerem, produzir-se-á um vazio, que será ocupado
pelas seitas, palos messianismos políticos secularizados, pelo
consumismo, que gera o tedio, ou pelo pansexualismo pagáo
(m 341).

11.3.3. Evangelízaselo, libértaselo e promosao humana

A contribuigáo da Igreja para a libertagáo e promo?áo


humana vem-se concretizando através do que se denomina
«ensinamentos sociais da Igreja» (n» 343).

Há todavia diferentes concepgóes e aplicagóes da liberta-


gáo, as quais nao convergem entre si. Em conseqüéncia, sejam

— 243 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

propostos alguns criterios que emanam do próprio magisterio


da Igreja:

— a libertacáo tem um ponto de partida, que é o pecado


social e coletivo ou o misterio da iniqüidade;

— a libertagáo tem também a sua meta ou o seu para...,


que é o crescimento progressivo no ser mediante a comunháo
com Deus e com os homens, e que chega ao ponto máximo
na perfeita comunháo do céu (n* 352s);

— «a libertagáo se baseia nos tres grandes pilares indi


cados pelo Papa Joáo Paulo II como orientagáo definida: a
verdade sobre Jesús Cristo, a verdade sobre a Igreja, a ver-
dade sobre o homem» (n» 355).

— «A libertacáo sabe utilizar os meios evangélicos com


a sua peculiar eficacia. Ela nao recorre a tipo algum de
violencia nem á dialética da luta de classes, mas, sim, á vigo
rosa energia e acáo dos cristáos, que, movidos pelo Espirito,
acorrem para responder ao clamor de milhóes e milhóes de
irmáos» (n» 357).

«O homem cai na escravidáo quando diviniza ou absolu-


tiza a riqueza, o poder, o Estado, o sexo, o prazer ou qual-
quer criatura de Deus, inclusive o próprio ser do homem ou
a sua razáo humana... A adoragáo do náo-adorável e a
absolutizagáo do relativo conduzem á violagáo do mais intimo
da pessoa humana», que assim é desfigurada... «A queda
dos ídolos restituí ao homem a verdadeira liberdade. Deus,
livre por excelencia, quer entrar em diálogo com um ser
livre, capaz de fazer suas op;óes e de exercer suas responsa
bilidades pessoais e comunitarias». É, pois, á queda de todos
os ídolos que deve tender a evangelizacüo libertadora (n» 362).

1.3.4. Evangel¡za$cio, ideologías e política

A fé crista nao há de ser vivida apenas nos ámbitos da


privacidade do individuo ou da familia, mas deve penetrar
também a ordem profissional, económica, social e politica, a
fim de que também na vida pública se manifestem os gran
des ditames do Evangelho (n« 381).

A finalidade que o Senhor assinalou á sua Igreja, é de


ordem religiosa; por isto, quando se pronuncia sobre questóes

— 244 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 25

de foro civil, a Igreja nao é animada por finalidade política,


económica ou social. Todavía a Igreja sabe que da sua men-
sagem religiosa decorrem luzes aptas a estabelecer a socie-
dade civil segundo a lei de Deus (n» 383).

a) Evangelizado e política

Faz-se mister distinguir dois conceitos de política (n» 384).

No seu sentido ampio, a política visa á obtengáo do bem


comum, nacional e internacional. Compete-lhe precisar os
valores fundamentáis da comunidade, concillando igualdade e
liberdade, autoridade pública, legitima autonomía e participa-
gáo das pessoas e dos grupos. Define também a ética das
relacóes sociais. Neste sentido a política interessa á Igreja,
pois é urna forma de consagrar o mundo a Deus (n» 385).

Existe também a política de partido, a qual se refere &


atividade de grupos que tencionam exercer o poder para resol
ver as questóes económicas, políticas ou sociais de acordó
com os sous próprios criterios. Estes, embora possam inspi-
rar-se na doutrina crista, chegam muitas vezes a diferentes
conclusóes. Por isto nenhum partido político, por mais inspi
rado que seja pela doutrina da Igreja, pode pretender ter
valor absoluto para todos os cristáos (n« 386).

A política partidaria é o campo dos Ieigos, aos quais a


Igreja oferece criterios derivados da visáo crista do homem
(n» 387). Quanto aos pastores e aos Religiosos, devem despo-
jar-se de toda ideologia político-partidaria que possa condi
cionar seus criterios e atitudes. Compete-lhes preocupar-se
com a unidade, jamáis misturando as coisas de Deus com
atitudes meramente políticas (n' 388). Somente em circuns
tancias excepcionais será lícito a um sacerdote exercer a lide-
ranga em partido político; isto, porém, só acontecerá com
o consentimento do respectivo bispo, consultado o Conselho
Presbiteral e, se o caso o exigir, também a Conferencia Epis
copal do país (n' 389).

Quanto á violencia política, os bispos condenam a tor


tura física e psicológica, os seqüestros, a perseguicáo a dissi-
dentes políticos ou suspeitos (n' 393). Repudiam jovialmente
a violencia terrorista e guerrilheira. Na verdade, nao se jus
tifica o crime como caminho de libertagáo (n* 394).

— 245 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

b) Evangelizado e ideologías

Por «ideología» entende-se toda tentativa de explicar os


diferentes aspectos da sociedade em fun^áo dos interesses de
determinado grupo; a ideologia convoca os homens á comba-
tividade a fim de transformaren! a sociedade segundo os men
cionados interesses (n' 396).

«As ideologías trazem em si mesmas a tendencia a abso-


lutizar os interesses que defendem e as estrategias que pro-
movem. Em tal casó, transformam-se em verdadeiras reli-
gióes leigas» (n? 397).

Tres sao as ideologías que ameagam o continente latino-


-americano:

— o liberalismo capitalista, idolatría da riqueza em sua


forma individualista (n» 403);

— o coletivismo marxista, que também leva á idolatría


da riqueza, desta vez em sua forma coletivista, tendo por
torga motriz a luta de classes (n.os 404-406);

— a doutrina da Scguranca Nacional, que desenvolve um


sistema de repressáo em concordancia com o seu conceilo de
«guerra permanente» (n? 407s).

Neste contexto os bispos fazem referencia á Teología da


Libertagáo em sua forma extremada, rejeitando decidida
mente tal forma de discurso, que realmente já nao merece
o nome de «teología»:

«É preciso observar aqui o risco de ideologizagáo a que


se expóe a reflexáo teológica, quando feita a partir de urna
praxis que recorre á análise marxista. As conseqüéncias sao
a total politizagáo da existencia crista, a dissolugáo da lingua-
gem das ciencias sociais e o esvaziamento da dimensáo trans
cendental da salvagáo crista» (n* 406).

«A tentagáo de certos grupos consiste em considerar urna


política determinada como urgencia primeira, como condigáo
previa para que a Igreja possa cumprir a sua missáo. É iden
tificar a mensagem crista com urna ideologia e submeté-la a
esta, convidando a urna 'releitura' do Evangelho a partir de

— 246 -,
O DOCUMENTO DE PUEBLA 27

urna op°áo política. Pois bem; é preciso ler o político a par


tir do Evangelho, e nao o contrario» (n' 414).

Estas observares sao de elevada importancia, pois equi-


valem a dizer que a Teología da Libertacáo elaborada por
certos teólogos latino-americanos nao pode pretender apre-
sentar-se como auténtica forma de interpretacáo da mensa-
gem crista.

Mais adiante o documento de Puebla se refere «á radica-


lizagáo de certos grupos, os quais esperam que o Reino venha
de urna alianca estratégica da Igreja com o marxismo, excluida
qualquer outra alternativa (para eles nao se trata apenas de
ser marxista, mas de ser marxista em nome da fé)» (n* 415).
É claro que também esta posijáo merece recusa.

Verdade é que os bispos censuram outrossim o alhea-


mento da Igreja á ordem social, cultural e política (n' 413),
como também o integrismo, que pretende reconstruir urna
Cristandade medieval, onde haja estreita alianca entre o poder
civil e o poder eclesiástico (n» 415).

Assim o documento de Puebla se encaminha para a sua


terceira parte, que é relativa mais diretamente ao agir do
cristao ñas presantes conjunturas da América Latina.

PARTE III: AGIR

Esta terceira parte se subdivide em quatro capítulos,


dedicados respectivamente aos

Centros ou focos de comunhao e participacáo:

— a familia (n/* 417-466);

— as comunidades eclesiais de base, a paróquia, a


Igreja particular (ou diocese), n.os 467-50S;

Agentes de comunhao e partícipacao:

— o ministerio hierárquico (n.os 507-563);

— a vida consagrada (n.os 564-617);

— os leigos (n.os 618-663);

— a pastoral vocacional (n.os 664-706).

— 247 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

Meios para a comunháo e participacao:

— Liturgia e oragáo (n.™ 707-772);


— testemunho (n.°* 773-785);

— catequese (n.os 786-817);

— educagáo (n.°s 818-864);

— comunicagáo social (n.os 865-868).

Diálogo para a comunháo e participado (n.09 869-896).


Sobre cada qual destes tópicos, diremos algunas pala-
vras, que seráo poucas em relagáo á riqueza do documento.

III. 1. Centros de comunháo e participajáo

III. 1.1. A familia

A familia vem a ser a Igreja doméstica, ameagada, sem


dúvida, pelos males que afligem a grande sociedade contem
poránea: injustica social, baixo nivel económico de vida,
domina;áo e manipulado, desemprego, salario, secularismo...

Frente a essa problemática, os bispos lembram a neces-


sidade de se promover um espirito de comunhao entre os
membros de cada familia. A educagáo na justica e no amor
e a catequese sao outros momentos importantes da pastoral
familiar, que há de ser cada vez mais adaptada á realidade
latino-americana (n.os 417-466).

Em especial, destacamos:

«Em atitude pastoral profundamente evangélica, aten-


da-se com profundo senso de compreensiva prudencia ao
grave problema das unióes matrimoniáis 'de facto' e das fami
lias incompletas» (n' 458).

«Diante das campanhas anti-natalistas de origem gover-


namental ou promovidas por outros países, as familias devem
dispor de conhecimentos suficientes sobre os múltiplos efeitos
negativos das técnicas que se propóem ñas filosofías neo-mal
tusianas, e proceder de modo a aplicar integralmente as nor-

— 248 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 29

mas éticas clara e repetidamente enunciadas pelo magistério>


(n* 460).

«Para conseguir urna honesta regulamentagáo da fecun-


didade, deve-se promover a criagáo de centros, onde pessoal
qualificado ensine científicamente os métodos naturais. Esta
alternativa humanista evita os males éticos e sociais da anti-
concep;áo e da esterilizagáo, que históricamente tém sido pas-
sos previos á legalizagáo do aborto» (n* 461).

III. 1.2. CEBs, Paróquta, Igreja particular

a) As comunidades ecíesiais de base oferecem aos seus


membros maior inter-relagáo pessoal e a ocasiáo oportuna
de refletir sobre a realidade do Evangelho (n9 477). É neces-
sário, porém, que se procurem animadores devidamente for
mados para as mesmas, a fim de que nao percam o auténtico
sentido eclesial (n.<« 478-496).

b) As paróquias váo assumindo formas renovadas em


consonancia com as mudan;as da pastoral dos últimos anos:
os leigos sao convocados para os Conselhos de Pastoral e
outros servigos; há constante atualizagáo da catequese e maior
prcsenga do presbítero em meio ao povo (n' 479). Contudo
ainda subsistem dificuldades, como certa primazia do admi
nistrativo sobre o pastoral, rotina, falta de preparagáo para
os sacramentos..., fechamento da paróquia sobre si mesma
sem considerar as graves urgencias apostólicas do conjunto
(n.°s 481. 492. 497-501).

c) As Igrejas particulares ou dioceses tém feito esforgo


para aprimorar seus servigos mediante cañáis adequados para
o diálogo: Conselhos Presbiterais, Conselhos de Pastoral, Co-
missóes Diocesanas... Os bispos tém procurado viver a cole-
gialidade de maneira eficaz, reunindo-se em Conferencias Na-
cionais e Internacionais (n.os 482-485).

É para desejar que as Igrejas particulares procurem asse-


gurar a constante formagáo e renovagáo dos seus agentes de
pastoral, incentivando a espiritualidade e os cursos de capaci-
tacáo mediante retiros, jornadas e dias de oragáo (m 502).
As dioceses também háo de dar maior relevo ao seu caráter
missionário e á comunháo eclesial, compartilhando valores e
experiencias, como também favorecendo o intercambio de pes-
soas e bens (n» 503).

— 249 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

III.2. Agentes de comunhSo e particípaselo

III. 2.1. O ministerio hterórquico

O ministerio hierárquico é exercido pelos bispos, pelos


presbíteros e pelos diáconos.

a) O bispo é o prímeiro evangelizador e o primeiro


catequista. Por isto deve sempre atualizar-se doutrinalmente,
animar e guiar a todos os que ensinam na Igreja, a fim de
evitar «magisterios paralelos» de pessoas e grupos (n' 532).

O bispo também é sinal e construtor da unidade. Pro


cura criar na diocese um clima tal de comunháo eclesial que
permita a todos viverem sua pertenca peculiar á familia dio
cesana (n» 533). ^

O bispo é outrossim pontífice e santificador. «Apoiado em


seu próprio testemunho, promove a santidade de todos os fiéis
como meio primeiro de evangelizagáo. Exerce pessoalmente
a sua fungáo de presidente e promotor da Liturgia» (n' 534).

Aos bispos compete dar preferencial atengáo ao Semi


nario, vista a sua importancia na forma;áo dos presbíteros,
de quem depende, em grande parte, a dcsejada renovagáo de
toda a Igreja (n» 552).

b) Os presbíteros sao os principáis colaboradores dos


bispos no seu tríplice ministerio (n» 534). O celibato minis
terial, dom do próprio Cristo, vem a ser garantía de urna
dedicagáo generosa e livre ao servigo dos homens (n' 537).
O presbítero é um homem de Deus; só pode ser profeta na
medida em que tenha feito a experiencia do Deus vivo. A
ora?áo cm todas as suas formas o ajudará a manter essa
experiencia, que ele deverá partilhar com os irmáos (n' 538).

c) O carisma do diácono tem grande eficacia na reali-


zacáo de urna Igreja servidora e pobre (n' 541). Haja para
os diáconos permanentes urna formacáo adequada e continua
(n« 560).

III.2.2. A vida consograda

É motivo de alegría para os bispos verificar a presenca


dinámica de numerosas pessoas consagradas que, em toda a
América Latina, dedicam a sua vida á evangelizagáo (n» 564).

— 250 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 31

Os bispos desejam «incentivar os Religiosos a assumirem


o compromisso preferencial pelos pobres, tendo em conta o
que disse Joáo Paulo II: «Sois sacerdotes e Religiosos. Nao
sois dirigentes sociais, líderes políticos ou funcionarios de um
poder temporal. Por isso vos repito: Nao tenhamos a ilusáo
de estantíos scrvindo ao Evangelho se deixarmos diluir o
nosso carisma através de exagerado interesse pelo vasto
campo dos problemas temporais» (n* 610, citando o discurso
do Papa aos Sacerdotes e Religiosos do México, 14).

III.2.3. Os leigos

«Membro da Igreja fiel a Cristo, o leigo está comprome


tido com a construyo do Reino em sua dimensáo temporal»
(n' 628).

«Os bispos fazem um apelo urgente aos leigos a fim de


que se comprometam na missáo evangeiizaüora aa Igreja, da
qual a promogáo da justica é a parte integrante e indispen-
savel que mais atinge os Jeigos, sempre em comunháo com
os pastores» (n° 64t>).

«Deve-se fomentar especial criatividade para estabelecer


ministerios ou scrvigos que possam ser exerciaos por leigos, de
acordó com as necessidades da evangelizagáo. Tenha-se espa
cial cuidado na lormacáo adequada aos candidatos» (ng 65ó).

«A mulher deve estar presente em todas as realidades


temporais, contribuindo com o seu próprio ser de mulher,
juntamente com o homem, na transiorma;áo da sociedade.
O valor do trabalho da mulher nao deve ser apenas o de
atender a necessidades económicas, mas também o de contri
buir para a formacáo da muiher e a construcáo da nova
sociedade» (n" 662 J.

III.2.4. A pastoral vocacional

«Segundo o designio divino, todos nos, cristáos, nos rea


lizamos como homens: vocagao humana. E nos realizamos
como cristáos vivendo o nosso batismo no seu sentido de con
vite a sermos santos — comunháo e cooperado com Deus —
e a nos tornarmos membros ativos da comunidade, dando

— 251 —
32 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

testemunho do Reino — comunháo e cooperagáo com os


demais homens: — voca$áo crista. Devemos enfim descobrir
a nossa missáo concreta — ou leiga ou de vida consagrada
ou ministerial hierárquica — que nos permite dar nossa con-
tribuigáo especifica para a construcáo do Reino: vocagao
cristal específica. Assim cumpriremos, plena e ministerial-
mente, a nossa missáo evangelizadora» (n» 668).

«A fase juvenil é período privilegiado, embora nao único,


para a opgáo vital. Por isto, toda pastoral juvenil deve ser
sempre pastoral vocacional. 'É preciso reativar urna agáo
pastoral intensa que, partindo da vocagáo crista em geral e
de urna pastoral juvenil entusiasta, dé á Igreja os servidores
de que necessita' (Joáo Paulo II, discurso inaugural da III
CELAM)» (n« 679).

«Já que o presbítero deve ser o homem da comunháo,


deve-se insistir em que os seminaristas vivam a austeridade,
a disciplina, a responsabilidade e o espirito de pobreza, num
clima de auténtica vida comunitaria. Sejam formados seria
mente para o celibato. Tudo isto exige a renuncia c a entrega
que se pedem ao presbítero» (n» 692).

III.3. Meios para a comunháo e participajóo

Chama-nos a atengáo o fato de que, entre os meios de


comunháo e parlicipagáo, venha enunciada em primeiro lugar
a oragáo, seja em sua forma social e comunitaria, seja em
sua modalidade particular. Realmente é a orajáo que obtém
do Senhor a fecundidade para todas as iniciativas apostólicas
que a Igreja possa empreender.

III.3.1. Liturgia, ora$áo particular, piedade popular

a) «Deve-se dar a Liturgia a sua verdadeira dimensáo


de ponto culminante e fonte da atividade da Igreja» (nf 746).

«Celebre-se a fé, durante a Liturgia, com expressóes


culturáis que concordem com urna sadia criatividade... Haja,
porém, sempre o cuidado de que nao seja instrumentalizada
a Liturgia para fins alheios <h sua natureza. Haja fidelidade
as prescrigóes da Santa Sé... E se evitem arbitrariedades
ñas celebragóes litúrgicas» (n' 749).

— 252 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 33

«Fonha-se especial esmero na preparagáo da homilía, que


tem grande valor de evangelizagáo» (n« 752).

«Sejam incentivadas as celebragóes transmitidas por radio


e televisáo, levando em conta a natureza da Liturgia e a
índole dos respectivos meios de tomunicacáo utilizados>
(n- 758).

«Sejam incentivadas as celebragóes transmitidas por


radio e televisáo, levando em conta a natureza da Liturgia
e a índole dos respectivos meios de oomunica;áo utilizados>
(n* 758).

«Os sacerdotes prestem dedicagáo especial ao sacramento


da reconciliagáo» (n' 760).

b) No tocante á oracáo particular, merece relevo a


seguinte norma do documento: «O Seminario, os mosteiros,
as escolas e outros centros de formagáo sejam utilizados
como lugar privilegiado para orar, irradiar vida de oragáo e
formar mestres de oracáo» (nu 763).

c) A propósito da piedade popular, recomendam os


bispos:

«Empreguem-se os valores da piedade popular como ponto


de partida para se obter que a fé do povo alcance maior
maturidade e profundidade; por isto a piedade popular se
baseará na Palavra de Deus e no sentido de pertenga á Igreja>
(n* 768).

«Nao se prive o povo de suas expressóes de piedade popu


lar sem lhe proporcionar algo de melhor. Fa^am-se as mu-
dancas necessárias gradativamente e com previa catequese»
(n° 769).

III. 3.2. Testemunho

«Esta é a nossa primeira opgáo pastoral: a própria comu-


nidade crista, seus leigos, seus pastores, seus ministros e seus
Religiosos devem converter-se cada vez mais ao Evangelho,
para poder evangelizar os outros» (n» 782).

«Isto... nos pede oracáo mais assídua, mais profunda


meditagáo das Escrituras, e que nos despojemos íntima e

— 253 —
_34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

efetivamente, de acordó com o Evangelho, dos nossos privi


legios... Pede-nos ainda maior simplicidade de vida, com-
promisso na realizagáo de fatos significativos como o cum-
primento exato da 'hipoteca social' da propriedade, a comu
nicado crista de bens materiais e espirituais, a colaboragáo
em acóes comunitarias de promojáo humana...» (n> 784).

III. 3.3. Catequese

A catequese, na América Latina, enfrenta, entre outros,


os problemas seguintes:

Há quem só transmita catequese vivencial sem apresen-


tagáo da doutrina crista. Outros se limitam á doutrina, sem
se preocupar com a expressño concreta da mesma na vida
ou com a oragáo e a Liturgia. Há também quem difunda,
na catequese, hipóteses teológicas que nao representam o pen-
samento oficial da Igreja (n.os 794-798).

Ora «quem catequiza, deve saber que a fidelidade a Jesús


Cristo há de andar unida indissoluvelmente á fidelidade á
Igreja» (n? 802).

«A fidelidade ao homem latino-americano exige da cate


quese que ela penetre, assuma e purifique os valores da nossa
cultura. Portanto, que se empenhe no uso e na adaptacáo da
linguagem catequética» (n> 8U3).

A catequese deverá, pois,

a) «formar homens comprometidos pessoalmente com


Cristo, capazes de parücipagáo e comunháo no seio da Igreja,
e entregues ao servico de salvagáo» (n» 806);

b) «tomar como fonte principal a Escritura, lida no


contexto da vida, 'á luz da Sagrada Tradijáo e do magisterio
da Igreja, transmitindo o símbolo da fé; portanto, dará im
portancia ao apostolado bíblico, difundindo a Biblia, formando
círculos bíblicos, etc.» (n' 807).

II 1.3.4. Educado

«A educajño evangelizadora assume e completa a nogáo


de 'educagáo libertadora', porque deve contribuir para a con-

— 254 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 35

versáo educativa do homem total, nao apenas no seu eu pro


fundo e individual, mas também no seu eu periférico e social,
orientando-o radicalmente para a genuína libertagáo crista, que
abre para o homem a plena participacáo no misterio de Cristo
ressuscitado, isto é, urna comunháo filial com o Pai e urna
comunháo fraterna com os homens seus irmáos» (n» 830).

«A Igreja proclama a liberdade de ensino, nao para favo


recer privilegios ou lucro particular, mas como um direito que
as pessoas e comunidades tém a verdade» (n' 841).

«De acordó com tais principios, o Estado deveria distri


buir equitativamente o seu ornamento com os servigos educa
tivos nao estatais, a fim de que os pais, que também sao con-
tribuintes, possam escolher livremente a educagao para os seus
filhos» (n' 842).

Os bispos da América Latina «reafirmam eficazmente a


importancia da escola católica em todos os seus niveis... de
acordó com as orientasóes do Documento da S. Congrega-
gáo para a Educagáo Católica» (n' 844).

Deve-se dizer especialmente que «a Universidade Cató


lica, pcnta de Ian^a da mensagem crista no mundo universi
tario, presta grande servigo á Igreja e á sociedade.

Ela cumprirá a sua fun^áo, como católica, encontrando


o seu significado último em Cristo, em sua mensagem salva
dora que abrange o homem em sua totalidade. Enquanto Uni-
vcrsidáde, procurará sobressair pela seriedade cient'fica, pelo
compromisso com a verdade, pela preparado de profissionais
competentes para o mundo do trabalho e por sua busca de
solucóes para os angustiantes problemas da América Latina»
(m 861).

III.3.5. Comunicasáo social

«Pela diversidade dos meios existentes (cinema, radio,


televisáo, imprensa, teatro, etc.), que atuam de forma simul
tánea e massiva, a comunicagáo social incide em toda a vida
do homem e exerce sobre ele, de maneira consciente e subli-
minar, urna influencia decisiva.

A comunicagáo social se encontra condicionada pela rea-


lidade sócio-cultural de nossos países e, por sua vez, constituí
um dos fatores determinantes que mantém essa realidade...

— 255 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

«A exploragáo das paixóes, dos sentimentos, da violencia


e do sexo, com fins consumistas, constituí flagrante violagáo
dos direitos individuáis. Tal violado é evidente na indiscrimi-
nagáo das mensagens repetitivas ou subliminares, com pouco
respeito á pessoa e principalmente á familia» (n> 8G5).

Levando em conta o fenómeno descrito, os bispos formu-


lam, entre outras, as seguintes propostas pastorais:

«a) É urgente que a hierarquia e os agentes de pas


toral em geral conhe;am, compreendam e experimentem em
maior profundidade o fenómeno da comunicagáo social, a
fim de adaptarem as suas respostas pastorais a essa nova
realidade».

«b) É necessário criar onde nao existe, e fortalecer onde


já existe, um departamento ou organismo especifico, nacional
ou diocesano, para a comunicagáo social, incorporando-o ñas
atividades de todas as áreas pastorais».

«e) Faz-se mister educar o público receptor para que


tenha atitude crítica frente ao impacto das mensagens ideo
lógicas, culturáis e publicitarias que nos bombardeiam conti
nuamente a fim de se evitarem os efeitos negativos da mani-
pulagáo e massificagáo».

«f) É necessária e urgente a presenga da Igreja nos


meios de comunicagáo de massa» (n? 868).

III. 4. Diálogo para a comunháo e participa sao

Considere-se que, ao lado da fé católica, implantada desde


a descoberta, existem na América Latina outras crengas reli
giosas cristas nao católicas (protestantes, orientáis oxtodoxas)
como também confissóes nao cristas (o judaismo, o islamismo,
numerosas formas de religióes asiáticas e africanas e de para-
-religióes). Além disto, registra-se a náo-crenga (ateísmo
explícito ou indiferentismo religioso). Cf. n.os 869-875.

Diante de tal fenómeno, os bispos da América Latina


tencionam incrementar o diálogo religioso (com os adeptos
de outras crengas) ou o diálogo filosófico (com aqueles que
nao tém fé); cf. n» 869. Em particular prcconizam:

— 256 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 37

— «procurar adequada apresentagáo da doutrina cató


lica, que oferega urna justa hierarquia de verdades (con
forme o Decreto do Vaticano II sobre o Ecumenismo, 11) e
urna resposta válida aos planejamentos que vém da situagáo
concreta latino-americana» (nv 889);

— «orientar nossas comunidades, com base num discer-


nimento lúcido sobre as formas religiosas ou para-religiosas
mencionadas, e as distorgóes que elas encerram para a viven
cia da fé crista» (n' 893);

— «tomar consciéncia da realidade e extensáo do fenó


meno da náo-cren,a, com vistas á purificagáo da fé e da
vida, e a urna colaboragáo em verdadeira paz, para a edifi-
cagáo do mundo» (n» 895).

Seguem-se mais duas partes do documento: a quarta


complementa as anteriores, ao passo que a quinta lhes serve
de fecho.

Examinemo-las ainda sumariamente.

PARTE IV : IGREJA MISSIONÁRIA


A SERVIDO DA EVANGELIZADO NA AMÉRICA LATINA

Nesta parte IV, os bispos propñem suas opgóes prefe-


renciais pelos pobres (n.<* 897-930) e pelos jovens (n.os gal
lee). Apresentam outrossim normas para a colaboragáo dos
cristáos com os homens que constroem a sociedade pluralista
na América Latina (n.os 967-1014)). Por fim, expóem qnal
deva ser a agáo da Igreja pela pessoa humana na sociedade
nacional e internacional (n.os 1015-1058).

A propósito teceremos apenas breve comentario.

As opgóes preferenciais da Igreja pelos pobres e pelos


jovens nao significam menosprezo ou rejei-áo dos que nao
sao tais. A Igreja, como Máe e Mestra, nao pode esquecer
homem algum, nem lhe é lícito excluir do seu zelo pastoral
quem quer que seja. Quando ela pretende voltar-se especial
mente para os pobres e os jovens, Ela nao tenciona senáo
fazer o que toda boa máe faz quando dedica mais atengáo
e cuidado ao(s) filho(s) mais carente(s). — Ademáis deve-se

— 257 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

dizer que pobres nao sao somente aqueles que nao possuem
dinheiro ou bens materiais, mas sao todos aqueles que estáo
afastados dos bens definitivos ou dos valores da eternidade
que a mensagem crista procura comunicar. Ora tais sao, em
grau maior ou menor, todos os homens, sempre ameagados
de valorizar mais as coisas visiveis e materiais do que as rea
lidades transcendentais e eternas. Donde se vé que a opsáo
pelos pobres nada tem de restritivo ou exclusivo.

Além disto, note-se: a Igreja sabe que tem de anun


ciar o Reino de Dcus dentro das circunstancias concretas da
sociedade latino-americana contemporánea,... sociedade na
qual labutam, como responsáveis, diversas categorías de cons-
trutores, os quais nem todos sao fiéis católicos. Daí as obser-
vagóes dos n.os 967-1014 do documento. A Igreja ai ss dirige
aos políticos e homens de Governo (n* S99), aos intelectuais e
universitarios (n> 1000), aos cientistas (n> 1001), aos respon
sáveis dos meios de comunicado (n« 1002), aos criadores na
arte (n9 1003), aos juristas (tí> 1004), aos opsrários (n* 1005),
aos camponcses (n1 100G), aos economistas (n* 1007), aos
militares (n" 1008), aos funcionarios públicos (n" 1009), a
todos, enfim, que contribuam para as atividades normáis da
sociedade, profissionais liberáis, comorciantes. . . a fim de que
assumam a prepria missáo com espirito de servi.o no povo,
o qual deles espera a defesa de sua vida, de seus direitos e
a promogüo do seu bem-estar (n' 1010).

Nos subseqüentes n.os 1015-1058, os bispos, como Pas


tores, voltam a lembrar a dignidade da pessoa humana e as
conseqüéncias que desta decorrem no ámbito de cada nagáo
como também no plano internacional: direito á vida, a inte-
gridade física e ps'quica, á protegáo legal, á libardade reli
giosa, á liberdade de opiniáo, á participagáo nos bens e ser-
vicos, a construir o seu próprio destino, ao acesso á proprie-
dade,... direito de cada nagáo a urna convivencia interna-
nacional justa com as outras nagóos, guardando-se pleno res-
peito á autodeterminajáo económica, política, social e cultural
de cada povo...

Que o longo o belo programa de a7áo da Igreja e dos


homens de boa vontade no continente latino-americano se
torne realidade concreta sob o dinamismo do Espirito Santo,
eis a aspiragáo final expressa na Parte V do documento
(n.°* 1059-1069).

— 258 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 39

Tais sao ,em síntese despretensiosa, as grandes linhas do


documento promulgado pela m Assembléia Geral da CELAM
em fevereiro de 1979. Como dito, o texto aguarda a palavra
final da Santa Sé, que, como se eré, nao lhe imporá altera-
cóes substanciáis, visto que foi concebido em consonancia com
as diretrizes emanadas do Papa Joáo Paulo n.

Resta agora propor sucinta

CONCLUSÁO

A grande pergunta que se levantava (e levanta) em torno


de Puebla, soa: A 3* Assembléia da CELAM confirmou a
famosa «teología da libertacáo»? Emitiu principios revolucio
narios? Será estimulo a adogáo de posigóes extremadas por
parte dos agentes de pastoral da Igreja?

Eis o que, em resposta, se deve dizer:

1) A teologia da libertagáo admite matizes... O mais


radical desses matizes, difundido por teólogos de renome, apre-
goa a análise marxista da sociedade como base de elaboragáo
teológica; pretende julgar os dizeres da fé á luz da praxis
política ou da realidade social; concebe Cristo como revolu
cionario e inspirador de guerrilha e violencia armada... Ora
é evidente que tais proposigóes foram explícitamente rejei-
tadas pelo documento de Puebla, como se depreende dos
n.os 98.99. 129. 130. 131. 357. 406... atrás citados. Por
conseguinte, a teologia da libertagáo em sua forma extre
mada foi nítidamente rejeitada pela Conferencia de Pueblax.

Há outra modalidade de teologia da libertagáo, sendo


esta outra clássica. Sim; «libertagáo» é a palavra que moder
namente substituí «redengáo» no vocabulario teológico de cer-

1 NSo podemos delxar de lembrar aquí os dizeres dos n? 406 e 414 :

"é preciso observar o risco de IdeoIogizagSo a que se expSe a reílexSo


teológica, quando feita a partir de urna praxis que recorre á análise mar
xista. As conseqüénclas sSo a total polItlzacSo da existencia crista, a dlsso-
lucáo da linguagem das ciencias sociais e o esvazlamento da dimensáo trans
cendental da salvacao crista" (n? 406).

"é preciso ler o político a partir do Evangelho, e nSo ao contrario"


(n? 414).

— 259 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 234/1979

tos autores* . Ora, se entendermos «Iibertagáo» no sentido da


redengáo paulina, está claro que a teología da libertagáo
(= redengáo) foi reafirmada pelos bispos em Puebla,... e
reafirmada em vista das condicóes concretas latino-america
nas (veja-se o trecho de discurso do Papa Joáo Paulo H
transcrito em apéndice a este artigo, pp. 261s). Esta mo-
dalidade afirma a Iibertagáo do homem subjugado pelo pecado
ou pelos ídolos que ele cria, a fim de que possa usufruir da
comunháo com Deus e com todos os seus irmáos. Natural
mente tal Iibertagáo nao é meramente espiritual, pois o ho
mem é um ser psicossomático; ademáis o Reino de Deus há
de ser procurado neste mundo mesmo; daí o imperativo de
que os cristáos se empenhem pela implantagáo da justiga
social. Todavia as Escrituras ensinam que o Reino de Deus
é escatológico, isto é, so se realizará plenamente no fim dos
tempos; no decorrer da historia o pecado será sempre urna
réálidade viva, que se oporá á plena instauragáo da ordem
crista neste mundo (o que nao deve ser pretexto para que
os cristáos cruzem os bragos); cf. n? 153.

2) As grandes verdades relativas a Cristo e á Igreja,


obnubiladas em debates sobre a Iibertagáo, foram reafirma
das em Puebla: assim Jesús como Deus e homem (n» 99), a
consciéncia que Jesús tinha da sua missáo (nl> 98), a Igreja
como intencionada e preparada conscientemente por Cristo
(n1* 129), a Igreja como caminho normativo que Deus aponta
ao homem (n« 130), a Igreja de Cristo como una e única
depositaría da plenitude dos meios de salvagáo (n« 131), a
necessidade de se julgar a política a luz da fé, e nao vice
versa (n' 414), a atualidade e a autoridade do magisterio
da Igreja (n.as 130s. 156-158. 343s), a suficiencia da men-
sagem evangélica para promover a Iibertagáo do homem
(m 411), a rojeicáo da violencia como pretenso moio de liber-
tagáo (n* 393s), o primado da oracáo (n» 151s)... Pode-se
mesmo dizer que no documento de Puebla se encontra urna
profunda e bela exposicáo das grandes verdades da fé crista,

1 Merece atengSo o fato de que o S. Padre Joño Paulo II Intclou a sua


prlmelra encíclica, asslnada na data de 4/03/79, com as palavras "Redemptor
Homlnls". O Papa quis acentuar o termo clásslco paulino, que significa a
mlssao de Cristo, evitando recorrer ao vocábulo "llbertacSo", mals recente
na llnguagem teológica, mas ambiguo ou suscetlvel de ser entendido em
sentido pouco crlstao ou no sentido extremado que se Ihe quer hoja atribuir.
De resto, deve-se lembrar que o vocábulo "HbertacSo" entrou na ter
minología teológica por influxo do marxismo, que usa freqüentemente os
termos "opressáo" e "NbertacSo". O Partido do líder comunista no Brasil,
Luís Carlos Prestes, chamava-se "Alianca Libertadora Naoional" 1

_ 260 —
O DOCUMENTO DE PUEBLA 41

formuladas nítidamente, de modo a dar o primado aos valo


res sobrenaturais e transcendentes do Evangelho.

3) As reivindicagóes dos bispos da CELAM em favor


da justiga, mesmo as que mais ousadas paree,am (como seriam
a valorizagáo do direito de asilo, n1' 1056, a anistia como sinal
da reconciliagáo crista, n» 1052s...) sao formuladas á luz
da fé e da orientagáo transcendental do Evangelho. Nuda
tém de partidario ou passional. Nem pretendem ser enuncia
dos dogmáticos, mas sao conclusóes concretas a que levam
os principios da fé serenamente entendidos e penetrados.

Assim o texto da 3" Assembléia da CELAM se aprésenla


como sintese harmoniosa dos aspectos espirituais e tempo-
rais da missáo da Igreja. Quem nele deseja ver um incentivo
á acáo social e á militáncia em prol da justiga, encontra ai
sobejo fundamento para tanto. Todavía nao se deveria ler
o documento unilateralmente, tentando entender tais passa-
gens em sentido extremado. Ao contrario, há de se reco-
nhecer que a praxis apregoada pela Assembléia de Puebla é
decorréncia de urna visáo de fé nitidamente proposta em pri-
meiro plano; a missáo da Igreja fica sendo, antes do mais,
urna tarefa escatológica e transcendental (n.os 150s. 383),
tarefa, porém, que passa por estruturas temporais e se preo
cupa seriamente com a cristianizagáo das mesmas (n* 152...),
a tal ponto que esquecer tais estruturas seria incoeréncia ou
traigáo ao Evangelho (n« 356). O documento é, pois, sabia
mente equilibrado e dotado de alto valor teológico e pastoral.

Queira o Espirito de Deus impulsionar os povos latino-


-americanos a viver conseqüentemente as linhas programá
ticas da mensagem de Pueblaí

APÉNDICE

Apraz citar aquí um trecho da alocugáo proferida pelo


S. Padre Joáo Paulo II na audiencia geral de 21/02/79, em
alusáo ao tema «libertagáo». S. Santidade salientava entáo a
Índole clássica e perene deste vocábulo, que sempre esteve
presente nos escritos da teología e, por conseguinte, nao é
algo de novo nem de específico em nossos dias ou na Amé
rica Latina. A libertacáo tem a sua fonte na verdade apre
goada por Cristo:

«Fo! para que fácássemos livres que Cristo nos liberto» (Gl 5,1).
Assim a übertajfio é certamente urna realidade de fé, um dos funda-

— 261 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 234/1979

mentáis temas bíblicos, inscritos profundamente na missSo salvífka de


Cristo, na obra da Redenjáo e no seu ensinamento. Este tema nunca
deixou de constituir o conteúdo da vida espiritual dos cristfios. A Con-
ferénáa do Episcopado Latino-Americano testemunha que este tema
volta em novo contexto histórico; por isto deve ele retomac-se na
sua profundidade própria e na sua autenticidade evangélica. ..

A 'teología da liberta$ao' é freqüentemente relacionada (algu-


mas vezes demasiado exclusivamente) com a América Latina; é ne-
cessário, porém, dar razáo a um dos grandes teólogos contemporá
neos (Hans Urs von Ba'thasar), que (ustamerrie exige urna teología
da libertacáo de dimensáo universal. S6 sao diversos os contextos,
mas a realidade mesma da iiberdade para a qual nos Iibertou Cristo,
é universal. A mlssáo da teología é encontrar o seu verdadeiro signi
ficado nos diversos e concretos contextos históricos contemporáneos.

O próprio Cristo relaciona, de modo especial, a libértaselo com


a consciéncia da verdade: 'Conhecerels a verdade e a verdade vos
libertará' (Jo 8,32). Esta frase garante sobretudo o significado Íntimo
da Iiberdade para a qual nos liberta Cristo. LiberJa;6o significa trans
fórmaselo interior do homem, que é conseqüéncía do conhecimento
da verdade. A transfórmaselo é, portante, processo espiritual, em que
o homem se aperfeicoa na [usttea e na santidade verdadeira (cf.
Ef 4,24). O homem, assim ermadurecido internamente, toma-se repre
sentante e porta-voz desra ¡usti$a e santidade verdadeira nos diver
sos meios da vida social. A verdade tem importancia nao só para o
creseimento da consciéncia humana, aprofundando deste modo a vida
interior do homem; a verdade tem aínda significado e forga profética.
Constituí o conteúdo do testemunho e requer wn testemunho. Encon
tramos esta forja profética da verdade no ensinamento de Cristo.
Como Profeta, como testemunha da Verdade, Cristo opóe-se repeti
damente á náo-verdade; fá-lo com grande forja e decisáo e multas
vezes nao hesita em deplorar o que é falso. Tornemos a ler cuidado
samente o Evangeiho; nele encontraremos nao poucas expressóes
severas, como, por exemplo, sepulcros calados, guias cegos, hipócritas,
expressóes que pronuncia Cristo, consciente das conseqüenclas que O
esperam» (L'Osservatore Romano, ed. portuguesa, 25/02/1979, p. 12).

As palavras do S. Padre Joáo Paulo II, enfa tizando, antes


do mais, a libertagáo como conversáo interior de todo homem,
apresentam a auténtica maneira de se abordar o táo contro
vertido tema da «libertagáo».

— 262 —
Notável testemunho: ; '

a encíclica "redemptor hominis"

Com a data de 4/03/79 veio a lume a primeira encíclica


do pontificado de Joáo Paulo n. Este documento traga as
grandes linhas do pensamento do Sumo Pontífice; foi, por
isto, objeto de atencáo especial da parte do mundo católico e
de ambientes nao católicos.

A encíclica se divide em quatro partes: 1) Heranca


(1-6); O misterio da Redencáo (7-12); 3) O homem remido e
a sua situagáo no mundo contemporáneo (13-17); 4) A mis-
sáo da Igreja e o destino do homem (18-22).

1) Heranca. ..OS. Padre se aprésenla como sucessor


de Paulo VI chamado por Deus a governar a Igreja numa
época em que se aviva a consciéncia da. colegialidade episcopal.
Este surto do espirito de colegialidade é altamente alvissa-
reiro. A tendencia & comunháo leva também a valorizar o-
movimento ecuménico ou as tentativas de re-uniáo dos cristáos-

2) O misterio da Bedenc&o... Joáo Paulo II aborda a


figura de Cristo, que revela o homem ao próprio homem e,.
pela Encarnacáo, se une, de certo modo, a cada homem. Cristo-
veio redimir-nos do pecado, «restituindo ao homem a digni-
dade e o sentido da sua existencia no mundo». Pois bem;
toca á Igreja assumir e prolongar a missáo de Cristo, entrando
em diálogo com todos os homens.

3) O homem remido... Todos os caminhos da Igreja


levam ao homem, porque todos os caminhos de Cristo se diri-
giam para o homem... Homem que parece hoje estar cons
tantemente ameacado por aquilo mesmo que ele produz, ou
seja, pelo resultado do trabalho de sua inteligencia, de sua
vontade e de suas máos. Pois esses produtos sao dirigidos,
nao raro, contra o próprio homem cm virtude de um pro-
gresso desvinculado da moral e da ética. A nova ordem, mais
humana e digna, só poderá ser atingida se ocorrer urna ver-
dadeira conversáo das mentes, das vontades e dos coracóes.

— 263 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 234/1979

«'Uve fome e nao me destes de comer...; estava nu e nao me


vestisfes...; estava na prisSo e nao fostes visitar-me' (Mt 25,42$).
Estas palavras adquirem um maior cunho de admoestacao aínda, se
pensamos que, em vez do pao e da ajuda cultural a novos Estados e
ftacóes que estao a despertar para a vida independente, algumas
vezes se Ihes oferecem, nao raro cor» abundancia, armas modernas
« meios de destruicáo, postos ao servico de conflitos armados e de
guerras, que nao sao tanto urna exigencia da defesa dos seus ¡ustos
direitos e da sua soberanía quanto sobretudo urna forma de chauvi
nismo, de imperialismo e de neocolcmialismo de varios géneros»
(n? 16).

Embora todos os programas sociais, económicos e polí


ticos pretendam ser humanistas, os direitos do homem sao
violados de diversas maneiras nos campos de concentrado,
nos atos de violencia, tortura, terrorismo..., a que assisti-
mos hoje em dia.

4) Missao da Igreja... A Igreja procura ver o homem


com os olhos do próprio Cristo. Ela se senté responsável pela
verdade que Cristo lhe confiou para transmitir a todos os
homens mediante as diversas atividades de seus filhos. A
Igreja procura realizar fielmente essa sua missáo, revigoran-
do-se constantemente nos mananciais da Eucaristía e da Pe
nitencia sacramental. Na Igreja cada cristáo é chamado a
servir e, mediante o servigo, a reinar com Cristo.

É sob a sombra e a tutela de María SS. que a Igreja


deseja cumprir a sua tarefa neste mundo. María deve encon-
trar-se em todos os caminhos da vida cotidiana da Igreja.
Se todos os fiéis permanecerem unidos na oracáo com María,
poderáo receber nova efusáo do Espirito Santo, que se deu
aos Apostólos no Cenáculo de Jerusalém para serem teste-
munhas de Cristo até as extremidades da térra.

Estévao Bettencourt O.S.B.

— 264 —
livros em estante

Dlreltos de Deus e DIrellos Humanos, por J. E. Martins Térra S. J.


— Ed. Paulinas, S§o Paulo 1979, 130 x 200 mm, 116 pp.

Como Insinúa o titulo, o livro toca um dos temas mals candentes da


atualídade. Procura focalizar o problema dos direitos humanos em perspec
tiva bíblica, ou seja, evidenciando que os direilos do homem estSo funda
mentados no fato de que este é imagem e semelhanca de Deus. Posto este
principio, deve-se reconhecer que, independentemente de rasa, cor, sexo,
idade ou cultura, todo ser humano é dotado de direilos Intangíveis, que
nenhum poder político ou de outra ordem pode violar legítimamente. Os pro
fetas do Antigo Testamento proclamaran! solenemente os direitos das viúvas,
dos órfáos e dos pobres frente aos reís de Israel, condenando todo tipo de
arbitrariedade.

Caso alguma escola queira negar o fundamento transcendental dos


direitos humanos, estes perdem o seu caráter Intocável. Com efeito, passam
a ter por base táo somente o convencionalismo estipulado entre os homens
e as sociedades: o ser humano é entáo entregue á "benevolencia" de tal
grupo ou tal Partido, que respeitará ou nao os seus direitos seguindo ¡nte-
resses particulares.

SSo estas as Idóias que o autor desenvolve em seu livro, recorrendo,


de ponta a ponta, a textos bíblicos. O Pe. Térra nao se limita, porém, ao
uso da S. Escritura; procura desenvolver as suas teses mediante o instru
mental da filosofía e da teología — o que dá novo valor á sua obra. De
modo especial, recomendamos ao leitor o capitulo 3: "A sacralldade do
homem" (pp. 31-36).

De Medellln a Puebla. A praxis dos Padres da América Latina, por


José Marlns e equipe. Colecáo "Pastoral e Comunidade" 10. — Ed. Paulinas,
SSo Paulo 1979, 145x210 mm, 228 pp.

Este livro vem a ser urna especie de sumario dos documentos publi
cados por blspos ou por Conferencias Eplscopais da América Latina desde
a Assembléia Geral do CELAM em Medellin (1968) até a de Puebla (1979).

Os autores se esforcaram arduamente por descobrir esses documentos


(declarares, cartas pastorais, comunicacóes, mensagens...) publicados em
todo o territorio latino-americano, apresentando finalmente urna lista com
pleta (ou quase completa) dos mesmos, dispostos por ordem cronológica
e geográfica. Além disto, oferece ao leitor urna antologia de textos tidos
como mais relevantes para se esc:ever a historia da Igreja no último
decenio A obra é benemérita. Através da mesma verifica-se o cuidado que
tem tido o episcopado latino-americano para salvaguardar os direitos do
homem em perspectiva crista. Nota-se, porém, que faltam intervengóes sob:e
assuntos de fé e de Moral pessoal; quase nada há sobre as grandes ver
dades do Credo que se v3o dlluindo ou deturpando na mentalidade de
muitos grupos católicos, como também nada sobre certos pontos atinentes
k Moral da familia e dos individuos. E, nao obstante, podemos dizer que
nao faltaram ocasioes para tais pronunclamentos...!
Tóxicos O que os país devem saber, por Jorge Medeiros Silva. Cole-
gSo "Hoiizonte". — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1979, 120x188 mm, 122 pp.

O autor aborda o difícil problema dos tóxicos entre os jovens, apre-


sentando aos pais numerosas e válidas Informacoes a respeito do vocabu
lario próprio e da gfrla de tal setor (tóxico, entorpéceme, psicotróplco...),
a respeito dos entorpecentes principáis (maconha, cocaína, anfetaminas...)
como também a propósito da prevencáo, do tratamento e da repressáo do
uso de drogas. O autor julga que aos país compete fungSo de alia impor
tancia na prevencSo da procura de entorpecentes :

"Diversas medidas de caráter oficial vém sendo ensaiadas em todos


os niveis e setoies, com as deficiencias próprias de um país grande, pobre
e subdesenvolvido. Prevencao, lepressáo, tratamento, fiscalizado formam
as linhas básicas de atuacáo no combate ás drogas.

Entretanto nenhuma providencia, pública ou privada, oficial ou n§o,


surte efelto se inoculada numa socledade cujos lares estáo desestruturados,
onde impera tudo menos o amor.

Drogas é fuga ou muleta. Uns procuram ñas aluclnacóes estímulos ou


depressdes, Ilusorio encontró consigo mesmos e com urna fellcldade que
a vida nSo Ihes proporcionou ou que nao souberam usufruir; outros nelas
buscam amparo, salda, evasáo a toda sorte de sofrimentos reais ou Ima-
gináiios.

Lares razoavelmente organizados calclflcam a personalidade de jovens


em formacao, hoje as principáis vltimas do surto de tóxicos.

A boa estrutura doméstica compreende, além do amor, um mínimo de


conheclmentos e experiencias transmlsstveis de pais para filhcs" (pp. 7s).

Possam as noticias transmitidas por Jorge Medeiros da Silva ser úteis


a numerosas familias I

Sinal de contradl?áo, por Karol Wojtyla. Traducao do Ir. Isabel Fontes


Leal Ferreira. Colegao "Agua Viva" n? 3. - Ed. Paulinas, Sao Paulo 1979,
145X215 mm, 238 pp.

Els o texto das meditagSes de exerclcios espirltuais pregados pelo


Cardeal Woitvla (hola Papa Joao Paulo II) ao S. Padre Paulo VI e a seus
imedfatos colaboíadores no Vaticano em 1976. Tém por tema centra Jesús
Cristo! principalmente em sua Paixao e Ressurrelcfio. Tres capítulos sSo
dedicados aos misterios do Rosario — o que revela o profundo esplrHo de
oracSo e de piedade marlana que anima o pregador. O estilo guarda as
características-da palavra falada e fluente. O llvro concorre para Ilustrar a
peraonalldade do atual Papa, que em poucos meses se Impósao mundo
Intelro dando provas de seu zelo pastoral e de sua facllidade de comunl-
cacSo Vé-se que o Papa é fiel aos principios da vida interior e que, pre
cisamente por causa disto, tem apurado senso das coisas de Deus, tornan-
do-se assim apto a seguir e Indicar a vía regia em meló aos escolhos da
camlnhada terrestre.

Tal llvro tem feito grande e merecido sucesso.

E.B.

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