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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memorísun)
APRESENTTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
¥_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
índice

A ESTÓRIA DOS DOIS SAPOS 321

Que sentido tém?


AS TENTACOES DE JESÚS 323

Aínda a onda do exorcismo:


O FILME "MADRE JOANA DOS ANJOS" 337

Mals um "best-seller" : :
"SABER ENVELHECER" 348

A TÉRRA DE ISRAEL EM FOCO


IV. JERUSALÉM : A "BEM-AVENTURADA PAIXAO" 360

RESENHA DE LIVROS 363

COM APROVAp&O ECLESIÁSTICA

• * •

NO PRÓXIMO NÚMERO :

Filosofía aínda vale em nossos dias ? Os Balistas outrora e boje. —


Qual é a Igreja de Cristo ? — E a morte do Cardeal Daniélon ? — A
Térra de Israel em foco {5).

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Assinatura anual CrS 40 00
Número avulso de qualquer mes CiS 500
Volumes encadernados de 1958 e 1959 (preco unitario) . .. CrS 35.00
Índice Geral de 1957 a 1964 Cr$ 10.00

EDITORA LAUDES S. A.
REDACAO DE PH ADMINISTRADO
Caixa Postal 2.666 Rita Sao Rafael, 38, ZC09
ZC-00 20000 Rio de Janeiro (GB)
20.000 Rio de Janeiro (GB) Tets.: 268-9981 e 268-2700

Na GB, á Rúa. Real Grandeza 108, a Ir. Maria Rosa Porto


tem um depósito de PR e recebe pedidos de assinatura da
revista. Tel.: 226-1822.
Á ESTÓRIÁ DOS DOES SAP
Contam os holandeses que certa vez durante a noite dois
sapos cairam dentro de um balde de leite. Apavorados pela
triste situagáo em que se viram, comegaram a debater-se, ten
tando desta forma escapar á morte. Após certo tempo de táo
penosa experiencia, um deles julgou inúteis os esforgos que
fazia, e preferiu desistir dos mesmos, entregando-se assim á
triste sorte de perecer. O outro, porém, mais teimoso, resolveu
continuar a debater-se sobre a superficie do leite; nao sabia
muito bem que resultado final teria, mas ao menos estava cons
ciente de que, enquanto se mexesse, nao seria tragado pelo
líquido. Ora aconteceu que, quando o dia despontou, o leite,
assim batido, já se tornara manteiga. Desta forma o corajoso
batráquio escapou de ser absorvido ou de morrer!

Esta estória, ficticia como é, nao deixa de ter seu rico


significado. Quem sabe se muitos homens nao se véem, as vezes,
cm situagáo semelhante a dos dois sapos: ameagados por grave
perigo para o qual nao descobrem saída ? ... É natural entáo
sentirem a tentagáo de renunciar á luta, que parece fadada á
esterilidade, e aceitar o fracasso como fatalidade. Em tal caso,
o paradigma do sapo persistente é verdadeira licáo: ainda que
eu nao saiba como me salvarei, dir-me-á o 'herói que vale a
pena empregar os meios no momento viáveis. O segredo do
éxito está em crer no valor das pequeñas coisas e perseverar
teimosamente no recurso as mesmas (desde que este nao seja
evidentemente absurdo).

Esta licáo vale nao somente no setor dos afazares tempo-


rais, mas também no plano espiritual. E é precisamente para
este que desejamos voltar a nossa atengáo. Nao raro a tnissáo
de fazer o bem, disseminar a verdade e o amor de parecer in
grata e vá; ainda haverá audiencia para os valores de Deus,
do Evangelho e da vida crista? Pouco importam estas dúvidas,
para um cristáo. Ele sabe que Deus nao lhe pediu vitórias visí-
veis ou retumbantes, mas, sim, e táo somente, o empenho ge
neroso de seus talentos e esforcos na irradiacáo da verdade e
do amor. Conseqüentemente é o herói da estória que serve de
ponto de referencia; desempenhando diariamente a sua tarefa
no plano da santificagáo pessoal como no seu setor de constru-
Cao da Igreja e de um mundo renovado, o cristáo está certo
de que nao faz obra sua, mas a do Senhor; por conseguinte,
Este se encarregará de dar o fruto múltiplo aféeá perseve-
ranca do discípulo. Alias, é curioso notar que tres vezes no

— 321 —
Evangelho Cristo assinala a hypomoné 1 como condigáo e clima
Jndispensável para que alguém dé fruto múltiplo :

Le 8,15: "...Aqueles que de coracSo nobre e bom ouvem e con*


servam a palavra, produzem frutos na paciencia".

Le 21,19: "Por vossa paciencia salvareis vossas vidas".

Mt 10,22: "Aquele que perseverar (= pacientar) até o fim, será salvo".

Essa paciencia nao é mera passividade omissa. Ao con


trario, vem a ser heroísmo,... silencioso, sim, e humilde, mas
de importancia vital tanto para quem pacienta, como para aque
les que cairiam e pereceriam se o cristáo renunciasse á pacien
cia evangélica. Todos nos precisamos daqueles que sabem
agüentar firme e tenazmente... até o fim.

De resto, um escritor francés ateu em nossos dias2 terá


dito que «o que mais lhe doía era ver que a maioria dos homens
nao chega ao fim do seu ideal», isto é, nao realiza por completo
as suas potencialidades, nao atinge a sua plena estatura inte
rior ou espiritual; morre com personalidade nao plenamente
desabrochada.

Sabia observacáo ! E quais as causas desse fenómeno de


nao desabrochamento? Em varios casos, sao independentes da
vontade do interessado; mas em nao poucos outros talvez se
reduzam a covardia, mesquinhez, falta de persistencia e tena-
cidade.

Senhor, nao nos acontega tal desgrasa ! E, em vista disto,


dá-nos a graga de marcar cada um dos nossos dias com a ta-
refa paciente e perseverante que pedes de nos. Embora nos
possa parecer inútil, saberes dar-lhe o fruto correspondente,
pois és o Grande Artífice, que sempre soube fazer maravilhas
com material pobre e precario, mas indefinidamente disponivel
c maleável em tuas santas Máos!
E. B.

1 Esta palavra grega significa "permanecer debaixo...", sustentando,


suportando. Quem com sua máo sustenta urna carga, faz trabalho penoso
e por vezes nao reconhecido, mas ¡mportantíssimo. Assim ao cristlo com
pete suportar a acSo de Deus nele e na Igreja, sem jamáis diper: "Nao
agüenlo mals 1 Desisto I"
-Albert Camus ou André Gide, segundo nos consta. Poderia o bené
volo leitor ajudar-nos a dirimir a dúvida ?

— 322 —
«PEROUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XV — N« 177 — Setembro de 1974

Que sentido tém ?

as tentacóes de jesús
Em síntese: O episodio das tentacSes de Jesús (Mt 4,1-11; Me
1,12s; Le 4, 1-13) é tldo por certas correntes de estudiosos como criacao
das antigás comunidades cristas desejosas de distinguir do ideal, messiánico
dos judeus o autentico concertó de Messias,... ou desejosas de mostrar em
Jesús o modelo do cristáo que deva enfrentar as tentaedes do demonio.
Neste caso, o relato evangélico nao correspondería a um fato histórico.

Todavia há argumentos para se dizer que a narracSo das tentacSes


se refere a urna ocorréncia real, pela qual Jesús quls passar no llmiar da
sua vida pública e que Ele relatou oportunamente aos discípulos, a fim de
dissipar as concepgSes de Messias político e nacionalista por eles nutridas.
Na verdade, é difícil compreender que os primelros crlstSos tenham forjado
um episodio em que a humildade de Jesús fosse tSo focalizada quanto no
episodio das tentacSes.

O fato histórico, relatado por Jesús, foi apresentado pelos Evangelistas


com traeos ficticios: Jesús transportado pelo demonio, montanha donde
se avistassem todos os reinos da térra... N§o sSo esses pormenores que
interessam, mas, slm, o confronto que os Evangelistas permitem fazer entre
as tentacSes de Israel no deserto e as de Jesús... Este fol fiel ao Pal,
em oposlcio ao antigo povo, rebelde e inconstante. Abriu asslm aos cris-
tSos a perspectiva de prolongar o éxodo de Israel com a esperanca de
vencer as tentacSes da caminhada e chegar devidamente á Casa do Pai.

Comentario: Urna das difíceis passagens do Evangelho é


a que se refere ás tentacóes de Jesús ocorridas no deserto logo
no inicio da vida pública do Senhor e relatadas em Mt .4,1-11;
Me 1.12s ; Le 4,1-13. Visto que o texto sagrado aprésente Jesús
sujeito ás sugestóes do demonio como se pudesse cair em pe
cado, o episodio, para nao poucos leitores, assume a índole de
fábula ou mito. Donde as questóes: trata-se de fato histórico ?
Em caso positivo, como entender o demonio tentador e as ati-
iudes de Jesús frente ás suas invectivas ? ... , ■.

_ 323 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

É o que procuraremos elucidar ñas páginas seguintes, le


vando em conta os estudos dos exegetas mais recentes. Exami
naremos primeiramente a posigáo dos que negam a autentici-
dade histórica do episodio, atribuindo-o á ficcáo ou á criativi-
dade imaginativa das comunidades cristas do século I. A seguir,
consideraremos a tese que afirma a historicidáde das tentacóes
de Jesús e exporemos o sentido que os respectivos relatos pos-
sam ter no quadro geral do Evangelho.
O assunto ]á foi abordado em PR 89/1967, pp. 199-206. Abaixo apre-
sentaremos novos enfoques.

1. Teniasoes de Jesús : f¡cgao ?

Os autores que negam a realidade histórica das tentacóes


de Jesús, recorrem a razóes diversas para basear a sua posigáo.
Examinaremos as principáis:

1.1. A ficcáo: fundamentos literarios

a) Como se compreende, os estudiosos que negam a rea


lidade do demonio, recusam conseqüentemente a historicidade
do episodio das tentagóes. Nao nos deteremos sobre essa sen-
tenca, pois ]'á abordamos a questáo da realidade do demonio
em PR 166/1973, pp. 435-450; neste artigo sao expostas as
razóes pelas quais a fé crista, baseada ñas Escrituras Sagradas
e na Tradicáo, afirma a realidade do demonio como anjo de
caído, a quem Deus concede agir contra os homens para com-
provar-lhes a virtude.

Negar a realidade das tentacóes porque nelas aparece o


demonio (como em relatos da mitología aparece um Tentador
imaginario concebido pela fantasía popular), é atitude derivada
antes de preconceitos do que de conclusóes científicas e obje
tivas. O conceito de demonio na Biblia nao pode ser equiparado
ao do Ser Maligno das literaturas extra-bíblicas; nestas a ins-
piracáo fundamental é politeísta; os deuses ou semideuses lutam
entre si ou com os heróis humanos que se querem autoafirmar.
Ora no relato evangélico das tentacóes Jesús nada tem que o
assemelhe a um guerreiro ou lutador humano que, era suas
conquistas, seria entravado por um semideus maligno; mas, ao
contrario, demonstra a paz e a superioridade de espirito que o
acompanharáo até a morte. De resto, na parte final deste artigo
consideraremos o profundo significado teológico das tentacóes
de Jesús.

— 324 —
AS TENTACOES DE JESÚS

b) Nao poucos autores apontam a singular estrntura lite


raria dos relatos das tentagóes como prova de que nao sejam
históricos.

Dizem, por exemplo:

— Os Evangelhos nao apresentam outro caso de encontró


pessoal de Jesús com Satanás. Por conseguinte, o episodio de
Mt 4,1-11 nao terá sido arquitetado pela fantasia popular dos
primeiros cristáos ? — A propósito, porém, pode-se dizer que
também Sao Paulo nao aponía outro arrebatamento ao ter-
ceiro céu além do que refere em 2 Cor 12,2-4; todavía nem
por isto se poderá negar a veracidade do que o apostólo refere
nessa passagem de suas cartas.

— Álguns autores observam que, no episodio das tenta-


Cóes, nao há urna palavra original de Jesús, mas as tres res-
postas do Senhor ao demonio sao tiradas das Escrituras Sagra
das (Deuteronómio). Nao quer isto dizer que os antigos cris
táos, ao forjarem o episodio, tiveram o escrúpulo de atribuir
a Jesús palavras que Ele nao havia proferido e, por isto, colo-
caram em seus labios textos do Deuteronómio? — Em resposta,
diga-se: nao há absurdo em que as réplicas de Jesús tenham
consistido era citacóes bíblicas. O Senhor possivelmente quis
vencer Satanás com o recurso as Escrituras, seguindo assim a
praxe dos rabinos e mestres de Israel, que costumavam dirimir
dúvidas e controversias mediante o testemunho das Escrituras.

Outras passagens do Evangelho nos mostram Jesús a uti


lizar sabiamente os textos sagrados de Israel; assim a res-
posta dada por Jesús aos enviados de Joáo Batista faz ampia
alusáo ás profecías de Isaías (cf. Mt ll,4s) ; as palavras do
Senhor sobre o cálice, na última ceia, fazem eco a Éx 24,8
(cf. Me 14,24 e paralelos).

— Mais : nao falta quem observe que o relato das tenta-


cóes no Evangelho nao é colocado nos labios de Cristo. Nao é
Jesús quem o refere ; mas, ao contrario, os Evangelistas falam
de Cristo na terceira pessoa. — Ora, á guisa de elucidacáo,
pode-se observar que , no caso de terem sido as tentagóes fatos
históricos, somente Jesús as podía narrar aos seus apostólos.
Pois bem; Jesús nao as terá narrado logo depois que ocorre-
ram, mas bem mais tarde, ou seja, quando os discípulos já colo-
cavam em Jesús as suas esperanzas messiánicas e se admira-
vam por verem que Ele nao procedia segundo as concepcóes
(políticas e nacionalistas) que eles nutriam a respeito do Mes-

— 325 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

sias. Ora, quando os Evangelistas quiseram relatar essas tenta


góes, colocaram-nas no seu respectivo contexto cronológico, ou
seja, no inicio da vida pública de Jesús, e nao no momento his
tórico posterior em que Jesús as refería Compreende-se entáo
que tenham tido que modificar o estilo da narragáo : o uso da
primeira pessoa do singular só se entendería dentro das cir
cunstancias em que Jesús havia contado o episodio ; fora des-
sas circunstancias, ou; seja, no contexto do inicio da vida pública
de Cristo, os Evangelistas tinham que referir o episodio na
terceira pessoa do singular.

Por conseguinte, o fato de que a narrativa das tentagóes


nao é diretamente atribuida a Jesús nao quer dizer que os res
pectivos narradores nao ousavam colocá-la nos labios de Cristo
ou a tinham na conta de lenda.

c) Positivamente falando, os autores que negam a reali-


dade das tentagóes, julgam que as primeiras comunidades cris
tas conceberam o relato das mesmas como urna ficgáo didática
ou narrativa edificante (haggadah, em hebraico). A finalidade
dessa ficgáo sería

— ou explicar que as expectativas messiánicas dos cristáos


nada tinham que ver com as reivindicagóes nacionalistas dos
judeus: o Cristianismo nao concebía o Messias como um Reí
portador de fartura e dotado de prestigio e poder,
/

— ou transmitir as geragóes futuras urna narrativa de


resistencia modelar a agio do Maligno: procurassem os cristáos
imitar o Senhor, lutando enérgicamente contra as tentagóes
e o pecado !

Passamos agora a analisar as dificuldades que outros exe-


getas apontam contra a tese da ficgáo.

1.2. A ficgáo: objetes

a) O Pe. Lagrange e outros autores mostnam que nao se


pode conceber o relato das tentagóes como produto da imagi-
nagáo popular. Com efeito, trata-se de um relato cuidadosa
mente construido, que supóe profunda reflexáo teológica e pene
trante compreensáó da rnissáo de Jesús: Em conseqüéncia, deve
ser atribuido a urna-persoñalidade dotada de lúcido sehso reli
gioso é dé ríotavel vela poética (teriham-se em vista as signifi
cativas imágéns da riarragió). Ora tais predicados estavam
realmente associados em Jesús.

— 326 —
AS TENTACOES DE JESÚS

b) Causa estranheza pensar que as comunidades cristas


antigás tenham atribuido gratuitamente a Jesús uma aventura
como a das tentagóes. Os antigos cristáos, depois de Páscoa e
Pentecostés, eram muito mais inclinados a exaltar a gloria e a
transcendencia de Jesús do que a sua possibilidade de ser ten
tado ao mal: «As testemunhas do Cristo glorificado nao podiam
inventar essa historia das tentagóes, em si assaz escandalosas,
do 'Filho de Deus'» (A. Nisin, «Histoire de Jesús». París 1961,
p. 139).

Os primeiros cristáos aguardavam ansiosamente o Filho


de Deus que üevia vir dos ceus (1 Tes l,10j e que julgaria os
vivos e os mortos, inaugurando definitivamente um reino que
nao teria fim; de todo o coragáo aspiravam a esse termo da
historia, exclamando: Maraña tna, Senhor, vem! (cf. 1 Cor
16,22; Apc 11,20). Nessa perspectiva, a historia das tentagóes
já nao correspondía aos interesses imediatos dos primeiros cris
táos; estes nao se preocupavam com as expectativas políticas
e terrestres que os judeus nutriam em relagao ao Messias; vol-
tavam-se muito mais para a gloria do Senhor, vencedor da
morte, do que para a humildade de Jesús peregrino na térra
e sujeito a soírer.

c) Mais ainda: as respostas que Jesús dá ao tentador


tém teor genérico e sobrio : «O homem nao vive só de pao...
Nao tentarás o Senhor... Adorarás o Senhor teu Deus». Se os
primeiros cristáos tivessem forjado respostas a ser colocadas
artificialmente nos labios de Jesús, teriam procurado na Escri
tura dizeres muito mais correspondentes & gloria final do
Messias; entre outras, por exemplo, estariam a propósito as
palavras do SI 2, 8, dirigidas por Deus Pai ao Messias : «Pede
a mim e eu te darei todas as nagóes por heranga e os confins
da térra». Donde se concluí que a discrigáo das respostas de
Jesús ao tentador, no Evahgelho, é indicio de que tais palavras
provém do próprio Cristo e nao dos pregadores ou escritores
do inicio da era crista.

Ve-se, pois, que nao há razáo para negar a autenticidade


histórica do episodio das tentagóes de Jesús. Pode-se dizer que
Cristo pássou realmente por tal certame contra o demonio no
deserto, a sos, e contou o fato a seus discípulos no momento
oportuno, de que adiante falaremos. Importa agora saber se,
na yerdade, os Evangelhos apresentam alguma ou algumas
• ocasióes plauslveis para que Jesús mesmo relatasse as tenta
góes aos seus apostólos.

.— 327.—
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 177/1974

2. Tentasóes de Jesús: realidade histórica

Podem-se assinalar tres tragos da vida pública de Jesús


que teráo fornecido ensejo a que o Senhor alguma vez falasse
das suas tentagóes aos apostólos: o pedido de sinais por parte
dos fariseus, as expectativas messiánicas dos discípulos e o
papel do demonio no Evangelho.

2.1. Pedidos de sinais

Jesús se comportava sempre com grande autoridade mes-


mo diante dos valores sagrados de Israel, de modo a surpreen-
der os seus contemporáneos. Tenha-se em vista, por exemplo,
a conduta de Jesús em sábado (Me 2,23-27; 3,1-6; Le 13,10-17),
o conceito de Jesús concernente aos alimentos impuros (Me 7,15
par.), os confrontos entre a Lei de Moisés e a nova Lei (Mt
6,21-48). Jesús assim se mostrava investido de missáo divina.
Os mestres de Israel, impressionados com isso, pediam a Jesús
as credenciais que justificassem a autoridade que Ele atribula
a Si mesmo (cf. Me 11,28) ; pediam-lhe um sinal proveniente
do céu, pedido este que os Evangelistas elassifieam como «ten-
tagáo» (cf. Me 8,11; Mt 16,1; Le 11, 16.29). O próprio Hero-
des, na hora da Paixáo, esperava ver um sinal de Jesús (cf.
Le 23,9), como também os sacerdotes e escribas aguardavam,
ao avistarem Jesús pregado na cruz (cf. Me 15,32; Mt 27,42s;
Le 23,35.37). Todavía o Senhor recusou dar qualquer"sinal ex
traordinario da sua autoridade; o único sinal seria a fidelidade
de Jesús á sua missáo a ponto mesmo de morrer e ressuscitar
(cf. Mt 12,38-40 ; Le 11, 29s).

Ora essa constante recusa de Jesús deve ter desconcertado


os discípulos. Já que Jesús fazia milagres, por que os recusava
aos seus adversarios ? Satisfazendo a estes, Ele teria evitado
problemas e embarazos a si e aos seus discípulos. É de crer entáo
que Jesús tenha procurado explicar a sua atitude aos apostólos:
a narragáo das tentagóes projetaria luz na mente destes; com
efeito, tanto a primeira como a segunda tentagáo sugerem a
Jesús faga um sinal, para que se evidencie que Ele é o Filho
de Deus... As analogías entre as solicitágóes do Tentador no
deserto e as dos adversarios de Jesús (fariseus, Herodes) du
rante a sua vida pública sao impressionantes; percebendo-as,
os discípulos compreenderiam que pedir sinais era querer de-
turpar o plano de Deus, como Satanás tentara fazer no de
serto...

— 328-^
AS TENTAC6ES DE JESÚS

2.2. As expectativas mcssifintcas dos discípulos

Jesús avivou fortemente em seus discípulos as expectativas


messiánicas que, desde remotas épocas, animavam Israel. Essas
esperanzas tinham por termo um reinado pol'.tico e próspero
do Messias, que vencería e subjugaria os povos pagaos. Sao
estas expectativas que explicam o pedido dos filhos de Zebedeu
a Cristo : «Concede-nos que na tua gloría nos sentemos um á
tua direita e o outro á tua esquerda» (Me 10,37). Note-se tam-
bém : depois que Pedro, em Cesaréia de Filipe, proclamou Jesús
como Messias, esse mesmo apostólo se escandalizou ao ouvir
o Mestre falar de seus sofrimentos e sua morte; ao que Jesús
replicou: «Retira-te de mim, Satanás, pois os teus pensamentos
nao sao os de Deus, mas os dos homens!» (Me 8, 23). Pedro
julgava a perspectiva dos sofrimentos incompativel com a
dignidade messianica que ele atribuirá a Jesús; e isto... por
que o conceito que Pedro tinha do Messias era precisamente
o conceito que o demonio tentador sugería : o Messias nao po-
deria padecer... nem mesmo fome; deveria reinar sobre Israel
e os demais povos congregando os homens em torno de si me
diante sinais prodigiosos. — A afinidade existente entre os
episodios de Cesaréia de Filipe (Me 9,27-33) e as tentagóes no
inicio do ministerio público de Jesús dáo a crer aos exegetas
que o incidente de Cesaréia foi a ocasiáo precisa para que Jesús
contasse aos seus discípulos a historia das tentagóes. Nar
rando-as, o Senhor quería que os disc'pulos compreendessem
que as expectativas políticas e nacionalistas de Isarel tinham
urna nota fortemente diabólica.

2.3. O pape! do demdnto no Evangelho

A funcáo que o demonio desempenha no relato das ten


tagóes, corresponde ao papel que Jesús atribuí ao demonio em
todo o decorrer da sua missáo : «Agrade ou nao, é preciso re-
conhecer o fato: Jesús leva o demonio a serio; considera-o
como seu antagonista, cujas manobras Ele tem que suplantar
e vencer».1

Nao raro Jesús apresentou sua obra como luta contra


Satanás, o Príncipe deste mundo (cf. Jo 12,31; 14,31). Os
exorcismos ou expulsóes de demonios dáo testemunho disso,
como explica o próprio Cristo : «Se é pelo dedo de Deus que

1 J. Dupont, "L'orlglne du récit des tentatlons de Jósus", em "Revue


Blbllque" 73, janv. 1966, p. 66.

— 329 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

expulso os demonios, o Reino de Deus chegou a vos» "(Le 11720;


Mt 12,28). Em conseqüéncia de sua luta contra o demonio,
dizia Jesús : «Eu via Satanás cair do céu como um relámpago»
(Le 10,18). Todavia, já vencido em principio, Satanás procura
por obstáculos a missáo de Jesús através dos séculos, como
previu Jesús. Assim ele é o inimigo que semeia o joio entre o
trigo (cf. Mt 13,24-30) ; ele sacode os discípulos de Jesús como
graos de trigo numa pe.neira para Ihes arrancar a fé (Le 22,31);
o Apocalipse diz mesmo que Satanás se arremessa contra os
homens com furor, porque sabe que dispóe de pouco tempo
antes da consumagáo da sua derrota (cf. Apc 12,12).... Ora
é esse mesmo adversario que aparece na historia das tentacóes,
procurando impedir o golpe que Jesús Ihe infligirá pelo cumpri-
mento fiel do plano do Pai, ou seja, sugerindo a Jesús que se
torne um Messias prestigioso e dominador político. Vé-se assim
que a tarefa desempenhada por Satanás na historia das tenta-
góes é a, mesma que Jesús Ihe atribuí habitualmente no decor-
rer da sua vida pública. Compreende-se entáo que Jesús tenha
narrado o episodio das tentagóes quando julgou oportuno elu
cidar problemas ou questóes que surgiam durante o seu con«
vivió com os apostólos.

Resta-nos agora tentar penetrar.no significado que toca


a tal episodio no conjunto da mensagem evangélica.

3. Tentares de Jesús: significado

Distinguiremos roupagem literaria e mensagem do texto


evangélico.

3.1. Artificios estilísticos

A crítica sadia admite, sem hesitacáo, certos artificios lite


rarios nos relatos das tentacóes :

Assim a mencáo de um monte táo alto que dele se poderiam


avistar todos os reinos da térra (cf. Mt 4,8), o transporte de
Jesús por obra de Satanás (cf. Mt 4,5.8)...

Mais; a presenca de Jesús em meio aos animáis ferozes


no deserto, enquanto os anjos Lhe serviam (cf. Me 1,13), tam-
bém é tida como recurso estilístico, que lembra a escatologia
ou a consumagáo dos tempos tal como a descreve figurada
mente o profeta Isaías:

•— 330 —
AS TENTACÓES DE JESÚS U

"EntSo o lobo habitará com o cordelro, e o leopardo deltar-se-á ao


lado do cabrito; o novllho e o leao comeráo juntos, e um menino os con-
duzlrá... O leSo comerá palha com o bol. A crianca de pelto brincará sobre
a toca da serpente" (Is 11, 6-8).

Essa coabitagáo tranquila do homem com os animáis anun


cia, segundo Isaías, a renovacáo da paz do paraíso. Em Me 1,13,
por conseguinte, Jesús aparece como o segundo Adáo: é o novo
homem, que traz em si a paz com Deus, a ponto de suplantar
a estranheza ou a hostilidade da natureza que o cerca • Cristo
veio introduzir o género humano no estado de reconciliacáo
prevista para os últimos tempos. O servigo dos anjos nesse con
texto tem o mesmo significado : paz com Deus é também fami-
liaridade com todos aqueles que servem a Deus.
Mais ainda : nada obriga a crer que o demonio tenha to
mado figura sensível ou visível na presenca de Jesús para dia
logar com o Mestre. Basta admitir que o Maligno tenha inter
pelado Jesús em um diálogo meramente espiritual, semelhante
aos que podem ocorrer freqüentemente na vida de cada homem
até hoje.

Deve-se igualmente mencionar que o número 40 na Biblia


é muitas vezes convencional: designa a duragáti de urna gera-
gáo ou um período longo cuja duragáo exata é desconhecida
(rías línguas persa e turca a centopéia, animal de cem pés, é
chamada «quarentopéia»). Tenham-se em vista os seguintes
dados i Elias caminhou durante 40 días e 40 noites até a mon-
tanha de Deus chamada Horeb (cf. 1 Rs 19,8); Israel esteve
40 anos no deserto (cf. Núm 14,22-34); Moisés permaneceu no
Sinai 40 dias e 40 noites (cf. Éx 24,18); o diluvio durou 40
dias e 40 noites (cf. Gen 7,4); a térra de Israel gozou de paz
durante 40 anos após a libertagáo realizada por alguns juizes
(cf. Jz 3,11.30; 5,32; 8,28); Davi reinou 40 anos sobre todo
o povo de Israel (cf. 2 Sam 5,4)... É á luz destes elementos
literarios que se deve considerar o periodo de 40 dias em que
Jesús jejuou, conforme o Evangelho. O leitor concluirá dai que
Jesús se entregou a jejum severo e prolongado; mas evitará
descer a pormenores, renunciando a saber como se deu exata-
mente o jejum de Cristo. — Nao tem propósito dizer que Jesús,
ao termo de 40 dias, estava extenuado e alucinado pelo jejum
a ponto" de imaginar a aparicáo do demonio e o diálogo das
tentacóes. Estas seriam mero produto da mente perturbada do
Senhor, vitima de excessivo jejum. Tal explicagáo é descabida
por tres motivos:
a) nao leva em conta o estilo do texto do Evangelho, que
há de ser lido a luz das citadas passagens do Antigo Testamentó

— 333; —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

e entendido no sentido ás vezes vago ou convencional que o


número 40 tem na Biblia ;

b) Jesús respondeu a Satanás com a tranqüilidade e su-


perioridade que um alucinado jamáis poderla conceber;

c) ademáis a aludnacáo e a doenca mental sao notas que


absolutamente nao quadram na personalidade de Jesús, que,
como homem, sempre se mostrou extremamente sadio de corpo
e alma, dotado de constante bom senso e lucidez de espirito,
inabalável em seu equilibrio ; cf. PR 151/1972, pp. 310-322;
152/1972, pp. 343-358; 153/1972, pp. 391-407.

3.2. A mensagem a partir do fundo de cena bíblico

Observemos agora a grande afinidade literaria existente


entre o relato evangélico das tentagóes segundo Mateus e as
Escrituras do Antigo Testamento (principalmente o Deute-
ronómio) :
MI Antigo Testamento

4,1 "Jesús entáo fol levado pelo "O Senhor teu Deus te levou para
Espirito ao deserto para ser tenta por-te á prova" (Dt 8,2).
do".
"Ele te conduzlu durante quarenta
anos no deserto... Ele te fez sofrer
e passar fome" Dt 8,2s).
4,2 "Depola de jejuar quarenta "Moisés flcou Junto do Senhor qua
días e quarenta noltes, teve fome". renta días e quarenta noites, sem
comer pSo e sem beber agua" (éx
34,28).
"Dlsse Moisés: 'Permanecí na
montanha quarenta días e quarenta
noltes, sem comer pSo e sem beber
agua" (Dt 9,9).

4,4 "Está escrito: 'Nao só de pSo "NSo só de pSo vive o homem,


vive o homem, mas de toda palavra mas de toda palavra que sal da boca
que sal da boca de Deus". de Deus" (Dt 8,3).
4.6 "Dará ordens aos seus anjos "Dará ordens aos seus anjos a
a teu respelto; eles te levarfio ñas teu respelto; eles te levarSo ñas
mSos para que nfio tiras os pés em mfios para que nfio liras os pés em
alguma pedra". alguma pedra" (SI 90,11 s).
4.7 "Está escrito também: 'Nfio "Nfio tentarás o Senhor teu Deus"
tentarás o Senhor teu Deus". (Dt 6,16).

4.8 "... sobre um monte multo "Moisés sublu sobre a montanha...


alto, donde Irte mostrou todos os e o Senhor Ihe mostrou a térra (de
reinos da térra". CartaS)" (Dt 34,1).

— 332^
AS TENTACOES PE JESÚS 13

4.10 "Adorarás ao Senhor teu "é o Senhor teu Deus que adora-
Deus, e so a Ele servirás". ras e a Ele só que servirás" (Dt
6,13).

4.11 "Els que se aproxlmaram os "Como a águla vela sobre o seu


anjos e Lhe servlam". nlnho ou paira sobre os fllhotes, es
te nde as asas para os recolher e
os leva sobre as suas penas robus
tas, só o Senhor dirige Israel" (Dt
32,11s).

Refletindo sobre este quadro, pode-se dizer o seguinte:

3.2.1. O éxodo prolongado

O uso táo freqüente e constante do Deuteronómio no relato


evangélico mostrá que o evangelista quis apresentar a tentacáo
de Jesús no deserto sobre o fundo de cena da tentacáo (ou
provacáo) que Israel sofreu da parte de Deus no deserto. O
antigo povo de Deus outrora foi submetido & prova da vida
dura em árida regiáo, a fim de passar do cativeiro do Egito
para a liberdade da Térra Prometida; Israel, porém, recalci-
trou; chegou a tentar reciprocamente a Deus, manifestando
saudades da térra da servidáo. Em suma, Israel foi um filho
infiel e rebelde, como o repetem a Lei de Moisés (cf. Dt 6,16;
17,2.7: 32-34; Núm 14,22), os salmos (cf. SI 77,18-41; 80,11;
94,8; 95,6), os profetas (cf. Jer 7,22; Ez 20,5; Is 63, 10) e
os autores do Novo Testamento (Hebr 3,16; Jud 5).

Ora Jesús no deserto quis assumir o papel do povo de


Israel, para ser, dessa vez, o Filho obediente e humilde: aceitou
integralmente a missáo que o Pai havia confiado a Ele como
homem, sem «tentar» o Pai, pedindo sinais ou cedendo as
sugestóes políticas e nacionalistas de Satanás.

0 texto do Evansrelho, configurado como está, assemelha


Jesús também a Moisés. Com efeito; como Moisés atravessou
o Mar Vermelho, entrou rio deserto e se preparou pelo jejum
em alta montanha, para promulgar a Magna Carta de Israel,
assim também Jesús recebeu o 'batismo'1, foi para o deserto e
viveu, de certo modo, a experiencia do éxodo féita por Moisés
e Israel outrora. Ele qüis principalmente passar pelas prdvas
a que foi submetido Israel, a fim de chancelar as faltas da ce-
racáo do éxodo e obter para os homens a entrada na verdadeira

1 Já Sfio Paulo vía na passagem do Mar Vermelho um tipo ou urna


Imagen do batlsmo; cf. 1 Cor 10, 1s.

— 333 —
14 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

térra da liberdade, que é a Jerusálém celeste ou o Reino de


Deus consumado. O Evangelho assim quer dizer-nos que o
éxodo nao se terminou com Moisés e o povo que atravessQU o
deserto, mas continua e se consuma com Cristo e com o povo
cristáo. — Assim a vitória de Jesús sobre Satanás tem sentido
de oposigáo e reparagáo em relagáo á derrota sofrida por Israel

3.2.2. A ligio moral

Além da intengáo de apresentar urna «teología do éxodo e


da tenta-?áo», podemos descobrir no relato evangélico também
urna finalidade parenética ou exortatória. Os Evangelistas nao
escreveram apenas para instruir, mas também para encorajar
os léltores e oferecer-lhes um modelo de conduta perfeita. Com
efeito, na visáo de Mt e Le, a comunidade dos judeus do éxodo
vem a ser um ponto de referencia para as comunidades cristas.
Por conseguinte, os fatos ocorridos com aquela constituem de
certo modo urna admoestacáo para os fiéis cristáos (cf. 1 Cor
10, 1^11). Jesús mostrou que é possível nao cair ñas atitudes
de pouca fé, insubordinaejio e idolatría dos antigos pais, desde
que a criatura saiba ter paciencia e tenacidade.

Jesus transfbrmou também a imagem do deserto: consi


derado pelos israelitas do éxodo como lugar de horror e vasta
solidáo (cf. Dt 32,10), o deserto ficou sendo, após Cristo, o
lugar do encontró com Deus, transformado, de certo modo, em
novo paraíso terrestre; as feras vém a ser ai amigas dos
homens ; e, se o tentador aparece no deserto, os fiéis de Deus
podem contar com o exemplo e a grasa de Cristo,para su-
perá-lo.x

Procuremos agora formular, de tudo o que acaba de ser


exposto, urna

4. Conclusao

Pódese dizer que, mediante o relato das tentagóes, Jesús


quis incutir urna concepcáo teológica a respeito do Messias e de
sua obra. Terá entáo referido, em meados da sua vida pública,
que, havendo-se retirado para o deserto após o seu batismo,

i Vém a propósito as palavras da carta eos Hebreus:


"NSo temos um Sumo Sacerdote que nSo possa compadecer-so das
nossaa fraquezas. Pelo contrario, Ele mesmo foi provado em tudo, a nossa
semelhanca, exceto no pecado" (Hebr 4,15).

—. 334 —
AS TENTACOES DE JESÚS 35

foi solicitado pelo tentador. Esteva no limiar do seu ministerio


sagrado; duas vias e duas perspectivas se lhe abriam ante
os olhos:

1) a fidelidade a vontade do Pai, que O enviara a este


mundo para resgatar o género humano, vítima da desobediencia
e da morte. Devia, pois, fazer-se obediente até a morte, renun
ciando aos bens deste mundo, de que o primeiro Adáo havia
abusado;

2) a possibilidade de adotar urna carreira fácil e agra-


dável, procurando impor-se como o Salvador político de Israel;
nao Lhe faltariam meios de fascinar o povo em seu favor. Na
turalmente, esta segunda perspectiva equivalia a urna traicáo
aos designios do Pai; correspondía exatamente ao que Satanás
sempre procurou obter dos homens. O povo de Israel mais de
urna vez sucumbirá á tentagáo de infidelidade para com Javé,
principalmente durante os quarenta anos de travessia do
deserto.

Diante do dilema, a santíssima vontade humana de Jesús


escolheu deliberadamente a obediencia ao Pai, abracando a
renuncia, por mais penosa que fosse. Cristo nao imitaría a du
reza de Israel, nem se poria a servigo de Satanás. Mais tarde,
no horto das Oliveiras Jesús de novo faria tal opgáo.

Se queremos falar com sobriedade, evitando pormenores


pouco seguros, devemos dizer que foi isto o que se deu ao cabo
dos quarenta días de jejum passados no deserto. Para transmi-
ti-lo aos apostólos, Cristo terá usado urna linguagem que, em-
bora seja pouco comum entre nos, era milito familiar a eles,
pois recorría a imagens, cenas concretas e numerosas citacóes
bíblicas.

O episodio assím póe em relevo o «porqué» da Encarnagáo


do Filho de Deus; Ele se quis fazer homem a ponto de passar
pelas tentagóes que nos experimentamos, a fim de dar sentido
novo a tudo o que é humano, até mesmo aos assaltos que o
Maligno empreende contra nos. Jesús quis conferir aos homens,
para o futuro, o poder de vencer as tentagóes, que todos devem
enfrentar no deserto desta vida cu desta peregrinagáo terrestre;
as situagóes se repetem análogamente através dos sáculos. De-
pois que Cristo passou pelas tentagóes e as suplantou, nao há
mais perigo de pecado que seja insuperável aos homens.

— 335 —
1§ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

Em outros termos: como a historia de Israel tentado se


prolonga na de Cristo tentado, ela se continua outrossim na
vida de todos os cristáos. Também estes sao postos á prova;
compete -Inés, a seu turno, triunfar, aproveitando as ligóes da
S. Escritura e do Filho de Deus. Saibam, pois, os cristáos re-
conhecer os perigos existentes ñas concessóes mórbidamente
feitas á natureza (cobica de prestigio, do portentoso e dos bens
temporais) e sigam os caminhos da fé, da renuncia e da humil-
dade que Cristo trilhou. Assim evitaráo as quedas do povo pré-
-cristáo, e tornar-se-áó os verdadeiros discípulos de Cristo.

Tal é a mensagem que o episodio das tentagóes de Jesús


quer transmitir. Nao sao os pormenores do texto que devem
deter a atencáo dos leitores, mas, sim, o seu ensinamento
teológico.

Bibliografía:

J. Dupont, "Les tentations dans le désert (Mt IV 1-11)", em "Assem-


blées du Selgneur" 26 (1962), pp. 37-53.

ídem, "L'orlglne du rócit des tentations de Jésus au désert". em "Re-


vue bibllque" 73 (1966), pp. 30-76.

Q. H. P. Thompson, "Called-Proved-Obedlent. A Study on te Baptlsm


and Temptation. Narratives of Matthew and Luke", em "Journal of Theologl-
cal Studies" 11 (1960), pp. 1-12.

J. H. Rlesenfeld, "Le caractére messianiqua de la tentation au désert",


em "La venue du Messie", Recherches blbllques VI. Bruges 1962, pp. 51-63.

C. Duquoc, "La tentation du Chrlst", em "Lumlére et vle" 63, pp. 21-41.

PR 89/1967, pp. 199-206.

_ 336 —
Aínda a onda do exorcismo:

o filme "madre joana dos anjos"

Em slntose: O filme "Madre Joana dos Anjos" de Jerzy Kawalerowicz


basela-se sobre um episodio real ocorrldo na Franca entre 1632 e 1637, no
convento das Ursulinas de Loudun. A Irmfi Superiora, chamada Madre Joana
dos Anjos, comecou a sentir estranhos síntomas, que, consoante a mentall-
dade da época, foram atribuidos á possessSo diabólica; os mesmos fenó
menos passaram a ocorrer também ñas outras Irmas da comunldade. Já
que o mal-estar persistía no convento de Loudun, apesar dos numerosos
exorcismos lá praticados, as autoridades religiosas e clvls envlaram para
lá o Pe. JoSo José Surln, jesuíta fervoroso, mas de saúde fraca. O sacer
dote aos poucos foi sendo Igualmente contagiado pela "possessSo diabó
lica", de sorte que em 1637 teve que ser afastado de Loudun, ffcando su-
jelto a crises doentlas até o flm da vida. Quanto á comunldade de Ursulinas
em breve voltaram á normalldade.

Evidentemente, tal caso nSo tem que ver com possessfio diabólica, mas
com histeria e sugestlonamento. Kawalerowicz explora o episodio, de sorte
a sugerir que o celibato e a castldade sfio fatores de demonlsmo ou esta-
dos pslcopatológlcos; a vida religiosa é asslm caricaturada, juntamente
com outros valores caros ao Cristianismo.

O cineasta engana-se na sua manelra de encarar a vida consagrada a


Dous. Esta também é vida de amor a Deus e ao próximo em termos nobres
e dignificantes. O fenómeno de Loudun se devla ás circunstancias próprias
da época; nao afeta o valor da vida religiosa, que é e será sempre urna
das mais auténticas expressOes do Evanflelho, desde que vivida com fldell-
dade e fervor.

Comentario: Voltou ao oartaz dos cinemas no Brasil o


filme polonés «Madre Joana dos Anjos» de Jerzy Kawalerowicz
(producáo Kadr). Vem fazer eco, do seu modo, ao romance e
ao filme «O Exorcieta», de que trata PR 173/1974, pp. 195-205.
Na verdade, os assuntos atinentes á possessáo diabólica e ao
exorcismo estáo milito em foco desde 1973.

O filme «Madre Joana dos Anjos», embora já date de 1961


e seja relativamente pobre em cenários e variedades, impres-
siona o público, pois trata de tema emocionante apresentado
com esmero e finura.

— 337 —
18 «PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

Já que o enredo alude a um fato histórico, vamos, antes


do mais, recordar tal episodio. Depois disto, poderemos mais
adequadamente analisar o filme «Madre Joana dos Anjos» e
seu significado.

O assunto já foi abordado em PR 71/1963, pp. 419-427,


quando o filme foi pela primeira vez apresentado no Brasil.
Retomamos o tema, procurando atender ao interesse do público
renovado pela «reprise» do filme e pela perspectiva da próxima
exibicáo de «O Exorcista» no cinema.

1. O fundo de cena histórico

Em Loudun (regiáo de Poitiers) na Franca, foi fundado


em 1626 um mosteiro de 17 Religiosas Ursulinas. Pouco depois,
ou seja, em 1632, a Superiora da comunidade, Madre Joana dos
Anjos, (no século, Jeanne de Belcier) caiu vítima de fenómenos
físicos e psíquicos muito estranhos, que ela e seus contemporá
neos logo interpretaram como sinais de possessáo diabólica. Em
breve, toda as Religiosas da casa comeearam a manifestar os
mesmos síntomas, como se estivessem igualmente possessas do
demonio : tinham visóes, idéias fixas, contavam historias assus-
tadoras, etc. Em suas crises, urna délas (que as outras, a seguir,
imitaram) asseverou que o culpado de toda a tragedia era o
Cónego Urbano Grandier... Dizia-se que este havia desenca-
deado os poderes infernáis para dentro do mosteiro, langando
por cima dos muros da clausura um ramalhete de rosas...

O capeláo da comunidade, Cónego Mignon, juntamente com


dois sacerdotes da regiáo, iniciou aos 11 de outubro de 1632
urna serie de exorcismos públicos em presenta de médicos e
autoridades, sem, porém, lograr éxito algum.

Muito solene era entáo o Ritual dos exorcismos : faziam-se


no recinto de urna igreja ou de um saláo franqueado, após haver
sido anunciados publicamente. As Religiosas possessas e seus
exorcistas entravam processionalmente sob os olhares de cen
tenas de espectadores; a duragáo media de cada sessáo era de
seis a sete horas. Esse aparatoso cerimonial, por mais estranho
ou despropositado que nos parega, se entende bem dentro da
mentalidade do séc. XVTI: era concebido a fim de edificar os
bons e converter os maus. De fato, o exorcista, libertando um
possesso, mostraría ao público a eficacia da ora;áo da S. Igreja
e poria em evidencia a realidade do mundo invisível, provo-

— 338 —
«MADRE JOANA DOS ANJOS» 19

cando assim as almas a aderir de todo o coragáo ¡a S. Igreja. Esse


ponto de vista foi comprovado pela experiencia, pois na ver-
dade bom número de incrédulos e herejes se convertiam ñas
diversas cidades em que os exorcismos eram praticados (uma
das conversóes mais famosas foi a de Florimond de Rémond,
autor de uma «Histoire de l'hérésie»); em suma, o público se
impressionava profundamente e voltava para Deus ao ver e
ouvir os fenómenos maravilhosos que se verificavam por oca-
siáo dos exorcismos.

Já que o mal nao cedia em Loudun, o arcebispo metropo


litano de Bordéus, D. Henrique de Sourdis, mandou proceder a
exato inquérito sobre o caso, ficando, em conclusáo, apurado
que ai nao se tratava de possessáo diabólica, mas únicamente
de histerismo coletivo. Em conseqüéncia, foram suspensos os
exorcismos e estipuladas severas penas para quem ousasse inter
ferir na situacáo. Sem demora, a vida no mosteiro das Ursuli
nas se acalmou, voltando tudo á normalidade.

Aconteceu, porém, que em 1633 passou por Loudun um


militar, conselheiro do rei Luís Xm e homem de confianca do
prlmeiro-ministro Richelieu: Jean-Martin de Laubardemont
Puseram-no a par da situagáo?... em breve Laubardemont re-
cebeu de Richelieu a missáo de mover processo contra Grandier,
acusado de haver provocado a «possessáo» da comunidade. Lau
bardemont deu entáo inicio aos interrogatorios a respeito de
Grandier e, como oficial do rei absolutista, mandou recomegar
os exorcismos contra os demonios, que «podiam estar latentes
ñas Religiosas...»

Eis, porém, que os exorcismos se tornaram ocasiáo para


que os «demonios» voltassem á atividade, acometendo dessa vez
nao só as Religiosas, mas também algumas donzelas da cidade.

Já que a lamentável situacáo tomava tal vulto, o governo


francés mais aínda se empenhou por debela-la; foi proferida
a condenagáo á morte sobre Grandier, o qual sofreu a execugáo
aos 23 de agosto de 1633, embora as duas Religiosas que mo-
viam a acusagáo se tívessem retratado. Nao obstante, contí-
nuavam as terríveis crises na comunidade. A fim de lhes fazer
frente, as autoridades civis e religiosas apelaram para a Com-
panhia de Jesús, cujos padres gozavam de grande fama: con-
seguiram fosse enviado para Loudun, em dezembro de 1634,
um jovem sacerdote jesuíta (de 34 anos de idade), o Pe. Joáo
José Surin, S. J., multo fervoroso e entusiasta, mas de saúde

— 339 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

fraca; já outrora, mais de urna vez, fora abalado em seu sis


tema nervoso. O novo capeláo da casa ursulina deveria aplicar
os exorcismos e procurar aliviar a sorte das Religiosas. Toda
vía, após algum tempo de convivencia com a cómunidade, o
Pe. Surin se deu também ele por contagiado pela possessáo dia
bólica; o fervoroso exorcista teve que ser, por sua vez, subme-
tido a exorcismos. Finalmente, em 1637 foi afastado de Loudun,
ficando para o resto da vida sujeito a terríveis manifestagóes
patológicas.

Richelieu, vendo assim que todos os esforgos até entáo


haviam sido frustrados, resolveu suspendé-los; os exorcistas
se retiraram de Loudun, e — coisa maravilhosa! — as Reli
giosas recuperaran! a sua serenidade !

Pergunta-se agora: como julgar o caso histórico de


Loudun ?

O episodio é, sem dúvida, muito complexo, dando margem


a variados pareceres dos historiadores. Hoje em dia, com os
progressos da psicología, julga-se que a cómunidade ursulina.e
o Pe. Surin foram simplesmente vitimas de estados neuróticos,
histéricos, etc. Os fenómenos averiguados se explicam suficien
temente por desequilibrio psicológico das pessoas envolvidas.
Há motivos para se reconhecer o fundo patológico das perso
nalidades de Madre Joana dos Anjos e do Pe. Surin.

2. O filme

1. No cinema Kawalerowicz explora os fatos baseando-se


no romance que a respeito dos mesmos escreveu Jaroslaw
Iwakiewicz. Comeca por mostrar a chegada do Pe. Surin, pie-
doso e austero, ao convento de Loudun, a fim de proceder a
exorcismos sobre Madre Joana dos Anjos. Aos poucos, o padre
é vítima de seu zelo e de seus ñervos; desejando realmente
libertar Madre Joana das infestagóes do Maligno, ele se oferece
ao demonio como presa, em troca da Religiosa. Em conseqüén-
cia, Surin vai-se sentindo aos poucos, e cada vez mais, «pos-
sesso»; o filme termina em urna cena na qual o Padre manda
dizer a Madre Joana dos Anjos que ele aceitou ser vítima do
demonio para poder salvá-la do Maligno e ajudá-la a ser santa.

Kawalerowicz acrescentou ao episodio histórico alguns tó


picos destinados a tornar mais expressiva a tese do filme.
Tenha-se em vista, por exemplo, a figura da Religiosa que fugia

— 340 —
«MADRE JOANA DOS ANJOS> 21

do convento e da qual falaremos adiante. Como quer que seja,


o enredo do filme é sombrío, pesado, pouco variado...; salien-
tam-se, porém, belas pegas de canto sacro entoadas pelas Reli
giosas de Loudun quando nao padecem crises de possesslo
diabólica.

2. Perguntamo-nos: qual terá sido a tese que Kawale


rowicz tencíonou comunicar ao público mediante o seu filme ?

— O autor declarou explícitamente em 1961 ser ateu e


materialista. Abordou, pois, um assunto de fundo religioso sem
ter senso religioso. Em tais condigóes, um cineasta arrisca-SR
a desfigurar o tema apresentado.

Na verdade, foi o que se deu.

Nao há dúvida, as Religiosas de Loudun e o Pe. Surin fo-


ram vitimas de sugestáo e histeria. Deve-se reconhecer, com os
bons comentadores do episodio, que nao foram infestados pelo
demonio, como julgavam. Ora, na base deste fato, o filme de
Kawalerowicz insinúa que, de modo geral, a repressáo do sexo
no celibato ou na virgindade leva a tais transtornos psicopato-
lógicos. Os instintos sexuais coibidos se vingariam do sujeito
que os recalca, Ievando-o a procurar compensagóes em outros
tipos de satisfagáo. Esta tese é particularmente transmitida por
um dos tragos mais característicos do enredo do filme (trago
que nao corresponde á realidade histórica, mas que Kawale
rowicz lhe acrescentou para realgar melhor a sua tese) : há
no convento de Loudun urna única Religiosa «nao possessa».
Mas precisamente essa Irma sai do convento, freqüenta o al
bergue, convive com homens e, finalmente, se entrega a ura
nobre, que a seduz; as demais Irmas, que ficam no convento
e nao tém tais relagóes, sao «possessas» ou mentalmente des
viadas. A própria Madre Joana dos Anjos, em um diálogo com
o Pe. Surin, afirma nao ter vocagáo para orar e levar urna
vida oculta, recolhida no convento; já que nao se casou, no
convento ela tem que ser ou santa (para tornar-se objeto do
louvor e da admiracáo dos fiéis cristáos) ou possessa (o que a
toma mteressante para os exorcistas e o grande público, que
com ela se ocupam); por conseguíate, segundo Kawalerowicz,
a vaidade, o orgulho e a repressáo sexual estariam na raíz dos
fenómenos apresentados por Madre Joana dos Anjos, como tam-
bém ña'raíz das expressóes da mística crista,

Outro trago do filme, que bem exprime a mentalidade de


Kawalerowicz, desta vez no tocante.a Religiáo, é o diálogo que

— 341 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

ocorre entre o Pe. Surin (que já comega a apresentar síntomas


de transtomo mental) e um rabino da cidade próxima: o rabino
sugere concepcóes estranhas ou antirreligiosas, dizendo que
Satanás terá criado o mundo, visto que este é táo mau; a per-
seguigáo aos judeus seria recente testemunho do demonismo
da historia; os anjos teriam tido relacóes sexuais com mulhe-
res... No fim, o rabino se irrita como se estivesse também
possesso. «Nada sei, nada sei!», é a conclusáo a que chegam
o padre e o rabino. —i A confusáo religiosa e o ceticismo sao
assim sugeridos.

Em suma, as expressóes da fé, mesmo aquelas que sempre


foram tidas como as mais belas e heroicas (a vida sacerdotal
e a vida virginal), sao apresentadas como antinaturais e como
desvios.da personalidade; a disciplina religiosa, a oracáo e a
penitencia sao fortemente marcadas com nota pejorativa. O
amor sensual seria o dinamo de toda a atividade humana;
quando ele nao se exerce livremente, provoca histeria e estados
patológicos, que os 'homens religiosos, em sua ignorancia ou
infantilidade, chamam «possessáo diabólica»... Eis o que in
sinúa o filme.

Passemos agora á abordagem das questóes suscitadas pelo


enredo de «Madre Joana dos Anjos».

3. Refletirtdo á margem «fo filme...

Consideraremos tres pontos sugeridos pelo desenrolar da


obra de Kawalerowicz.

3.1. Vida religiosa

A vida consagrada a Deus pelos votos religosos, especial


mente pelo de castidade, está longe de ser a expressáo de um
estado de animo patológico ou frustrado. Quando genuinamente
abracada e vivida, a profissáo religiosa conventual é, antes, a
expressáo do amor — o valor mais nobre da criatura humana —
a Deus e ao próximo. O mesmo amor que no casamento leva
os cónjuges cristáos a se darem um ao outro para que ambos
cheguem juntos a Cristo, pode levar a criatura a procurar dire-
tamente Cristo e os valores eternos, sem passar pela vida con
jugal. É o auténtico amor —e táo somente o auténtico amor —
que inspira tanto o consorcio matrimonial como aconsagracSo

— 342 —
«MADRE JOANA DOS ANJOS» 23

da virgindade e do celibato a Deus. A gra^a de. viver a vida una


ou indivisa consagrada ao Senhor é imensa, pois antecipa, de
táo perto quanto possível na térra, o que se dará por toda a
eternidade, quando Deus será a grande Resposta a todas as
aspiracóes de suas criaturas. Quem corresponde fielmente a
esse dom de Deus, usufrui de indizivel felicidade. Contudo nin-
guém pode arrogar a si o dom do celihyato ou da virgindade;
este tem sua iniciativa exclusiva em Deus. Quem se encerra
(ou é encerrado pelos parentes) em um convento sem ter o
chamado do Senhor, arrisca-se a desfigurar ou perder a sua
personalidade. Infelizmente, nao era raro acontecer isto na
Idade Media e nos inicios da Idade Moderna, quando as fanrlias
nobres consideravam os mosteiros e conventos como «abrigos»
ou «refugios honestos» para filhos ou parentes que nao tivessem
a possibilidade de fazer carreira no mundo; coag'am-nos entáo
a entrar no claustro — o que redundava em desastres de índole
psicopatológica e moral.

Devem-se, alias, levar em conta algumas circunstancias


próprias da vida claustral de outrora. Muitos nobres, movidos
pela boa intencáo de favorecer a vida monástica, fundavam
mosteiros em seus territorios ou faziam ventajosas doagóes aos
cenobios já existentes. Conseqüentemente, julgavam ter um
quase direito de intervir na vida desses cenobios a título de
tutores ou mesmo proprietários. Disto resultaram abusos. Cer
tas familias nobres passaram a considerar «seus» mosteiros
como instituigóes que deviam servir aos interesses da respectiva
linhagem : os pais colocavam seus filhos e filhas ñas casas reli
giosas (aínda que nao tivessem vocacáo), e controlavam o re-
crutamento da comunidade, excluindo candidatos ou candida-
tas que nao lhes interessassem. Tendo urna vez estabelecido
seus filhos no mosteiro, os genitores tratavam de os promover,
direta ou indiretamente, aos cargos superiores, de modo que
esses monges e monjas se tornavam por vezes prestigiosos admi
nistradores de vultosos bens, gozando de carreira invejável, re
lacionados com os grandes do mundo... — Esses abusos nao
podiam deixar de acarretar notável detrimento para o fervor
dos mosteiros: práticas mundanas, modas, luxo e outros males
escandalosos foram a conseqüéncia das intervencóes dos nobres
nos mosteiros em épocas passadas.. Aínda que as autoridades
eclesiásticas se empenhassem (como de fato se empenharam)
por coibir tais ¿busos e salvaguardar a fiel observancia das
Regras religiosas, as familias nobres de certo modo conspira-
vam entre si para neutralizar as intervencóes dos bispos.

— 343 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 177/1974

Voltando agora ao caso de Loudun, podemos admitir que


urna ou outra das Religiosas de Loudun no sáculo XVII tenha
sido vitima dos abusos das familias vizinhas em relagáo ao
mosteiro citado.

Como quer que seja, os casos escabrosos registrados na


historia dos mosteiros e dos conventos através dos sáculos nada
significam contra o valor da vida religiosa consagrada como
tal. O ideal que a inspira, continua, e continuará, a ser dos
mais sublimes que se possam conceber na térra, pois é o ideal
da vida de amor entregue diretamente ao Supremo Bem, Deus,
e ao próximo.

3.2. O Cdnego Grandier

O Pe. Urbano Grandier no filme é tido como o pai de dois


filhos naturais; véem-se outrossim os restos da foguelra em
que ardeu, condenado á morte após o inquérito realizado, pelo
oficial do rei de Franga Jean-Marie Laubardemont.

Na verdade, Grandier nao foi um sacerdote de vida exem-


piar. Todavia os historiadores julgam que nao teve culpa no
surto do estado de «possessáo diabólica» no convento de Lou
dun. A sua condenagáo, dramáticamente representada no filme
pela lenha restante da fogueira que o queimou vivo, deve-se ao
poder regio de Franga. Este, inspirado por idéias galicanas,
que concediam ao rei o controle da vida da Igreja, tinha grande
ingerencia em assuntos eclesiásticos; chegava a condenar á
morte por motivos religiosos (condenacáo que, segundo os pro-
cessos da época, aínda era executada pelo fogo). Nao se podem
justificar as falhas que homens da Igreja e do Estado tenham
cometido por ocasiáo de tais processos, mas é precisó lembrar
que, no Estado absolutista francés dos séc. XVII/XVIÜ, os
assuntos eclesiásticos dependiam por vezes mais do Estado do
que da Igreja.

O grau de ingerencia do Estado francés no que dizia res*


peito á possessáo diabólica e aos exorcismos é ilustrado pela
seguinte passagem de Henri Brémont na sua famosa obra «His-
toire du sentiment religieux en France; depuis la fin des guerrea
de Religión jusqu'á nos jours». V, 1933, p. 185 :

"A maloria dos exorclstas eram sacerdotes multo recomendávals tanto


por sue clonóla como por sua vlrtude.. .....

— 344 —
___ «MADRE JOANA DOS ANJOS» 25

03 exorclstas estavam ao servido e as ordens do Estado, o qual sub-


tralra áa autoridades esplrltuals (eclesiásticas) o reconhecimento das cau
sas diabólicas. Eram simples funcionarlos, como nossos médicos legistas
hoje. Havla, poróm, urna dlferenca: geralmente sSo os médicos legistas que
ImpSem a justlca civil as conclusoes das suas Investiga96es, ao passo que
outrora eram os exorclstas que aceltavam dócilmente as Idéias do Estado a
respeito dos demonios e dos meios empíricos de so reconhecer a sua pre-
senca. Aos poucos, havla sido estabelecida, em lugar dos principios elemen
tares da (é crista e do Dlrolto Canónico, urna demonologla lelga, mals
absurda aínda do que bárbara (se possfvel)... Asslm, por exemplo, o cons
tante mentiroso (Satanás) de que nos falam os Llvros Santos e toda a Tra-
dlcSo, tornara-se, aos olhos desasa estranhos trlbunals, urna testemunha de
prlmelra categoría. Intimado a nomear o autor do maleficio que pesava so
bre ... Joana dos Anjo3, bastava que o demonio dlssesse Urbano Grandler,
para que ficasse claro o caso... Grandler serla quelmado sem demora. O
jesuíta O'Avrlgny dlsse com a sua Ironía habitual: 'Grandler fol condenado
mediante o te3temunho constante e uniforme do pal da mentira'".

Este trecho de Brémont contribuí para introduzir o leitor


ha mentalidade da época. O Estado dos reis Luis xm e Luis XIV
jülgava-se tutor e arbitro dos interesses religiosos do povo fran
cés; atribula, portante, a si mesmo a última palavra nos episo
dios de possessáo diabólica, como se fosse competente para
tanto. Nao faltaram vozes de bispos e Papas que reagiram con
tra tal ingerencia civil em assuntos religiosos. Todavía só com
o passar do tempo é que a Igreja conseguiu libertar-se de tal
controle reglo. Tenha-se presente que também em Portugal e
rio Brasil os reis e imperadores respectivamente gozavam de
poder sobre assuntos eclesiásticos, mediante a chamada «lei do
padroado» : urna Bula papal devia ser sancionada pelo monarca
em Portugal e no Brasil; caso o fosse, teria vigor de lei de
Estado ; caso, porém, nao o fosse, a sua execugáo era vetada
aos bispos e clérigos.

3.3. A existencia do demonio

A existencia do demonio é atestada pelas Escrituras Sagra


das e pelo constante testemunho da Tradigáo crista. O S. Padre
Paulo VI nos últimos tempos tem-na reafirmado insistente
mente em vista da opiniáo, assaz esparsa hoje, de estudiosos
que a negam. — Note-se que os criterios para afirmar ou negar
a existencia do demonio nao sao os da filosofía ou do puro
raciocinio, nem sao os da experiencia concreta, mas sao única
mente os da fé; o assunto pertence estritamente ao setor da
fé; ora esta é suficientemente explícita (máxime através do
magisterio da Igreja) para que o cristáo fiel compreenda que

— 345 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 177/1974

nao pode negar a existencia do demonio sem derrogar a uma


proposigáo da Palavra de Deus revelada.

Verdade é que o demonio hoje em dia nao costuma mani-


festar-se por sinais extraordinarios; parece, antes, provocar
realizacóes de malicia táo requintadas que, a justo titulo, sao
ditas «satánicas» ou «diabólicas». Assim o satanismo em nossos
dias se exprime no ateísmo militante, que pretende desafiar a
Deus ; na lavagem de cránio, em que a inteligencia do homem
se esmera por destruir a personalidade do seu semelhante ; na
mentira e na deturpagáo da verdade postas a servico de inte-
resses ideológicos, económicos ou partidarios; nos campos de
concentragáo, na perda de senso do pecado e da distingáo entre
o bem e o mal... Em suma, há certas formas de comporta-
mentó humano em que os mais nobres valores do homem sao
aplicados a mais desconcertante degradagáo ou ao homicidio
e a mentira... Jesús nao disse que Satanás é «homicida desde
o principio e pai da mentira»? Cf. Jo 8, 44. — Quanto á pos-
sessáo diabólica, ela pode ocorrer, mas nao é de crer que se
dé com facilidade. Vejam-se a propósito as reflexóes teddas
em torno do livro «O Exorcista» em PR 173/1974, pp. 195-205,
assim como o artigo referente ao assunto em PR 174/1974,
pp. 246-174.

As concepgóes populares tendem, hoje como outrora, a


exagerar a importancia da agáo de Satanás, de tal modo que
fé e crendice se misturam nesse setor, com prejuízo para a
auténtica doutrina da fé. — Satanás nao é um segundo Deus
ou um Deus mau. É criatura do único Deus, que foi dotada de
inteligencia e valores, mas abusou dos dons do Criador, insur-
gindo-se soberbamente; o Senhor lhe permite tentar atualmente
os homens para acrisolar aféeo amor dos mesmos. Contudo
a influencia do demonio é limitada pelos designios de Deus;
está englobada dentro do plano harmonioso que o Criador tra-
gou a respeito do mundo e dos homens. Ademáis o Senhor nao
permite seja alguém tentado ácima de suas forgas e dá sempre
a graga necessária para que os homens possam vencer as ten-
tagóes (cf. 1 Cor 10,13). Quem permanece fiel a Deus, nada
tem a recear da parte do demonio.

No século XVII estas verdades nao eram negadas, mas,


em virtude da mentalidade da época, os cristáos cediam fácil
mente á tendencia a interpretar todos os fenómenos estranhos
por influencia do demonio. Esta tendencia os sugestibhava dé
modo que juigavam ver demonios onde na yerdade nao os havia.

— 346 —
«MADRE JOANA DOS ANJOS» 27

Hoje o cristáo tem mais meios para distinguir fenómenos natu-


rais e fenómenos preternaturais; isto, porém, nao o deve levar
a recusar a possibilidade e a realidade destes últimos.

É com estas reflexóes que concluímos a apreciagáo do filme


«Madre Joana dos Anjosv e das questóes que ele suscita. Possa
o público ter suficiente espirito critico para discernir o que a
película tem de interessante, e o que ela apresenta de tenden
cioso e caricaturalI

O QUE O FILHO PENSA DO PAI

Aos 7 anos:

PAPAI é grande. Sabe tudo !

Aos 14 anos:

Parece que papai se engaña em certas coisas que diz...

Aos 20 anos:

Papai está um pouco atrasado em suas teorias.


Nao sao desta época...

Aos 25 anos:
O «coroa» nao sabe nada...

Aos 35 anos:
Com a minha experiencia, meu pai seria hoje milionário.

Aos 45 anos:

Nao sei se consulto o «velho». Talvez me pudesse acon-


selhar...

Aos 55 anos:

Que pena papai ter morrido! A verdade é que ele tinha


idéias notáveis!

Aos 60 anos:

' Pobre papai! Era um sabio i


Como lastimo té-lo compreendido táo tarde !...

— 347 —
Mals um "best-seller":

"saber envelhecer"

Em síntese: O livro de Alfons Deecken "Saber envelhecer" analtsa


o problema da velhice, que nSo raro se senté esquecida e entregue á soll-
dáo. Nessas circunstancias, o avanzo em Idade causa preocupares, se nfio
mesmo angustia e complexos. O problema é tanto mals cruclante quanto
mais a medicina hoje em dfa consegua debelar molestias e perigos mortals
outrora insuperáveis.

Em vista disto, (A. Deecken traga pistas de solucáo. Aceilem os an-


cISos a sua condicSo próprla na socledade, e lembrem-se de que exlstem
tres tipos de Idade :

— a Idade cronológica, que resulta da oontagem do número de anos


vividos pela pessoa;

— a Idade biológica, que se básela ñas condlcSes de saúde ou des


gaste físico do sujeito;

— a Idade psicológica, que se mede pela coragem e es boas dtspo-


sl;6es de animo com que a pessoa enfrenta as sltuacSes da sua vida.

Alguém pode ser velho do ponto de vista cronológico ou biológico e


conservar a sua juventude psicológica. Mllton, Beethoven, Goethe, Miguel
Angelo, Rembrandt, Adenauer, Churchill e outros deram pravas de extraor
dinario vigor de ánimo, mesmo em Idade avanzada ou com a saúde des
gastada.

Importa, pols, aos anclaos nfio se delxar vencer por condlclonamentos


negativos ou pessimistas, mas, ao contrario, encarar a vida conscientes de
que podem e devem procurar ser útels aos seus semelhantes; as experien
cias que eles acumuiaram, conferem-lhes urna sabedorla, que a Unlversldade
nao dá e que pode ser proveltosa aos jovens, caso os mals velhos a quei-
ram comunicar á nova geragSo sem res6entlmento nem Inveja.

Tal atltude serena e otlmista 6 corroborada pela mensagem crista. Um


ancláo que tenha fó, taré da sua vélhlce a ocasláo de crescer na fé; ca
bera que participa mals Intimamente da Palxáo de
Cristo, que fol a Reden-
gfio da humanidade. Olhará para o final da suaexistencia na térra com
paz e confianza, antegozando mals Intensamente os valores eternos dos
quais o anciSo, por sua Idade, está mals perto. A
velhice pode eer a mais
bela fase de vida de alguém, desde que essa pessoa descubra que é a
fase mals prenhe de eternidade.

Comentario: Já em PR 171/1974, 4» capa, apresentamos


sumariamente o livro de Alfons Deecken : «Saber envelhecer»,

— 348 —
«SABER ENVELHECER> 29

Petrópolis 1973. Visto, porém, que esse escrito de 80 pp


(130xl80mm) merece mais detída atencáo, abaixo explana
remos mais amplamente o seu conteúdo. O livro deve-se a um
sacerdote missionário que passou varios anos na Asia (Japáo,
Vietná...), possui densa bagagem psicológica e cultural, assim
cómo esmerado sensó teológico. O seu escrito dedicado aos an
daos tornou-se best-seller nos Estados Unidos da América e
ja foi traduzido para seis línguas.

Examinaremos, a seguir, os principáis tópicos do livro


«Saber envelhecer», cientes de que interessa nao somente as
pessoas idosas, mas ao público em geral, pois todos os dias a
pessoa humana vai aumentando a sua idade cronológica ; cabe-
•lhe, pois, encarar a idade anciá como algo de natural e até
mesmo muito positivo.

1. O problema da idade

O autor comega por mencionar o fato de que no Japáo,


onde ele passou varios anos, existe profundo respeito pela ge-
racáo anciá ; pais e ayos sao cercados da estima e dos cuidados
que a tradigáo religiosa local sempre lhes assinalou. Diz um
. sabio neo-confuciano : «A piedade filial distingue o homem das
aves e dos brutos».

Outra, porém, é a mentalidade reinante no Ocidente. A


nossa civilizacáo tem cultivado de modo crescente os valores
da independencia e da autonomía do individuo, negligenciando
os da solidariedade e comunidade. _ o que faz que os velhos
se sintam especialmente entregues ao isolamento e á solidáo.
O fato de saber que tal é freqüentemente o clima em que cos-
tutna decorrer a velhice, suscita em muitas pessoas urna crise
prematura de senilidade. Nao é raro quererem ocultar a idade
real que tém; já se tém fabricado até mesmo cosméticos para
homens, a fim de que nao transparega o seu número de anos.
Outros assumem atitudes de juventude que absolutamente nao
condizem com a sua faixa etária. Outros ainda se apegam de
sámente a posicóes sociais ou a tarefas profissionais que carac-
terizaram os seus anos de maior produtividade e projecáo, e
nao aceitam fácilmente a necessidade de ceder o lugar á gera-
cáo mais jovem.

Esta situagáo merece particular atengáo quando se con


sidera que o número de pessoas idosas em nossa sociedade é

— 349 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 177/1974

crescente, dado que os recursos médicos conseguem debelar


molestias graves e prolongar a duragáo da vida. Assim em
1850 apenas 2,5 % da populacáo norte-americana tinha mais
de 65 anos de idade. Hoje 10%, ou seja, vinte milhóes de ame
ricanos se encontram nessas condigóes.

Em particular, tres sao as expressóes mais marcantes da


crise que acomete a idade anciá: 1) ressentimento e inveja ;
2) fuga; 3) egoísmo.

1.1. Ressentimento e Inveja

A experiencia de ser marginalizado no trabalho e na vida


pública, ao passo que os jovens váo assumindo os postos de
influencia ou lideranga, pode fácilmente suscitar a inveja de
um anciáo em relagáo á geracáo jovem. Este perigo de inveja
(raro na China e no Japáo.onde as tradigóes — na medida em
que o comunismo as guarda — levam a honrar e dignificar os
velhos) é particularmente serio no Ocidente, onde a experiencia
que os anciáos tém é postergada em favor da ciencia recém-
-adquirida pelos jovens ñas escolas donde saem. Embora se com-
preenda a necessidade de dar vez a quem está mais qualificado
para o trabalho, verifica-se que se vai abrindo cada vez mais
a distancia entre as geragóes. «Os jovens nao sentem necessi
dade dos velhos, e os velhos váo perdendo a confianga em si
próprios... Sentem mesmo, as vezes, urna alegría malsá diante
das derrotas da geragáo jovem... 'Eu bem tinha dito !'» (p. 16).

1.2. As "fugas" da velhlce

Desde que a pessoa se sinta «aposentada» na vida, tende


a fechar se em si mesma, lembrando nostálgicamente o passado,
quando tudo era táo melhor! As imagens do passado sao fácil
mente engrandecidas e embelezadas — o que transparece em
expressóes como «Quando eu era mogo, nao se fazia jsso.. .>
ou «Naquele tempo havia amigos verdadeiros...» Muitas vezes
tais observagóes sao verídicas e oportunas; mas é preciso que
a pessoa se acautele contra a tentagáo de idealizar romántica
mente os anos passados. Essa tentagáo poderia levar o sujeito
a escapar dos desafios do presente. Assim como hoje em dia se
fala de jovens «desligados» (porque recusam viver dentro da
civilizagáo atual), também se poderia dizer que, entre os velhos,
há muitos desligados (que recusam viver o presente e fogem
para o país das suas intermináveis reminiscencias).

— 350 —
«SABER ENVELJIECER» 31

1.3. Egoísmo

Vendo que posigóes, projegáo, saúde e outras «vantagens»


lhes escapam, os andaos tendem a se concentrar egoística
mente em si mesmos, dando demasiado valor a ninharias: co
mida, bebida, poltrona, jornal, programas de radio ou televi-
sáo... Esse egoísmo pode-se exprimir também no desejo de
dominacáo ou na tentativa de exercer tirania sobre a familia
e o ambiente. Em tais circunstancias, o individuo se apega co-
movedoramente a tudo o que ele possa ter ñas máos, sem per-
ceber talvez que, com isto, ele se está desfigurando. Com efeito,
um tal papel é particularmente trágico quando desempenhado
por alguém que encheu a sua vida de servigos ao próximo e
ajudou a muitos e muitos dos seus semelhantes; tal pessoa re-
baixa-se quando passa a exercer o papel de tirano dentro do
pequeño círculo familiar: esse homem talvez se tenha feito a
partir do nada, talvez naja sacrificado seus esforgos e seus bens
em favor da mulher e dos filhos; todavía no fim da vida pro
cura dominar caprichosamente a familia, repetindoJhe inúme-
ras vezes que foi um grande esposo e um grande pai, o qual
deu tudo, mas nao recebe a devida gratidáo i

Sumariamente exposto o problema, vejamos as pistas de


solugáo que A. Deecken aprésenla.

2. Como envelhecer dignamente

Sao sete os principáis tópicos que se podem depreender das


interessantes consideragóes que o autor do livro tece em torno
da auténtica maneira de envelhecer.

2.1. Personalidad^ próprla

1. Urna das mais interessantes descobertas da gerontolo


gía atual é que cada pessoa tem, na realidade, tres tipos de
idade:

— a idade cronológica, determinada pelo número de anos


que já viveu;

— a idade biológica, determinada pelas condicóes de saúde


ou desgaste do seu físico ;

— a Idade psicológica, avaliada pelas atitudes que a pes


soa assume diante dos altos e baixos da existencia.
32 fPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

Ora nem o primeiro nem o segundo tipo de idade decidem


forzosamente o tipo de personalidade de alguém. É muito im
portante, pois, que quem comeca a envelhecer evite as concep-
góes pessimistas ou fatalistas que a idade cronológica, marcada
pelo calendario, lhe poderia sugerir.

Também é muito importante observar que as pessoas po-


dem biológicamente envelhecer muito depressa pelo fato de
pensarem quase obsessivamente na velhice; em conseqüéncia,
váo-se sentindo cansadas, doentes, achacadas, inutilizadas,
quando poderiam também sentir outras disposigóes. Assim a
experiencia ensina que há pessoas biológicamente envelhecidas
com quarenta anos de idade, ao passo que outras, com oitenta
anos, conservam muito do vigor da juventude. É decisiva, pois,
a maneira como a pessoa encara a vida ; ela se poderá conser
var jovem a despeito do seu número de anos e do seu estado
físico, se mantiver sempre urna atitude de coragem, esperanca
e otimismo perante as tarefas que a vida lhe vai impondo ; a
juventude psicológica assim concebida e alimentada permitir-
-lhe-á realizar na velhice e na doenga obras que obviamente
parecem exclusivas da idade juvenil ou madura. Assim alguém
pode ser velho segundo o calendario, mas jovem em suas ati-
tudes psicológicas. Tenham-se em vista os seguintes casos :

John Milton — talvez com Shakespeare o maior poeta in


glés — escreveu «O Paraíso Perdido», obra poética gigantesca,
durante os vinte últimos anos de sua vida, quando estava com
pletamente cegó !

Ludwig von Beethoven, considerado por muitos como o


maior compositor da historia da música, foi aínda mais inacre-
ditável: continuou compondo até o fim da vida, embora durante
os últimos quinze anos estivesse totalmente surdo !

Imaginemos de que tesouros de arte teria sido privada a


civilizacáo mundial se esses dois homens tivessem permitido
que as suas limitacóes físicas determinassem a sua idade psi
cológica !

2. Vé-se, pois, que o primeiro passo a ser dado pela pes


soa que avanca em anos, é o de aceitar com simplicidade e
ánimo a nova etapa de vida que se vai configurando. Quem a
aceita, dá provas de tranqüilidade e autocontrole; em caso
contrario, torna-se mais e mais agitado, cheio de queixas e
absorvido em assuntos triviais.

— 352 —
«SABER ENVELHECER» 33

Assim «os antigos gregos já sabiam que, embora os dese-


jos e as aptidóes físicas diminuam com a idade, novos horizon
tes se abrem no campo dos valores espirituais. No inicio da
'Politeia' de Platáo, o velho Céfalo saúda Sócrates e Ihe comu
nica o seu novo interesse pelas discussóes serias sobre o pro
blema básico da vida. 'Por mim', diz ele, 'á medida que as satis-
fagóes do corpo diminuem, nesta mesma proporgáo cresce meu
interesse pelas alegrías dos bons diálogos» (p. 36).

O simples fato de serem cronológicamente idosas nao de-


vería fazer que as pessoas desistissem de plañejar novas reali-
zacóes . O exemplo de tantos homens famosos que fizeram gran
des coisas no entardecer da vida, deveria servir de estímulo
para que todos se empenhassem em permanecer jovens quanto
á idade psicológica. Com efeito, leve-se em conta que nume
rosas obras literarias, artísticas e científicas de grande valor
foram concluidas em idade avangada de seus autores.

Assim o dramaturgo grego Sófocles tinha 80 anos quando


escreveu «Édipo, o tirano». Goethe tinha maís de 80 anos
quando terminou o seu «Fausto». Daniel Defoe, depois de se
ter dedicado a varias atividades, redigiu «Robinson Crusoe»
com a idade de 59 anos; nos anos seguintes, escreveu seis outras
novelas. Frangois Mauriac, explicando a origem de sua última
obra, declara:

"No meu 80? aniversario, eu disse a mlm mesmo: já que parejo ter
aínda um longo camlnho, por que nlo escrever outra novela ?"

Escreveu entáo a sua derradeira obra, que se tornou best-


-seOer na Franga: «Montalverne», publicada em 1969, quando
o autor tinha 83 anos.

Miguel Angelo tinha 70 anos quando terminou a cúpola


de Sao Pedro. Rembrandt e Monet pintaram alguns dos seus
melhores quadros no fim da vida.

Verdi, Haydn e Haendel compuseram música imortal com


mais de 70 anos.

Albert Einstein e Albert Schweitzer tiveram poder criador


até mesmo em sua idade avangada.

No campo da política, Konrad Adenauer, por exemplo, foi


eleito Chanceler da Alemanha aos 63 anos de idade, quando
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 177/1974

o seu país saía do tremendo abalo da guerra de 1939-45. Nessa


idade, em que geralmente se pensa na aposentadoria, Adenauer
comegou nova e extraordinaria carreira, vindo a tornar-se um
dos mais bem sucedidos líderes políticos da historia contempo
ránea. Reeleito repetidamente, ficou em exercício durante qua-
torze anos, deixando a Chancelaria com 77 anos de idade !
— Gladstone tornou-se primeiro-ministro da Inglaterra com 84
anos! Tenha-se em vista outrossim Churchill, Gandhi, de Gaulle,
Golda Meier, que, apes;ar da idade, marcaram decisivamente os
rumos políticos de suas respectivas nagóes !

2.2. Desprendimento e sabedoria

No apogeu da vida, a pessoa está, em geral, táo envolvida


em afazeres diarios e preocupagóes que difícilmente consegue
emergir e considerar o mundo com superioridade e desprendi
mento. É parte integrante de um todo ou roda de engrenagem.
Com o passar dos decenios, porém, pode ir conquistando urna
atitude de desapego e recuo em relagáo ao seu ambiente e des
cortinar novos horizontes; apura-se a sua capacidade de dis-
cernimento do sentido de tudo : vida, amor, mundo, tempo, eter-
nidade... Quem adqulre tal clarividencia — que também se
chama «sabedoria» — poderá tornar-se conselheiro da geragáo
nova, a qual já nao terá que recear a dureza de ambigóes egoís
tas e subjetivas do conselheiro. Participará, de novo modo, da
construgáo da sociedade.

A sabedoria da idade avangada difere da inteligencia pers


picaz ou da capacidade de informagáo que alguém possa ter.
Nao pode ser aprendida nos livros nem ser adquirida ñas escor
las, mas deriva-se do amadurecimento progressivo de urna per-
sonalidade no decorrer de longos anos de vida.

2.3. Solidáo enriquecida

A perspectiva de solidáo é, muitas vezes, fantasma assus-


tador para quem se aproxima da velhice. Os filhos se casam e
querem viver a sua vida ; as visitas dos mesmos e dos amigos
aos «velhos» se tornam cada vez mais espagadas. O receio de
ser importuno impede o anciáo de sair dos seus hábitos para
procurar novos conhecidos...

Pois bem. «Os anciáos nao se deveriam resignar táo fácil


mente á, solidáo... Servir o próximo é, quase sempre, o melhor
«SABER ENVELHECER» 35

nieto de vencer a própria soiidáo e deixar de pensar nos sofrl-


mentos pessoais» (p. 25). Procurem contato,, ou por telefone
ou de viva voz, com outras pessoas, sejam elas da mesma idade.
sejam mais jovens. Aos da mesma idade, o anciáo pode levar
reconforto, quebrando o isolamento em que se achem. Aos mais
jovens pode comunicar um pouco da sua experiencia (o que nao
quer dizer, se torne doutrinador oniciente). «Um anciáo... que
tenta estes diversos meios de servir aos outros, demonstrando-
-lhes afetuoso interesse, poderá ter que passar muitos días
sozinho, mas nunca em soiidáo» (p. 25).

Mais : a experiencia do «estar só» pode abrir o coracáo do


homem e torná-lo mais consciente da presenga de Deus, que
fala no silencio; caso isto se dé, o «estar só» torna-se urna
béngáo: o homem é entáo levado a procurar um relacionamento
mais pessoal com Deus, que na verdade nunca o deixa só. Ele
o diz através do Profeta Isaías: «Porventura pode urna mulher
esquecer.se do seu menino de peito e nao ter compaixáo do
fruto de suas entranhas ? Pois, ainda que ela se esquecesse
dele, eu nao me esqueceria de ti» (Is 49, 15).

2.4. Contrí?So e renascimento

A velhice induz as pessoas a recordar com certa insistencia


o seu passado: tendem a fazer o inventario das glorias e derro
tas antigás, dos feitos e omissóes de outrora... Muitas vezes
tornam-se súbitamente conscientes do abismo que existe entre
os ideáis da sua juventude e as realizagóes da sua existencia:
a frustragáo e o desapontamento podem entáo apoderar-se dos
sentimentos do anciáo. Mais ainda: a consciéncia do egoísmo
e da culpa fácilmente suscita remorsos e abatimento em quem
assim examina a sua vida passada.

Ora, em vez de ceder á tentagáo de depressáo, é necessário


que o anciáo reaja á luz da fé e da esperanga crista. Na ver
dade, todo homem é pecador; todavía a tomada de consciéncia
. desta realidade, se de um lado é dolorosa, doutro lado suscita
no cristáo grande confianza e viva espranga. O arrepentí!
mentó cristáo está longe de ser algo de doentio ou estéril; muito
ao contrario, é ato de coragem, porque ato de tirar as máscaras
e reconhecer a verdade diante de Deus e das pessoas a quem
compete. O Senhor aceita tal atitude e responde-lhe dando ao
. homem arrependido a graga de um recomego. A sadia contrigáo
do cristáo, acompanhada do firme desejo de aproveitar a nova

.*— 355 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

chance que o Senhor oferece, vem a ser principio de auténtica


alegría, segundo diz o próprio Cristo no Evangelho: «Vossa
tristeza se transformará em alegría... e ninguém vos tirará
essa alegría» (Jo 16, 20i22).

2.5. Compensado e plenitude

A psicología ensina que, quando determinada pessoa sofre


alguma limitagáo física (mutilagáo corpórea ou molestia cró
nica), é muitas vezes estimulada a descobrir talentos ou ener
gías latentes nela mesma, que tal pessoa doravante explorará
com grande afinco e sucesso. Assim urna jovem nao agraciada
com beleza física pode tomar isto como um desafio, de modo
que procurará suprir a deficiencia distinguindo-se nos estudos
ou nos esportes.

A mesma «leí de compensagáo» se aplica á velhice. Expe


rimentando as deficiencias da idade, a pessoa pode encarar o
fato como um desafio, avivando em si forcas interiores e poder
criatívo. Há mesmo potenciáis ocultos no homem que so come-
gam a desabrochar e evoluir quando as energías corporais co-
mesam a diminuir. Dizia com muito acertó Goethe, o grande
poeta alemáo : «Na mocidade, o homem vive através do corpo,
e na velhice vive contra o corpo». Consciente disto, um geron-
tólogo recentemente afirmou que dar aos adolescentes sólida
formag&o e levá-los á maturidade psicológica seria contríbuícáo
mais válida para aliviar o problema da velhice do que fundar
clubes de pessoas idosas. Para muitos, o vazio que súbitamente
experimentam no momento da aposentadoria, já existia desde
multo; estava apenas encoberto por atividade desassossegada.
Daí dizer-se que nunca é tarde demais para comegar a desen
volver as regióes inexploradas da própria personalidade, mesmo
quando já se tem idade.

2.6. Perceber o sentido das coisas

O desabrochamento de novas energías na idade anda con


tribuí para que os velhos tomem consciéncia do sentido sempre
válido e positivo da sua vida na térra.

Um dos maiores tormentos das pessoas de idade avancada


consiste em crerem que a sua vida carece de sentido, de modo
que sao mera sobrecarga para os outros. Ora, quando alguém
nao vé mais objetivo nem sentido na vida, é tentado ao suicidio.

— 356 —
«SABER ENVELHECER» 37

Estat'sticas recentes dáo a ver que o número de suicidios


entre pessoas idosas é assaz elevado. Assim na Franca averi-
güou-se que a proporcáo de suicidios entre pessoas de menos
de 55 anos é de 51 por 100.000 ; na faixa de mais de 55 anos,
é de 158 por 100.000. Um levantamento recente na Álemanfaa
mostra que o número de suicidios das mulheres que contam
50/55 anos é duas vezes maior do que entre as que tém 30/35
anos. E, como explica irónicamente um comentador, as tentati
vas de suicidio das pessoas idosas sao quase sempre bem su
cedidas i... A Inglaterra e os Estados Unidos registram o
mesmo fenómeno: a media de suicidios sobe com a idade. Na
Inglaterra, a proporcáo de suicidios entre os 40 e 59 anos é
tres vezes maior do que entre os jovens, e cinco vezes maior
depois dos 60 anos. Nos Estados Unidos a porcentagem de sui
cidios de homens entre os 45 e 65 anos é de 30 por 100.000;
cresce depois dos 65 e, de 1970 para cá, contam-se em media
60 pessoas sobre 100.000 que póem fim á própria vida.

O combate a este mal consiste em fazer que as pessoas,


principalmente os andaos, tomem consciéncia cada vez mais
lúcida do sentido da vida.

Na verdade, esta tem sempre seu significado. Para que al-


guém descubra e viva o sentido da vida, requerem-se algumas
atitudes, que assim se podem recensear:

— no plano meramente humano, aceite a sua idade e as


circunstancias que a marcam; guarde paz, serenidade, pro
curando dar o que possa dar — principalmente na linha dos
valores moráis — aos seus semelhantes;

— é, porém, á luz da mensagem crista que o anciáo encon-


tra os motivos mais pujantes para afirmar o sentido da vida.
Qualquer tipo de sofrimento, aceito por amor a Cristo, associa
o cristáo ao Cristo padecente e dá valor corredentor aos seus
padecimentos e dores. Sao palavras de Sao Paulo: «Se somos
atribulados, é para a vossa salvacáo» (2 Cor 1,6) ou ainda:
«Alegro-me nos sofrimentos suportados em vosso favor, e com
pleto em minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo em
prol do seu corpo, que é a Igreja» (Col 1,24).

A participacáo mais íntima na Paixáo de Cristo faz que o


cristáo amadureca e se aprofunde em sua fé. Considere a insta-
bilidade que a idade avancada proporciona, como um convite

— 357 —
33 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 177/1974

do Senhor para que encontré mais e mais em Deus aquilo que


as criaturas nao lhe podem dar. Toda experiencia de escuridáo
e aridez naturais pode ter repercussáo altamente positiva na
vida de fé de um cristáo; dá ensejo a nova tomada de cons-
ciéncia da opcáo feita por esse cristáo quando aderiu a Cristo;
renovando entáo o seu Sim com galhardia, a pessoa se apro
xima mais e mais daquele grande termo do qual diz Sao Paulo:
«O olho nao viu, o ouvido nao ouviu, nem jamáis passou pelo
pensamento do homem, o que Deus preparou para aqueles que
o amam» (1 Cor 2,9).'

«Parece que Deus freqüentemente oferece ao cristáo, nos


últimos dias da sua vida, a oportunidade de crescer na fé he-
róica e no amor» (p. 56).

Quem nutre tais conviccóes e délas vive, jamáis dirá que


súa existencia na térra — mesmo envelhecida — nao tem signi
ficado. Francois Mauriac, o grande escritor católico que morreu
em 1970 aos 84 anos de idade, escreveu pouco antes de falecer:
«Creio hoje, como acreditava em crianc.a, que a vida tem sen
tido, direcáo, valor;... que nenhum sofrimento está perdido,
que cada lágrima, cada gota de sangue é importante, que o
segredo do mundo pode ser encontrado na palavra de Sao Joáo:
'Deus é amor'».

2.7. "Vou para o Pai" (Jo 16,18)

O amadurecimento progressivo da fé através dos anos e


da velhice corporal ocasiona um auténtico rejuvenescimento in
terior ou faz que o cristáo tome consciéncla cada vez mais lú
cida de que a sua verdadeira vida nao tem fim, mas, ao con
trario, so conhece desabrochamento em vista da plenitude. A
.chamada «morte» nao é morte, mas é consumagáo. Esta afir-
macáo é ilustrada pelos dizeres das páginas fináis de A.
.Deecken, que assim escreve :

"Aceitar o fato inevitável da morte que se aproxima, é


um dos deveres que a pessoa idosa tem que encarar. É ás
vezes ¡mpressionante ver como alguns anclaos podem ser [ma
turos quando se. trata da realidade fundamental da morte.

Lembro-me de um homem de 70 anos, táo atemorizado a


■ essa idéia que fugia da sala cada vez que a palavra 'morte'
era mencionada. Um dia eu lhe del a bela carta que Mozart

— 358 —
«SABER ENVELHECER» 39

escreveu sobre a morte, com 31 anos. O velho me contou depois


que havia ficado envergonhado de sua atitude e desejava mo-
dificá-la ao ver como contrastava com a maneira amadurecida
pela qual Mozart, com a metade da sua idade, falava da morte
próxima. Quatro anos antes de morrer, Mozart escreveu a
seu pai:

'Já que a morte (para ser claro) é o verdadoiro fim e obje


tivo de nossa vida,- resolvi nos meus últimos anos conhecer
esta verdadeira amiga do homem táo bem que nao somente
nao trazia mais terror para mim, mas antes conforto e paz
de espirito. Agradeco a Deus por me ter dado a feliz oportuni-
dade de conhecer a morte como a chave da nossa verdadeira
felicidade.

Nunca vou para a cama sem a idéia de que, embora j.o-


vem, eu talvez nao esteja vivo amanha. E nenhum homem que
me con hoce póderá dizer que no convivio social eu sou me
lancólico ou triste. Por esta felicidade, agrade?o cada día a
meü Criador e de todo o coracáo desejo a mesma feiicidade
a todos os irmáos' (4 de abril de 1787).

Sentindo que a vida chegava ao fim, Mozart alcangou,


cóm a idade de 31 anos, urna atitude madura e até mesmo
alegre em face da morte; atitude que muitos necessitam de
chegar aos setenta anos para atingir" (p. 77).

O testemunho de Mozart pode servir de paradigma a toda


criatura humana. A existencia na térra e a vida eterna no
céu devem ser vistas em estreita continuidade. Quem assim
procede, pode dizer que a velhice, por mais árida que paréca,
traz as suas consolagóes e alegrías próprias e inefáveis, pois é
a fase da nossa passagem na térra que mais perto está da eter-
nidade. Deve ser mais prenhe dos valores definitivos e mais
liberta de ilusoes e amarras — ó que nao pode deixar de ser
imensa fonte de júbilo e paz! Dé resto, o Senhor sempre acom-
panha o seu discípulo com a graca correspondente á situacáo
em que se .veja ; quem sabe disto, transforma qualquer tipo de
solidáo e qualquer áparénciá'de morte em antegozo aínda mais
lúcido dos béns eternos,.. .behs eternos que sempre estáo pre
sentes em nosso tempo, mas dos quais o rebulico da vida agiL
tadae a lutá dos años de grande atividade nem sempre permi-
tem que tomemos a devida consciéncia!

— 359 —
a térra de israel em íoco
iV. Jerusalém: a "bem-aventurada paixSo"

Interrompemos a nossa crónica em agosto pp., pois as


páginas da revista já nao a comportavam. Todavia, em espirito
reverente e santamente curioso, prosseguimos neste número a
nossa viagem-peregrinagáo através de Jerusalém, que deixamos
no Getsémani ou Horto das Oliveiras.

Preso no Horto, Jesús foi levado á Casa de Caifas (cf.


Mt 26,57), onde os maiorais dos judeus o interrogaran! e onde
Pedro renegou o Mestre. Encontra-se hoje em dia, nao longe
do Cenáculo e da piscina de Siloé, a igreja de Sao Pedro in Galli-
cantu (ao canto do galo), que, segundo urna tese — alias, dis
cutida —, designarla o lugar onde se deram tais acontecimen-
tos da Paixáo do Senhor. Nos fundamentos dessa igreja encon
tra-se urna gruta, que, conforme alguns, terá sido a prisáo onde
Jesús passou o resto da noite de quinta-feira santa, após o in
terrogatorio de Caifas; outra gruta ñas proximidades repre
sentaría o lugar em que Pedro se retirou para derramar amar
gas lágrimas depois da terceira renegacjio. Tais lugares sao
venerados desde remota antigüidade; recentemente (1931), ai
se terminou a construgáo da igreja que hoje se pode visitar
sob a guia dos Padres Assuncionistas franceses. As cápelas
subterráneas desse templo póem o visitante em contato com
rocha viva e com vestigios de peregrinos que lá deixaram cru-
zes e desenhos ñas paredes durante sáculos, julgando estar
acompanhando Jesús ñas tristes horas de quinta para sexta-
-feira santa. O fato é que, auténticas ou nao, tais grutas inci-
tam aínda hoje o cristáo a meditar atentamente sobre o que
se terá passado no íntimo do Senhor Jesús traído por Judas,
renegado por Pedro e entregue aos adversarios !

Na manhá de sexta-feira santa, Jesús foi enviado a Pilatos


pelos sacerdotes e anciáos do povo. O governador romano acha-
va-se entáo na Fortaleza Antonia... Antonia, porque recons
truida por Herodes o Grande, que lhe "dera o nome de seu
grande amigo Marco Antonio. Sobre o local dessa fortaleza
ergue-se hoje um conjunto de monumentos cristáos, perten-

— 360 —
A TÉRRA DE ISRAEL EM FOCO 41

centes parte aos Franciscanos, parte as Religiosas de Sion:


aqueles tooam a cápela da Flagelagáo, a da Condenagáo e da
Imposicáo da Cruz e o grande Convento da Flagelagáo, onde
funciona famosa Escola Bíblica. As Irmas cabe a basílica do
Ecce Homo, com o chamado Lfthostrotos ou tribunal de Pilatos.
— Este é um dos lugares mais impressionantes de Jerusalém,
pois lá se fizeram escavagóes meticulosas e bem orientadas que
puseram á tona vestigios indubitáveis e eloqüentes das cenas
ocorridas na manhá da primeira sexta-feira santa.

É muito significativa a historia recente desse monumento:


em 1842 converteu-se ao Catolicismo um judeu de Estrasburgo
(Franga) chamado Marie-Alphonse Ratisbonne ; o impulso a
conversáo foi-lhe dado por urna aparicáo da Virgem SS. na
igreja de Sant'Andrea delle Fratte em Roma. Juntamente com
um seu irmáo, também judeu convertido, Théodore Ratisbonne,
foi ordenado sacerdote. Ambos propuseram-se fundar urna Con-
gregagáo Religiosa, com ramos masculino e feminino, que se
destinaría a conversáo dos judeus, sob a tutela de Nossa Se-
nhora de Sion. — O Pe. Marie-Alphonse, desejoso de fundar
urna escola francesa em Jerusalém, fci em 1855 procurar nesta
cidade um lugar que lembrasse vivamente a Paixáo de Cristo.
Encontrou entáo o arco dito do Ecce Homo, junto ao qual se
acreditava que Jesús fora por Pilatos apresentado ao povo com
as palavras : «Eis o homem» (cf. Jo 19, 5 e o contexto respec
tivo) . Em 1857 conseguiu comprar es lugares próximos a esse
arco e doou-os as Irmas de Sion. A construgáo do convento e
da escola se realizou sem grande demora. Dada, porém, a
importancia arqueológica do lugar, empreenderam-se ai pes
quisas em duas ocasióes (1931-33 e 1934-37) sob a diregáo do
Padre Vincerit O.P. e de Mere M. Godeleine de Sion. Assim
foi descoberta a esplanada do Lithostrotos, pertencente á for
taleza Antonia: mede 44 m 50 cm de leste a oeste, e cerca de
54 m 20 cm de norte a sul; as lages que recobrem essa super-
fície datam do tempo de Cristo ; sao sulcadas por pequeños
cañáis, que deviam impedir os cávalos de escorregar. Sobre as
pedras do solo estáo talhados os desenhos de jogos usuais entre
os soldados romanos que guardaram e escarnecerán! Jesús;
entre esses jogos, ainda se distingue muito bem o jogo do reí,
derivado dos festivais chamados Saturnalia em latim. Esse jogo
consistía em se escomer um réu a quem se atribuiriam iróni
camente as honras de rei; os folgazóes o revestiam de manto
e insignias da realeza, deixavam-lhe a liberdade para satisfazer
aos seus caprichos; finalmente sentenciavam-lhe a morte e tra-
tavam-no como condenado. — Ora é evidente que tal jogo foi

— 361 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

aplicado a Jesús, como referem os Evangelhos (cf. Mt 27, 27-31;


Me 15, 16-20),... e aplicado no Lithostrotos, cujas lages sao
agora visíveis ao público. Sobre as paredes que cercam essa es-
planada (hoje subterránea) véem-se placas de mármore ou
pedra votivas; a. direita, a maioria é de judeus convertidos;
das outras, grande parte foi colocada por militares durante a
Segunda Guerra Mundial.

Do Convento Franciscano da Flagelacáo sai todas as sex-


tas-feiras as 15 h a peregrinagáo da Via Sacra ou Via Dolo-
rosa, recordando conv cantos e preces as estagóes que Jesús
percorreu quando carregou a cruz até o Calvario. Esse exer-
cício, ao qual comparecem peregrinos de varios grupos lingüís
ticos, principalmente na Quaresma e no veráo, oferece ao visi
tante a ocasiáo de contemplar o misterio da «Paixáo gloriosa»
de Cristo. Sim ;... gloriosa, porque ponto de convergencia dos
povos de todos os continentes,... gloriosa, porque nela se cum-
priu o que disse Jesús pouco antes de padecer:' «Chegou a hora
de ser glorificado o Filho do Homem. Em verdade, em ver-
dade vos digo : Se o grao de trigo, caindo na térra, nao morrer,
ficará só ; mas, se morrer, dará muito fruto» (Jo 12, 23s).

O itinerario da Via Dolorosa é discutido. Na verdade, o


caminho palmilhado por Jesús foi recoberto por novos estrados
de pavimentacáo da cidade de Jerusalém. Como quer que seja,
os sinais e as cápelas hoje colocados ao longo da Via Dolorosa
sao! suficientes para excitar no peregrino a atitude de oracáo
que é o principal em todo ato de peregrinagáo.

Por hoje deixamo-nos ficar aqui, com urna observagáo :

Estas crónicas referentes & Térra Santa nao devem cons


tituir mera ilustracáo académica. Possam elas suscitar em mui-
tos leitores o désejo de visitar, ou voltar a visitar, um dia o
país dos Patriarcas e do Senhor Jesús ! Quem volta de lá, nao
pode deíxar de trazer em seu coragáo um pouco do céu azul e
sorridente que recobre quase permanentemente aquela térra...
E céu azul quer dizer Paz, Confianca e Amor, que derivam de
mais estreito contato com o Evangelho e com o próprio Deus !

EstévSo Bettenconrt OSB.

— 362 —
O Mundo da Biblia, por Josef Scharbert. Traducáo do Pe. Frederico
Datttor. — Ed. Vozes, Petrópolis 1974, 150 x 230 mm, 243 pp.
Saudamos com prazer esta nova edicáo — ampliada e atualizada —
de um livro que saiu pela primeira vez em traducSo brasileira no ano de
1962 Além de tratar das-questees de IntroducSo Geral na Biblia (InspiracSo,
CSnon, Historia do texto e principios de Hermenéutica), Scharbert apresenta
urna vlsáo geral da origem e do conteúdo de cada um dos livros bíblicos
— o que ó novo em relacáo á edlcSo anterior e torna a obra de grande
utllidade. Merece especial referencia o equilibrio de pensamento que carac
teriza a abordagem das mais delicadas questoes no livro de Scharbert: a
nocao de InspiracSo, por exemplo (hoje em día tSo discutida), é apresen-
tada á luz dos novos conheclmentos que temos sobro a paulatina formacáo
dos livros sagrados; estes supaem longas fases de transmissao meramente
oral da Palavra de Deus. Isto, porém, nSo impede que a redacSo definitiva
dessas tradicñes tenha sido feita "sob a influencia direta, sobrenatural e
carismátlca do Espirito Santo, em virtude da qual os homens, conservando
a liberdade de selecSo dos assuntos e dos melos de expressSo literaria,
assentaram por escrito o que Ele quls fosso registrado" (pp. 132s). Salien-
tamos também o resumo da historia da salvacáo, em que se inserem os
diversos livros sagrados <pp. 21-92); é lúcido e suficientemente informativo.
Em apéndice ao livro, o autor acrescentou oportuno documentarlo:
o texto da Conslituicao "Dei Verbum" do Concilio do Vaticano II, um
quadro e urna sinopse apresentando as carnadas literarias do Pentateuco
(as fontes J, E, P entretecidas em Gen, éx, Lev, Núm) e outros textos an-
tlgos. Ao tradutor devemos urna bibliografía brasileira referente ás Sagradas
Escrituras: asslm o leitor Interessado em aprofundar-se no estudo encontrará
o catálogo dos livros publicados no Brasil (e em Portugal) sobre o assunto.
Numerosas gravuras antigás e medievais llustram a obra. Em suma,
era necessário tal estudo, destinado aos ambientes de cultura media.

Como ler o Novo Testamento, por Roderick A. F. MacKenzie. TraducSo


do original inglés. ColegSo "Deus fala hoje" n? 1. sob a direcao de Frei
Gilberto Gorgulho e Ana Flora Anderson. Ed. Paulinas 1974, 125 x 180 mm,
85 pp.
No seu titulo original, este livro é urna introducSo (IntroducUon) ao
Novo Testamento. Rediglda em termos concisos, reconstituí o ambiente
DOlitico e religioso em que nasceu a Igreja, e percorre as diversas catego
rías de escritos do Novo Testamento, apresentando os autores respectivos,
as circunstancias de origem e o conteúdo de cada um. Após cada capítulo,
encontram-se algumas perguntas destinadas a favorecer a ravnSo e a dls-
cussSo do assunto. O teor do livro é sólido e claro; dirige-se a quem
deseie urna primeira IniciacSo nos escritos do Novo Testamento. O valor
dessá obra depreende-se do fato mesmo de que em poucos meses ¡á contó,
duas edicóes brasilelras. Na capa, os nomes de Freí Gorgulho e Ana Flora
figuram nSo como se fossem os autores, mas apenas por serem os respon-
sáveis da colecáo. Sugeriríamos a traducSo exata do titulo ("Introdugao... )
para um livro que merece sinceros aplausos.

O novo povo de Deus, por Joseph Ratzinger. TraducSo do original


alemáo por Clemente Raphael Maní. — Ed. Paulinas, Sao Paulo 1974,
160 x 230 mm, 380 pp.
Ratzinger é discípulo do famoso teólogo alemao Karl Rahner S. J.
O seu novo livro agora apresentado em portugués é urna Eíclesiologia ou

— 363 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 177/1974

utn tratado da Igreja, rico em dados bíblicos e elaboracOes teológicas. O


autor se mostra, em tudo, fiel arauto do pensamento da Tradlcio e do
Magisterio da Igreja, o que nSo é fácil quando tanto se discute o assunto
em termos liberáis e pessoais (tenham-se em vista os llvros de Hans Küng).
Ratzlnger faz eco a Rahner, Congar, De Lubac, Urs von Balthasar, E. Pe-
terson, teólogos de valor, assumlndo urna atltude de respelto e reverencia
para com a Igreja. No tocante ao primado de Pedro, o autor se detém
longamente sobre os documentos da Tradlcáo e dos Concilios; reconhece
as funcdes da coleglalidade dos Blspos e, por conseguinte, das Conferen
cias Naclonals de Bispos; asslm esboca-se ao leltor - urna sadia imagem
da Igreja pos-concillar. Esfa tem também suas asplracoes ecuménicas e
deseja o diálogo com a Reforma protestante, como mostra o cap. VIII da
obra. Apraz salientar de modo especial a IV Parte do llvro intitulada "A
Igreja e o mundo náo-crlstfio", em que o autor aborda com bom senso
e fidelidade á fé o axioma "Fora da Igreja nao há salvacfio"; é otimlsta,
sem, porém, cair no relativismo. Ratzlnger exalta enfáticamente o papel da
missio ou da evangelízalo do mundo — funcáo esta a que os cristáos
nao podem renunciar apesar do novo enfoque hoje dado ás religlóes náo-
-crlstás.
Apenas registramos a índole densa de certas reflex6es do autor, que
é auténtico expoente do pensamento e do estilo alemáes. Como quer que
seja, o llvro merece ser bem recebldo e atentamente estudado por quem
nao se queira arriscar a falar levlana ou superficialmente da Santa MSe
Igreja.

Humanismos e antl-humanlsmos em confuto. Introducto a Antropología


Filosófica, por Pedro dalle Nogare. — Editora Herder, Sao Paulo 1973,
140 x 210 mm, 292 pp.

O autor é sacerdote jesuíta, professor de Universidade em Salvador


(BA). O texto do Mvro ácima teve orlgem em aulas dadas a universitarios.
Expíe o pensamento do homem sobre o homem (humanismo) desde a época
grega pré-crlstS até os nossos dias: passa, pois, em revista o humanismo
greco-romano, o cristáo, o renascentista (Parte I); a seguir, detém-se nos
sécuios XIX e XX, considerando Hegel, Feuerbach, Karl Marx, Kierkegaard,
Sartre, Heidegger, Nietzsche, Teilhard de Chardin (Parte II). Na parte fi
nal (III), do livro sao estudados os anti-humanismos filosófico (a fenomeno
logía, o neopositivismo, o estruturalismo), o científico (Jacques Monod),
o contestatario (Marcuse). Segue-se um capitulo final sobre a contribuigáo
braslleira ao humanismo, onde o acolhlmento é apresentado como carac
terística do brasileiro.
É notavelmente rico (dentro dos limites de um só volunte) o leque
de atitudes filosóficas analisadas peto autor e documentadas com a citacáo
de textos dos pensadores em foco. No fim do livro, encontra-se urna lista
bibliográfica de livros brasilelros atinentes ao humanismo.
Para quem deseje iniclar-se em correntes de pensamento dificeis e
complexas como sao os varios existenclallsmos, o estruturalismo e mesmo
o próprio marxismo, o llvro é instrumento precioso: conclsáo, clareza e
documentacSo recomendam-no ao público estudioso. Um espécimen da
orientacSo dada pelo autor ás suas reflexSes é a frase: "Um avanco tal
(como o contemporáneo) no reconheclmento dos direitos da pessoa humana
nem ó comparavel em importancia espiritual com o prlmelro passo dado
pelo homem sobre a Lúa" (p. 40). Ou ainda, referindo-se á maneira como
a perene Igreja de Cristo encara o papel do homem sobre a térra, diz o
autor: "Os marxistas mais críticos e Inteligentes chegam mesmo a con
testar a Marx e a Lenln de que a religiáo seja 'opio do povo'" (p. 41).

— 364 —
Para orientado dos Interessados, notamos aquí que a Editora Herder
se transformou em Editora Pedagógica e Universitaria Ltda., com sede á
Praca D. José Gaspar, 106 — 3» sobreloja n? 15, Caixa postal 7509, 01047
S§o Paulo (SP). Tem representante no Rio de Janeiro á Av. Rio Branco, 9,
salas 178/180 (GB).
O Despertar, peto Pe. Paulo Milton de Lacerdu. Colepáo "Juventude
e Crescimento na Fé" — 1. — Ed. Paulinas, S5o Paulo 1974, 110 x 190 mm,
232 pp.
O Pe. Lacerda tem-se dedicado, juntamente com o Pe. Zezlnho, ao
apostolado entre os jovens, armazenando, no decorrer de oito anos, já
notável experiencia em setor complexo e delicado como esse. Nota qujB
urna das principáis dlflculdades encontradas por quem deseja realizar pas
toral de juventude, é a falta de pistas para comegar o trabalho ou para
prosseguir após os primeiros passos. O autor, com este livro, contribuí
para a solucSo de tais problemas, procurando mostrar como abordar os
jovens pela primeira vez, como inlciá-los no caminho da vida, sem forgar
etapas e sem esquecer as asplragóes mals urgentes da juventude.
O autor comeca propondo alguns principios: os jovens crescerSo
na fé se soubermos acompanhá-los na evolugSo paulatina de suas Idéias
e se aplicarmos, no contato com eles, algumas técnicas e instrumentos de
trabalho adequados á sua compreensáo e maturidade. Na segunda parte
do livro, sao enunciados e expostos alguns meios concretos, flexíveis e
bem testados de promover os jovens na fé : semanas de juventude, acam
pamentos, día dos namorados, cursos de formagSo, cursos de personali-
dade, Feira Internacional Estudantil do Livro...
O Pe. Lacerda sabe manter-se em tudo á altura de auténtico pastor,
que visa táo somente a transmitir a doutrina de Cristo e as auténticas pers
pectivas da Igreja a um público sequioso de verdade, mas assaz bafejado
por idéias heterogéneas ; sem fazer concessSo a estas, o Pe. Lacerda se
nos aprésenla como um pioneiro digno de crédito no setor de pastoral da
juventude. Suas observagóes e sugestóes podem dar multo bons frutos.

E.B.
Caro leitor,

Em junho pp., (aneamos aos nossos amigos a sugestáo


de se mudar o título da nossa revista para "CONFRONTO",
flcando "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" como subtítulo.
Essa mudanca de nome nao significaría em absoluto alte
rado da orientacáo e do programa do nosso PR; também
nao seria concessao á volubilldade e ao capricho, mas de-
ver-se-ia exclusivamente a razóes funcionáis: um título mais
breve facilitaría a publicidade da revista e equipará-la-ia, sob
este aspecto, ás revistas que vemos circular amplamente no
Brasil.
Somos gratos a todos quantos se manifestaram até hoje
sobre a troca do nome de "PERGUNTE E RESPONDEREMOS".
Prestaram-nos grande servico, porque, além do seu Sim ou
Nao, muitas vezes nos transmitiram impressSes e sugestóes
valiosas.
Nao tendo ainda decidido coisa alguma, resolvemos
aguardar novos pronunciamentos dos nossos leitores e amigos
sobre a proposta de mudanca. Teremos assim a ocasiáo de
um intercambio mais ampio e profundo com o público, que.
ntuito nos pode ajudar a realizar o nosso programa de servir!
Cam antecipados agradecimentos,

A Redacáo de PR
VIDA SINGULAR

EIS AQUÍ UM HOMEM QUE NASCEU NUMA OBSCURA


ALDEIA, FILHO DE SIMPLES CAMPONESA.
CRÉSCEU EM OUTRA HUMILDE ALDEIA.
TRABALHOU COMO UM MODESTO CARPINTEIRO ATÉ
OS TRINTA ANOS.
FOI SOMENTE DURANTE OS TRES ANOS SEGUINTES
QUE PREGOU A SUA MENSAGEM.
NUNCA ESCREVEU UM LIVRO.
NUNCA EXERCEU QUALQUER CARGO.
NUNCA TEVE UM LAR.
NUNCA CONSTITUIU FAMÍLIA.
NUNCA FREQÜENTOU UMA UNIVERSIDADE.
NUNCA AS PLANTAS DOS SEUS PÉS PISARAM UMA
GRANDE CIDADE.
NUNCA SE DISTANCIOU MAIS DE 300 KM DO POVOADO
ONDE NASCEU.
NUNCA FEZ ALGUMA COISA QUE PUDESSE APAREN
TAR GRANDEZA.
SUAS CREDENCIAIS ERAM A SUA PRÓPRIA PERSONA-
LIDADE.
NADA TEVE EM COMUM COM ESTE MUNDO, EXCETO
O SIMPLES PODER DA SUA SINGULAR HUMANIDADE.
QUANDO SE FEZ CONHECER, O ÍMPETO DA OPINIAO
POPULAR SE VOLTOU CONTRA ELE.
OS SEUS AMIGOS O NEGARAM E ABANDONARAM.
UM DELES O TRAIU E O VENDEU AOS SEUS INIM1GOS.
FOI CONDENADO MEDIANTE A FARSA DE UM JUIZO
SIMULADO.
FOI CRAVADO EM UMA CRUZ ENTRE DOIS LADRÓES.
ENQUANTO MORRIA, OS SEUS EXECUTORES TIRAVAM
SORTE SOBRE A ÚNICA PROPRIEDADE QUE TINHA NA
TÉRRA : SUA TÚNICA.
AO MORRER, FOI ENTERRADO EM UMA TUMBA EM
PRESTADA POR PIEDADE DE UM AMIGO.
DEZENOVE LONGOS SÉCULOS SAO PASSADOS E HOJE
ELE É A PERSONALIDADE CENTRAL DA RACA HUMANA E
LÍDER DA CiVILIZACÁO MODERNA.
TODOS OS EXÉRCITOS DESTE MUNDO, TODAS AS FRO
TAS QUE JA SE CONSTRUIRAM, TODOS OS PARLAMENTOS
QUE JÁ SE REUNIRAM, ASSIM COMO TODOS OS REÍS QUE
JA REINARAM, POSTOS TODOS JUNTOS, NAO INFLUIRAM
TAO PODEROSAMENTE NA VIDA DA HUMANIDADE COMO
O FEZ ESTA VIDA SINGULAR: JESÚS CRISTO.

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