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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESEISTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
índice
pás.

AÍNDA A COPA DO MUNDO , 21

Entre boatos e rumores:


MILAGRES E "MILAGRES" : COMO IDENTIFICA-LOS ? 323
Aos olhos da ciencia : .. ,
... MAS PODE REALMENTE HAVER MILAGRES ? 338
Cristianismo recente: ■
REAVIVAMENTOS PENTECOSTAIS 347
Quem sao ? E que fazem ?
OS OARISMATICOS NA IGREJA 354

UM CONGRESSO DE FILOSOFÍA 337


3? e 4? capa
COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

• * •

NO PRÓXIMO NÚMERO :

As fenfacóes de. Jesús nos Evangelhos. — O filme «Madre Joana dos


Anjos». — Um «best-seller»: «Saber envelhecer». — A térra de Israel
em foco : a «bem-aventurada Paixao».
E VOLTAREMOS A FALAR DO TITULO DA NOSSA REVISTA I

«PERGUNTE E' RESPONDEREMOS»


Assinatura anual Cr$ 40,00
Número avulso de qualquer mes CrS 5 00
Volumes encadernados de 1958 e 1959 (preco unitario) ... Cr$ 35,00
índice Geral de 1957 a 1964 Cr$ 10,00

EDITORA LAUDES S. A.
REDACAO DE PR ADMINISTRACAO
Caixa Postal 2.666 Rna Sao Rafael, 38, ZC-09
9nnnn-, zco° 20000 Rio de Janeiro (GB)
20.000 Rio de Janeiro (GB) Tete.: 268-9981 e 268-2796

Na GB, á Rúa Real Grandeza 108, a Ir. María Rosa Porto


tem um depósito de PR e recebe pedidos de assinatura da
revista. Tel.: 226-1822. :
aínda a copa do mundo
A disputa futebolística da Copa do Mundo realizada em
junho/julho pp. empolgou mais urna vez os homens de todas
as partes do globo.
Os jogos animaram e excitaram, de múltiplas maneiras,
os espectadores. Também deram que pensar aos comentaristas
e colunistas do esporte... Merece atencüo, entre outras, a
crónica de C. A. publicada pelo «O Globo» (Rio) de 5/VÜ/74
com o título «A revolugáo holandesa». Em suas duas colunas,
o articulista póe em foco algumas características que teráo sido
o segredo do éxito dos holandeses na X Copa Mundial:
"Há urna profunda conscléncia protlsslonal por tras desse brllho (ho
landés). E modestia. A mesma modestia cam que, numa orquestra, os pro-
fessores de música se vestem de anonimato para conslltutrem apenas um
organismo fnlegro, Indlvlsfvel, que é a próprla orquestra.
O time da Holanda é urna orquestra. E urna orquestra sinfónica. Seus
sons 33o sempre acordes, e ela nunca desafina. Tem um notável Instrumen*
lista, destacando-se aos demals, o esguio e Irónico Cruyff; mas ele se
limita a encadear a melodía com o seu vlolino sutil, capaz de surpreender
a cada instante pela capacidade de surgir no proscenio e dlssolver-se no
fundo do palco sem que se percebam suas evolucSes.
é a renuncia ao individualismo..."

O cristáo que leía estas linhas, nao pode deixar de pensar


ulteriormente sobre elas. Para Sao Paulo, o esporte era fre-
qüentemente a imagem do tirocinio da vida espiritual: o he
roísmo abnegado e magnánimo do atleta constituía, para o
Apostólo, o espelho do que deve ocorrer na luta em prol da
coroa imperecível reservada aos discípulos de Cristo que tive-
rem porfiado com generosidade (cf. 1 Cor 9,24-27). Se, pois,
reléssemos com olhar paulino o comentario esportista ácima
transcrito, poderiamos refletir nos seguintes termos :
Um time de futebol (no caso ácima, o comentarista aponta
o da Holanda) vence, porque consta de multiplicidade de ele
mentos valiosos que, sem perder suas notas próprias, se redu-
zem á unidade de urna sinfonía ou harmonía brilhante, artís
tica, ... sinfonía esta que nao seria possível se cada qual dos
jogadores (por mais brilhante que fosse) nao se tornasse mo
desto e humilde. Cada qual deve servir á Vitoria do conjunto,
e nao á projecáo individualista de si mesmo? tal projecáo seria
ruina para o conjunto, porque o desmantelaría, e falso brilho
para o individuo, porque, se o conjunto se arruina, também o
individuo se prejudica. É somente perdendo-se no todo que cada
um dos componentes se reencontra exaltado.
Ora estas sabias ligóes se aplicam exatamente a vida crista:
— No plano pessoal, cada discípulo de Cristo é um conjunto

— 321 —
de múltiplas tendencias e valores que háo de ser reduzidos a
unidade de urna sinfonía ou harmonía mediante renuncia e
autodisciplina. Cada cristáo tem que se tornar urna palavra
viva, composta de muitas letras, muitas sílabas, acentos secun
darios e um acento principal..., tudo isso convergindo para
urna só grande sinfonía que diga «CRISTO». É somente assim
— configurándole a Cristo — que o cristáo se realiza como
personalidade. Na verdade, Cristo é o Primogénito ao qual o
Pai quis fóssemos todos conformes (cf. Rom 8,29). O ideal de
um cristáo é viver em beleza ou harmonia, dando a cada valor
do seu ser a justa expansáo, segundo a medida adequada, e
rejeitando dura e austeramente qualquer incoeréncia ou desafi-
nacáo. Alias, o comentarista C. A., pouco antes do trecho atrás
citado, elogiava a «autodisciplina férrea» á qual tiveram de se
submeter os jogadores holandeses para constiturem a equipe
harmoniosa que surpreendeu o mundo.1
— O cristáo, porém, reconhece que ele nao luta nem vence
a sos. Está integrado numa comunidade oa num Gorpo que é
a Igreja, de tal modo que é somente nesse corpo que ele obtém
a vitória. O éxito dele e o do conjunto sao inseparáveis um do
outro. É a consciéncia desta verdade que excita no cristáo a
capacidade de se dar aos irmáos na Igreja, procurando traba-
lhar com eles em atitude de comunháo e de renuncia a si e
humildade. «Carregai os fardos uns dos outros, e assim cumpri-
reis a lei de Cristo», diz o Apostólo (Gal 6,2; cf. 5,13). É esse
«saber carregar os fardos alheios com paciencia e humildade
(muitas vezes, heroicas)» que faz de muitos um só povo em
marcha^ sob o primado de Cristo Cabega. É essa articulagáo, em
que cada qual se esquece de si para beneficiar o conjunto, que
pode garantir (humanamente falando) o éxito da missáo da
S. Igreja.
Se em todos os tempos estas verdades foram válidas, pode
mos dizer que em nossos dias sao mais prementes, visto que
mais complexa e desafiadora do que nunca é a tarefa da
Igreja,... visto também que o próprio Deus parece falar aos
seus fiéis de novo modo, através desse sinal dos tempos que é o
atletismo contemporáneo configurado na disputa da Copa do
Mundo-74.
Trabalharemos, pois, em harmonia, em graga e beleza, na
unidade que resulta da multiplicidade,... em nossas comuni
dades eclesiais, profissionais e sociais. E quicá — poderemos
ser a surpresa do mundo, dos anjos e dos homens, aos quais nos,
cristáos, fomos dados em espetáculo! Cf. 1 Cor 4,9.
E. B.

1 Note-se bem : "autodisciplina férrea", na antlga llnguagem dos atle


tas gregos, dizla-se áskesls, ascese.

— 322 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
*;". ' . Ano XV — N» 176 — Agosto de 1974

Entre boatos e rumores:

milagros e "milagres":
como identifícalos?
Em aíntese: O milagro, na teología e na apologética católicas, nfio
é stmplesmente um felto que derrogue ás lels da natureza, suscitando adml-
racSaesurpresa nos.seus observadores, mas ó, antes do mals, um slnal ou
unía palavra "plástica" de Deus aos homens. Em conseqüencla, entenda-se
por "mílagre" um aconteclménto real, que seja Inexpllcével aos olhos da
ciencia contemporánea e que ocorra em autentico contexto religioso como
resposta de Deus a esse contexto.

O auténtico milagro, para a apologética católica, nSo poderá ser


— um fenómeno de experiencia meramente individual, que os homens
n5o .possam reconhecer por criterios objetivos,
:;/> ír-jiemum fenómeno ambivalente, Isto é, suscetfvel de dupla ínter-
■pretacSo (a natural e a sobrenatural),

: .— nem urna cura de molestia funcional (requer-se molestia orgánica


-tlda como incurável pela medicina contemporánea),
— nem algo que se verifique em ambiente de Imoralldade, charlata
nismo, cobica de lucros flnanceiros, sensaclonallsmo, arrogancia em relacfio
.a Deus... , • .

•v.
•v.
Ao contrario, o autentico milagro se realiza em contexto de prece
humilde,-fé autentica, e da frutos de conversSo á verdade, repudio do pe
cado, concordia e carldade entre os homens. — Caso seja a cura da alguma
molestia orgánica devidamente diagnosticada, requer-se que seja Instan-
tanea^ou quaso Instantánea.

É' mediante tais criterios que se podem distinguir de falsos portentos


{devldos a ilusfio ou a torcas ocultas) os verdaelros milagros, slnais de
Deus que confirmam urna mensagem ou um arauto da verdadelra fó.

'x\ Comentario:,É. significativo o interesse de grande parte


da humanidade de hoje por fenómenos extraordinarios: curas,

— 323 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 176/1974

revelares, profecías, possessáo diabólica, etc. Os jomáis nao


raro noticiam prodigios ocorridos em igrejas ou em centros
religiosos, suscitando os mais diversos comentarios dos leitores:
enquanto uns acreditam com facilidade em tais noticias, outros
se mostram reservados ou céticos. A cautela destes explica-se
pelo futo de que muitos dos fenómenos outrora tidos como pre-
ternaturais ou sobrenaturais1 hoje em día vém sendo mais e
mais explicados pelas ciencias naturais e humanas. Este pro-
gresso do saber científico leva mesmo grande número de'pes-
soas a descrer da realidade ou até da possibilidade do milegre.
Até os portentos realizados por Jesús, segundo o Evangelho,
sao assim postos em xeque.

Visto que se requerem idéias claras a este respeito, propo-


remos abaixo a posígáo da teologia católica frente ao problema,
encarando o conceito de milagre e as características tanto do
auténtico como do falso prodigio.

A respeilo dos milagros de Jesús nos Evangelhos, Já ha «Higos


em PR 171/1974, pp. 91-103; 134/1971, pp. 75-81 ; 135/1971. pp.
106-115; 136/1971, pp. 181-188.

1. Que é milagre?

1. Na Iinguagem comum, costuma-se entender por <míla-


gre» um fato maravilloso ou extraordinario que suscite admi-
rapao ou espanto (o termo miracnlom latino vem da mesma
raíz que admirari). Com outras palavras: milagre seria um
fato contrario as leis da natureza e, por isto, só explicável por
especial intervencáo do Criador.

Ora em nossos dias os fatos «maravilhosos» sao cada vez


mais elucidados pelas pesquisas científicas, de modo a já nao
suscitarem admiracáo. Além disto, as leis da natureza váo sendo

1 Sobrenatural é aquilo que ultrapassa o alcance ou o poder de qual-


quer criatura: assim a particlpacfio da vida de Deus ou a fillacáo divina,
concedida através da graca santificante, é um dom sobrenatural.

Sobrenatural nao é necessarlamente sinónimo de portentoso ou espa-


Ihafatoso; pode ser um dom latente e despercebldo aos nomens.

Preternatural é o que ultrapassa o alcance da natureza humana como


tal, levando-a além de seus limites próprlos. Assim a fmortalldade do com
posto humano é um dom preternatural; o homem que fosse Imortal por dom
dé Deus, nao delxarla de ser homem, mas ultrapassarla os limites da sua
condlcSo natural.

— 324 —
MILAGRES E <MILAGRES> 5

concebidas de nova maneira e os conceitos da Física se váo al


terando, de sorte a tornar pálido e dúbio para muitos estudio
sos o conceito de cinfracáo das leis da natureza».

É este questionamento que leva os teólogos a lembrar algo


da historia do conceito de milagre.

2. Nos Evangelhos, o milagre é considerado, antes do


mais, como simal, isto é, como Palavra de Deus que interpela o
homem e o ajuda a proferir um ato de fé na mensagem trans
mitida por Cristo. Quem vé um sinal, é incitado a crer, ... a
crer na palavra de Jesús, que fez o sinal.

fenham-se em vista, entre outros, os seguintes textos:


Jo 3,2: Diz Nlcodemos a Jesús: "Nlnguém pode fazer os slnais que
fazes, sa Deus nSo está com ele".

Jo 2,11: "Este fol o prlmelro dos slnals de Jesús. Ele o cumprlu em


Caní da Qalllóla. Manlfestou a sua gloria e os seus discípulos creram nele".
Em Jo 11,4, o último milagro de Jesús tambero é apresentado como
sinal: "Essa doenca nfio ó mortal; mas ó para a gloria de Deus; deve
servir á gtorlflcacSo do Fllho de Deus".

Em Jo 11,48-53, os farteeus, após a ressurrelc9o de Lázaro, deliberan):


"Que taremos? Esse homem (Jesús) realiza muitos slnals. Se o delxarmos
agir, todos acradltarBo nele".

Em Im 5,8, após a pesca milagrosa. Pedro proskou-sa aos pés do


Mestra e exclamou: "Afasla-te de mlm, Senhor, pols sou um pecador".

Me 2,0-11: "Que é mais fácil: dlzer ao paralitico 'Teus pecados te


alo perdoados?' ou dlzar-lhe 'Levanta-te, toma o teu lelto e anda"? Para
que salbals que o Fllho do Homem na térra tem o poder de perdoar os
pecados, (diz Jesús ao paralítico): 'Levanta-te, toma o teu lelto e val para
oasa!'"

Nos primeiros séculos, os Padres da Igreja, ao considera-


rem os milagres insistiam sobre o seu caráter de sinal salutar
mais do que sobre o de manifestado de poder. O milagre, para
eles, era o selo ou sinete que autenticava a verdadeira revela-
Cáo feitá por Deus aos homens. Nao era o acontecimento por
tentoso como tal que lhes interessava, mas a finalidade e a fun-
C3ó do mesmo na vida de fé do cristáo.

Na Idade Media, porém, a partir de S. Anselmo de Can-


tuária (t 1109), deslocou-se o enfoque dado pelos teólogos ao
milagre: mais do que o sinal, comegaram a.acentuar no milagre
o. manifestagáo do poder de Deus como tal: «Um fato é mila-

— 325 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

graso, guando ultrapassa o poder de toda criatura», diz S.


Tomás, sem se importar diretamente com a índole de sinal, -que
vinha a ser, no caso, um acessório (cf. S. Teol. I, qu. 110, a. 4c).
O motivo pelo qual se deslocou o enfoque, é o seguinte: os
Padres da Igreja seguiam de preferencia a filosofía platónica,
que e propensa a considerar as realidades visiveis como ima-
gens das invisiveis; nessa mentalidade, a nogáo de sinal é clara
e obvia; adotando-a, osPadres da Igreja nao tinham dificiddade
em ver nos milagres (curas, ressurreicóes, restauracáo da or-
dem corporal...) acenos ás realidades espirituais ou sinais
de Deus. Na Idade Media, porém, o sistema filosófico predomi
nante entre os teólogos foi o aristotelismo ; este se preocupa
mais com as nopóes de causa e efeito do que coma de. sinal •
e mais guiado pela razáo do que pela intuigáo. Dai a nova acen-
tuagáo que a teología medieval passou a dar ao milagré: con-
siderouo, antes do mais, como um efeito que ultrapassa "a
causalidade natural das criaturas; em conseqüéncia, julga-se
que, quanto mais um efeito parece extraordinario, tanto mais
preenche as condigóes de milagre.

O conceito medieval perdurou entre os teólogos até fins


do sec. XK: o milagre foi sendo mais e mais considerado como
feito que evidentemente se opóe ás leis da natureza e, por con-
seguinte, deve ser causado pelo Criador. O valor de sinal, riessa
conceituacáo, era menos explicitado, se nao silenciado.

3. Finalmente no inicio do séc. XX registrou-se na teolo


gía a tendencia a voltar ao conceito bíblico e patrístíco de mila
gre. Este de novo foi sendo entendido como sinal ou palavra-
-feito de Deus. É este o conceito dominante hoje na teología
católica, que assim formula o seu pensamento: \7;
Milagre é

. a) um fato real,

b) totalmente inexplicável pela ciencia de nossos dias, '


c) realizado em auténtico contexto religioso, como sínal
ou resposta de Deus a esse contexto.

Percorramos cada um dos elementos desta déscrigSo:


a) Fato real... Antes do mais, requer-se que o episodio
apresentado como possivel milagre seja um episodio real, his-

— 326—
MILAGRES E «MILAGRES»

tórico. Sabe-se quanto a imaginagáo é fértil em criar casos


maravilhosos ou, ao menos, em aumentar as dimensóes estra-
nhas de determinado episodio; o subconsciente, com as suas
aspiracóes intimas, a alucinagáo, a sugestáo, sao responsáveis
por muitos dos casos que o rumor popular apresenta como mi
lagrosos, mas que na verdade nunca ocorreram ou só ocorre-
ram com características perfeitamente explicáveis pela ciencia
e a razáo.

Por conseguinte, diante da noticia de um fato portentoso,


a primeira tarefa do estudioso será a investigagáo do grau de
historicidade que toca a tal episodio. Muitos «milagres» e mui-
tas dúvidas se dissipam logo, mediante tal pesquisa.

Tenha-se em vista a noticia, propalada na Guanabara em


1972, segundo a qual em Irajá aparecerá milagrosamente urna
imagem de Cristo esculpida na rocha. Muitos fiéis foram ao
local, a fim de pedir gragas e orar, quando após alguns dias
se averigüou que a imagem nada tinha de milagroso, mas fora
esculpida clandestinamente na pedreira local por máos huma
nas. ..

b) ... Inexplícável pela ciencia contemporánea ao fato.


A ciencia moderna tem elucidado numerosos fenómenos que,
na época dé sua ocorréncia, foram tidos como milagres. Con-
seqüentemente, muitas pessoas perguntam se os fenómenos hoje
considerados milagrosos ainda o seráo dentro de dnqüenta anos;
extinguir-se-ia assim o conceito de milagre.

O pensador racionalista A. Sabatier (f 1901) dizia:

"Nesse confuto entre o milagre e á ciencia, o milagre será necessarla-


mente vencido, pols o seu setor se estrella e diminuí sempre mals,- á me
dida que se enriquece e estende a ordem magnifica e soberana do cosmos"
("Esqutsse d'une philosophle de la religión d'aprés la psychologle et l'hls-
tolre". París 1897, p. 75).

Em resposta, dir-se-á :

— há fatos, registrados pelo Evangelho íe por outros do


cumentos fidedignos), que a ciencia nao explica nem jamáis
explicará: tais sao a ressurreicáo de um morto, a multiplicacáo
de alimentos, a transformado de agua em vinho, a sedacáo
imediata de urna tempestade violenta...

— independentemente desta observado, o conceito de mi


lagre subsiste desde que a ciencia contemporánea ao portento

— 327 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 176/1974

nao o saiba explicar nem conheca pista para explicá-lo futura


mente. Basta a verificagáo de tais condigoes. — Em tal caso,
dir-se-á que o fato foi produzido por Deus como sinal ou como
resposta para as pessoas que acompanharam o acontecimento
portentoso. A linguagem é algo de relativo ou algo que se deve
adaptar a compreensáo das pessoas interpeladas. Ora, se estas
registram um evento que de modo nenhum parece passível de
explioacáo nem no presente, nem no futuro, tais pessoas pode-
ráo concluir que o prodigio se deve a uma intervencáo explícita
de Deus, que assim se qüis manifestar mais pujantemente aos
homens.

c) ... Realizado em auténtico contexto religioso... O mi-


lagre-palavra vem confirmar, da parte de Deus, uma atitude
religiosa dos homens: ora Deus só pode confirmar valores
auténticos e verdadeiros. É por isto que, depois que a ciencia
contemporánea verifica a inexplicabilidade de determinado fato,
a Igreja ainda nao apregoa milagre; ela examina as circuns
tancias em que o portento se deu: terá sido resposta a uma
prece humilde, confiante, inspirada pela verdadeira fé ? Terá
servido para confirmar um servidor de Deus cuja doutrina ou
cujo comportamento precisavam da cháncela do próprio Deus?
— Ou será que o prodigio se verificou em contexto de magia,
crendices, superstigóes, culto ao demonio, etc. ? Caso se veri
fique a primeira hipótese, a Igreja reconhece o milagre-sinal
de Deus. Caso, porém, se dé a segunda alternativa, a Igreja
atribuí o portento <a agáo de forcas maléficas, ou seja, ao demo
nio (o que na verdade é ocorréncia muito rara, que nao se há
de supor com facilidade).

Em conclusáo, deve-se afirmar que o milagre nao é sim-


plesmente um fenómeno físico, ao qual sobrevenha a funcáo de
sinal. Mas, por sua própria índole, o milagre é um sinal ou
uma palavra «plástica» dirigida por Deus a determinada por-
cáo da humanidade, a fim de suscitar a fé dos homens ou
tornar mais fácilmente acreditável aquilo (a mensagem ou a
pessoa) que o milagre assinala.

Passemos agora a considerado das

2. Características <J« autentico milagre

Foi dito atrás que todo milagre é um sinal ou uma palavra


de Deus aos homens. Ora, para que essa palavra possa ser

— 328 —
MILAGRES B «MILAGRES»

reconhecida e utilizada pelos teólogos — principalmente pelos


apologistas da fé — como testemunho válido para todos os
homens, é necessário que ela tenha certas características.

Procuraremos, pois, enunciar abaixo as notas distintivas


do genuino milagre-sinal de Deus para os homens, distribuin-
do-as por dois subtítulos: características negativas e caracte
rísticas positivas.

2.1. Criterios negativos

Nao sao reconhecidos como sinais que a apologética utilize


para seus fins

2.1.1. Os fen&nenos ambivalentes

Há, sim, fenómenos suscetíveis de dupla interpretacáo: a


natural e a sobrenatural. Com outras palavras: cértos aconte-
cimentos se podem verificar tanto em contexto religioso como
em contexto puramente natural, psicológico ou parapsicología).
Tais sao os fenómenos que por vezes acompanham a experien
cia mística: visóes, vozes interiores, éxtases, estigmas, sonhos
premonitorios, adivinhacáo do pensamento...

Todos estes fenómenos podem, sem dúvida, ter urna causa


sobrenatural (intervencáo extraordinaria de Deus), mas sao
igualmente suscetíveis de explicagáo natural, que apela para
reacóes psicológicas ou parapsicológicas. Já que é assaz difícil
distinguir a verdadeira causa de tais fenómenos, a teología ca
tólica nao costuma utilizá-los em seus tratados de apologética.
Com isto nao se diz que as visóes, os estigmas ou outros fenó
menos atrás apontados jamáis sejam de origem sobrenatural;
apenas observamos que as pessoas sem fé diante de tais fenó
menos poderáo sempre apelar para causas naturais — o que
torna ineficaz o sinal ou a palavra que o apologista católico
poderia deduzir desses mesmos acontecimentbs.

Nao raro os adversarios da Igreja impugnam tais fenó


menos e os ridicularizamí como se, para a Igreja, fossem mila-
gres aptos a favorecer a fé. Ora tal nao é o modo de pensar
da Igreja. — Doutro lado, acontece que multas pessoas piedo-
sas valorizem exageradamente tais expressóes ambivalentes
(vozes, estigmas, aparicóes, visees...) como se fossem neces-
sariamente sinais de intervencáo divina ou de comunicacáo com

— 329 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

os espiritos do Além; nao se creia isto, dado que tais fatos


podem ser reduzidos á atuaeáo de causas puramente psicoló
gicas ou parapsicológicas.

A respelto de estigmatlzasSo, vejam-sa ulteriores consíderagSes em


PR 54/1962, pp. 214-224.

2.1.2. Os fenómenos de experiencia meramente individual

Há fatos que podem ser realmente milagres genuínos, mas


que só uma determinada pessoa vive e conhece. Tais fatos seráo
verdadeiros sinais de Deus para a pessoa assim agraciada, mas
nao poderáo ser utilizados pela apologética como mensagem des
tinada por Deus a todos os homens. Tais sinais tém algo de
incomunicável, pois implicam um tanto de experiencia imediata
e de intuicáo, que nao se pode enquadrar em um esquema
objetivo e válido para o grande público.

Alias, muitas das nossas certezas mais arraigadas e firmes


sao incomunicáveis;se as tentássemos relatar, nao seriam en
tendidas ou se tornariam talvez objeto de menosprezo. Náó
obstante, sao certezas fundamentadas e válidas.

Tenha-se em vista, por exemplo, um caso freqüentemente


relatado ñas vidas de santos. Um homem de Deus, movido pelo
puro desejo de servir ao Senhor, contraiu pesadas dividas...
Aproximando-se a data de pagá-las, vé o seu cofre vazio. To
davía permanece em paz e se refugia na oracáo, certo de que
o Pai do céu nao o abandonará. Ora acontece que um visitante
desconhecido vai procurá-lo; depois de palavras bañáis, deixa-
-lhe discretamente uma esmola e se vai; era precisamente a
quantía necessária para cobrir as dividas... ! — Pois bem ; o
fato parece ser sinal n'tido da Providencia Divina, que houve
por bem responder milagrosamente ás preces do seu servidor.
Sem querer negar o milaere, diga-se, porém, que para o grande
público nao se pode fazer de tal fato uma prova apodíctica da
intervencáo divina; com efeito, os ouvintes poderiam apelar
para mera coincidencia nao intencional...; poderiam dizer que
o benfeitor foi, por um conjunto de circunstancias naturais,
admoestado a respeito da situacáo trágica do beneficiarlo; po
deriam também alegar que se tratou de um fenómeno de tele
patía ou de sugestáo. Apesar de tudo, porém, quem tivessé
vivido tal experiencia, nao seria um doente nem um simplórto,
se insistisse em julgar, com certeza inabalável, que Deus o teria
agraciado milagrosamente.

— 330 —
MILAGRES E «MUAGRES» 11

2.1.3. As molestias funcionáis

As curas de doengas sao os fenómenos mais freqüente-


mente apontados como milagrosos. Por isto é que neste setor
se impóem rígidas cautelas a fim de nao se confundir milagre
com outros fenómenos.

Comecemos por distinguir entre doengas orgánicas e doen-


cas funcionáis.

Nos casos de molestia orgánica, há um órgáo afetado em


sua integridade anatómica ou histológica ou deformado e dege-
ñerescente, de modo a estar em vías de perecer lentamente.
Certos processos de destruicáo ou degenerescencia dos tecidos
sao, no estado atual da medicina, irreversiveis e, por conse-
guinte, irrecuperáveis. Outros processos desse tipo estáo sujei-
tos á recuperagáo dentro de certas proporgóes e prázos.

Outras molestias sao meramente funcionáis, nao dependen-


do de lesáo física, mas de perturbagáo do sistema nervoso;
tém causas psicológicas; donde o nome de molestias «pslcogé-
nicas». Quando tais causas psicológicas desaparecem, também
as suas conseqüéncias ou os disturbios funcionáis cessam, até
mesmo quase instantáneamente. Tais sao, entre outras, as per-
turbagóes histéricas pseudo-orgánicas, que apresentam todos
os síntomas de unta lesáo orgánica sem que esta exista real
mente, ou, aínda, a pseudo-peritonite tuberculosa sem a pre
senta de bacilos.

Há quem fale também de molestias psicossomáticas, ñas


quais um fundo nervoso está associado a lesóes orgánicas. Em
alguns casos, o elemento psíquico predomina e é diretamente
responsável por irritagóes orgánicas (dermatoses, úlceras, mo
lestias cardíacas...). Em outros casos, o fator orgánico (com
seus bacilos, por exemplo) predomina, mas o estado psíquico
ou afetivo do paciente influí poderosamente no curso da doenga.

Pois bem. As doengas funcionáis ou nervosas ou mesmo as


doencas orgánicas de origem nítidamente psíquica ou nervosa
nao vém ao caso, quando se trata de milagre na apologética ou
na teología. Ao contrario, interessam as lesóes orgánicas nítida
mente diagnosticadas e tidas como incuráveis pela medicina con
temporánea. Caso sejam curadas em um contexto de fé e prece
puras, pode-se admitir ai urna intervengáo extraordinaria de
Deus ou um milagre.

— 331 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

Acrescentemos que, dado o conceito de milagre «sinal de


Deus», nao podem ser tidos como milagres certas fenómenos
realizados em contexto indigno de Deus. Donde o novo sub
título :

2.1.4. Gramstóndas que desabonara

a) Tais seriam, em primeiro lugar, os ambientes de irre


verencia a Deus, imorálidade ou deboche de costumes, charla
tanismo ou ilusionismo, cobiga de lucros materiais ou aceitagáo
de lucro financeiro por parte do pretenso taumaturgo, ocasiáo
de satisfazer ao orgulho, á vaidade ou á sensualidade das pes-
soas envolvidas no portento...

Expliquemo-nos: o homem pode ser incoerente ou contra-


ditório em suas expressóes ou condutas (assim pode haver la-
droes que rezem para pedir o bom éxito das suas trapagas;
pode haver quem pega a Deus que o ajude a vingar-se dos seus
inimigos). Mas o Senhor Deus nao pode ser incoerente ou con-
traditório. Dai dizer-se que Ele nao realiza sinals ou palavras
portentosas que de algum modo possam sugerir a confirmacáo
do deboche, da fraude ou da imorálidade...

b) Ambientes de sensacionalismo e alarde levam igual


mente a desconfiar da autentícidade do «milagre». — Na ver-
dade, as obras de Deus costumam ser discretas, mesmo quando
derrogam ao curso natural dos acontecimentos. Um portento
exageradamente sensacional já nao seria sinal, pois nao levarla
Os espectadores a procurar outra realidade invisível assim assi-
nalada. Alimentaria a fantasía e a curiosidade profanas mais
do que a Inteligencia, a fé e a reverencia a Deus.

c) O espirito de arrogancia e de dominio com que alguém


trate as coisas de Deus e os fenómenos prodigiosos, também
resulta em desabono do pretenso milagre.

Quem julga ter direito a algum milagre, porque possui


ciencia e receitas ou porque é virtuoso e sempre foi fiel a Deus,
já se coloca fora das disposigóes necessárias para ser atendido
pelo Senhor Deus. O auténtico milagre é sempre sinal gratuito,
nunca é devido por Deus ao homem. O homem nao *encomen-
da» milagres a Deus. Somente quando assume urna atitude de
humildade e disponibilidade, pode o homem esperar receber a
graga e a condescendencia de Deus.

— 332 —
MILAGRES E <MILAGRES> 13

Para que melhor se penetre o sentido desta verdade, trans-


creveremos abaixo urna página era que o escritor Ernesto Renán
(t 1892) formula as condicdes que o pensador racionalista es
tipularía para poder reconhecer um milagre :

"Digamos que venha a se apresentar amanhS um taumaturgo com cre-


denclals suficientemente serlas para ser levado em considerac&o. Suponha-
mos: ele afirmarla que pode ressuscltar um morto. Que farlamos? Serla
nomeada urna comissfio de fislologlstas, físicos, químicos, pessoas tretnadas
na critica histórica... Essa comissio escolherla o cadáver; certlíicar-se-la
de que a morte fol real, designarla a sala em que se faria a experiencia,
estipularla todo o sistema de precauc6es necessárlas para nSo delxar lugar
a dúvlda alguma. Se em tais condlcSes se efetuasse a ressurrelcSo, estarla
adquirida urna proballdade quase igual á certeza. Todavía, dado que urna
experiencia deve sempre poder repetlr-se e visto que o experimentador deve
ser capaz de refazer o que ele fez urna vez e — mals — já que na llnha
do milagre nSo vem ao caso o fácil ou o difícil, o taumaturgo serla convi
dado a reproduzir o seu ato portentoso... Se em cada Instancia o mllagre
acontecesse, duas coisas estarlam comprovadas: em primelro lugar, acorv
tecem no mundo fatos sobrenatural; em segundo lugar, o poder de 09
produzlr pertence ou é delegado a certas pessoas. Mas quem nSo vé que
nunca um mllagre se realizou em tais condlcSes?" (E. Renán, "Vie da
Jesús". París 1863, pp. LI-LIII).

Na verdade, o fiel cristáo pode estar certo de que nuncaí


um tal milagre se realizou nem realizará. Nao seria milagre
cristáo, nem mesmo acontecimento religioso; nao tena sentido.
Viria a ser, em última análise, urna capitulagáo de Deus, que
cedería á desconfianga e ao orgulho da criatura. Diz a S. Escri
tura que Deus recusa a sua graca aos soberbos e auto-suficien
tes, mas a derrama sobre os humildes com a generosidade de
um grande senhor.

Mais: pode-se notar que a comissáo imaginada por Renán,


ainda que verificasse a «aparicio» do morto-vivo, provavel-
mente suspendería o seu julgamento e declararía que havia de
estudar um pouco mais a fim de averiguar, por meio de expe
riencias e pesquisas, se certas forcas naturais até agora igno
radas ou um acaso ou urna combinacáo de fatores até aquí
improvável ou a intervengáo de um número quántico... nao
poderiam explicar o que, em primeira abordagem, ficava sem
explicacáo.

Em suma, para que alguém possa fazer urna experiencia


religiosa — seja ordinaria, seja extraordinaria —, existe urna
condicáo previa indispensável: admitir que tal experiencia nao
seja impossivel. E só o pode admitir quem seja humilde e des
tituido de preconceitos.

Passemos agora aos

— 333 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

2.2. Criterios positivos

Urna vez enunciadas as características que desabonam o


milagre no sentido teológico e apologético, importa averiguar
as que o recomendam e autentican! aos olhos do observador.

2.2.1. Cura milagrosa: características

Para que urna cura de enfermidade venha a ser levada em


conta como possivel resposta de Deus aos homens, deve, se
gundo a jurisprudencia da Igreja, preencher as cinco seguntes
condigóes:

1) Trate-se de urna doen;a orgánica grave, consistindo


em alteragóes anatómicas (modificagio, perda ou hiperprodu-
gáo de tecidos...). Essa doenga terá sido diagnosticada pelos
métodos mais seguros e haverá sido considerada totalmente
incurável aos olhos da medicina contemporánea.

2) Tenham sido ineficientes todos os meios terapéuticos


devidamente aplicados.

3) Verifique-se a restauragáo dos órgáos ou tecidos le-


sados em espago de tempo táo breve que possa ser considerado
instantáneo.

4) Nao se tenha registrado o prazo ordinariamente ne-


cessário para a recuperagáo gradual da fungáo lesada (a pessoa
curada conseguiu logo caminhar ou comer e digerir com toda
a normalidade...).

Ou, em outros casos, nao se tenha verificado o prazo ne-


cessário para a reabsorgáo dos edemas, dos derrames de pleura
ou para a destruigáo das massas de tumores — o que nao excluí
ritmo progressivo (mas rápido) do estado geral de saúde da
pessoa curada (aumento de peso, de forgas, etc.).

5) Seja a cura duradoura, capaz de ser comprovada por


exames sucessivos, feitos a intervalos regulares durante longo
espago de tempo.

No artigo seguinte, veremos como em Lourdes procede a


Comissáo encarregada de examinar os fatos extraordinarios lá
ocorrentes.

— 334 —
MILAGRES E «MILAGRES» 15

2.2.2. Auténticas atltudos de fé

a) As pessoas envolvidas no verdadeiro milagre devem


apresentar atitude de auténtica fé, marcada principalmente pela
oracáo e a humildade.

As idéias professadas por essas pessoas deveráo ser as da


Revelagáo crista. O milagre verificado em tal contexto será o
sinete dada por Deus para confirmar a virtude, a missáo ou a
doutrina das pessoas por intermedio das quais ou em favor das
quais o portento se realiza. Sendo assim, entende-se que os
milagres se efetuem geralmente na vida dos Santos ou dos
arautos de Deus, pois estes é que precisam de credenciais, isto
é, precisam de ser identificados ou confirmados pelo Senhor aos
olhos do mundo.

A rigor, nao se exclui que um milagre ocorra por interme


dio de pessoa de vida indigna ou de doutrina errónea. É de
crer, porém, que isto só se dé excepcionalmente e que o Senhor,
ao realizar o portento, remova os perigos de ilusáo; Deus entáo
fará que os homens compreendam o sentido do prodigio ou o
termo preciso ao qual se refere o sinal milagroso. Em outras
palavras: o Senhor pode querer servir-se de um pagáo ou de
um homem de má vida para ser portador di urna mensagem
divina. Em tais casos, o milagre atestará a verdade dessa men
sagem, mas nao comprovará a conduta de vida ou o conjunto
de idéias do arauto; o Senhor permitirá que isto se torne claro
aos homens.

É importante frisar que o quadro mais normal dentro do


qual o milagre se insere, é o da prece humilde, destituida de
crendices ou artificios supersticiosos. O prodigio aparece entáo
como a resposta de Deus ao apelo da miseria do homem. Este
nao é capaz de comprar ou de forear o favor de Deus; nao há
preces ou ritos de efeito infalivel; a oracáo agradável a Deus
é a que procede de um coragáo filial, voltado para o Pai do
céu em confianca e amor, sem «receitas» previas «garantidas».

b) Os efeitos do genuino milagre sao, entre outros, a con-


firmacáo dos homens na verdade e no bem, o repudio do pe
cado, conversóes á reta fé, paz de alma, concordia e caridade
entre os homens, fidelidade ao dever de estado, obediencia as
autoridades...

c) A expressáo «A tua fé te salvou», freqüente nos labios


de Jesús (cf. Mt 8,13; 9,2. 22; 15,28; 17,20), nao quer dizer que

— 335 —
16 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

os milagres sejam projegóes do psiquismo subjetivo do paciente


(faith healing, la foi qui guérit). Há, sem dúvida, casos de cura
por auto-sugestáo; todavía, desde que sejam reconhecidos como
tais, a Igreja nao os Utiliza na apologética. Outros casos de cura,
porém, nao podem ser atribuidos á sugestáo; tenham se em
vista os que supóem, comprovadamente, o cáncer, a cegueira,
a esclerose... Charcot e Janet, que defendem a tese da «fé que
cura», só apontam, entre os exemplos dados, casos de doenc,as
funcionáis, ocorrentes ém «pacientes especiáis afetados de mo
lestias especiáis»; cf. J. M. Charcot, «La foi qui guérit»», París
1897; P. Janet, «Les médications psychologiques», 3 vols., Pa-
ris 1919.

A fé, de resto, nao é sugestáo subjetiva. A fé que Jesús


louva nos Evangelhos como penhor de salvagáo, significa aber
tura para Deus cheia de entrega e confianga. Está claro que
urna tal disposigáo acalma o sistema nervoso do paciente, mas
é incapaz de explicar a cura radical do mesmo, quando afetado
de certas lesóes orgánicas. A auténtica fé, ademáis, é precedida
por um juízo da rázáo; longe de ser cega ou sentimental, ela
supóe o conhecimento dos motivos de credibilidade: por que
posso crer ?... por que devo crer ?... por que crer precisa
mente em Jesús de Nazaré ?... por que crer na Igreja Cató
lica, e nao em outra comunidade religiosa ? O estudo de tais
perguntas exige o funcionamento da razáo e da lógica, contri-
butndo assim para emancipar da sugestáo, do sentimentalismo
e do fanatismo a auténtica fé crista.

Eis o que, resumidamente, ocorre dizer sobre o auténtico


milagre no sentido da teología católica e suas características.
Nao é a ostentagáo de poder divino que ai importa, mas, sim,
a palavra «plástica» que o Senhor assim queira transmitir aos
homens.

A temática deste artigo será completada pelo que se segué.

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PR 134/1971, pp. 75-81.
PR 135/1971, pp. 106-115.
PR 136/1971, pp. 181-188.
PR 171/1974, pp. 91-103.

um congresso de filosofía
Os ROS603 últimos fascículos tñm terminado com breve crónica de
vlagem a Israel. Desta vez, porém, Interromperemos a selle das nar.ac.6e3
cronísticas para poder dar lugar as impressSes de um cerlame grandioso.
Em setembro voltaremos mentalmente a Térra Sania.

Reallzou-se em PetrópolU (RJ), de 14 a 20 de Julho pp., a II Semana


Internacional de Filosofía promovida pela Socledade Brasilelra de Filósofos
Católicos. Pode-so dizer que esse encontró 'foi brilhante como poucos Con-
gressos de tal género em nossa páliia.

... Brilhante sob varios aspectos. Eram cerca de trezentos os sema-


nislas (dos quais 100 esludanles com total gratuldade). Entre os grandes
mestres de renomo Internacional, deslncavam-se o Prof. Andró Mercler, sufco,
físico teórico e filósofo, antigo Reilor da Universidad* de Berna e alual
Secreláiio Geral da Sociedade Internacional de Sociedades de Filosofía;
o Prof. Georges Gusdorf, da Unlversldade de Estrasburgo (Franca); o Prof.
Adoro Mufios Alonso, de Valladolld (Espanha); o Prof. Hans Pfett, de Bam-
berga (Alemanha); o Prof. Rvosuke Nagaki, da Universidade de Nagoya
(JapSo); o Prof. Ignallus Puthiadam, de Kadalkanal (India); o Prof. Tshla-
malenga Ntumba, da Unlversldade Nacional do Zalre (Afilca)... Em suma,
eram 25 os mestres estrangelros que, Juntamente com os naclonals, toma-
vam parte ñas allvldades do Congresso, apresentando disserta?6es e prest-
dlndo a sessSes de esludas.

As manhas do Congresso, das 9 h ás 12 h, eram destinadas a cinco


Seminal ios, que, em salas diversas, dobatlam respectivamente os segulnles

(Continua na 3? Capa)

— 337 —
Aos olhos da ciencia:

...mas pode realmente haver milagros?

Em sintese: A posslbilldade do milagro ó, por vezes, recusada pela


ciencia e pela raz&o em nome 1) do "Indeterminismo" das lels da natureza,
2) do poder da sugestfio, 3) do absurdo que o mllagre representarla para
Deus.

Na verdade, deve-se dlzer que o indeterminismo proclamado por W.


Heisenberg tem sentido subjetivo, e nao objetivo: nao podemos formular
leis constantes a respeito do curso da natureza porque nSo apreendemos
com preclsio a sua estrutura infra-atómlca. — O poder da sugestSo nSo
explica a cura de lesóes orgánicas irreverslveis. — Pelo milagro, Deus nSo
cede a caprichos e arbitrariedades, mas quer dar aos homens, em momentos
oportunos, um slnal da presenca do sobrenatural no mundo e um teste-
munho de que o homem nao se realiza somente segundo as suas capad-
dades naturals.

O artigo termina apresentando a organizacfio do controle exercldo


por médicos e teólogos sobre os portentos apregoados em Lourdes. Esse
controle, meticuloso e objetivo, mostra como a Igreja deseja assegurar a
nítida distincáo entre verdadeiros milagros (sinais de Deus) e portentos
meramente naturais.

Comentario: A elucidagáo do concertó de milagre apre-


sentada no artigo anterior talvez ainda deixe aberta na mente
dos estudiosos a questáo : Será que a ciencia moderna permite
realmente falar de milagres? Em que sentido se poderia dizer
que algo é inexplicável aos olhos do dentista contemporáneo?

É a estas dúvidas que as páginas seguintes tencionam res


ponder, levando em conta sucessivamente : 1) o determinismo-
-indeterminismo das leis naturais, 2) o poder da sugestáo, 3) a
tese do milagre-absurdo de Deus. Para terminar, diremos algo
sobre Lourdes, cidade tida como testemunho sensível da agáo-
-sinal de Deus entre os homens até hoje.

1. Indeterminismo da natureza

Em oposicáo ao deterninismo, que atribuí as leis naturais


urna necessidade absoluta de aplicagáo, alguns cientistas, a par
tir do inicio deste sáculo, comecaram a professar o indetermi-

— 338 —
PODE HAVER MILAGRES ? 19

nismo ou o contingentismo. Com efeito, dizem, no campo da


Física infra-atómica e nuclear já nao se pode admitir a causa-
lidade determinada dos corpúsculos elétricos e da energía cons-
trutiva da materia; as partículas infra-atómicas se movem e
reagem de tal sorte que nao podemos reduzir suas agóes e rea-
cóes a leis precisas. Ora, já que o mundo macroscópico é a re
sultante global da acáo dos bilhóes de elementos infra-atómicos
(microscópicos), as leis físicas que regem os corpos no uni
verso sao leis estatísticas. Estas leis se exercem com grande
probabilidade, nao, porém, com certeza e regularidade. Tal é
a posigáo de Werner Heisenberg, proposta de maneira explícita
pela primeira vez em 1927. — Por conseguinte, dizem, nao se
deveria julgar que, quando ocorre alguma derrogag&o ao curso
normal da natureza, Deus interveio especialmente, dando um
sinal de si; as «derrogagóes» se explicariam pelo fato mesmo
de nao serem constantes as leis da natureza.

Em resposta, observemos os dois seguintes pontos:

1) O indeterminismo físico de Heisenberg deve ser en


tendido em sentido subjetivo, e nao objetivo. Com outras pala-
vras : Heisenberg e sua escola querem dizer que, dadas as pre
carias condigóes de nossos modos de observar a materia micros
cópica, nao podemos ter conhecimento preciso da posigáo, da
velocidade e da diregáo dos corpúsculos infnHatómicos,... co
nhecimento necessário para prever as agóes e reagóes de tais
partículas. Todavia a própria Física tende a corrigir as fainas
eventualmente ocorrentes nos seus processos de observagáo, a
fim de apreender com precisáo crescente o curso objetivo da
natureza, que é determinado. Na materia bruta, nao existe livre
arbitrio ou autodeterminagáo. Quanto ao acaso, é simples nome;
querer explicar o curso da natureza pelo acaso é simplesmente
fugir de qualquer explicacáo, é abdicar da razáo.

Sao palavras de Max Planck >(t 1947), Premio Nobel em


Física:
"NSo é necessário multiplicar palavras para explicar que a Física, em
todos os problemas do mundo atómico e molecular, tende a substituir as
leis estatísticas por leis dinámicas rígidamente causáis... Neste sentido, é
Ifclto dlzer que a Ffslca em todos os seus setores se funda sobre a vall-
dade da lei da causalidade" ("La oonoscenza del mondo físico". Torino
1942, p. 121).

Por conseguinte, pode-se afirmar que, embora nossas per-


cepgóes possam ser deficientes no que concerne a certas micro»-
-estruturas, estas sao regidas pela lei da. causalidade («todo

— 339 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

ser contingente, tem urna causa adequada», é o que a sá razáo


ensina), e nao pelo acaso. Este, na verdade, nao existe, mas
é o nome atrás do qual se encobre a ignorancia do observador;
cf. PR 141/1971, pp. 386-399 (comentario do livro de Jacques
Monod: «O acaso e a necessidade»).1

2) Observe-se aínda : Nem todas as leis da natureza sao


puramente estatisticas, mas existem leis naturais estabelecidas
com precisáo. ;

Tais sao as leis dos fenómenos vitáis, cuj'o processo se de-


senvolve em direjáo contraria á das leis da probabilidade. Se
gundo estas, um conjunto de elementos agitados pelo mero
acaso tende á homogeneidade ou á igual reparticáo da energía;
ao contrario, tío vívente os elementos tendem á heterogenei-
dade crescente de órgáos, pelos, cartilagens, ossos, bem dife
renciados entre si, mas convergentes para constituir a unidade
e a finalidade características do organismo vivo.

• Também no mundo anorgánico existem leis fixas, como a


da conservacáo da energía, as leis dos limites de tempo (má
ximo e mínimo) além dos quais um fenómeno nao é natural
mente explicável...

Para ilustrar esta ultima afirmac.áo, há quem proponha o


seguinte exemplo: Admitamos dois recipientes iguais que co-
municam entre si por um pequeño. orificio. Estáo cheios da
mistura de dois gases que tém quase o mesmo peso atómico e
se acham ai em quahtidades proporcionáis aos respectivos pesos
atómicos. Suponhamos que as moléculas de um gas passem
pelo orificio comum somente numa diregáo e as do outro so-
mente na direcüo oposta. Será possível obter a separagao com
pleta dos dois gases. Mas exigir-se-á, na melhor das hipóteses,

' ' i "Nunca saberemos talvez porque e como um elétron ou um fólon,


passando através de urna rede, tem urna difracSo numa dlrecSo antes que
em outra, porque e como urna partícula alta no efelto Gamow supera urna
baTelra de' potencial que se presume superior á energía do corpúsculo. E
teremos que nos servir do cálculo das probabilidades, na descricBo dos
fenómenos observávels, por urna necessidade Inerente ao nosso próprlo modo
de conhece-los e experlmentá-los. Mas deveremos também afirmar pelas
exigencias da nossa razáo a existencia de urna causa que determina o
fenómeno; pols dizer que urna realldade se determina por acaso de um
modo antes que doutro, é afirmar que algo chega á existencia sem urna
causa ou, pelo menos, sem urna causa proporcionada" (F. Selvaggl, "II prin
cipio di Indeterminazione di Helsenberg", em "La Civiltá Cattollca", 1947,
p. 122).

— 340 —
PODE HAVER MILAGRES ? 21

um tempo mínimo para atingir a separagáo completa. Este


tempo mínimo será determinado pelas dimensóes do orificio e
das moléculas assim como pela veiocidade destas mima deter
minada temperatura. Por conseguirte, se a separagáo se desse
em tempo muito menor ou mesmo instantáneamente, poder-
-se-ia reconhecer ai uma derrogacáo evidente ás leis da natu-
reza, que suporia a intervengáo do Autor da natureza.

Em conclusáo, vé-se que nao se pode alegar o indetermi


nismo da natureza para negar excegóes ao curso natural dos
acon'ecimentos e, indiretamente, recusar a nogáo. de milagre.

2. Sugestáo

A sugestáo explicaría todos os fenómenos portentosos...

Já abordamos o assunto ás pp. 331s deste fascículo. Verifi


camos a necessidade de se distinguirem doengas funcionáis e
doencas orgánicas. Embora toda molestia seja psicossomática,
há males somáticos ou orgánicos de tal ordem que sao irreyer-
síveis, mesmo que o paciente se predisponha á cura pelos mais
variados recursos psicológicos.

Mais aínda : tém-se verificado curas prodigiosas em bebés


e criancas, incapazes de sentir «a fé que cura». Sejam recor
dadas também as pesspas que se dirigem á um santuario (Lour
des, Fátima...) em atitude de ceticismó, hostilidade, deses
pero...

A esta altura, porém, dirá alguém : se nao se devem ex


plicar por sugestáo os «milagres católicos», também nao se
deve recorrer á sugestáo para explicar os «milagres espiritas»
ou dos curandeiros.

— A propósito, observemos : os fenómenos que possam


ser tidos como milagrosos no Catolicismo, sao aqueles nos quais,
desde o in:cio, se ve que a explicacáo por sugestáo nao tem
propósito. A apologética católica nao aceita como possiveis mi
lagres os casos de doenjas funcionáis e outras em que a suges
táo possa ser responsável pela cura. — Ao contrario, as curas
apregoadas pelo espiritismo nao costumam ser examinadas
científicamente, mas, de maneira mais ou menos global e gra
tuita, sao atribu'das ao Além; ora é evidente que em muitas e
muitas dessas curas a sugestáo é o grande fator de restauracüo
da saúde (na medida em que esta realmente se dá).

— 341 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 176/1974

Segue-se um exemplo de cura que, á primeira vista, pode


rla ser tida como milagrosa, mas que, na verdade, nao foi re-
conhecida como tal pelas autoridades médicas e eclesiásticas
competentes no caso.

Gérard Braillle, natural de Saint-PoI-sur-Mer (Franca),


com tres anos de idade, passou por anestesia geral a fim de
sofrer intervencáo cirúrgica; foi entáo atingido por coroidite e
atrofia ótica bilateral. Com o olho direito, conseguía contar os
dedos a 50 cm de distancia; com o olho esquerdo apenas per-
cebia certa luminosidade. Foi levado por sua máe ao Instituto
dos joyens cegos de Arras, que passou a freqüentar; o oftal-
mologista Dr. Bíziaut deu-lhe ai o laudo seguinte: «Atrofia ótica
dupla. Cegueira incurável» (sublinhado pelo Dr. Bizaut). Igual
diagnóstico foi redigido e assinado pelo Dr. Viton, oculista em
Arras, por ocasiáo de outro exame médico feito durante os
dezoito meses que passou freqüentando o Instituto.

Aos 26 de setembro de 1947, o menino chegou a Lourdes,


em companhia de seus pais. Lá foi examinado por diversos
médicos, que fizeram idéntico diagnóstico. No quarto dia em
Lourdes, foi levado a fazer a Via Sacra; era entáo guiado por
sua máe, que lhe segurava a máo; na quarta estacáo da Via
Sacra, porém, disse repentinamente: «Máe, que vestido bonito
vocé tem!» Enxergava como que através de dois cañáis, sem
visáo de conjunto nem apreciacáo de perspectiva. No dia se
guinte, no dormitorio, pos-se a correr e pular de uma cama
para outra. Levado ao Dr. Camps, oculista de Tarbes, comen-
tava tudo o que ele via pela estrada. Resultado do novo exame:
«Cório-retinite bilateral com atrofia ótica dupla; nao pode en-
xergar nem há de enxergar».

A familia voltou para Arras, sua cidade residencial, no dia


seguinte. O menino foi colocado em uma escola para criancas
sadias; a fim de lá chegar, percorria diariamente tres quilóme
tros a pé, passando por cruzamentos de estradas de intenso
tráfego. — Na sala de aulas, podia ler no quadro negro, seguía
fácilmente os cursos; tinha seus cadernos de apontamentos em
dia. Em julho e setembro de 1948 foram-lhe feitos novos exa
mes pelo Dr. Smith, oculista de Glasgow. Diagnóstico : «Cório-
-retinite dupla. Gérard nao deveria estar enxergando».

Entáo a Comissao Módica Nacional de Lourdes, encarre-


gada de examinar os casos portentosos ocorridos naquela ci
dade, tendo recebido o dossié de Gérard, pediu novos exames.

— 342 —
PODE HAVER MILAGRES ? 23

médicos. Estes foram feitos pelo Dr. Lescaut, oftalmologista


dos Hospitaís de Lille. Em 1949, o resultado de tais exames era
o seguinte: «Nao parece discutíve) que Gérard Braillie tenha
tido urna cório-retinite bilateral,, com atrofia ótica dupla. Atual-
mente, porém, já nao a tem. Ora a cura de urna cório-retinite
com atrofia ótica é coisa que nunca vi».

Todavía o acume visual de Gérard era apenas de 0,2 e 0,3.


— Levado o caso á comissao eclesiástica (além de médicos, há
teólogos que examinam os casos de Lourdes), esta nao quis
proclamar o milagre, porque a cegueira nao era completa nem
a cura fora total e/além do mais, nao estava excluida a pos
sibilidade de influencias psíquicas na cura (possibilidade suge
rida pelo Dr. Delogé de Nice e pela psicóloga M. Krudewig).
— A comissao eclesiástica, porém, nao negou que tivesse ha-
vido resposta de Deus as preces de urna máe e de seu filho e
que tal graca fora devida á intercessáo da Virgem SS. em
Lourdes.

Este caso se acha descrito, com a respectiva documenta-


cáo, no livro de L. Monden, «Le mirade, signe de salut», p. 198.

3. O «absurdo» de Deus

Há pensadores que recusam a possibilidade do milagre, por


julgarem que derrogaria á perfeicáo e á sabedoria de Deus. Este,
pelo milagre, retocaría a sua criacáo como se fosse defeituosa
ou usaría caprichosa e arbitrariamente de seu poder. Seria um
rei volúvel ou tiránico ou um engenheiro inábil e perdulario.

Esta objegáo era freqüente nos séculos XVIH e XIX. Eis


como Voltaire (t 1778) a formulava:

"Deus nada pode fazer sem motivo. Ora que motivo podía levé-lo a
desfigurar, aínda que por curto prazo, a sua própria obra?... Por que
Deus faria um mllagre? Para cumprlr um certo designio sobre determinado
vívente? Efe diría, pois: NSo conseguí, peta fabrlcacfio do universo, por
meus decretos divinos, por minhas leis eternas, realizar um certo projeto;
quero trocar minhas Idólas eternas, minhas leis Imutáveis, a flm de tentar
executar o que n9o pude obter por meló das que estfio em vigor. Ora tal
atitude serla urna conflssSo da fraqueza, e nfio do poder, de Deus. Eviden
temente em Deus terfamos que admitir a mals Inconcebivel contradicfio"
<cf. "Dictlonnalre Phllosophlque", verbete "Miracle").

— Devese responder que o milagre nao significa a mínima


mudanga em Deus. Com efeito, num só ato de sua vontade o-

— 343 —
24 «PgRGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

Criador.desde toda a eternidade estabeleceu tanto as leis da


natureza como as excegóes a essas leis. As alteragóes implica
das pelos milagres estáo ñas criaturas, e nao no Criador; nao
se confunda a vontade de mudanca com a mudanga de vontade.

E por que pode o Senhor querer urna alteragáo ñas obras


que Ele mesmo criou ?

Nao para corrigi-las, porque Deus nao se engaña (um Deus


falho ou erróneo nao seria Deus). Nem seria Deus movido por
capricho arbitrario — coisa indigna daquele que é tres vezes
Santo. Mas toda intervencáo extraordinaria de Deus na natu
reza deve-se a urna finalidade superior e harmoniosa: o Senhor
quer assim manifestar especial benevolencia para com alguma
criatura ou credenciar determinada verdade... Mais: derro-
gando ás leis da natureza, o Senhor Deus quér assinalar ao
homem a sua vocacáo á ordem sobrenatural ou á filiagáo di
vina, ao consorcio da vida do próprio Deus. O homem nao é
simplesmente chamado a se realizar segundo as capacidades
da sua natureza, mas Deus quis colocar dentro da criatura
humana urna realidade transcendental, a graga santificante
— participagáo da vida do Pai, do Filho e do Espirito Santo —,
que os milagres do seu modo insinuam ou assinalam quando
Deus o julga oportuno.

Vém agora a propósito algumas indicagóes das atitudes


que a Igreja e os dentistas tém tomado em Lourdes frente as
apregoadas curas milagrosas la ocorrentes.

4. A averiguogóo do possível milagre

É principalmente em Lourdes (Franga) que atualmente se


pode tomar contato com fenómenos milagrosos.

Embora as aparigóes se tenham dado em 1858, somente em


1882 se constituiu urna comissáo de controle das curas lá re
gistradas. Com efeito, nagüela data o Dr. Dunot de Saint-
-Maclou fundou o «Bureau des Constatations Medicales» (B.
C. M.), hoje muito ampliado com o nome de «Bureau Medical
de Lourdes» (B. M. L.). Este organismo foi atraindo o inte-
resse dos médicos de diversos países, de sorte que o B. C. M.
passou a aceitar, para tomar parte em suas atividades, qual-
quer médico que o deseje, sem acep:áo de nacionalidade ou
de convicgóes filosófico-religiosas. O controle se faz em duas

— 344 —
PODE HAVER MILAGRES ? 25

fases : 1) exame da realidade da doenca e da respectiva cura;


2) exame da índole dessa cura: explicávél pela medicina ou nao?

Quando algum enfermo se diz curado em Lourdes, apre-


senta-se ao Burean, onde os médicos o examinam ; qualquer
médico que o queira, pode realizar o exame. Caso a cura seja
averiguada, os médicos redigem e assinam a ata respectiva e
um laudo provisorio; O paciente é convidado entáo a se apre-
sentar de novo dentro de um ano em Lourdes. Entretanto um
médico é enoarregado de completar a investigacáo do caso;
era 1925, o Dr. Vallet fundou a «Association Medícale Interna-
tionale de Notre-Dame de Lourdes» (A. M. I. L.), que facilita
a criacáo do arquivo de cada paciente «curado» depois que volta
á casa no primeiro ano de sua cura; os membfos dessa Asso-
ciagáo, que pertencem a diversas nacionalidades, comprome-
tem-se a fazer gratuitamente as análises, os trabalhos de labo
ratorio e a documentacáo fotográfica de cada caso que Ihe
interesse.

Depois de um ano, o paciente curado volta a Lourdes. O


seu dossié é aberto e relido. Os médicos examinam mais urna
vez a pessoa, a fim de averiguar se a cura se manteve sem e
mínima objecáo em contrario. As vezes, a pedido de um dos
médicos, o Burean pode diferir por mais um ano ou dois a de-
claracáo a respeito da realidade da cura. — Caso, porém, os
fatos sejam claros, os dentistas póem-se a discutir a última
questáo: Poder se-ia explicar naturalmente a cura assim ve
rificada ? • .

Se a resposta é negativa, o Bureau nao se pronuncia sobre


a índole milagrosa da cura. Isto escapa ao seu setor. Nesta
instancia sao competentes táo somente a comissáo canónica ins
tituida para o exame teológico de cada caso e a autoridade ecle
siástica. Nem todas as curas tidas como inexplicáveis pela co
missáo de médicos sao consideradas milagres pela Igreja. Entre
1938 e 1948, por exemplo, o Bureau julgou doze casos como nao
redutíveis aos conhecimentos da medicina; mas, em fins de 1949,
apenas quatro desses haviam sido déciarados milagrosos pelas
comissóes eclesiásticas.

A organizagáo do controle, meticulosa como é, excluí a


possibilidade de fraude consciente, como também contribuí para
afastar a suspeita de parcialidade ou de preconceitos no julga-
mento pronunciado sobre cada caso.

Ainda em 1949, o controle foi remodelado em Lourdes, a


fim de atender as novas exigencias da investigacáo médica.

— 345 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

Foram criadas instalagóes que permitam proceder a exames


preliminares do paciente, logo que chegue a Lourdes para pedir
a graca da cura. O «Bureau Medical de Lourdes» constituiu
orgaos assessores; entre estes, cita-se o «Comité Medical inter
nacional», que se reúne anualmente e passa em revista os casos
já examinados pela comissáo médica que trabalha permanente
mente em Louraes; sem esse ulterior exame e a respectiva apro-
vagáo do «Comité Medical International», nenhum caso de cura
é levado á comissáo de teólogos e canonistas, que julgaráo o
aspecto religioso do fato em foco.

Eis alguns dados que ilustram a organizagáo e os resulta


dos do controle:1

Em 1948, passaram por Lourdes 15.800 pacientes; em 1949,


20.000; em 1950, 30.000; em 1958, 50.000. O «Bureau Medical»
matriculou, aos 15/X/1949, o 25.000* médico participante de
suas atividades; 750 médicos colaboraram com o «Bureau» em
1947; 1.000 em 1948; 1.400 em 1950; 1.453 em 1957. Entre esses
dentistas, contam-se católicos, protestantes, ortodoxos, magons,
judeus, maometanos, budistas, confucionistas, incrédulos... Em
1947 eram ai 47 os professores de Universidade — Londres,
Glasgow, Dublin, Louvain, Liége, Pádua, Genova, Iiáo, .París,
Lille —, representativos das grandes especializacóes da medi
cina. Desde 1882 até 1859, dentre mais de mil casos tidos como
portentosos, a comissáo de peritos (médicos e teólogos) apenas
reconheceu 54 como milagres, sendo que dez dentre estes datam
de 1949 a 1959.

Possam estes dados ajudar os estudiosos a conceituar o


milagre mima perspectiva auténticamente teológica! Esta pro
cura evitar tanto o racionalismo como a credulidade simplona
e iludida.

Ver a bibliografía citada no fim do artigo anterior, á p. 336,


assim como a resenha de «Um Gongresso de Filosofía» a
p. 337 deste fascículo.

ERRATA: Em PR 175/1974, última llnha da p. 33, lala-ae:

".. .tocar urna pessoa ou um objeto sagrado, tornava-so r*u parante a Dtvin-"

1 Infelizmente as ostatlstlcas que pudemos consultar, nSo vfio além de


1960. É corto, porém, quo os fenómenos e a sua averlguacáo continuem em
Lourdes.

_ 346 —
Cristianismo recente:

reavivamentos pentecostais

Em sfntese: A renovacfio carlsmátlca pentecostal que se val dlfun-


dindo no Catolicismo, deve ser entendida sobre o seu fundo de cena: supfie
o pentecostallsmo cléssico e o neo-pentecostallsmo.

O prlmeiro teve orlgem em 1901 nos Estados Unidos por obra de pas
tores batistas e metodistas, que desejavam vlver a experiencia de Ponte»
costes ou dos dons do Espirito Santo com especial profundldade. Aos pou-
cos (oram constituindo comunidades Independentes das suas "Igrejas", que
se espalharam rápidamente por diversos países; dal se origlnou o que se
chama "pentecostallsmo clásslco". Este se cornpoe, hoje em dia, da Fede-
racfio das Assembléias de Oeus e de outros grupos menores. Abracam os
artlgos da fé protestante, acrescldos da crenca no "batismo no Espirito
Santo" ou "Pentecostés pessoal", o qual é asslnalado pelo dom das llnguas.

Por volta de 1957, ñas Igrejas protestantes mals antigás (luterana,


angltcana, presbiteriana), varios pastores aderlram a esplritualldade pente
costal, sem todavía se separar das suas comunidades de orlgem. Constltuem
o neo-pentecostallsmo. Este contribulu para fomentar o surto da renovagSo
carlsmática católica, da qual trata o artigo segulnte deste fascículo.

Comentario: A corrente pentecostal protestante, que era


grande parte se concretiza ñas chamadas «Assembléias de
Deus», é o movimento protestante que mais cresce numérica
mente no Brasil. Além deste fato, registra-se no seio do Cato
licismo um surto de renovacáo carismática que tem urn nexo
(ao menos) histórico com o pentecostallsmo protestante. Já
que esse movimento católico muito tem merecido a atencáo
dos fiéis católicos, é nosso intuito apresentá-lo neste número
de PR com alguma documentagio. Todavía, para melhor en-
tendé-lo, proporemos, ñas páginas que se seguem, algo do his
tórico do pentecostalismo protestante. Este tem dois aspectos,
que abordaremos sucessivamente: 1) o pentecostalismo clás-
sico, que compreende as «Assembléias de Deus» e as multas
denominagóes que incluem o adjetivo «pentecostal» em seus
respectivos títulos; 2) o neo-pentecostaÜsmo, que abrange o
movimento pentecostal, oriundo ñas antigás Igrejas protes
tantes (episcopal ou anglicana, luterana, presbiteriana), Igrejas
das quais os neo-pentecostais nao se separaram.

— 347 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

1. Pentecostalismo clássico

1. O Pentecostalismo clássico é urna forma de reaviva-


mento fundamentalistal do Protestantismo norte-americano.

Está ligado com um tipo de reavivamento metodista2 cha


mado Holiness (Santidade), que se originou na segunda me-
tade do século passadp. Os seus mentores julgavam que os
metodistas negligenciavam a doutrina de seu fundador John
Wesley (f 1791), concernente á «inteira santificacáo». Segundo
esta, o cristáo que já tivesse feito a experiencia da conversáo
(necessária para a salvacáo), devia aspirar a urna «segunda
béncáo», isto é, a urna nova e mais profunda experiencia reli
giosa; esta tornaría o cristáo apto k vida de perfeigáo moral,
sem sentir perturbagáo proveniente de algum resquicio do pe
cado. Tal experiencia nova era tida como «batismo no Espirito
Santo» ou também Holiness. Esta segunda experiencia teria
índole meramente interior e subjetiva, fícando independente de
qualquer sinal exterior que a denotasse.

Ora aconteceu no ano de 1900 que o pastor metodista


Charles F. Parham aderia ás concepgóes de Holiness. Tinha
urna escola para estudos bíblicos em Topeka (Kansas, U. S. A.)
com trinta alunos, de ambos os sexos. Adotava o método de
propor urna pergunta, para a qual os estudantes tinham de
procurar os textos bíblicos que pudessem servir de resposta.
Certa vez, interrogou : «Quais sao os sinais que, na Biblia, ca-
racterizam o auténtico batismo no Espirito Santo ?» — Na
base de At 2, 1-12; 10, 44-48; 19,17, Parham e seus discípulos
concluiram que o único sinal seguro era o dom das linguas
(glossolalia). Entáo grande entusiasmo apoderou-se do grupo,
que se pos a rezar ininterruptamente durante varios días e noi-
tes, pedindo a vinda do Espirito Santo. A 1» de Janeiro de 1901,
urna das estudantes, Agnes Oznam, pediu a Parham que lhe
impusesse as máos sobre a cabeca enquanto orava; quando isto

1 O adjetivo "fundamentallsta" quer dlzer "adesSo Incondicional aos


artigos fundamentáis da fé que as denominagfies protestantes todas aceitam,
sem excecfio". — O adjetivo designa, pols, urna atltude rigorista, ciosa do
máximo de pureza na fé.

2 O metodismo é urna denominacáo protestante que, por sua vez,


tendía a reavivar o angllcanlsmo ou episcopallsmo oriundo no séc. XVI na
Inglaterra. Julgando que os episcopallanos havlam perdido o seu fervor,
John Wesley (t 1791) desejava dar-lhos novo método de vida espiritual;
donde o nome "Metodismo".

— 348 —
REAVIVAMENTOS PENTECOSTAIS 29

foi feito; ela experimentou o «batismo no Espirito» e eomecou


a falar línguas: «Seritía-mé como se rios de agua viva jorrassem
do mais profundo do meu ser», declarou ela mais tarde. Dentro
de poucos dias Parham e os outros membros do grupo fizeram
a mesma experiencia.

Assim surgiu a primeira congregacáo pentecostal, distinta


dos grupos Holiness pela convicio de que o genuino batismo
no Espirito há de ser manifestado, como no primeiro Pente
costés, pelo dom das línguas; esse batismo nao visa apenas á
santificagáo pessoal dos crentes, mas também os fortalece para
que possam dar público testemunho de Cristo num apostolado
eficiente, assinalado por outros dons do Espirito; entre estes,
o da cura dos doentes por imposigáo das máos de um pregador
tem importancia eminente.

O primeiro núcleo pentecostal de Topeka deu origem a


outros; espalhou-se pelo Texas e em 1906 estava em Los Ange
les, sob a direcáo de um pastor de cor chamado W. J. Seymour,
o qual aderira anteriormente a espiritualidade de Holiness.

A exaltagáo e o entusiasmo demonstrados por esses grupos


fizeram que as comunidades batistas e metodistas tomassem
distancia do movimento. Verdade é que Parham, Seymour e os
outros iniciadores do Pentecostalismo nao tencionavam fundar
nova1 denominacáo crista, mas apenas suscitar um revival ou
reavivamento no seio das comunidades protestantes. Quando,
poréin, se viram rejeitados por estas, passaram a constituir con-
gregacóes próprias, hoje conhecidas pelo termo genérico de
«pentecostais», que nos Estados Unidos contam com um total
de dois milhóes de membros.

Nenhuma denominacáo protestante está sujeita a se dividir


e subdividir tanto quanto a dos pentecostais. Isto se compreende,
dado que as raízes e as forgas impulsoras do movimento sao
essaz subjetivas e quigá arbitrarias... Muitos núcleos pente
costais se congregaram numa Federacáo chamada «Assembléias
de Deus» (Assemblies of God), que conta 500.000 crentes nos
Estados Unidos e quase um milháo em outros países.
Já em 1906 o Pentecostalismo clássico se propagou pela
Europa, comegando pelas nacóes escandinavas, donde passou
para a Grá-Bretanha e o continente. A mesma denominagáo
protestante se encontra na África e na América Latina; jul-
ga-se que na América Central há cerca de meio-milháo de pen
tecostais protestantes; no Chile, constituem 80 % da populagáo
protestante, ou seja, perto de um milháo de crentes.

— 349 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

2. No Brasil, os pentecostais constituem hoje em dia mate


de 75 % da populagáo protestante, ao passo que em 1930 nao
perfaziam senáo 9,5 % do Protestantismo brasileiro. As comu
nidades pentecostais no Brasil podem ser distribuidas em tres
grupos:

1) Assembléia de Deas. Comegou em 1911. Em 1930 con-


tava 14.000 membros plenos ou atuantes (active communicant
members) K Em 1949, já eram 120.000, com grande número
de ministros nacionais. A partir dessa data, o aumento medio
anual tem sido de 75.000 membros plenos ou comungantes;

2) Congregaba© Crista no Brasil. Teve inicio em 1909 na


colonia italiana do Brás (Sao Paulo, SP) por obra de Luís Fran-
cescon, emigrante italiano que veio dos Estados Unidos. Até
1935 permaneceu restrita aos ambientes de lingua italiana,
tendo seus livros de canto e oragáo em italiano. Em 1940 con-
tava com 50.000 membros e 330 igrejas; em 1950, já tinfaa
105.000 membros e 760 igrejas; em 1960, o total era de 230.000
membros e 1.537 igrejas. Dai por diante o crescimento é con
tinuo.

A Congregado Crista nao só nao recebe auxilio financeiro


de fora do Brasil, mas chegou a enviar á igreja-máe de Chi
cago a quantia de 25.000 dólares. Distingue-se nítidamente da
Assembléia de Deus e de outras denominagóes pentecostais por
características próprias : a) os fiéis costumam orar de joelhos;
b) as mulheres usam véu; c) a Congregagáo insiste no batismo
por imersáo; d) tem organkagáo local assaz espontánea («de
acordó com a inspiragáo do Espirito»); e) nao dá á Biblia a
importancia que lhe dáo outras denominagdes; f) nao se in-
troduz em assuntos políticos.

3) Pentecostais independentes. Constituem grupos oriun


dos em 1950 e depois, num total de 500.000 membros aproxima
damente. A principal Congregagáo neste conjunto é a Cruzada
«Brasil para Cristo», chefiada pelo pastor Manoel de Mello, que
se desligou da Assembléia de Deus e iniciou o Movimento da
«Tenda Divina». É particularmente notorio o crescimento dessa

1 As comunidades pentecostais sao mais numerosas do que os seus


membros comungantes e atlvos, po¡3 compreendem as crfancas e os cren-
tes aínda nfio plenamente integrados. Por conseguinte, para obter o número
total de membro3 de urna comunldade, os pentecostais multlpllcam por 2
o número de membros atlvos e comungantes.

— 350 —
REAVIVAMENTOS PENTECOSTAIS 31

obra; o pastor Manoel de Mello nao receia envolver-se em qúes-


tóes socio-políticas. Ao lado de tal corréhte pentecostal, tém-se
ainda a Cruzada Nacional de Evangelizado, a Cruzada de Nova
Vida, a Igreja da Renovagáo, a Igreja da Restauracáo, o Rea-
vivamento Bíblico, o Evangelho Quadrangular Pentecostal, o
Cristo Pentecostal da Biblia, a Igreja Pentecostal Unida, a
Igreja Evangélica Pentecostal, a Igreja Pentecostal Jesús Na
zareno e outras.

Já se tem dito que a cidade de Sao Paulo é a capital pen


tecostal do mundo.

3. E quais seriam as causas de táo rápida expansáo do


Pentecostallsmo protestante no Brasil ?

— As que abaixo apontaremos, sao extraídas do artigo


de Frei Boaventura Kloppenburg, «O fantástico crescimento
das Igrejas Pentecostais no Brasil», em REB 26, set. 1966,
pp. 653-656. Este autor, por sua vez, se serviu do livro de
Wilüam R. Read, «New Patterns of Church Growth in Brazil»,
Michigan 1966 :

a) Características raciais : o indio, o negro e o portugués


se encontrararn em diferentes graus e tempos, constituindo um
fundo racial extraordinariamente aberto as possibiiidades reli
giosas, emocionáis, intelectuais e moráis.

b) Natureza emocional do brasileiro: ele gosta de todas


as formas de drama e música. Ora os pentecostais encontra-
ram a expressáo adequada para comunicar a sua mensagem.

c) O espiritismo preparou grande parte do povo brasileiro


para aceitar com naturalidade as experiencias religiosas pen
tecostais.

d) O analfabetismo faz com que parte da nossa popula-


cáo ainda viva na superstigáo e na ignorancia. Ora os pente
costais oferecem a este povo belas oportunidades de aprender
e de melhorar-se no contato vivificante com o Evangelho.
e) O Pentecostalismo significa o apelo constante e siste
mático a urna vida melhor, livre dos vicios e dos pecados, com
a consciente e alegre aceitagáo de Cristo como Salvador. Insiste
também na necessidade de urna economía frugal, urna vida
simples, em alto nivel espiritual.

f) As reunióes informáis e populares do Pentecostalismo


fazem que a gente simples se sinta em casa; todos ai desempe-

— 351 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

nham um papel: enquanto uns léem, outros rezam ou cantam


ou testemunham o que Cristo fez em sua vida.

O Pentecostalismo, com estas e outras notas táo atraen-


tes para o povo, constitui um desafio para o Catolicismo, que
se vé assim incitado a procurar atingir com novos meios a po-
pulacáo simples que se aglomera nos suburbios das grandes
cidades (o Pentecostalismo é marcadamente urna religiáo ur
bana, a qual se dirige nao raro aos cidadáos que passam do
campo para a cidade).

Examinemos agora o que se chama

2. O Neo-pentecostalismo

Nos últimos dezessete anos tem-se registrado um surto de


pentecostalismo dentro das antigás igrejas protestantes, princi
palmente nos Estados Unidos, mas também na Inglaterra e na
Alemanha. Com efeito, verificou-se que os membros dessas
Igrejas, além de assistir ao culto dominical em seus respectivos
templos, se puseram a freqüentar em algum dia da semana,
numa igreja ou em casa particular, os grupos de oracáo cujos
membros já tinham recebido ou aspiravam a receber o «batís-
mo no Espirito» com o concomitante sinal da glossolalia. Esta
passou a ser fortemente enfatizada por tais cristáos neo-pente-
costais, a ponto de se dizer que constituiam o Tongues-move-
ment ou «Movimento das línguas». Alguns pastores ou ministros
protestantes (luteranos, anglicanos, presbiterianos) abragaram
o novo movimento e o fomentaram entre os seus paroquianos.

Os mentores e dirigentes das Igrejas protestantes nos Es


tados Unidos se mostraram desfavoráveis ao Neo-pentecosta-
lismo. O mais explícito nesta atitude foi o bispo episcopaliano
James A. Pike, da diocese da California, que em Carta Pastoral
datada de 2/V/1963 declarou: «Os avancos e as auto-afirma-
ffóes deste outro sistema pentecostal de pensamento e de acáo
presenteiam a Igreja com urna heresia em embriáo». E con-
cluiu: «Nao haja culto ou reuniáo em nossas igrejas, em nos-
sas casas ou onde quer que seja, que tenha por finalidade expri
mir ou promover a atividade pentecostal... Nao creio que o
nosso clero dirija tais reunióes ou tome parte nelas, sob os aus
picios de quem quer que seja».1

i James A. Pike, "Pastoral Letter Regardlng 'Speaklng In Tongues'",


em "Pastoral Psychology", may 1964.

— 352 —
REAVIVAMENTOS PENTECOSTAIS 33

Em alguns casos, os pastores foram afastados ou obriga-


dos a resignar pelo fato de terem fomentado o Pentecostalismo
entre os seus fiéis. Outros conseguiram permanecer no seu mi
nisterio, embora continuassem em suas atividades pentecostais.
O número de pastores neo-pentecostais nos Estados Unidos tem
sido estimado em cerca de 1.700, sendo 700 de origem episco-
paliana e 1.000 pertencentes a outras denominares.

Como elo importante entre pentecostais clássicos e neo-


-pentecostais, fundou se urna organizacáo dita «Fnll Gospel Bu-
siness Men's FeUowshíp International (Sociedade Internacional
de Homens de Negocios em prol do Evangelho Pleno)». Fundada
em 1953 por Demos Shakarian, leigo pentecostal e homem de
recursos financeiros, essa Sociedade aplica as técnicas dos ne
gocios á propagagáo do Pentecostalismo entre homens de con-
digóes económicas e sociais mais elevadas do que as da media
das comunidades pentecostais dássicas. Declara ser intercon-
fessional — o que quer dizer que todos os cristáos sao benvin-
dos as süas reunióes, geralmente realizadas em hoteis ou luga
res de conyengóes; essas reunióes constam de urna refeigio
frugal, seguida de oragóes, cantos, testemunlios ou experiencias
e exercicio dos «dons». Depois de encerrada a assembléia, aque
les que aspiram ao «batismo no Espirito>, sao convidados a
permanecer em saletas, onde pedem a Deus essa graga, enquanto
os crentes já batizados no Espirito oram com eles e lhes impóem
as máos. A rápida propagagáo e a influencia dessa sociedade
muito contribuirán! para a penetragáo do neo-pentecostalismo
ñas Igrejas protestantes.

Foram também os protestantes neo-pentecostais que fize-


ram a ponte entre os clássicos pentecostais e os católicos, dando
assim ensejo e estímulo para que surgisse entre os católicos um
movimento pentecostal paralelo ou urna renovagáo carismática,
que se basma em certas premissas bíblicas do Pentecostalismo,
mas se mantém fiel á Igreja Católica e ao Credo desta.

É desse movimento católico que tratará o artigo seguinte,


dando continuidade á temática até aqui proposta.

A conclusáo respectiva será apresentada no fim do pró


ximo artigo.

De modo especial, veja-se como fonte bibliográfica:

Fr. Sullívan, "Tho pentecostal Movement", em "Gregortanum" 53/2,


1972, pp. 237-266.

— 353 —
Quem sao ? E que fazem ?

os carismátkos na igreja

Em sfntese: O Pentecostalismo católico ou, mals propriamente, a


"Renovacfio catlsmátlca" teve orlgem em 1967 em Pittsburg (U.S.A.),
quando um grupo de professores e alunos da Unlvorsldade da Duquesne
procurava urna experiencia dos dons do Espirito Santo semelhanto & das
prlmelras comunidades cristas. Duas obras, assira como a presenca de
erantes neo-pentecostals avivaran) nesses fiéis católicos o desejo de tal
graca.

O movimento católico assim oriundo se expandlu rápidamente de


modo a atingir um total de cerca 200.000 ou 300.000 membros. Nao se trata
de urna organizacSo ou congregácSo própria dentro da Igreja Católica, mas,
slm, de urna córrante de esplritualldade, que se manlfesta principalmente
em reunióos de oragáo nutrida pela Biblia; os sinais extraordinarios (gtos-
solalia, cura de enfermos) que marcaram tais reunISes em seus primelros
anos, foram sendo cada vez menos procurados e almejados pelos caris
máticos católicos. Estes se mantém firmemente fiéis & fó e á hierarquia da
Igreja Católica. A sua presenca e atuacáo nos ambientes católicos tem sido
benéfica, de modo a dlsslpar as reservas que o Movimento carismátlco pode
ter suscitado ás autoridades da Igreja. Estas se mostram atentas ao Movi
mento, procurando fomentar o que tenha de sadio e profundo, e evitar os
desvíos que nele possam estar latentes.

Comentario: Vai-se difundindo cada vez mais entre os


fiéis católicos do Brasil e do mundo inteiro o Movimento dito
«de renovagáo carismática» ou, menos propriamente, «Pente
costalismo católico».

De 1» a 3 de junho de 1973, na Universidade de Notre-Dame


(Indiana, U.S.A.) realizouse o VII Congresso da Renovagáo
Carismática católica, do qual participaran! 25.000 pessoas pro
venientes de 30 países e pértencentes aos mais diversos estados
sociais; sob a presidencia do Cardeal Léon-Joseph Suenens, ar-
cebispo de Bruxelas, reuniam-se para orar juntos, testemunhar
a agáo do Espirito Santo em meio aos fiéis, trocar experiencias
e reafirmar, com renovado entusiasmo, o seu intuito de difundir
e fortalecer a fé e o amor cristáos no mundo. O ponto culmi
nante desse Congresso foi a concelebragáo eucarística final, da
qual participaran! cerca de 600 sacerdotes, 8 bispos e o Cardeal

— 354 —
CARISMATICOS NA IGREJA 35

Suenens. Este, em sua homilía, declarou: «Creio ñas surpresas


do Espirito Santo, urna das quais é a que estamos vivendo».

Alias,, outros certames semelhantes se realizaram em anos


anteriores nos Estados Unidos, contando com número sempre
crescente de congressistas. Tenham-se em vista os seguintes
dados: em 1967, 90 participantes ; em 1971, 4.500 ; em 1972,
11.000; em 1973, 25.000. Dado que a renovagáo carismática é
principalmente urna atitude interior de docilidade ao Espirito
Santo, sem quadros institudonais nem estruturas jurídicas pró-
prias é difícil dizer quantas pessoas lhe aderem atualmente
no mundo católico. Há quem calcule entre 60.000 e 120.000 nos
Estados Unidos e 200.000 ou 300.000 no orbe inteiro.

Aínda em 1973, de 17 a 19.de agosto, realizou-se em Mont-


réal um Congresso regional canadensé sob a presidencia de
Mons. Hayes, arcebispo de Halifax, com a participagáo de
4.000 pessoas e 150 sacerdotes.

Na Europa, em Grottaferrata (Roma), teve lugar de 9 a


12 de outubro de 1973 o primeiro Encontró Internacional de
líderes da Renovagáo Carismática, contando com a presenga
de 126 pessoas provenientes de 32 países. Na Franga, de 11
a 21 de agosto efetuou-se em Aix-en-Provence, urna reuniáo
de 150 animadores de grupos carismáticos, acompanhados de
teólogos e exegetas, a fim de aprofundar as bases bíblicas e
teológicas do Movimento. A mor parte dos participantes tinha
entre 25 e 30 anos.

Já tratamos dos pentecostais católicos em PR 149/1972,


pp. 230-238. Dado, porém, que o Movimento chama cada vez
mais a atengáo do nosso público, voltaremos a abordar o
assunto a seguir, encarando-o com a documentagáo que os
últimos anos tém proporcionado ao estudioso.

A propósito do nome «Péntecostalismo católico», sábe-se


que pode ser ambiguo, visto que existe um «Péntecostalismo
protestante». Por isto há quem prefira falar de «Renovado
Carismática», e com razáo... Carisma é palavra grega que
significa dona, grasa;' durante muito tempo, tinhá-sé o carisma
na conta de graca extraordinaria, portentosa (cura de doen-
tes. linguas novas;..). Todavía, ápós o Contílio do Vaticano II,
geralmente se reconhece que carisma é qualquer dom que Deus
queira dar a alguém para o servigo da comunidade, aínda que
o faga sem notas extraordinarias ou portentosas. Neste sentido,

— 355 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

todo cristáo é carismático. Ha, porém, quem procure colocar-se


em disponibilidade mais dócil a acáo do Espirito Santo, distri
buidor dos carismas. É para esta atitude que a renovagáo da
Igreja tenciona levar os fiéis. Entendida á luz destas nogóes, a
Renovagáo Carismática de que vamos tratar, nao deveria ser
tida como urna corrente particular dentro da Igreja Católica,
mas vem a ser apenas o aprofundamento mais sistemático e
consciente de grandes temas da espiritualidade biblica e crista.

Comecaremos por expor sucintamente a origem da Reno-


vacáo Carismática católica.

1. Surto do Movimento

Em 1966 um grupo de professores e estudantes da Univer-


sidade de Duquesne em Pittsburg (U.S.A.) pós-se a refletir
sobre a sua vida crista. Em clima de oragáo, confrontaran! a
sua existencia e o seu apostolado com o modelo oferecido pelas
primeiras comunidades descritas pelo livro dos Atos dos Apos
tólos. Sentiam que algo lhes faltava, como se a sua fé estivesse
cansada ou tolhida em seu poder de irradiagáo. Intensificaram
entáo a oragáo ao Espirito Santo, pedindo que os iluminasse
como havia iluminado as antigás comunidades. Ao mesmo tem-
po, tomaram conhecimento de dois livros escritos por autores
neo-pentecostais: «The Cross and the Switchblade» \ em que
o pastor D. Wilkerson narra o seu apostolado entre os jovens
dos suburbios de Nova Iorque, dados á droga e ao furto, e
«They speak with other tongues» (Eles falam em outras lin-
guas), no qual o jornalista J. Sherrill apresentava o desenvol-
vimento das comunidades pentecostais nos Estados Unidos. Im-
pressionados pela semelhanga que descobriam entre a Igreja
primitiva e tragos do movimento pentecostal, esses fiéis católi
cos intensificaram suas oragóes, participando mesmo das reu-
nióes de crentes neo-pentecostais nos arredores de Pittsburg.
Em conseqüéncia, nos primeiros dias de 1967, pediram a im-
posicáo das máos e a oragáo do grupo pentecostal que freqüen-
tavam, para obter o «batismo no Espirito». O impulso assim
recebido contribuiu para dinamizar os primeiros grupos de Pen-
tecostalismo católico entre professores e estudantes da Uni-
versidade de Duquesne. Estes nao hesitavam em sua profissáo
de fé católica e em sua adesáo á Igreja dirigida por Pedro. De

i Publicado em traducflo brasllalra com o titulo "A Cruz o o punhal".


Editora Bátanla 1972, 6? ed., Belo Horizonte.

— 356 —
CARISMÁTICOS NA IGREJA 37

Duquesne o Movimento se propagou rápidamente para a Uni-


versidade de Notre-Dame (Indiana, U.S.A.) e outras, assim
como para paróquias e conventos dos Estados Unidos. Em breve
deixou os confins daquele país, estendendo-se para a Europa,
a América do Sul e outras partes do globo.

Reina geralmente grande interesse, entre os fiéis católicos,


por esse movimento que apareceu em circunstancias táo sin
gulares. Hoje, sete anos depois do surto da Renovacáo Caris-
mática entre católicos, já se tem um pouco de historia e de
experiencia para se indicarem as linhas características do mo
vimento e situá-do tanto em relacáo ao Protestantismo como
em relagáo á doutrina e & organizacáo da Igreja Católica.

Eis por que passamos agora a considerar

2. As grandes notas da Renovase» Carismática

Em sintese, pode-se dizer que a Renovacáo se tem inte


grado — e deseja integrar-se cada vez mais — na Igreja Ca
tólica, tencionando apenas aprofundar os elementos básicos de
auténtica vida crista fundada ñas Escrituras e na Tradicáo.

Eis os tragos mais típicos que o movimento assim inspirado


apresenta ao observador:

2.1. Espirito e prática da oracáo

Esta nota é essencial. O Movimento se constituí e exprime


através de grupos de fiéis, que, convictos da promessa de Cristo
— «Onde dois ou tres estiverem reunidos em meu nome, estarei
em meio a eles» (Mt 18, 20) —, se encontram para ouvir a Pa-
lavra de Deus e exprimir a sua fé e o seu amor suscitados por
tal Palavra; os participantes póem em comum as suas expe
riencias de vida crista, num clima de simplicidade, alegría e
paz, que leva á agáo de gragas e ao louvor de Deus.

Urna das notas mais características dessa oracáo comuni


taria é a espontaneidade: cada qual se manifesta segundo a
inspiracáo que tenha. É o que explica, haja intervalos silencio
sos ao lado de depoimentos, hinos, recitacáo do Pai Nosso e
por vezes também a celebracáo da Eucaristía. De resto, a fre-
qüéncia a esta é cada vez mais amiudada por parte daqueles
que participam da Renovacáo Carismática.

— 357 _
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

2.2. Aprofimdamento da fé

Visto que a S. Escritura é a base da oragáo comunitaria


do movimento, os membros deste demonstram grande interesse
por aprofundar as verdades da fé transmitidas pela Biblia e
estudadas pela teología. Nos Estados Unidos tém-se organizado
sessóes de estudo para penetrar os temas de fé mais ligados á
Renovagáo Carismática.

De modo especial, esta exige e desenvolve a crenc.a na acáo


do Esp'rito Santo. O Pentecostalismo clássico se originou pre
cisamente de urna nova compreensio da experiencia que os
Apostólos fizeram no dia de Pentecostés; os pentecostais créem
que a efusáo do Esp'rito, acompanhada de sinais notorios e de
especial dom de coragem para testemunhar o Evangelho, nao
foi apenas acontecimento de um dia distante de nos, mas é um
dom que Cristo reproduz permanentemente em sua Igreja.

Os adeptos do Movimento Carismático a principio designa-


vam tal efusáo do Espirito como «batismo no Espirito Santo»
(expressáo tirada de At 1,5; cf. Mt 3,11; Jo 1,33; At 11,16).
Todavía tém verificado que tal locucáo é ambigua, pois pode
sugerir que há outro sacramento do batismo além do de agua.
Por isto a expressáo tem sido posta de lado em favor de outra,
que seria «efusáo do Espirito»; esta significaría, segundo os
teólogos do movimento, urna interven-áo especifica do Espirito
Santo, diversa da que se dá nos sacramentos, embora nao inde-
pendente destes. Pode acontecer que, ñas reunióes de oragáo
no Espirito Santo, um dos fiéis, desejosos de colocar-se sob a
agáo mais íntima e poderosa do Espirito, peca aos membros da
comunidade que já tenham recebido os dons do Esp'rito, que
lhe imponham as máos e rezem por ele; esse cristáo espera
assim que se torne mais atuante em sua vida a forca do Espirito
recebida no Batismo, na Crisma e na Eucaristía; faz votos para
que lhe seja dado experimentar essa forca, como os Apostólos
a excerimentaram no dia de Pentecostés e como os primeiros
cristáos a perceberam nos episodios narrados pelo livro dos
Atos.1

Quanto ao dom das línguas, que na Igreía primitiva se asso-


dava á imposicáo das máos (cf. At 2,4; 10,46; 19,6), os pen-

t Esta noticia corresponde principalmente ao ciue se tem dado nos


Estados Unidos e na Eurooa. Aoui no Brasil os encontros de oracSo, de
maneta geral, tém sido sobrios em suas expressCes de entusiasmo.

_ 358 —
CARISMATIOOS. NA IGREJA 39

tecostais católicos Julgam que é possivel ocorra,- embora nao


facam desse dom um criterio decisivo da agáo do Espirito Santo
no fiel cristáo.

É que seria o dom das linguas ?

— Em última análise, nao é espalhafato, mas, segundo os


teólogos da Renovagáo Carismática, é um dom de oracáo muito
profunda, que jorra do mais intimo da pessoa. Esse dom de
oragáo e adoragáo pode suscitar um estado de emoc.áo no .fiel,
que entáo passa á se exprimir através de sons lingüísticos des-
conhecidos até mesmo a quem os profere. Com outras pala-
vras: Sao Paulo diz que o Espirito Santo reza nos seus fiéis
com gemidos inenarráveis (Rom 8, 26); ora esses gemidos,
passando pela voz humana, provocam os mencionados sons lin
güísticos ou o chamado «dom das linguas», que nao está neces-
sariamente ássociado ao fenómeno do éxtase1. Geralmente a
inténcáó de quem fala em linguas, é louvar a Deus; visto que
Deus é inefável ou indizível, Ele nao pode ser dito ou louvado
na linguagem cha de cada dia. Tenha-se em vista a palavra
Aleluia, que em hebraico significa «Louvai ao Senhor», mas
.que os cristáos geralmente repetem sem conhecer a sua etimo
logía, movidos apenas pela intengáo de cantar a gloria do
Senhor inefável.

2.3. ConversSo

A efusáo do Espirito, mediante imposigáo das máos ou sem


esta, provoca müdanga de vida ou uma conversáo mais- radical
naquelés que a recebem. A vida nova é marcada por nova pre
senta dos frutos do Espirito assihalados por Sao Paulo: cari-
dade, alegría, paz, paciencia, benignidade, bondade, fidelidade,
brandura, temperanca (Gal 5,22s). Como se compreende, a con
versáo impulsionada pela comunicacáo do Espirito é um pro-
cesso que nunca está consumado enquanto o cristáo peregrina
sobre a térra; ela implica um progredir constante na compreen-
sáo da Palavra e do plano de Deus, uma vida de oracáo cada
vez mais pérfeita e unida ao Senhor, uma capacidade de aus
culta e docilidade crescéntes em relagáo ao Espirito, alegría e
paz cada vez mais profundas. •

i £ assim que o dom das ítnguas (realmente obscuro e discutido) é


explicado por dols autores de valor: E. Sulllvan, "Le Mouvement de Pen-
tecote peut-il renouveler les Égllses?", em "Centrum pro Unloné" n? 5, 1973,
5, e II. Caffarel, "Faut-ll parler d'un Pentecatlsme cathollque?" Parte 1973.

— ■359—
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 176/1974

2.4. Movlmento de Igreja

Unía das dúvidas que com mais insistencia se tém levan


tado em relacáo aos cristáos carismáticos, diz respelto a sua
adesáo & Igreja Católica. Se antes do movimento pentecostal
católico já existía desde 1901 um movimento pentecostal pro
testante, perguntase: será que os carismáticos católicos nao
adotaráo o principio.do chamado «livre exame da Biblia» e a
autonomía de govemb do Pentecostalismo protestante? A ques»
táo se torna mais aínda justificada, desde que se leve em conta
que nao raro na historia da Igreja os grupos «carismáticos»,
abusando de seus «carismas», fizeram oposicáo á Igreja insti
tucional ou organizada jurídicamente.

Na verdade, porém, os carismáticos católicos desejam man-


ter-se unidos á Igreja, constítuindo com todos os fiéis católicos
o Corpo de Cristo vivificado pelo Espirito. Alias, como foi dito
atrás (cf. p. 352), os pentecostais protestantes a principio nao
intencionavam separar-se das respectivas comunidades batistas
e metodistas norte-americanas; apenas desejavam vivificá-las a
partir das suas raizes; só anos depois do surto do movimento
é que este constituiu urna nova corrente do Protestantismo. O
mesmo nao se deu — e nao é de crer que se dé — com os ca
rismáticos católicos. Verdade é que alguns grupos destes ado-
tam por vezes práticas singulares e exuberantes para exprimir
o seu fervor. Nota-se, porém, que os grupos carismáticos cató
licos se mostram dóceis k hierarquia da Igreja e dispostos a
obedecer ás ordens recebidas. Dizem mesmo os peritos qué a
experiencia pentecostal na Igreja Católica só tem fortalecido
a unidade e o fervor do Corpo Místico de Cristo; depois da
experiencia pentecostal, os católicos se tornam membros mais
fervorosos e participantes da vida da Igreja Católica. Além de
tomar parte na Liturgia oficial, reunem-se semanalmente para
orar em comum em urna igreja, urna casa particular ou outro
lugar conveniente. Segundo um inquérito realizado pelo soció
logo norte-americano, Pe. Joseph Fichter, 76 % dos Carismá
ticos váo a Missa mais freqüentemente do que antes da sua
nova conversáo, e 63 % visitam o Santissimo Sacramento mais
amiúde do que antes; 37 % também se confessam mais assi-
duamente do que antes de fazer a experiencia pentecostal.

Passemos agora á análise da atitude da hierarquia católica


frente á Renovacáo Carismátíca.

— 360 —
CARISMATIOOS NA IGREJA 41

3. A atitude dos bispos

Compreende-se que os bispos católicos se tenham viva


mente fnteressado pelo movimento carismático, principalmente
nos Estados Unidos, onde este nasceu. Varios motivos justifi-
cavam esse interesse:

— a Renovagáo Carísmática nasceu na Igreja Católica em


estreita ligacáo com o Pentecostalismo protestante. Em varios
lugares, as reunióes de oragáo sao interconfessionais — o que
pode ser muito positivo para o progresso do ecumenismo, mas
pode suscitar relativismo e indiferentismo doutrinários;

— a Renova$io Carísmática corría o risco de cair no puro


subjetivismo emocional ou sentimental... Como é fácil alguém
iludir-se, tomando por grasas extraordinarias fenómenos psico
lógicos ! O antiintelectualismo só contribuía para alimentar
ilusóes e tornar as pessoas fanáticas ;

— receava-se outrossim a tendencia a formar grupos de


élite, de «iniciados:», que ameacassem a unidade e a carídade
na Igreja»

Eis por que os bispos norte-americanos quiseram acompa-


nhar a Renovagáo com vigilancia e zelo.

Em novembro de 1968, a Conferencia Nacional dos Bispos


dos Estados Unidos confiou o exame da Renovagáo a urna co-
missáo de bispos presidida por D. A. Zaleski, bispo de Lansing
(Michigan). Aos 14 de novembro de 1969, a comissáo apresen-
tou á Conferencia Episcopal o seu relatório, que, embora assi-
nalasse interrogafióes suscitadas pelo movimento, propunha pa
recer favorável ao mesmo. Desse documento yáo aqui citados
alguns trechos:

"é preciso reconhecer que o movimento tem legítimos motivos de


existencia. Basela-se em sólidos fundamentos bíblicos. Serla difícil colocar
obstáculos é acfio do Espirito, que se manifestou tfio copiosamente na la reja
primitiva,"

No tocante aos carismas (entendidos como dons extraordi


narios, no caso) :

"As pessoas que participam do movimento pentecostal católico, dlzem


que recebem certos dons carlsmátlcos. é preciso reconhecer que houve
abusos. Mas a solucfio nfio consiste em negar a existencia desses dons...
SSo necessárlas ulteriores pesquisas sobre os dons carlsmátlcos. é certo,

— 361 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 176/1974

porém, que o recente Concillo do Vaticano admite que o Espirito esteja


continuamente em agáo na Igreja."

Paira avaliar a Renovacáo Carismática, o documento pro-


póe os frutos já por ela produzidos :

"Há numerosos Indicios de que essa particípacáo (na Renovacfio)


leva a melhor compreens&o da tarefa que toca ao cristfio na Igreja. Mullos,
em. conseqüencla, experlmentaram progresso na sua vida espiritual; sfio
movidos á.leltura da S. Esciitura e a mais profunda pénetracSo da. sua tó."

" Em conclusáo, dizem os bispos :


"O movlmento nSo deveria ser sufocado, mas seja autorizado á desen-
volver-se. Como quer que seja, certas medidas de cautela devem ser toma
das. Urna oportuna supervlsáo so poderá ser exerclda com eficacia se os
bispos se recordarem da sua responsabilidade pastoral de controlar e- guiar
esse movlmento na Igreja. Devemos vigiar para que evite os erros do Pente-
.costalismo clásslco. i preciso reconhecor que em nossá cultura existe urna
tendencia a substituir-se a experiencia religiosa pela doutrina religiosa.-Na
prática, recomendamos que os bispos coloquem sacerdotes prudentes nesse
movlmento. Tal particlpacfio e gula seria bem acoihida pelos pentecostais
•católicos" (textos colhidos no artigo de A. Barruffo citado em nossa blblio-
giaiia).

A esta Declaragáo, datada de 1969, seguiram-sé numero


sas Cartas Pastarais de bispos norte-americanos, exprimindo
cíbm prudencia um incentivo favorávél ao movimento.

Aínda aos 30 de julho de 1973, D. W. G.. Connare, bispo


de Greensburg, afirmava em Carta Pastoral que a Renovacáo
"Carismática «é provavelmente o movimento mais difundido que
existe na Igreja após o Concilio», e incitava os seus sacerdotes
a acolher os grupos de oragáo e tomar parte neles para transmi-
tir-Ihes urna orientacao segura: «Se nao o fizerdes, acrescen-
tava, eles se voltarao para os nossos vizinhos, os irmáos sepa
rados. Seria muito melhor vigiar sobre o movimento dentro das
nossas igrejas e salees paroquiais».

Note-se também que em entrevista dada á Radio Vaticano


em 26/Ü/1&74 a respeito da Igreja nos EE. UU., D. J. Rausch,
Secretario Geral da Conferencia dos Bispos Norte-Americana,
declarou:

"O elemento principal que caracteriza hoje a Igreja,... é o espirito


de procura... Os Estados Unidos s&o o país que provavelmente conta com
o mais vasto movlmento carismátlco do mundo. Esse movlmento faz parte
daquela procura a que aludimos; por vezes toma poslcoes um tanto estra-
nhas, mas crelo que em sua orlgem há urna exigencia positiva, isto ó, -o
desejo de encontrar urna forma de relacionamento mais direto com Deus.

— 362 —
CARISMATICOS NA IGREJA

A Igreja oficial do nosso país, sem dúvida, tomou consciáncia disto, de


modo que da parte dos blspos e sacerdotes existe um auténtico desejo de
guiar esse espirito na direcáo certa" (Rádio-jornal Vaticano 26/11/74).

Fora dos Estados Unidos, merece atengáo, entre outros


documentos, a Carta Pastoral do Cardeal Suenens, de Bruxelas,
escrita em Pentecostés de 1973 com o título «Redescubrir o
Espirito Santo», em vista do Ano Santo. Referindo-se á Reno-
vacáo Carismática» observa o ilustre prelado:

"Nio se trata de um 'Movimento" novo no sentido usual da palavra,


mas de uma corrente de gracás, que faz surgir em toda parte, espontanea-
mente, assembléias de oracáo de um tipo novo. Baseando-se sobre a pro-
messa do Senhor: 'Quando dois ou tres se reunirem em meu nome, estarei
no meló deles', grupos crlstáos se reunem para orar juntos, a exemplo
das primeiras comunidades cristas. Essas reuniSes de oracSo tem fisiono
mías variadas, pois se prestam a grande espontaneldade e se adaptam aos
ambientes mals diversos: paróqula, meio universitario, mosteiro, convento,
grupo de agao fraterna ou social... A energía profunda dessas assem
bléias é uma fé viva na presenca do Senhor que age através do Espirito
Santo como renovador da vida em todos os seus setores: pessoal, familiar,
profisslonal, social, político. Esse tipo de assembéia de oracSo extra-litúr
gica nada tem de rígido. O observador fica Impresslonado pelo clima de
fé, de juventude, de fraternldade, de espontaneidade que al se revela e
que nSo recela traduzir-se na slmplicldade dos gestos e das atltudes...

O movimento carismático nao visa a criar alguma nova organizado


páratela, mas antes oferecer um suplemento de anlmacSo espiritual aos
cristSos de hoje. Nao substituí nem supera algo do que se faz ou se vive
no imenso campo de acio da Igreja. O Espirito age sempre que a fé, a
esperanca e a carldade estio em ac§o. Mas o movimento vem cumular um
vázlb. Nos últimos anos, multas expressdes da pledade popular calram em
desuso ou estáo em declfnio, se bem que em nada tenham perdido o seu
valor religioso... A RenovacSo Carismática oferece experiencias valiosas
no setor da paraliturgla e pode contribuir para que este se rejuvenesca ou
vivifique.

... Concorre para que os fiéis descubram e saboreiem methor as


Escrituras, amem a Igreja tanto vis [ve I como invisivel, redescubram a efi
cacia vivificante dos sacramentos, como também certas dlmensSes da carl
dade fraterna. Inspiradas por essas assembléias de oracSo, vdem-se surgir
Iniciativas soclals, que lembram as primeiras comunidades crlstSs e que
vio por vezes até uma certa comunhSo de bens. Closos de evitar o fecha-
mento sobre si mesmos e a oracáo divorciada da vida, esses grupos se
esforcam por delxar livre curso á acSo do Espirito, que... tende a abarcar
todas as ImpllcacSes concretas do Cristianismo vivido no mundo de hoje.

... Cremos diante de Deus que se trata de uma graca de escol para
a Igreja pos-concillar. Mas, para que essa graca seja fecunda e duradoura,
é preciso que ela se possa desenvolver desde o Inicio em plena harmonía
com a Igreja institucional" (texto traduzldo de "La Documentatlon Catho-
llque", n<? 1636, 15/VII/1973, pp. 688s).

— 363 —
44 «PERGUNTE E RESP0NDEREMOS> 176/1974

As palavras do Cardeal Suenens inegavelmente expriman


bem o que seja a Renovagao Carismática e contribuem valiosa
mente para dissipar dúvidas sobre a validade desse movimento.

Para rematar esta serie de testemunhos, sejam citadas as


palavras do S. Padre Paulo VI proferidas a líderes da Renova
gáo Carismática reunidos em Grottaferrata de 9 a 12 de outu-
bro de 1973:

"Rejubilamo-Nos convosco, caros amigos, pela renovacSo da vida es


piritual que se manlfesta hoje na Igreja, sob diversas formas e em variados
ambientes. Algumas notas comuns aparecem nessa renovacao: o gosto
de urna oracao profunda, pessoal e comunitaria, um retorno á contempla-
cSo e urna acentuagSo do louvor de Deus, o desejo de se entregar total
mente a Cristo, grande disponlbilldade para os apelos do Espirito Santo,
leltura mats assldua da Escritura, grande dedicacSo aos lrm§os, vontade de
colaborar com os servlcos da lgre]a. Nlsso tudo podemos reconhecer a
obra misteriosa e discreta do Espirito, que é a alma da Igreja.

... Doutro lado, mesmo ñas melhores experiencias de renovacSo, o


jólo pode mesclar-se ao trigo. Por Isto é Indispensável urna tarefa de dlscer-
nimento. Ela compete aos que tem a solicitud© da Igreja: a estes toca, antes
do mais, nao extinguir o Espirito, mas examinar tudo e reter o que é bom
(Cf. 1 Tes 5,12 e 19-21)".

Cabe-nos agora deduzir, de tudo o que foi exposto, urna

4. ConclusSo

A Renovagáo Carismática comegou em 1967 tímida, sem


mesmo poder definir o seu futuro. A principio suscitou dúvidas
e hesitagóes nos seus observadores, que denunciavam mani-
festagóes exóticas, teatrais e sentimentais da parte dos carismá-
ticos. O vocabulario e o estilo desses cristáos podiam realmente
motivar suspeitas. Eis, porém, que, com o passar do tempo, o
movimento se foi definindo melhor; assumiu expressóes mais
equilibradas e maduras, colocando a énfase de sua mensagem
nao sobre fenómenos extraordinarios (línguas e curas milagro
sas), mas, sim, sobre a vida de oragáo, a docilidade ao Espirito
Santo, o cultivo mais generoso do amor, que os sacramentos
derramam em nossos coragóes.

Essa evolucáo em demanda de equilibrio tem sido acorn-


panhada de frutos copiosos produzidos pela Renovagáo Caris
mática; a auténtica vida crista, bem estruturada, vai-se desa
brochando em muitos coragóes.

— 364 —
No Brasil, o movimento tem sido marcado por sobriedade
de atitudes exteriores e procura de profundidade; entre nos
nao se tém verificado, em ambientes católicos pentecostais, os
fenómenos que poderiam langar descrédito sobre tais ambien
tes. Eis por que parece nao haver motivo para impugnar a
Renovagáo Carismática; antes, ela se torna ocasiáo para que
os fiéis agradecam ao Senhor os seus dons e os procurem des
frutar com fervor, tendo em mira a sua santificacáo pessoal,
a de seus irmáos e a do mundo inteiro.

Bibliografía:
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gaba 1972.
H. Rahm-M. Lamego, "Seréis batizados no Espirito". SSo Paulo 1972.
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"La Clvlltá Cattolica" 2971, 6/IV/1974, pp. 22-36.
Fr. Sulllvan, "The Pentecostal Movement", em "Gregorlanum" 53/2,
1972, pp. 237-265.
J. Gouvernalre, "Les 'charlsmatiques'", em "Études", Janeiro 1974,
pp. 123-140.
A. Woodrow, "Le renouveau charlsmatlque: une nouvelle Pentecóte?",
em "Informatlons Cathoüques Internatlonales", n? 448, 15/1/74, pp. 13-20.
AA. W., "Le renouveau charlsmatlque", em "La VIe Spirituelle" n? 56,
jan.-fev. 1974, pp. 4-149.
J. Ford, "Spontaneous Prayer Meetings", em "Slsters Today" tfi 41
(1970) pp. 342-347.
D. Paulo Evaristo Arns, "RenovacSo carismática e vida crista", em
"O Sao Paulo", 1-7 junho 1974, p. 7.
Esteváo Bettencourt O. S. B.

UM CONGRES&O DE FILOSOFÍA
(ContlnuacSo da pág. 337)
temas : Filosofía da Educaclo, Filosofía jurídlco-soclal, Rlosofia da llngua-
- gem, Metafísica e Filosofía da Rellgiio, Filosofía das Ciencias e da Técnica.
A larde, das 14 h 30 mln ás 18 h 30 min, reallzavam-se sessfies plenárlas,
que abordavam os segulntes argumentos: Filosofía Brasllelra, Filosofía La
tino-Americana e Mundial, Pesquisa Filosófica e Ensino da Filosofía, Filo
sofía e Ciencias; além do que, fez-se a comemoracSo do 79 centenario da
morte de S. Tomaz de Aqulno e S. Boa Ventura e do 250? aniversario do
nascimenlo de Emmanuel Rantm; fol outrossim homenageada a memoria do
Ilustre Prof. Padre Maurillo Teixeira-Leite Penido, petropoinano de nasel-
mentó e pensador de fama Internacional.
Nlo poderíamos deixar de destacar aínda a digna figura de Constanlin
Virgll Gheorghiu, sacerdote ortodoxo rumeno, que obteve o Premio Real de
Poesía da Rumania em 1940 e, entre outras notáveis obras, escreveu "A 25?
Hora", romance que retrata de perto os tremendos episodios provocados
pela guerra de 1939-1945. A noite eram proferidas Conferencias Ilustrativas
por eminentes personalidades do Congresso.
As diversas ¿eses apresenladas tía Semana, em última anállse, real-
cavam a Importancia da Filosofía em todos os. tempps ■ e,, particularmente,
em nossós días. Verdade é que os cursos de Fllosoda (dita "pura Filosofía")
nao contam mullos alunps ná Faculdade¡ pols a Filosofía nao proporciona
grande escala de erríprégos com carrelra é promocóes á vista; ao contrarió,
a Filosofía parece luxo Improdulivo, marglftalizada pela clvilizacSo da ciencia
a da técnica. Infelizmente, poréml... Essa marglnalizacáo da Filosofía
causa, em grande parte o vazio, a perplexldade e a angustia do homem
contemporáneo.
Com efello. Todo homem tem, aínda que só Implícitamente (por vezes),
urna filosofía de vida. Para mullos e multos, essa filosofía ou sabedoria 6
a da fé (aceltam Deus, sua Palavra e o seu convite para participar da fell-
cldade do próprlo Deus). Para outros, é o materialismo, o positivismo, o
marxismo, o hedonismo (a filosofía do prazer e do gozo libertinos)... Todo
homem precisa dé pontos cardeáis (N, S, L, O) para se orientar na vida e ;
estabelecer a sua escala de valores. Nao há quem nSo conceba 'as pergun-
tas: Quemsou? Donde venho?. Para onde vou? Qual o sentido da vida?...
da morte? Haverá um Além? Por que soirer? Por que trabalhar? Por que
amar? Por que procriar? — Só n3o traz tais IndagácSes quem tem perso-
nalidade anormal ou deformada. Pois bem; é a Filosofía qué responde a
essas.interrogacdes.fundamentáis, Incitando o homem a parar e reflellr. a
ouvtr e aprender com a razáo. /3 . : .- '
Talvez, porém, diga alguém: "para .urn cristao a Filosofía racional
nao é nécessária; bástam aféea ádéaSó do córacSo á Palavra de Deus"!
N3o pensemos assim; a fé precisa de um fundamento racional. Ténho
que saber'por que creto,... por que crelo nésta proposlcáo é riáo na-
■ quela,..: quais as relacdes da fé com as rhtnhas categorías de peñsámenlo
lógico e com as. asplracdes fundamentáis comuna a mim e a todos os
homens... Se somos'seres inteligentes, a nossá Inteligencia nSo pode, del-
xar de se aplicar a construcao da nossa filosofía de vida, alndá qué' ésta,
em suprema. Instancia, seja g'uiatía pela fó. A fé, sem embasamento racional
ou filosófico, arrlsca-se a ceder ao sentimentalismo vazlo ou a imaginacSo
exuberante, .tornando-se crendlce ou superstlgáo ou aínda mística cega e
seni bússólá. Na verdade, a fé nlo é um senlimento meramente subjetivo;
mas ela adere a verdades objetivas que todos os homens,' mediante o uso
da Inteligencia,: podem penétrate Ilustrar. Ve]a-se, alias, o que fol dito a
p. 336 deste fascículo. .
Imaginemos urna estrada reta. Enquanto o viajante por ela camlnha,
ele a domina, tendo um horizonte claro. Digamos, porém, que no fim da
reta da estrada, o vlajor perceba urna slnuosldade: a-estrada se curva e
segué outro rumo... Embora o viandante nao possa dlzer como continua
a estrada depois da sinuosidade (rJois ela Já escapa e transcendé ao seu
horizonte), tal homem.sabe que a estrada nao termina quando a sua visáo
termina; percebe que ela continua, embora ele nao a veja ulteriormente...
Esta Imágem ilustra o papel da razáo frente ás verdades da fé. A razáo
é a estrada reta que nos dé o conheclmento das verdades filosóficas ou
nalurals. Mas a própria razáo, bem conduzida, nos diz que a Verdade con-
tlnua'para além do nosso horizonte racional; a Verdade é malor do que a
nossa capacidade racional. Assim a própria razdo nos assegura que Deus
existe numa vida Inefável e que Ele nos pode ter talado por Cristo, pelo
Evangelho e pela Santa Igreja. Daí a necessldade imperiosa de que tam-
bém os crlstaos cultivem a filosofía; esta os ajudará a ter urna fé mais
fundamentada e convicta. -
A próxima (III) Semana Internacional de Filosofía fol marcada para
julho de 1976 em Salvador (BA). Desde já, fazemos votos para que se
mantenha á altura das duas anteriores, de modo a incentivar mol 5 e mais
a nossa consdéncia de que somos um povo a caminho da plenitude da Luz) ,

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