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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DAEDigÁOON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
'.■" visto que somos bombardeados por
■\.j::-r
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
K_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
60UTCINA

&Í&LJ/Y
MORAL

UfCTÓRIA «Jo
COÍÍTIAWIÍMO
índice

Pág.

■SENHOR, DAI PAO A QUEM TEM FOME !" 141

Ouesláo lundamenlal:

DEUS EXISTE MESMO ? OU BASTA O ACASO...? 143

Mito ou tealidade. ?

POSSESSAO DIABÓLICA E EXPULSAO DE DEMONIOS NOS

EVANGELHOS 156

Quem pode responder ?

JUVENTUDE, QUEM ÉS ? 172

Eco a artigos anteriores:

AÍNDA AS "IGREJAS BRASIL-EIRAS" : ASPECTOS JURlDICO-LEGAIS 179

LIVROS EM RESENHA 184

NO PRÓXIMO NÚMERO:

Urna nova expressao : «fé secularizada». Períeicac


humana e perfeicáo crista. O Menino Jesús de Prago.
A Senhora de lodos os povos.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Assinatura anual CrS 30 00


Número avulso de cjualquer mes Cr$ 4,00
Volumes oncadernados de 1958 e 1959 (preco unitario) .... CrS 33,00
indico Geral de 1937 a 1964 CrS 10,00
(ndice de qualquer ano CrS 3>,00

EDITORA LAUDES S. A.
REDACAO DE PR ADMINISTRADO
Caixa Postal 3.666 Rúa Sao Rafael, 38, ZC-09
ZC-00 20000 Rio de Janeiro (GB)
20000 Rio de Janeiro (GB) Tels. : 2689981 e 268-2796
ENHOR, DAI PAO A
lá<¿¿. TEM FOME!"
O mes de abril 1973 está marcado, no calendario cristáo,
pela celebragáo de Páscoa (23-IV).

Páscoa recorda a libertacáo dos israelitas cativos no Egito


no séc. XIII a. C. e destinados lá Tsrra Prometida sob a guia
de Moisés. Esto saida era camemorada todos os anos no país
de Israel mediante urna refeicáo dita «a ceia de Páscoa».
Nesta, os filhos de Israel tanto lembravam o passado (o éxodo
do Egito por obra de Moisés) como evocavam o futuro, isto
é, a consumacáo da obra iniciada no séc. XIII: a vinda do
Messias e a plena instauracáo do Reino de Deus. — Assim as
realidades passadas eram prenuncio das futuras; as coisas
visiveis significavam coisas invisíveis, aínda maiores.
A mensagem de Cristo só contribuiu para avivar a con-
cepcáo de que o passado é penhor do futuro, o visiviel é ima-
gem do Invisivel. Sim; o cristáo, por sua fé, é incitado a
considerar o mundo sensível como espelho de valores espiri-
tuais e transcendentais.

Tal é, entre outras realidades, a ceia de familia. A refeicjio


que, reunidos em convivio amigo, tomamos em torno de urna
mesa, tem algo de Páscoa, ou seja, algo de sagrado. Alias,
os homens através dos séculos sempre atribuiram caráter reli
gioso á,s suas refeigóes: estas instituem comunháo,... comu-
nháo dos homens entre si e comunháo dos homens com Deus
(pois, ao comer, o homem toca, de certo modo, as raizes da
sua vida; ele experimenta a fragilidade .de sua existencia, que
se prolonga na medida em que o Doador de todos os bens lhe
dá os meios de se alimentar).
É por isto também que o cristáo eleva o seu espirito a Deus
antes e depois das refeigóes. — A guisa de prece a ser dita
antes de urna refeigáo, pode-se sugerir a bala fórmula, que se
seguirá ao Pai Nosso:

Presidente: "Senhor, dai pao a quem tem fome,


Todos: E fome e sede de justica a quem tem pió".

Estes dizeres, concisos como sao, sugerem van mundo de


neflexóes:

É natural e legítimo que o homem queira extinguir a


sua fome corpórea; por isto ele pede ao Pai do céu o pao de

— 141 —
cada dia, como o exorta o próprio Cristo. Mas a satisfagáo das
necessidades corporais nao pode ser tudo para o cristáo; é
mesmo algo de relativo, assumido em fungáo de ulteriores
valores. O apagar da fome material há de entreter e aumentar
no homem outro tipo de fome e sede; a fome de justiga. Dizia
o Senhor no EVangelho: «Felizes os que tém fome e sede de
justiga, porque seráo saciados» (Mt 5,6). «Justiga», neste con
texto, diz, sem dúvida, o «dar a cada um o que Ihe compete».
O cristáo que come, pensa naqueles que nao tém o que comer,
e quase se compromete a se esforgar para que todos os seus
irmáos possam ter nao somente o alimento, mas tudo que
em justiga lhes toca. Todavía «justiga» no Evangelho diz ainda
mais: significa bondade, amor a Deus e ao próximo (cf. X.
Léon-Dufour, «Vocabulario de teología bíblica». Petrópolis 1972,
col. 501).

Assim a prece atrás citada lembra ao cristáo que ele come


a fim de se adestrar para urna grandiosa tarefa: a de pensar
eficazmente em seus irmáos (conhecidos ou desconhecidos) por
amor ao Pai. Mais amplamente: o cristáo come para que,
lidando idóneamente com seus afazeres temporais, ele ss ponha
mais e mais ao encalco dos valores espirituais e eternos. De
etapa em etapa, a comegar pelas mais fundamentáis, o discí
pulo de Cristo procura estabelecer harmonía em sua vida e
no mundo que o cerca. Saindo ,de si, voltando-se para seus
irmáos, o cristáo procura, em comunháo com estes, chsgar
até o Amor Infinito ou a Beleza sem fim contemplada face-a-
-face.

Eis por que neste mes de abril, mes da Ceia do Senhor e da


Páscoa, podemos oportunamente lembrar a santificagáo da
ceia de familia como recordagáo diaria da refeígáo sagrada
do Senhor e ida vitória de Cristo sobre a morte. O pao de
mesa há de ser visto na perspectiva do pao que alimenta para
a vida eterna. A reuniáo de genitores e filhos em torno da
mesma mesa de refeicóes nao é um acontecimento corriqueiro
ou meramente social, mas tem um qué de sagrado, que a prece
atrás sugerida muito bem evoca.

PR deste mes alude á eterna juventude do cristáo, deri


vada da vitória de Cristo sobre o pecado, a covardia e a morte.
Essa juventude se manifiesta na coragem de vida coerente,
na oposigáo ao reino do Maligno e as suas artimanhas, a fim
de que o Deus vivo 9eja cada vez mais reconhecido e exaltado.

E.B.

— 142 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIV — W 160 — Abril de 1973

Questáo fundamental:

deus existe mesmo?


ou basta o acaso...?
Em síntesa: Urna via assaz eloqüente, em nossos días, para eviden
ciar a existencia de Deus é a que parte da consIderagSo do próprio homem.
Já em PR 117/1969, pp. 372-385 e 118/1969, pp. 411-416. ponderamos as
pectos do ser humano nesta perspectiva. Desta vez, voltamo-nos para o
organismo e o psiqulsmo do homem. Os diversos órgaos do corpo humano
(coracSo, pulmSes, olhos, ouvldos, cerebro, estómago...) sao táo sabiamente
estruturados que supdem urna Inteligencia, a qual os concebeu e criou. A
materia inanimada, embora rica em energías, nao Inventa nem progride; ela
espera a inteligencia. O homem mesmo nao é o autor do seu cerebro nem
de seus olhos... Existe, pols, urna Inteligencia superior ao homem, que
deu orlgem a tudo o que existe. Tal inteligencia é classicamente chamada
"Deus". O acaso nada explica, pois proprlamente nao há acaso; chama-se
casual um aconteclmento cujas auténticas causas o homem Ignora; "acaso"
é, portento, de certo modo, palavra equivalente a "ignorancia".

Comentarlo: Em PR 117/1969, pp. 372-385 e 118/1969,


pp. 411-416, foram publicados respectivamente dois arligos qtie,
a partir das aspiragóes fundamentáis do ser humano, acena-
vam á existencia de Deus. As reflexóes que se seguem, pro-
curaráo chegar ao mesmo objetivo levando em conta o homem
na medida em que é um ser biológico e apresenta facetas im-
pressionantes do misterio da vida. Tais ponderacóes tóm seu
especial significado num momento em que estudiosos de bio
logía (entre os quais Jacques Monod; cf. PR 141/1971, pp.
386-399) afirmaram o acaso como fator explicativo fia reali-
dade «vida» e do ser humano.

Proporemos sucintamente: 1) dados de anatomía e fisio


logía humana; 2) reflexóes sobre os mesmos; 3) urna objegáo.

— 143 —
■PERGUNTE E RESPONDEREMOS;, ICO, 1973

1. O misterio da vida humana

Salientemas alguns aspectos típicos da biología e da ana


tomía do homem.

1.1. O crescimento da materia viva

O crescimento da materia viva nao se assemclhu a n'on-


tagem de urna máquina como tal. A «máquina viva» — seja
a da planta, seja a do animal — apresenta a característica de
se construir a partir de urna única célula. E note-se bem: a
célula inicial nao deve ser concebida como um microorganismo,
no qual se encontrariam desde o inicio todos os devidos órgáos
em dimensóes microscópicas, á espera de crescer e atingir o
seu tamanho normal. Nao; o crescimento do organismo vivo
nao se efetua por extensáo de células já existentes, mas, sim,
por divisáo celular; as primeiras células, partindo-se, dúo ori-
gem a novas e novas células especializadas; estas tém sua for
ma própria, suas fungóes diversas, constituindo assim o tecido
muscular, os capilares dos ñervos, das veías, a quantidade de
sangue proporcional, etc.

Alexis Carrel, famoso médico, que escreveu «O homom,


esse desconhecido», ilustra do seguinte modo o crescimento ,de
um vívente:

"O organismo vivo compñe-se de células, como urna casa se compde


de lijólos. Ele nasce, porém, das suas células como se a casa nascesse de
um so tljolo... Um tljolo que se pusesse a fabricar outros lijólos, utilizando
a agua do riacho, os sais minoráis, que esta contém, e o gas da atmosfera.
Esses 'lijólos' se unlrlam entre si, formando paredes, sem esperar o projeto
do arqulteto e a chegada dos pedrelros. Esses lijólos primitivos se trans-
(ormarlam, dada a ocasiao, até mesmo em vldros para as láñelas, em telhas
para o telhado, em carváo para o aqueclmento, em agua para a cozinha..."

Dir-se-ia, pois, que todo germen vivo parece já conhecer


o plano do futuro edificio a cujo conjunto ele pertence. Tal
fenómeno altamente surpreendente ss verifica em milhóes de
casos por día e em milhóes de especies viventes; no silencio do
seio materno o embriáo humano durante nove meses passa por
tal evolucáo!

Voltemos agora a atencáo para outra faceta do ser vivo :


o corpo e os seus órgáos vitáis.

1.2. O corpo humano em geral

O corpo humano pode ser tido como a mais formidável


usina do mundo. É como que urna fábrica a funcionar automa-

_ 144 —
DEUS EXISTE

ticamente sem que o sujeito se aperceba disto. Ha nsssa fábri


ca um gabinete de direcáo: o cerebro, donde sai um cabo — a
medula espinhal. Esta constituí urna verdadeira rede telefó
nica, mediante a qual os ñervos, ligados á central, váo até as
extremidades do corpo a fim de levar ordens e, sem demora,
informam o quartel general do que ocorre nos mais variados
setores do organismo. Sao assim transmitidas ao cerebro com
fidelidade as impressóes de frió, calor, dureza, resistencia, os
sons e as imagens, os sabores e os perfumes...

O cerebro centraliza todas as atividades do organismo;


póc-nas em relacáo urnas com as outras; dirige-as. Nao somente
ele coloca tudo em movimento, mas também imprime e grava
na biblioteca da memoria tudo que a pessoa vé, ouve, toca e
experimenta. Consta de um total que vai de 500 milhoss a
um bilháo de células; estas sao pequeñas pilhas elétricas e
aparelhos telegráficos que asseguram as ordens (comandos)
e ligacóes ocorrentes no corpo humano. A emissora radiofó
nica mais complicada ou a central telefónica mais moderna que
se conheQa até hoje, ainda parece um brinquedo de crianca
em comparagáo do cerebro, cuja riqueza de fungóes nada pode
jamáis igualar até hbje.

As noticias do mundo que cerca o homem, sao captadas


por dois aparelhos receptores: os olhos (aparelhos fotográficos)
e os ouvidos.

No organismo também existem alguns laboratorios de qui-


mica: o paladar, o olfato e... o estómago. — O estómago é urna
usina genial de química, que produz entre ¡doze e quatorze subs
tancias complexas, cada qual no lugar e no momento oportunos,
a fim de transformar os diversos alimentos (carne, pao, legu-
mes, leite, vinho...), alimentos que, mediante a digestáo, se
tornam aptos para constituir carne, ossos, cábelas, dentes,
unhas... Um sabio capaz de obter a producáo química do
estómago seria genial e merecería a reverencia da humanidade
inteira. Cinco milhóes de pequeñas células trabalham no estó
mago, á guisa de usinas, para produzir os respectivos sucos
digestivos; quarenta milhóes, nos intestinos; mais de trezentos
e cinqüenta milhóes, no fígado!

Os órgáos da digestáo exercem as funcóes de aquecimento


central, mantendo a temperatura constante de 37* em todo o
corpo. Essa caldeira é alimentada por urna máquina de moa-
gem: os ítentes e a lingua, que fazem as vezes de serralheira,

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■PERGUNTE E RESPONDEREMOS- 160/1973

moinho e amassadouro simultáneamente. Os rins sao filtros;


os pulmóes e os poros, a bexiga e os intestinos equipárame
a órgáos de Hmpeza e escoamento.

Além do mais, o organismo tem seus servigos de cons-


trugáo, onde sabios engenheiros edificam com arduo labor,
segundo planos complexos, a ossatura geral, que é o arcabougo
do corpo humano... Nenhum mecanismo de ponte móvel pode
rivalizar com o do esqueleto, cujos músculos se assemelham a
correias motrizes capazes de se esticar e encolher a vontad-3.

Em particular, merece consideracáo

1.3. O olho humano

O olho é comparável a esmerado aparelho de televisáo que


transmite ao cerebro as fotografías por ele captadas.

Os estudiosos chamam a atengáo, primeiramente, para o


respectivo sistema de ótica. Observe-se ai urna lente biconvexa,
chamada cristalino, que consta de dezenas de bilhóes de célu
las minúsculas contidas em menos de 1 cm-; colocada no humor
vitreo do olho, recebe os raios luminosos provenientes de fora,
concentra-os em um feixe cerrado e os transmite a urna «placa
sensível» ou urna «tela» que é a retina. O cristalino é suscetí-
vel de adaptar a sua curvatura a todas as distancias a parta-
de 20 cm, sendo a regularizacáo feita instantáneamente por
contracáo e dilatacáo automáticas, de acordó com a distancia
do objeto a ser percebido... A lente do cristalino tem seu dia
fragma elástico, que é a iris (parte colorida do olho); tal dia
fragma se contrai ou dilata automáticamente segundo a maior
ou menor luminosidade do objeto... Ainda se deve mencionar
o obturador de duas cortinas — as pálpebras — que defende o
cristalino contra a poeira e os elementos agressores externos;
tal obturador é comandado por reflexos cuja eficacia nada dei-
xa a desejar frente aos obturadores artificiáis. Como defesa do
olho, é preciso citar também os cilios e as sobrancelhas. Além
do mais, o globo ocular é constantemente irrigado e lavado por
lubrificantes e detergentes que procedem de reservatórios sem-
pre cheios — as glándulas lacrimáis.

A retina é a película sensivel do aparelho fotográfico hu


mano. Apresenta forma hemisférica; as suas tres carnadas de
células terminam em unv milháo de fibras que se prolongan!

— 146 —
DEUS EXISTE

para formar o ñervo ótico. A retina ó maravillosamente dota


da de cones e bastonetes que exercem fungóes diferentes para
possibilitar a percepcáo de figuras, cores e movimentos em
ambientes de intensidade luminosa diferente.

Para que se produza a visáo, requer-se que extraordinaria


multidáo de elementos funcione em sintonía perfeita uns com
os outros e com as respectivas situagóes. Em outras palavras:
cerca de 115 milhóes de bastonetes e 6,5 milhóes de cones
devem concatenar-se para a obtencáo do ato visual.

Os estudiosos chamam a atengáo também para o fato de


que a retina é única e incasável, sempre pronta ao servigo. As
impressóes nela recebidas se apagam e instantáneamente a re
tina volta a sensibilizar-se — o que ultrapassa longe a psrfei-
cáo das cámaras mais modernas, que é preciso prover de qui
lómetros de fita; na retina tudo aparece e desaparece com rapi
dez desconcertante, sem processo de revelagáo; as imagens ai
produzidas sao sempre coloridas, atingindo centenas e cente
nas de tons. A retina tem a capacidade de captar dez clichés
diferentes por segundo, restaurando-se logo após cada percep-
Cáo de imagem. É de precisáo tal que num milímetro quadrado
da retina trinta mil pontos luminosos podem ser recibidos iso-
ladamente. Mais ainda: esse minúsculo aparelho natural — que
cabe em urna máo fechada — aumenta automáticamente os
objetos, de modo que as imagens podem ser percebidas em suas
verdadéiras dimensóes.
A existencia de dois olhos permite ao homem perceber o
relevo dos objetos que Ihe ocorrem.

O olho está em comunicagáo também com um fichário de


imagens já percebidas — fichário que se chama a memoria sen
sitiva. Esta pode ser comparada a urna biblioteca dotada de
milhóes de prateleiras, biblioteca que pode fornecer todas as
imagens registradas nos bilhóes de células do cerebro durante
os anos de vida do sujeito. Como se encontram todas ai? !... O
fato é que, fechando os olhos, o sujeito pode rever espetáculos
já vistos; enorme serie de impressóes já recebidas pode reviver;
desfilam na mente do individuo, ora causando-lhe profunda sa-
tisfagáo, ora provocando horrorosos pesadelos.

Por último, é de observar que todas as partes do corpo


sao sensívsis ao frió; pés, mños, orelhas podem gelar... Os
olhos, nao! Nunca se senté frío nos olhos.... embora haja pes-
soas de «olhar frío». Felizmente as coisas sao tais, pois, ao

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PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 160/1973

passo que o homem pode cobrir máos, pés e orelhas sem deixar
de andar, trabalhar ou ouvir, ser-lhe-ia impossível caminhar
para qualquer lado e orientar-se devidamente se tivesse de
tapar os olhos contra o frió... Para que as diferengas de tem
peratura nao perturbem a visáo, <um genuino fogareiro (a oorói-
de) mantém temperatura constante, necessária ao olho por
causa da extrema delicadeza dos seus respectivos instrumentos
de precisáo.

Passemos agora a

1.4. O cora$¿o humano

O coragáo pode ser comparado a urna bomba de qualro


cilindros, bomba aspirante e premente. Trabalha dia e noile
sem parar. O émbolo dessa bomba reproduz o seu movimento
cerca de 100.000 vezes por dia, faasndo assim que o sangue
circule pelo organismo inteiro dentro de treze segundos. O
coragáo está de tal modo organizado que repousa entre cada
batida, perfazendo destarte doze horas de trabalho e doze
horas de repouso.

Cada célula dos 800 bilhóes de células que compóem o


corpo humano, capta do sangue o alimento que lhe convém,
deixando o restante as células vizinhas sem jamáis se engañar...
Todo esse processo ocorre de maneira táo suave que a pessoa
ó advertida de tal trabalho apenas por modestas pulsagóes.

A «central» do coragáo realiza todos os dias urna tárela


extraordinaria, fazendo que o sangue percorra milhares de
vezes por dia o organismo inteiro. Para tanto, o coragáo tem
que desprender <um potencial que os dentistas avaliam em
87.000 quilográmetros de trabalho diario (tal é o potencial ne-
cessário para se levantar 87.000 kg á altura de um metro).

Verifica-se que o coragáo produz esse esforgo todos os dias


da vida da pessoa, durante 60, 80 ou até 100 anos. Destarte
faz circular os 25 bilhóes de glóbulos vermelhas do sangue,
que leva o oxigénio aos ossos, a pele, aos músculos, aos ñervos,
as glándulas, e traz de volta as materias desnecessárias, como
a agua e o carbono. Tal material é expelido ou pelos filtros dos
rins e do fígado ou pelos pulmóes. Nos dois milhóes da vesí
culas dos pulmóes que, postas ao lado urnas das outras,
eobririam urna superficie de 200 metros quadrados, os glóbulos

— 148 —
DEUS EXISTE

vermelhos entram em contato com o ar. Bastam alguns déci


mos de segundo para se descarregarem do ácido carbónico e
armazenarem de novo a devida dose de oxigonio. Em 24 horas,
dez mil litros de sangue passam pelos pulmóes para serem ai
purificados e regenerados.

Merece especial mencáo também

1.5. O ouvido humano

O ouvido comega por um funil aperfeigoado que so destina


a recolher os sons, funil dotado de almofadas de carne que
melhor captam a diregáo dos sons,... dotado também de cilios
e cera que detém os insetos e a poeira que poderiam falsear
a audigáo. No fundo do funil, encontra-se a fina pela do
tímpano, que vibra como um tambor.

As vibragóes do tímpano sao transmitidas por urna serie


de ossinhos que amplificam o som, até um órgáo pequenino
chamado caracol. Este possui urna membrana dotada de pro
digiosa harpa de 6.000 cordas. Destas, a menor tem o compri-
mento de apenas um vigésimo de milímetro; a que se destina
a captar o som mais grave, meio-milimetro. Tais cordas estáo
ligadas a 6.000 ñervos pequeninos, que desembocam num cen
tro comum e estáo todas em perfeita tensáo, táo afinadas e
sensiveis que podem perceber todas as notas das doze especies
de tons que o homem é capaz de ouvir.

Os dados até aquí catalogados sugerem importantes


reflexóss.

2. Refletindo sobre a natureza. . .

1. Os dentistas observam que a vida tem scu segredo.


Este segredo nao consiste apenas na comptexidade das células
vivas (que é realmente admirável), mas — e principalmente —
no interrelacionamento que existe entre tais células. Com outras
palavras: mima fungáo vital, há relacóes múltiplas, .dispostas
em diversos planos subordinados uns aos outros; um conjunto
de fungóes particulares e bem diferentes urnas das outras, mas
concatenadas sabiamente entre si, se exerce em vista de um
resultado global.

É o que se dá muito claramente, por exemplo, na fun-jáo


visual: a luminosidade, o colorido, o relevo, a profundidade c

— 149 —
ri;sponi>i:iu:.\ios ii¡o/i!ir5

a distancia, o equilibrio da imagem condicionam as fun;-oos


particulares dos elementos constitutivos do olho, para que este
psrceba finalmente o seu objeto.

Assim o olho (para só falarmos deste órgáo) equivale a


uma multiplicidade de elementos sabiamente relacionados entre
si a fim de obter um objetivo único: o ato visual. Conscientes
disto, os pensadores, nao somente outrora, mas ainda hoje,
sao levados a admitir uma inteligencia superior que tenha con
cebido cada um dos numerosos elementos que compeem o olho
humano, assim como o complexo relacionamento do tais ele
mentos entre si e com o psiquismo do respectivo sujeito. Essa
inteligencia é criadora, pois ela atinge o íntimo dos elementos
correlacionadas entre si para constituirem o olho. A tal inte
ligencia suprema que plañeja o cria, dá-se el assica mente o
nome de DEUS. Este é o Ser Absoluto, que imprime o vestigio
de sua inteligencia e de seu poder em todo ser relativo.

Considerem-se os bilhóes de pares de olhos de todo tipo


que já nasceram e ainda nascem... Considerem-se também os
órgáos e organismos múltiplos que enchem a historia dos sécu-
los. Esse imenso conjunto de seres maravilhosos denuncia
eloqüentemente a existencia de uma inteligencia que os tenha
concebido e criado.

2. Para corroborar tal afirmacáo, seja aqui recordado


um sabio axioma de dentistas e filósofos: «A materia nao
inventa». Com outras palavras: note-se que forcas maravilho-
sas estáo latentes na materia; nesta ha riquezas de energía
que as invencóes modernas paulatinamente trazem á tona
(tenham-se em vista a desintegragáo do átomo, as deflagragóes
de gases, a fusáo de elementos sólidos...). Contudo essas
riquezas da materia nao sabem explicar ou desdobrar a si mes-
mas; os elementos materiais sao incapazes de libertar de
maneira inteligente e útil as suas energías; elas esperam que
a inteligencia do homem as explore e desdobre. Note-se man
ainda: o homem descobre aos poucos os tesouros de energía
da materia e os principios que os regem; tal descoberta é
mesmo sujeita a erros, pois na verdade o homem nao ó o
autor da materia e de suas leis. — Este fato exige que ácima
da inteligencia humana exista uma Inteligencia Suprema, que
tenha concebido e criado o universo, em seu conjunto a em
cada um de seus elementos. Essa Inteligencia Suprema fez as
criaturas inteligiveis, isto é, ordenadas, harmoniosas, de tal
sorte que o homem, aplicando-se ao estudo do mundo material,

— 150 —
DEUS EXISTE H

pode depreender ordeni e harmonía, ou seja, os vestigios da


Inteligencia que deu origem a todas as criaturas.

Alias, a possibilidade de se cultivar a ciencia (que os


homens geralmente admitetn) se baseia no pressuposto de que
a natureza é inteligível'; é, sim, o produto de urna Inteligencia,
com a qual o homem está em sintonía e com a qual ele se
encontra mediante as criaturas que o cercam. Tal Inteligencia
o muito suparior á do homem... A própria inteligencia do
homem e o cerebro que ela utiliza, nao sao invengóes do
homem, mas já ihe sao dados quando nasce. Ha, pois, urna
inteligencia que concete e cria o homem inteligente.

Certa vez, estando um árabe cm oracáo, passou-lhe por


porto um europcu, que ss admirou por vé-lo em tal atitude
e Ihe perguntou: «Por que acreditas que Deus existe?» Ao
qus respondeu ao árabe: «Quando olho para as areias do
Saara, sou capaz de dizer,pelos vestigios deixados, se foi um
homem ou um leáo que por ali passou». — Tem-se dito,
paralelamente, que Deus deixou as suas impressóes digitais
na criatura humana e no universo inteiro: o detective perito
ai O descobre sem hesitacáo. Notem-se as seguintes palavras
:lc Einstein:

"O homem que eslabelece os principios de determinada teoría, supSe


no mundo uma ordem de elevado grau. Esta convicio se confiíma mais e
mais com o desenvolvlmenlo dos nossos conhecimenlos. Aquí está o ponto
traco dos positivistas e ateus proflsslonals que se senlem felizes porque tém
consciéncla nao só de ter, com pleno éxito, privado o mundo de deuses,
mas também de o ter despojado de milagres" (citado por J. Javaux, em
"Prouver Dleu ?". Desclóe 1967, p. 172).

3. A conclusáo proposta nesta exposk;áo ó explanada de


mancira sintética o simples por P. Thivollicr na seguinte
passagem:

"O corpo do animal ou do homem é maravilhosa máquina, onde enor


mes quantidades de .mecanismos se encadeiam e coordenam.
Há um plano, uma idéla que penetra, que modela a materia e a sub-
mete: é um ser vivo que quer vlver, desenvolver-so, reproduzlr-se.

1 Para ilustrar esla alirmacSo, podemos lembrar, por exemplo, que o


astrónomo Le Verrier, no século passado, notou urna anomalía no curso do
planeta Urano. Procurou entSo explicá-la iniciando cálculos matemáticos
que se baseavam na regularidade da marcha dos astros e chegou a conclusSo
de que existia um planeta desconhecido a influenciar a marcha de Urano.
Em conseqüéncla, os telescopios dos Observatorios foram dirigidos para a
porcSo do céu Indicada por Le Verrier, e finalmente deram a ver um novo
planeta, até entilo Ignorado, ao qual foi dado o nome de Netuno.

— 151 —
RESPONDEREMOS lf¡<) lí)7.'i

No animal, há mais alguma coisa do que o simples aglomerado de


bilhoes de células. Em váo os sabios pesquisam as células vtvas, estudam
os núcleos, o protoplasma com as suas miríades de micelas que constituem
os cromossomas...; eles nunca enconlram a idéia que preside á constitui-
cáo do individuo. Como nao se encontra também, no esludo das poeiras a
que loram reduzidas as pedras de uma catedral, o plano desse mesmo
edificio.

Um ser vivo nao se explica pelo encontró das forcas materiais aban
donadas a si mesmas, porque tudo se acha ai unido e Jerarquizado para
um Itm. Nada trabalha isoladamenle..., é o animal intelro que tem lome,
que salta, que caca, que sofre; e as suas glándulas sexuals nao sao feitas
para produzir outras glándulas, mas, slm, para reproduzlr um organismo
tolal..., outro animal Idéntico.

A vida segué um plano tracado, obedece a uma idéia diretriz; tudo


está determinado e calculado. É admirável como há órgáos que se formam e
cuja utilidade só mais tarde aparece. No embrido nao há qualquer impressio
sensível da vista, do olfato, do ouvldo e — coisa maravilhosa! — os olhos,
o natlz e os ouvidos desenvolvem-se. Há um Imperativo que a vida executa.

É, por conseguinte, uma ¡déla que modela a materia, e uma idéia é


uma prova de inteligencia.

Ora nao foi o homem nem foi o animal que inventaran) os mecanismos
dos seus corpos. Todos os seres vivos, sejam quais lorem, encontram já
os mecanismos dos seus corpos, ao virem ao mundo.

É por islo que se laz necessarlo chegar a uma Causa Primeira e Inte
ligente. NÓ3 a chamamos Deus" ("Deus existe ? ... Resposta do universo".
Lisboa 1957, p. 104s).

4. O reconhecimento da existencia de Deus através das


maravilhas do organismo humano está registrado em obras de
filósofos e pensadores de todos os tempos. Assim, por exemplo,
Já se exprimía Sócrates (séc. V a. C.) em famoso diálogo:

"Nao le parece que se pode reconhecer um ato de providencia no lato


de que a vista, que é um órgáo Iraco, seja munida de pálpebras ? Estas
sao como que portas que se abrem quando precisamos de olhar, e que
se lecham durante o sonó. Observa também os cilios fixados como um crivo
nessas pálpebras, para que os ventos nao prejudiquem os olhos..." Depois
de desenvolver o tema, considerando até os céus estrelados, pergunla Só
crates : "Julgas que essa ordem admirável seja a obra de uma entidade
vaga, Incapaz de reflexáo?" (Xenofonte, "Memorias" I. I, c. IV, §§ Ss).

Anaximandro, Xenófanes, Anaxágoras, por sua vez, desen-


volveram serrelhante raciocinio, nos séculos VI/V a. C.

Nos tempos do racionalismo francés, Voltaire (* 1778),


observando o ser humano e o universo, escrevia:

"Quanto mais no caso pensó, nao posso supor que esle relógio exisla
e nSo tenha um autor... Naquela noile, sentia-me propenso á meditacSo,

— 152 —
DEUS EXISTE 13

absorvldo na coniemplacáo da nalureza. Admlrava a bnensMao, a ordem


das esferas infinitas. Admlrava aínda mals a Inteligencia que preside ao regu»
lamenlo dessas massas. Dlzia comlgo mesmo: 'É preciso ser completamente
cegó para nao ficar fascinado com tal espetáculo,... estúpido para nao
reconheeer o seu autor,... louco para nao o adorar1".

Todavía eis que surge

3. Urna objegáo

Nao se poderia recorrer ao acaso para explicar os fenó


menos do universo?

Por «acaso» entender-se-¡a a ausencia de leis e de ordens


previstas por urna inteligencia. Imagine-se, por exemplo, um
dedal em que naja bilhóes e bilhóes de átomos: girariam e
agitár-se-iam sem lei nem regra, em total anarquía. Sabe-se
também que os glóbulos vermelhos, aos milhóes, circulam ao
acaso nos vasos sanguíneos. Por conseguinte, nao se pode crer
que o mundo atual seja urna combinacáo, entre as inúmera.s
combinac.5es possíveis, que podiam casualmente proceder do
caos inicial? A nebulosa primitiva podia permanecer no caos
perene... Todavía a agitacáo cega de seus elementos deu ori-
trem ao nosso universo.

— Em resposta, pode-se observar o seguinte:

O acaso é o cruzamento contingente, isto é, nao nscessá-


rio, nem previsto, de duas causas independentes urna da outra.
das q<uais cada «ma age em vista de um fim determinado.
Assim, por sxemplo. dois amigos se encontram por acaso mima
cida.de para onde cada um. sem saber do outro. fora a nego
cios. Vé-se, pois, que o acaso supóe sempre duas ou mais
causas que agem com ordem e finalidade. Os fenómenos ditos
ca4suais só sao casuais para quem ignora as causas que os
produziram; por isto o acaso propriamente nao existe como
sujeito real.

De resto, a reflexao e o bom senso recusam a hipótese


de que este mundo tenha sido produzido por acaso.

Com efeito, imagine-se que alguém coloque em urna sacóla


os tipos de imprensa que se empregam na composicáo de um
jornal; agite o todo na esperanza de que tais tipos se disporáo
entre si de modo a dar o texto da edigáo do jornal do dia
seguinte. Tal esperanga, embora nao fosse absurda por com
pleto, seria táo improvável que deveria ser tida como irrisoria.

— 153 —
11 PERGUNTE E RESPONDEREMOS.) 1G0/1973

Considere-se a vida. A proteina c o elemento básico de


todos os organismos vivos. Para facilitar os cálculos, admita-se
que urna molécula de proteina tenha 2.000 átomos, de duas
especies apenas, com peso molecular 20.000 e 0,9 de assimetria
(a realidade é muito mais complexa). A probabilidade de se
formar por acaso urna molécula de proteina seria de 2,02 x 10-32J,
ou seja, um número .decimal com 320 zeros depois da
vírgula (0,000.. .202). Supondo-se um total de 500 trilhóes de
lances por segundo num volume de materia igual ao do globo
terrestre, o tempo necessário para se obter urna molécula de
proteína, segundo o cálculo das probabilidades, seria de 10243
bilhóes de anos. Ora a idade da térra, a partir do ssu resfria-
mente, nao passa do 2 x 10" anos, ou seja, dois bilhóes de
anos apenas.

Admita-se, porem, que a molécula de proteina foi a que


S3 formou por acaso em primeiro lugar, sem esperar tantos
bilhóes de séculos. Admita-se até que a mesma combinacáo
se efetuou duas vezes consecutivas. Crer, porém, que se tenha
dado aínda outra vez equivale a crer num milagre. Mais:
admitir que em tempo extremamente curto o mesmo fenómeno
se tenha dado bilhóes de vezes equivale a negar a aplicaqáo
do cálculo das probabilidades a esse problema.

É preciso observar outrossim que, para formar urna célula


viva, sao necessários milhares de moléculas. Num ser vivo ha
bilhóes de células; e a paleontología ensina que bilhóes de seres
vivos aparecerán! sobre a térra num período de tempo extre
mamente curto. É impossível, portanto, apelar para o cálculo
das probabilidades a fim de explicar pelo puro acaso a exis
tencia da vida sobre a térra.

Por isto, dizia Voltaire (i 1778), nao sem sarcasmo:


«Encham um saco de pó; lancem-no numa pipa. Agitem com
forca durante muito tempo, e háo de ver sair lá de dentro
quadros, violinos, jarras de flores e coelhos!»

Vítor Hugo (v 1885), o grande poeta francos, definía o


acaso como «um prato feito pelos espertalhóes para que o
comam os tolos».

Muito diverso é o depoimento de Einstein, qu? servirá de


conclusáo ás consideracóes destas páginas:

"Urna profunda fé na racionalidade do edificio do mundo


e um ardente desejo de apreender o reflexo da razáo revelada

— 154 —
_ DEUS EXISTE 15

neste mundo deviam animar Keppler e Newton no seu longo e


solitario estudo... Somente quem consagrou a sua vida a
objetivos análogos, pode ter nocáo clara do que sustentaram
esses homens; eles tiveram forca para, entre mil insucessos,
permanecer com os olhos fixos no objetivo que hwism esco-
Ihido... Um contemporáneo disse, e nao sem razáo, que, em
nossa época tio imbuida de materialismo, os verdadeiros sa
bios sao apenas aqueles que sao profundamente religiosos...
O sabio é penetrado do senso de csusalidsde dos aconteci-
mentos... A sua religiosidade consiste na atónita surpresa
diante da harmonía das leis da natureza, na qual aparece urna
razio tio superior que, em comparacáo com ela, as mais
engenhosas formas do pensamento humano, com as suas dire-
trizes, parecem apenas um pálido refiexo... Nao há dúvida,
tal sentimento é bastante semelhante ao que, em todos os
tempos, animou as producdes dos grandes esoiritos religiosos"
("Comment je vois le monde". Ed. Flammarion, p. 21, citado
por P. Dentin [ver bibliografía] ficha 3).

AO AMIGO QUE JULGA NAO TER AÍNDA ENCONTRADO


A DEUS, MAS DESEJA ENCONTRA-LO- COMO EINSTEIN E
TANTOS SABIOS, RESTA DIZER, COMO MUITOS INCRÉDU
LOS DISSERAM :

"CASO DEUS EXISTA. DÉ-SE A CONHECER A MIM !

QUE DEUS REFULJA AOS OLHOS DA MINHA INTELI


GENCIA E DO MEU CORACÁO !"

A guisa de sumaria bibliografía, podemos indicar :


P. Cerrutl, "A caminho da Verdade Suprema". Rio de Janeiro 1954.
Marcozzi. Brezzi, Cimino, Dezza..., "Há lugar para Deus na ciencia
moderna?". Sao Paulo 1971.
C. Fabro, "Deus". SSo Paulo 1967.

J. Javaux. "Prouver Dieu ?". Desclée 1967.

P. Thivollier, "Deus existe ? Resposta do homem". Co'ecao "Talar


claro" n? 3. Lisboa 1957.
ídem, "Oeus existe ? Resposta do universo". ColecSo "Falar claro"
n? 2. Lisboa 1957.
P. Dentin. "L'Uomo e Dio", ColecSo "Cerchiamo Insleme", 4? serie.
"Fétes et Saisons", n<? 72, novembro 1952, "Dieu existe".
PR 141/1971, pp. 386-399 (comentario do livro de J. Monod: "O acaso
e a necessidade").
C. Tresmontant, "Comment se pose aujourd'hui le probléme de l'exis-
tence de Dieu". París 1966.

— 155 —
Mito ou realidade ?

possessao diabólica e expulsáo de


demonios nos evangelhos

Em sintese: A existencia do demonio é algo que nao pode ser


nem provado nem contraditado petas ciencias humanas. A Escritura Sa
grada, porém, a atesta com énfase : bons exegetas contemporáneos o re-
conhecem, apesar das dúvidas de outros. Jesús manifestou a consciéncia
de estar tratando com pessoas sujeitas a veemente influencia do Maligno
(é o que se chama "estado de possessao diabólica"). Nao é de crer que,
ao proceder assim, Jesús tenha apenas intencionado adaptar-se ao modo
de pensar Infantil ou erróneo dos seus contemporáneos. Cristo os teria
confirmado na crendice ou na supersticSo — o que seria precisamente o
contrario do objetivo de sua missáo (Cristo afirmou ser a Verdade e ter
vindo ao mundo para dar testemunho da verdade). Donde se depreende que
Jesús, de fato, se defrontou com os espfritos malignos e os expulsou de
pessoas possessas. — Estes fenómenos, segundo os Evangelhos, eram
sinals,... slnais de que "o Principe deste mundo estava para ser lancado
tora". Nos Evangelhos, a doutrina de Cristo parece t§o vinculada a obras-
•sinals que, negada a historicidade destas obras, a própria mensagem do
Evangelho se torna manca ou menos compreensivel.

Ademáis a existencia do demonio é objeto do ensinamento constante,


e últimamente renovado, do magisterio da Igreja — o que é decisivo para
o fiel católico.

Comentario: Os temas «possessao diabólica» e «expulsáo


de demonios» estáo constantemente em foco, deixando muitas
vezes perplexos os cristáos que nao queiram ser infléis á
Palavra de Deas, mas também nao desejam ceder á ingenui-
dade. Eis por que tais assuntos seráo abordados ñas páginas
que se seguem.

Antes do mais, importa-nos explicitar o que se entende por


«possessao diabólica». — Esta vem a ser o estado de urna
pessoa cujo corpo se acha sob a influencia direta do demonio;
este se torna como que o senhor de tal pessoa, movendo-a a
comportamentos desatinados; desta forma o psiquismo do indi-

— 156 —
POSSESSÁO DIABÓLICA 17

víduo possesso se perturba gravemente. Note-se que a agáo


tiránica do espirito maligno se exerce diretamente sobre os
membros do corpo e só atinge as facilidades da alma indireta-
mente mediante o corpo, ou seja, na medida em que a alma
depende do corpo para realizar suas atividades. Sob o influxo
do demonio, o possesso executa os atos mais estranhos possiveis:
profere palavras impías ou blasfemas, fala ou compreende lin-
guas desconhecidas, descobre coisas distantes ou ocultas, dá pro-
va de forgas que ultrapassam as capacidades naturais da respec
tiva idade ou condicáo.

Com outras palavras: na possessáo diabólica, dizsm os


mestres, o demonio nao toma o lugar da alma do paciente;
nao está unido ao corpo deste como a alma lhe está unida;
fica sendo um movente extrínseco á alma do paciente, embora
intimamente presente ao corpo, que ele agita e perturba.

O diagnóstico de possessáo diabólica só deve ser proferido


após atento exame do paciente, empreendido por pessoas que
tenham sólidos conhecimentos de teología, de psicología e de
medicina. Os mestres reconhecem que por vezes é muito difícil
distinguir doenca natural e possessáo diabólica; a própria
Igreja é extremamente sobria diante de casos de pretensa
possessáo diabólica, consciente como está das numerosas ilusóes
que a tal propósito possam ocorrer.

Após estas premissas, pergunta-se (o que hoje em dia é


freqüente) como entender os nao poucos episodios do Evan
gelio em que o Senhor Jesús é apressntado diante de pessoas
possessas a expulsar (ou exorcizar) o respectivo demonio.
Teráo sido casos reais, em que um espirito mau, havendo-se
apossado das faculdades de alguém, foi lancado fora desse
alguém? Ou dever-se-áo entender tais episodios de maneira
menos realista, mais simbolista ou alegorizante?

Abaixo responderemos a estas questóes observando duas


etapas:

7. Auténticos exorcismos ?

Refutamos gradativamente:

1.1. A existencia do demonio e da possessáo diabólica

1) Jesús nao parece ter posto em dúvida a possessáo


diabólica. Ele definía mesmo a sua missáo como sendo urna

— 157 _
18 PKRCJUNTK K RKSPONDKRKMOS U¡() 1973

lula contra o e? nirito maligno. Tcnham-sc cni vista as 92guin-


tcs passagens bíblicas:

Me 3,22-27 : "Os escribas, que havlam descido de Jerusalém, diziam:


'Ele está possesso de Beelzebul. É pelo poder do principe dos demonios
que ele expulsa os demonios'.

Chamando-os para perlo de si, Jesús Ihes disse em parábolas: 'Como


pode Satanás expulsar a Satanás? Pols, se um reino estiver dividido contra
si mesmo, esse reino nao pode subsistir. E, se urna casa estiver em guerra
consigo mesma, essa casa nao pode subsistir. Se Satanás se levantar contra
sí mesmo e ficar dividido, nao poderá subsistir, mas desaparecerá. Ninguém
pode entrar na casa de um homem forte e roubar seus bens, se prlmeiro
nao amarrar este homem forte. Só depois disto poderá saquear a casa'".

Como se vó, esto texto supóe tranquilamente a existencia


cío demonio, que nao ó contestada, mas vom a ser a base do
diálogo entro Jesús c seus interlocutores.

Notem-se aínda os seguintes dizeres do EvatiRelho:

Me 5,6-8 : "Avistando Jesús ao longe, o possesso correu, proslrou-se


dianle dele, e díase em alta voz: 'Que tens a ver comigo, ó Jesús, Filho do
Altfsslmo? Conjuro-te por Deus que nio me atormentes!' Eletivamente, Jesu3
estava a dizer-lhe : 'Sai desse homem, espirito impuro !'".

Me 9, 17s. 25s : "Alguém dentre a mullidáo dísse a Jesús: 'Mestie,


trouxe-te o meu filho, que tem um espirito imundo. Quando se apodera dele,
alira-o ao chao, e ele pde-se a espumar, a ranger os denles, e fica rígido.
Pedí ao3 leus discípulos que o expulsassem, mas eles nao o conseguiram'...
Vendo Jesús que alluia multa gente, ameacou o espirito imundo, dlsendo-
-Ihe: 'Espirito mudo e surdo, eu te mando, sai do menino e nao volles a
entrar nele !' Dando um grande grilo e sacudindo-o violentamente, saiu".

Observa-se que nestes casos Jesús precede como quem sere


namente supóa a realidade da possessüo diabólica.

De modo especial, Jesús considerou sua Paixáo, Morte e


Rcssurreicáo como tim certame contra Satanás:

Jo 12,31 : "É agora o julgamenlo deste mundo. Agora o príncipe


desle mundo será lancado lora".

Jo 14,30 : "Ja nao falarei muito convosco, po¡3 vai chegar o principe
deste mundo. Ele nada pode contra mlm, mas é para que o mundo saiba
que Eu amo o Paí, que taco como o Pai Me mandou".

Em Col 2,15 é o Apostólo quem nos diz que Cristo, "despojando os


principados e as potestades (diabólicas), os exibiu publicamente, triunfando
deles pela cruz".

Estes dizeres do Apostólo sup&em o costume segundo o dual os antigos


reís exiblam em cortejo triunfal as pessoas e os despojos de seus adversa
rios vencidos.

— 158 —
FOSSESSAO DIABÓLICA 19

Como se vé, os autores sagrados (particularmente os


Evangelistas) e, com eles, a Tradigáo crista, dáo testemunho
muito preciso a respeito da consciéncia que Jesús tinha de
estar enfrentando o Maligno. O aspecto de «luta contra o de
monio» está inseparavelmente ligado á missáo de Cristo. Este
deu a saber mais de urna vez que nao viera apenas anunciar
urna doutrina ou apontar um caminho ou trazer urna vida
nova, mas viera lambém quebrar o imperio do Maligno que
seduzia os homens para o mal e se opunha a Deus.

Todavía, feita esta afirmacáo, surge logo urna questáo:

2) Será que esse testemunho dos Evangelistas e Apos


tólos pode ainda hoje ser aceito como verídico? Que pensar
de possessáo diabólica á luz das ciencias modernas? Quem
conhece um pouco de psicología e psicopatologia, verifica que
muitos dos casos outrora e hoje popularmente tidos como pos-
sessáo diabólica, podem ser explicados como fenómenos de
histeria, epilepsia ou de males semelhantes.

Quem nega a realidade da possessáo diabólica, admite que,


ao «expulsar demonios»,

— ou Jesús foi vitima das concepcóes erróneas de sua


época, acreditando falsamente no que os seus contemporáneos
aceitavam,

— ou Jesús quis proceder como se acreditasse em possessáo


diabólica, embora soubesse que esta nao ocorre.

Que pensar do questionamento assim proposto?

3) As observagóes de índole filosófica, psicológica e mé


dica fazem-nos, sem dúvi/da, tomar conhecimento de profun
das perturbac.óes do comportamento humano provocadas por
disturbios nervosos: hoje, melhor do que outrora, diagnostica
mos histeria, esquizofrenia, etc. Todavía as ciencias humanas
nao excluem a possibilidade de intervengáo de um ser superior,
responsável, em última análise, pelas perturbagóes psíquicas
do paciente. Nao é do ámbito da psicología ou da medicina
afirmar ou negar a existencia do demonio. A estas ciencias
apenas compete denunciar o absurdo das crendices. Competir-
-lhes-ia denunciar e condenar a crenca em demonios e posses
sáo diabólica caso essa crenca fosse realmente absurda ou
desarrazoada; mas a medicina e a psicología nao o faz2m, pois

— 159 —
20 '<PERGUNTE E RESPONDEREMOS,- 1(50/1973

nao tém motivos de ordem racional ou ampirica para negar


a existencia do demonio e sua influencia sobre os homens.

Por sua parte, a Escritura Sagrada e a Tradigáo crista


afirmam insistentemente a existencia e a agáo do demonio.
É, pois, em virtude .da fé na Palavra de Deus que o cristáo
aceita a realidade dos anjos maus e da sua interferencia na
vida dos homens. A fé, por sua vez, nao é algo de desarrazoado
nem de obsoleto ñas atitudes do cristáo; ao contrario, é a
arteria central da vida do cristáo. O Apostólo afirma tras
vezes: «O justo vive da fé» (cf. Rom 1,17; Gal 2, 11; Hebr
10,38).

4) Aqui, porém, abre^se urna pequeña digressáo. Pergun-


ta-se: a fé é algo que se deva aceitar simplesmente porque os
mais velhos ou os mestres o ensinaram?

— Nao. O Cristianismo nao infantiliza o homem; nao pede


que este assuma atitudes ultrapassadas ou nao condizentes com
as aspiragóes nobres e razoáveis do cidadáo contemporáneo.
Por isto diante das proposigóes da fé compete ao cristáo exer-
cer a sua razáo, examinando os fundamentos dessas proposi
góes; investigue as credenciais com que se apresentam, ou os
motivos que possa haver para crer nelas... Feito esse exame.
o estudioso está em condigóes de concluir: «Há razóes para
aceitar ou acreditar; é razoável abragar o que a fé propóe».
Em conseqüéncia, o cristáo profere o seu ato de fé ñas verda
des reveladas por Deus. Nao há dúvida de que estas ficam
sendo sempre transcendentais; ultrapassam os limites da finita
inteligencia humana, mas nao a contradizem; nao a destroem
nem humilham.

5) Todavía insistirá alguém: nao se deveriam eliminar


da mensagem crista os ssus aspectos transcendentais?

— Respondemos que o Cristianismo sem verdades trans


cendentais ou proposigóes de fé nao passaria de sistema mera
mente filosófico ou humano; seria proclamagáo de homens,
táo vacilante quanto os próprios homens. Um Cristianismo que
coubesse todo dentro dos limites da razáo ou um Deus feito
á dimensáo do homem nao mereceriam aceitagáo; seriam mes-
mo auténtica contradigáo. O Cristianismo só poderá pretender
ser aceito pelos homens como a verdadeira mensagem religio
sa, se lhes propuser algo de transcendental, ou seja, algo que,
com as credenciais devidas, se aprésente como a Palavra de
Deus infinitamente sabio e poderoso.

— 160 —
POSSESSAO DIABÓLICA 21

6) Ora a existencia dos demonios é urna dessas propo-


sicdes da Biblia que ultrapassam os .dados da filosofía humana,
sem, porém, os destruir. Está fundamentada com suficiente
clareza ñas afirmagóes da Escritura Sagrada. É por isto que
até nossos dias yem proposta pela Igreja como «um dos ele
mentos da fé crista. Tenha-se em vista, além do pronuncia-
mentó de Paulo VI citado em Apéndice (cf. pp. 168-171), o se-
guinte documento:

Em 1968, fazendo eco aos mais antigos textos da Tradicáo


e do magisterio da Igreja, o S. Padre Paulo VI professava no
Credo do Povo de Deus:

"Cremos em um só Deus, Pal, Fllho e Espirito Sanio, Criador das


coisas vlsfveis — como é esie mundo em que passamos noasa breve vida
e das coisas ¡nvislvels — como sao os espiritas puros, que também cha
mamos anjos — e também Criador, em cada homem, da alma espiritual e
Imortal".

Ao falar de «criaturas visiveis e invisíveis», Paulo VI nao


fazia senáo repetir afirmagóes do Concilio do Latráo IV
(1215)' e do Concilio do Vaticano I (1870)=.

Note-se, de resto, que a expressáo «criaturas visiveis e


invisiveis», reiterada nos documentos do magisterio da Igreja,
se deriva de Sao Paulo: «Nele (em Cristo) foram criadas
todas as coisas nos céus e sobre a térra, as visiveis e as invi-
síveis, ou seja, os tronos, as dominagóes, os principados, as
potestades» (Col 1,16). Nesta passagem do Apostólo, é eviden
te que as «criaturas invisiveis» sao os espíritos angélicos, dos
quais Sao Paulo enumera quatro «ordens».
Assim exposto o «porqué» da crenga dos cristáos na exis
tencia dos anjos bons e maus, voltamos a analisar os casos d-1
possessáo diabólica de que fala o Evangelho.

1.2. Exorcismos no Evangelho

1) Seria temerario atribuir a Jesús um erro de doutrina


(teria acreditado erróneamente na existencia dos demonios) ou

1 Eis as palavras deste Concilio :


"(Deus) Criador de todas as coisas visiveis e invisiveis, das espirituals
e das corporals, o qual, com sua onipotencla, criou do nada igualmente,
desde o inicio do tempo, ambas as criaturas, a espiritual e a corporal, ou
seja, a angélica e a mundana..." (Denzinger-SchSnmetzer, Enqulrldlo 800
[428]).

• Constitulcfio dogmática "Dei Fillus" (24 de abril de 1870), c. 1; cf.


Enqu iridio 3002 (1783).

— 161 —
22 rPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 160/1973

urna t ática de acomodagáo 'ás crendices populares. Jesús veio


justamente, segundo o Evangelho, para dar testemunho da ver-
dade' ou para traz2r aos homens a plenitude da Revelagáo
iniciada pelo Pai através dos Patriarcas e Profetas do Antigo
Testamento: «Tendo Deus falado outrora, muitas vezes e de
muitos modos, aos nossos país por intermedio dos Profetas,
falou-nos nestes últimos tempos pelo Filho, a quem constituiu
herdeiro .de tudo e por quem criou o mundo» (Ilebr l,ls).

Nao se entendería, a luz da Escritura Sagrada, que Jesús,


encarregado de tal missáo, tenha pactuado, coasciente ou
inconscientemente, com as falsas crengas da gente de seu lem
po, confirmando-as por suas palavras ou suas atitudes.

Resta, pois, concluir que Jesús se viu cm presenga d2


pessoas que padeciam influxos diabólicos especialmente malig
nos. Encontrando-as, o Senhor as beneficiou, libertando-us da
veemente acáo do demonio.

2) Note-se bem que o Senhor considerava cssas expul


sóos »do Maligno como sinais de urna realidade ainda maior;
alias, todo milagre ou fenómeno portentoso na vida de Jesús
jamáis 6 mera ostentagáo de poder, mas é sempre üdo como
licáo ou como sinal de urna verdade ou mensagem de índole
sobrenatural. É por isto que o Senhor afirma depois de haver
expulsado um demonio:

"Se é pelo Espirito de Deus que eu expulso os demonios, entáo sabe)


qae chegou até vos o reino de Deus" (Mt 12,26).

Segundo Me 3,27, o poder de Satanás, que seduzira o gé


nero humano pelo pecado, foi derrubado pela agáo de Cristo.
É o que significa a breve parábola de Me 3,27:

"Ninguém consegue penetrar em casa de um homem forte e roubar-lhe


os bens sem primelro o amarrar; so depois poderá saquear-lhe a casa".

Em outra passagem, lé-se:

"Os setenta e dois discípulos voltaram chelos de alegria dizendo:


'Senhor, até mesmo os demonios se nos assujeltaram em teu nome!' Dlsse-
-Ihes: 'Eu via Satanás cair do céu como um ralo'" (Le 10,17s).

1 Cf. Jo 18,37: "Para isto nasci e para isto vim ao mundo, a fim de
dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade, ouve a
minha voz".
Jo 14,6 : "Eu sou o caminho, a verdade e a vida".

— 162 —
POSSESSAO DIABÓLICA 23

3) De resto, observe-se que o combate de Jesús contra


o podar das trevas (freqitentemente mencionado nos Evange-
Ihos) nao deve ser entendido como um capítulo isolado dentro
da missáo dé Cristo, mas, sim, deve ser recolocado no contexto
geral da obra do Senhor. Este modo ás considerar os exorcis
mos facilitará a compreensáo dos mesmos, diluindo a estranha
impressáo que eles sugerem a estudiosos contemporáneos.

Muito a propósito vém as palavras de L. Xavier-Dufour


que, no seu «Vocabulario de Teología Bíblica», assim comenta
os milagres .de Cristo:

"Os milagres nao sfio sinais arbitrarios ou ostensivos; eles realizan)


em germen o que eles signlllcam ; eles trazem o perthor da aalvacáo mes-
slánica que tora sua plenitude no reino escalotógico... Por eles Jesús...
laz recuar a doenca, a morle, a hoslilidade da natureza contra o homem,
em suma, toda desordem que tem sua causa mais ou menos próxima no
pecado (Gen 3,16-19 ; cJ. Mt 2,5 ; Le 13,3b e Le 13,2-3a ; Jo 9,3)...

Assim loma pleno sentido a assoclacáo multo (reqüenle de curas e


exorcismos (Mt 8,16...). A libertado dos possessos ó um caso privilegiado
dessa vltórla do 'mais forte' (Le 11,22) sobre Satanás, vilória que todos os
milagres realizan) a seu modo. Os exorcismos colocan) Jesús diretamente
em lula com o Adversario, num duelo que, iniciado no deserto (cf. Mt 4,1-11),
terá seu ponto decisivo na cíuz (cf. Le 4,13; 22, 3.53) e so terminará no
julgamento universal (cf. Apc 20,10); nesse duelo em curso, já é evidente a
derrota do demonio (cf. Mt 8, 29; Le 10, 18). O exorcismo é o sinat eficaz,
por excelencia da vinda do Reino (cf. Mt 12,28)" (cois. 761 s, da edlcáo
francesa, Paris 1970; cois. 587s, da edlcBo braslleira, Petrópolls 1972).

Merccem atengáo também as ponderagóes de A. Lapple


no seu estudo «A Mensagem dos Evangelhos hoje» (ed. Pauli
nas, p. 240s):

"Muitos leltores da Biblia sentem serias diflculdades diante das narra


tivas, nos Evangelhos, de expulsfies de demonios. Haverla nos lempos de
Jesús realmente t3o elevado número de possessos — assim objelam — a
ponto de se ter a impressSo de que o Inferno se despovoar? para Impedir
a obra redentora de Jesús? Conslituem os exoreismos apenas urna flecSo
literaria destinada a Ilustrar a vilória de Jesús sobre o pecado e os inlmigos
de Deus? Significan) acaso urna personKicacfio e dramatizado da luta de
Jesús contra o mal e os principios hostis a Deus? Recone-se aínda ao falo
de que, no antlgo Oriente e ñas érenlas populares judaicas acerca de
espiritas e dem&nios, eram atribuidas ao poder demoniaco multas enfer-
midades (por exemplo, a epilepsia), as quals sfio explicadas pela medicina
moderna de modo bem diferente...

A profunda seriedade com que Cristo se aproxima dos possessos, nao


pode ser explicada como simples adaptacáo ás crencas difundidas entre os
contemporáneos sobre espfrltos e demonios. Analoqamente a historia da
tentacSo (Me 1,12s; Mt 4,1-11; Le 4,1-13),... reallza-se em cada exorcismo,
em última anélise, a destruleSo do dominio de Satanás e a lmplantacdo do

— 163 —
21 *PERGUNTE E RESPONDEREMOS» KiO/1973

reino de Deus... O mals profundo significado desses exorcismos consiste


em servirem de ocaslio para Importantes testemunhos de Jesús acerca de
sua pessoa e tragar a verdadelra llnha de demarcacflo entre Jesús e o
reino dos demonios, asslm como entre ele e o povo obstinado e de dura
cerviz de Israel. Indubitavelmente a nova era do reino de Deus já comecara
com a tentacáo de Jesús e a Vitoria sobre Satanás. Conquanto já se tenha
dado o combate decisivo, o poder do mal há de ser vencido em um
sem-número de pequeñas escaramuzas até o día do juizo do Senhor. As
comunidades cristas eram consolas de estar rodeadas do poder do Maligno,
apesar dos beneficios salvíflcos e santlflcadores de Cristo. 'O vosso adver
sario, o dlabo, rodeia-vos como leSo que ruge, á procura de quem devorar'
(1 Pe S, 8). Como na vida de Jesús, asslm também na vida das comunidades
de salvacao da nova alianca, o diabo deve ser continuamente repelido e
vencido".

2. Ditos e feitos do Senhor

Hojs em dia os críticos tém consciéncia de que os Evan-


gelhos nao nos transmiten! um relato do cotidiano da vida
pública do Senhor. Em outras palavras: os ditos e feitos de
Jesús que eles consignam, nao pretendem apresentar a sucessáo
dos acontecimentos do ministerio sagrado de Cristo, mas foram
escolhidos afim de manifestar o significado teológico da pessoa
e da obra de Jesús Cristo.

Por isto os discursos e os feitos (muitas vezas, portento


sos) de Jesús nos Evangelhos constituem urna -unidade indisso-
lúvel ou os dois cañáis de urna mensagem única. Em conse-
qüéncia, as agóes milagrosas de Jesús sao freqüentemente cha
madas scmeia (em grego) ou sinais. Tenham-se em vista os
textos de

Mt 12,38-40: "Alguna escribas e fariseua o Interpelaran!, dizendo:


'Mestre, desejávamos ver algum sinal apresentado por vos*. Ao que ele
respondeu: 'Esta geracSo má e adúltera pede um slnal, mas outro sinal nao
Ihe será dado, senSo o sinal do profeta Joñas. Asslm como Joñas esteve
tres dias e tres noltes no ventre de um grande pelxe, do mesmo modo o
Fllho do homem flcará tres dias e tres noltes no coracáo da térra'".

Jo 2,18: "Dlrlglram-se a Jesús os judeus e dlsseram-lhe: 'Com que


sinal nos provals que tendes autorldade para proceder deste modo ?'".

Jo 4,48: "Dlsse Jesús: 'Se nao virdes sinals e prodigios, nao acre
ditareis !'"

Esses portentos ou sinais vém a ser, pois, na concepcáo


de Jesús, palavras ou doutrinas em ato.

Em confirmagáo, verifica-se que quem tencione eliminar


dos Evangelhos os milagres do Senhor, já nao consegue enten-

— 164 —
POSSESSAO DIABÓLICA 25

der o conteúdo desses livros; na verdade, os milagres fazem


corpo com as palavras e os discursos de Cristo. É o que se
depreende dos tres seguintes exemplos:

Mt 11,2-6: Joáo Batista está no cárcere. Envía entáo


alguns discípulos a Jesús, a fim de indagarem se Jesús é
realmente o Messias prometido por Deus ou se é necessário
esperar. Em resposta, Jesús mencionou as curas de cegos,
coxos, leprosos, surdos e as ressurreicóes de mortos pratica-
das por Cristo. Aqui os portentos sao apresenlados como fa-
tos,... e fatos prenhes de significado; sao fatos-respostas. Se
nao tivessem ocorrido, nao se entendería a explicagáo dada por
Jesús a Joáo. — Ora esta passagem do Evangelho é tida por
muito antiga; devia, conforme a critica, encontrar-ss no docu
mento Q (Quelle = Fonte), coletánea de dizeres de Cristo ante
rior, ao texto atual dos Evangelhos; com efeito, Mateus e Lucas
(7,22s) citam essa resposta de Jesús, ao passo que Marcos a
omite'.

Mt 11, 20-24: Jesús censura severamente as cidades da


Galiléia por nao haverem feito penitencia, embora tenham
presenciado as manifestacóes do poder (dynámels, em grego)
de Cristo:

"Jesús valeu-se entáo da circunstancia para recriminar as cidades que


nao tlnham feito penitencia, embora nelas se tivessem realizado mullos de
seus milagres:

'Ai de ti, Corozalm 1 Ai de ti, Belsalda! Porque, se Tiro e Sldonia


llvessem presenciado os milagres que se operaram em vosso meio, já teriam,
há muito, feito penitencia em cilicio e clnza. Por isto eu vos digo que no
dia do juizo haverá menos rigor para Tiro e SidAnia do que para vos.

E tu, Cafarnaum, serás porventura exaltada alé o céu ? Até o inferno


has de desear, porque, se os milagres que presenciaste se tivessem reali
zado em Sodoma, ela teria subsistido até hoje. Por Isto eu vos digo que
no dia do Juizo tu serás Julgada com mais rigor do que a térra de Sodoma'".

Estes dizeres do Senhor, conforme os críticos, também


sao muito arcaicos em sua formulac.áo literaria; provém evi
dentemente da fonte de discursos Q já mencionada (note-se
que Mateus e Lucas 10,13-15 as refenem, ao passo que S.
Marcos os silencia).

1 Para o leltor nfio iniciado no esludo moderno dos Evangelhos, esta


argumentacSo talvez tenha pouco ou nenhum significado. Como quer que
seja, poderá reter que o episodio de Mt 11,2-6 é considerado pelos críticos
como muito arcaico e, por isto, especialmente significativo.

— 165 —
2tj «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 1U0/1973

Me 3,22-30: Os fariscus acusam Jesús de expulsar os


demonios por obra de Beelzebul, príncipe dos demonios. Ates-
tam assim, indiretamente, que Jesús realmente praticou exor
cismos e realizou obras extraordinarias. Jesús, em rosposta,
nao nega os fatos em foco; apenas trata de refutar as obje-
cóes das adversarios. — Também aqui — dizem os estudiosos —
estamos diante de urna tradicáo muito antiga, a qual deve
corresponder a realidades históricas (as controversias entro
Jesús e os fariseus refletem o genuino paño de fundo da vida
e da pregagáo de Cristo).

O liame entre os discursas e os milagres de Jesús aparece


ñu militas outras passagens do Evangelho. É o que acautela
o estudioso contra a tendencia a dissociar discursos e milagros
de Jesús, admitindo a autencldade de uns e rejeitando as ou-
tros como fábulas ou lcndas.

3. Conclusao

Em última análise, verifica-se que sao, muitas vezes, as


premissas filosóficas do estudioso que o levam a negar a ge-
nuinidade de certas narracóes do Evangelho. Caso algucm nao
admita que Deus possa intervir neste mundo de maneira mara-
vilhosa, despertando a admiragáo dos homens para a agáo ,do
Criador, tal pessoa negará sistemáticamente os milagros de
Jesús (inclusive os exorcismos), assim como a própria ressur-
rcigáo de Cristo. Por outro lado, quem aceita o sobrenatural,
nao terá dificuldade em aceitar que se tenham dado na vida
de Jesús prodigios (ou sinais) destinados a comprovar a auten-
ticidade da missáo de Cristo.

É á luz destes principios que se háo de encarar os exor


cismos ou as expulsóos de demonios narradas pelos Evange
listas.

Á guisa de fecho, váo aqui citadas as reflexóes do teólogo


alemáo J. Michl em seu artigo «Satán» do dicionário «Hand-
buch theologischer Grundbegriffe» II (München 1963), pp.
477s :

"Posicáo moderna diante da crenca no diabo e nos demonios. Enquanto


a Idads Media e, por multo tempo ainda, a época moderna aderlam a urna
exagerada crenca no diabo e nos demdnios ('Luclferlanos', bruxas...), desde
o século XVIII o espirito moderno, que se deve ao despertar do racionalismo,
baniu lal crenca para o setor da fantasía. Sob o Influxo do racionalismo,

— 166 —
POSSESSAO DIABÓLICA 27

principalmente a exegeae protestante se Incllnou mals e mals a ver na pos


sessSo diabólica (freqüentemenle mencionada pelo Novo Testamento) di
versas formas de doencas nervosas e mentáis, principalmente epilepsia,
histeria, dupla personalidade, etc.

Desta manelra, as narracóes bíblicas nao eram explicadas de maneira


salivatoria. Além disto, essa difícil questSo tem de ser considerada e escla
recida á luz da personalidade de Jesús e de sua missSo dirigida contra
Satanás e o reino de Satanás. Nesta perspectiva, deve-se afirmar que exlstem
demonios, os quais querem prejudicar o homem, mas que foram, em prin
cipio, destituidos de poder por parte de Jesús.

A questao da possessáo diabólica ultrapassa amplamente os limites da


Biblia, pois até hoje há puem afirme ocorrerem casos de tal possessSo;
tal afirmacSo é feita por pessoas de todo merecedoras de crédito. Desde
oue reconhecamos que Jesús se defrontou com casos de possessSo diabó
lica, nfio podemos neqar que em lempos posteriores, e mesmo em nossoa
dias, tais casos se registren). Todavía diante das complicadas descríeles que
os antlgos lazlam da possessSo diabólica, devemos ser cautelosos; tica
aberla a questio : qual seria proprlamente a influencia que o mundo dos
demonios excrce sobre os homens ?

Alualmonle. tornou-se comum talar de inclinapdes diabólicas, enten-


dendo-se por esta expressSo as tendencias de um homem mal disposto,
soieltn aos complexos do seu próprlo cu; nega-se a existencia de seres
demoniacos distintos do homem e subsistentes como tais. — Contudo neste
setor — como também ao se tratar dos anjoa — leve-se em conta que a
existencia ou a ativldade de potencias diabólicas Jamáis poderSo ser ave
riguadas com os recursos da3 ciencias profanas ; somenle a revelacáo feila
por Deus aos homens dá-nos a conhecer o mundo dos maus esplritos. Por
isto a crenca na existencia de esplritos maus supfie a crenca na revelacáo
(ella por Deus aos homens".

Bibliografía :

A. Liipple, "A mensagem dos Evangelhos hoje". Sao Paulo 1971.

J. Michl, "Le probléme de Jésus. De Jésus de l'histotre au Christ de


la fo¡". Paris 1968.

D. Grasso, "II problema di Cristo". Assis 1965.

X. Léon-Dufour, "Eludes d'Évangile". Paris 1965.

ídem, "Vocabulaire de théologie biblique". Paris 1970, em traducáo


brasileira na Ed. Vozes, Petrópolis 1972.

M. Schmaus, "Der Glaube der Kirche", vols. I e I!. München 1970.

Revista "Time", ¡une 19. 1972, pp. 28-35: "The oceult revival. Satán
relurns" (artigo que mostra a reviviscencia do culto de Satanás em nos-
sos días).

— 167 —
28 PERGUl^TE E RESPONDEREMOS. 1Ü0/1973

APÉNDICE
A PALAVRA RECENTE DE PAULO VI

Nao poderiamos deixar de citar aqui trechos de um dis


curso de Paulo VI proferido aos 15 de novembro de 1972 sobre
o demonio. O texto reveste-se de especial importancia, pois
se refere á situacáo de dúvidas e incertezas que tém invadido
setores da teología e da espiritualidade no tocante á existencia
e á acáo dos espiritos maus. Está claro que S. Santidade nao
pretende fomentar a supersticáo e a crendice (o demonio nao
ó nem um saci-pereré, nem um «bicho papáo» nem um mons-
tro chifrudo com tridente ñas máos nem um anti-Deus), mas
deseja apenas lembrar pontos capitais e impreteríveis da dou-
trina católica.

Eis as palavras de Paulo VI:

Depois de expor quanto de bom e belo há no mundo,


prossegue S. Santidade:

"Atualmente quais sao as matores necessidades da Igreja?

Nao deveis considerar a nossa resposta simplista ou até


supersticiosa e irreal: urna das maiores necessidades é a
defesa daquele mal, a que chamamos Demonio".

"Esta visáo, porém, é completa, é exata ?

... Nao vemos quanto mal existe no mundo, especial


mente quanto mal moral ? ... Encontramos o pecado, per-
verseo da liberdade humana e causa profunda da morte, por
que é um afastamento de Deus, fonte da vida, e também a
ocasiáo e o efeito de urna ¡ntervencáo, em nos e no nosso
mundo, de um agente obscuro e inimigo, o Demonio. O mal
já nao é apenas urna deficiencia, mas urna eficiencia, um ser
vivo, espiritual, pervertido e perversor. Trata-se de urna reali
dade terrfvel, misteriosa e medonha.

Sai do ámbito dos ensinamentos bíblicos e eclesiásticos


quem se recusa a reconhecer a existencia desta realidade, ou
melhor, quem faz déla um principio em si mesmo, como se
nao tivesse, como todas as criaturas, orígem em Deus, ou a

— 168 —
POSSESSAO DIABÓLICA 29

explica como urna pseudo-realidade, como urna personificacáo


conceitual e fantástica das causas desconhecídas das nossas
desgracas'.

Vejamos entáo a importancia que adquire a advertencia


do mal, para a nossa justa concepcáo crista do mundo, da
vida, da salvacáo. É o próprio Cristo quem nos faz sentir esta
importancia. Primeiro, no desenvolvímento da historia evan
gélica, no principio da sua vida pública: haverá quem nSo
recordé a página, tio densa de significado, da tríplice tenta-
cáo? E ainda em muitos episodios evangélicos nos quais o
Demonio se encontra com o Senhor e aparece nos seus ensi-
namentos (cf. Mt 12,43)? E como nao haveriamos de recordar
que Jesús Cristo, referindo-se tres vezes ao Demonio como
seu adversario, o qualifica como 'príncipe deste mundo' (cf.
Jo 12,31; 14,30; 16,11)? E a ameaca desta nociva presenca é
indicada em muítas passagens do Novo Testamento. Sao Paulo
chama-lhe 'deus deste mundo' (2 Cor 4,4) e previne-nos contra
as lutas ocultas, que nos, cristáos, devemos travar nSo só com
o Demonio, mas com a sua tremenda pluralidade : 'Revesti-vos
da armadura de Deus para que possais resistir ás diadas do
Demonio. Porque nos nao temos de lutar (só) contra a carne
e o sangue, mas contra os Principados e Potestades, contra
os Dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos
malignos espalhados pelos ares' (Ef 6,11s).

Diversas passagens do Evangelho dizem-nos que nao se


trata de um só Demonio, mas de muitos (cf. Le 11,21; Me 5,9},
um dos quais é o principal: Satanás, nome que significa 'o
adversario, o immigo'; ao lado dele, estSo muitos outros, todos
criaturas de Deus, mas decaldas, porque rebeldes e tinham
sido castigadas (cf. DS 800); constituem um mundo misterioso,
transformado por um drama multo infeliz, do qual conhece-
mos pouco.

10 S. Padre alude aquí a duas posiedes extremista? nSo cristas:

1) O demonio seria urna forga má, subsistente em si mesma, como


um rival de Deus ou um anti-Deus (no sentido do dualismo persa e do mani-
quefsmo), e nao urna criatura do único Deus e Criador.

2) O demonio nao seria senáo urna concepcSo mitológica, poética,


alegórica, sem fundamento na realidade.

Na verdade, o demonio é um anjo que Deus crlou bom, mas que abusou
da sua liberdade. Só age no mundo, porque Deus Iho permite segundo um
plano sabio.

— 169 —
30 PE11GUNTE E RESPONDEREMOS- UU).'1373

O ¡nimigo oculto

Conhecemos todavía muitas coisas deste mundo diabólico


que dizem respeito á nossa vida e a toda a historia humana.
O Demonio é a origem da prímeira desgraca da humanidade;
foi o tentador pérfido e fatal do primeiro pecado, o pecado
original (cf. Gen 3; Sab 1,24). Com aquela falta de Adao, o
Demonio adquiriu um certo poder sobre o homem, do qual
só a Redencáo de Cristo nos pode libertar.

Trata-se de urna historia que ainda hoje existe : recorde


mos os exorcismos do batismo e as freqüentes referencias da
Sagrada Escritura e da Liturgia ao agressivo e opressivo do
minio das trevas (cf. Le 22,53). Ele é o ¡nimigo número um,
é o tentador por excelencia. Sabemos portanto que este ser
mesquinho e perturbador existe realmente e que ainda atua
com astucia traicoeira ; é o inimigo oculto que semeia erros
e desgracas na historia humana.

Deve-se recordar a significativa parábola evangélica do


trigo e do joio, síntese e explicacáo do ifogfsmo aue parece
presidir ás nossas contrastantes vicissitudes: 'inimicus homo
hoc fecit* (Mt 13,28). É o 'assassino desde o principio,... e
pai da mentira', como o define Cristo (cf. Jo 8.44s); é o insi
diador sofista do equilibrio moral do homem. Ele é o pérfido
e astuto encantador, que sabe insinuar-se em nos, através dos
sentidos, da fantasía, da concupiscencia, da lógica utópica,
ou de desordenados contactos sociais na realizacao da nossa
obra, para Introduzir netes desvíos, táo nocivos quanto na
aparéncia conformes ás nossas estruturas físicas ou psíquicas,
ou ás nossas profundas ssp'racóes instintivas.

Este capítulo relativo ao Demonio e ao influxo que ele


pode exercer sobre cada pessoa, assim como sobre comuni
dades, sobre inteiras sociedades ou sobre acontecimentos, é
um capítulo muito importante da doutrina católica, que deve
ser estudado novamente, dado aue hoje o é pouco. Algunas
pessoas ¡ulgam encontrar nos estudos da psicanálíse ou da
psiquiatría ou em práticas de espiritismo, hoje táo difundidas
em alguns países, urna compensacao suficiente. Receia-se
cair em velhas teorías maniqueístas ou em divagacoes fantás
ticas e supersticiosas. Hoje algumas pessoas preferem mos-
trar-se fortes, livres de preconceitos, assumir ares de positivis
tas, mas, depois, dáo crédito a muitas supersticóes de magia
ou populares ou, pior, abrem a própria alma — a própría alma

— 170 —
POSSESSAO DIABÓLICA 31

batizada, visitada tantas vezes pela presenca eucarística e


habitada pelo Espirito Santo! — ás experiencias licenciosas
dos sentidos, ás experiencias deletérías dos estupefacientes,
assim como ás seducdes ideológicas dos erros na moda, fendas
estas por onde o Maligno pode fácilmente penetrar e alterar
a mentalidade humana.

NSo queremos dizer que todo pecado seja devido direta-


mente á acao diabólica (cf. S. Tomás, S. Teol. I, 104, 5); mas
também é verdade que aquele que nio vigía com um certo
rigor moral sobre si mesmo, se expoe ao influxo do 'mysterium
¡niquitatis', ao qual SSo Paulo se refere (cf. 2 Tes 2,3-12) e
que torna problemática a alternativa da nossa salvacao".

Falando com lcaldade sincera, devemos dizer: estes pro-


nunciamentos do S. Padre (que nao fazem senáo repetir
constantes afirmacóes da Tradicáo e da teología) tém valor
normativo. Pisamos aquí num terreno de fé, e nao de pura
filosofía humana.

A um enfermo chamado Deodato :

"Recomendemos isso tudo a Deus. Ele sabe a duracáo


da tua doenca. Ele sabe também em que medida recuperarás
as tuas torcas, e já tomou providencias cheias de amor a teu
respeito.

A ti compete agora ser um auténtico Deodato (= dado a


Deus). Também na tua situacao atual pertences a Deus e a
Ele serves. É principalmente agora que és a vela ardente que
brilha aos olhos de Deus e se consomé irradiando luz. Tu
continuas a ser a pequeña fonte viva, que manda para o mundo
as suas ondas íncessantes. Pouco importa que conhecas ou
nlo o itinerario e a meta das grandes ondas que estás a emitir.
Na verdade, tu as emites, e talvez com mais intensidade do
que na primavera da tua atívidade apostólica".

Peter Lippert, S.J.

— 171 —
Quem pode responder ?

juventude, quem és?

Em sintese : A juventude nao se avalia simplesmente pela idade cro


nológica da pessoa, mas pelo seu estado de ánimo. Pode haver jovens de
vinte anos com ánimo decrépito, como há anclaos de setenta anos com
ánimo juvenil. A juventude de ánimo é caracterizada por algumas notas bem
marcantes: 1) capacidade de surpreender-se, de interrogar a respeito dos
misterios da vida; 2) capacidade de abrir-se aos apelos do presente;
3) fé nos valores auténticos: cristios e humanos (um jovem nao pode ser
cético ou indiferente ou privado de Ideal); 4) liberdade em relacao á cobica
egoísta e gananciosa ; 5) dlsponibilidade para o servico generoso e entu
siasta.

Estas notas sao eloqüentemente ilustradas pelo testemunho de Giovanni


Papini, que, reduzido a miseras condlcóes de saúde física, escreveu a pá
gina "A felicidade do infeliz", da qual o texto é transcrito neste artigo.
O segredo da juventude de ánimo de Papini era certamente a sua fé de
cristáo intimamente unido a Cristo.

Comentario: A populagáo jovem do universo é cada vez


mais numerosa. Dizem as estatisticas que nos Estados Unidos
da América, por exemplo, dentro em breve 50% dos habitantes
seráo pessoas com menos de vinte e cinco anos de idade.

É por isto que a juventude tanto fala cm nossos tempos;


ó por isto também que tanto se fala de juventude. Um pais
que tenha muitos e muitos jovens em ssu ámbito, é, como
dizem, um país de esperanga e futuro.

Eis por que importa perguntar : que é propriamente a


juventude? Que é que lhe comunica a sua forga renovadora
da historia?

A respeito de perguntas semelhantes, já propusemos algu


mas reflexóes em PR 135/1971, pp. 122-127. Visto, porém, que
a temática está sempre em foco, voltamos a abordá-la nestas
páginas, acrescentando alguns dados novos ao que já foi
exposto.

— 172 —
JUVENTUDE, QUEM ÉS ? 33

1. Juventude : estado de ánimo

1. Em PR 135/1971, pp. 122-127, distinguimos tres


accepgóes da palavra «juventude» :

1) juventude cronológica.: é a que se conta pela idade


da pessoa; costuma ssr identificada com a faixa de anos que
vai dos 18 aos 25 anos;

2) juventud» sociológica: ó a condigno das pessoas que


ainda nao constituiram familia, aínda freqüentam a escola e
nao cntraram em fase produtiva;

3) Juventud» psicológica : c uin estado de ánimo que


pode persistir por varios decenios, caracterizado p^la coragem
e o otimismo sadios.

Ora é a juventude psicológica que define propriamente a


juventude : alguém pode ser velho aos 18 anos de idade (caso
nao tenha ánimo juvenil), como pode ser jovem aos 70 anos
(desde que tenha um coracáo juvenil).

O S. Padre Paulo VI, alias, dirigindo-se a um grupo de


jovens em 1970, aludiu a dois tipos de juventude nos seguintes
termos :

"Se]a-nos lidio saudar-vos em nome de urna juventude camum:


a vossa (juventude), a da tdade, a das geraedes novas, a dos lempos novos,
a que tern os oEhos flxos no futuro como em seu reino, flxos na fonte das
suas esperances e energías; a nossa (juvenlude), a da verdade e das tar
cas que n3o envelhecem e que lém em si mesmas o dever e o segredo da
atualldade e o impulso do amor" (Paulo VI, "Parlo a voi, glovanl...". Mi
lano 1970, p. 10).

2. É oportuno agora determo-nos um pouco sobre as


notas marcantes da juventude de ánimo ou de coracáo. — Quais
seriam?

Percorrendo a vasta bibliografía respectiva, encontra


mos numerosas tentativas de caracterizar o estado de ánimo
juvenil. Sem pretender esgotar o assunto, vamos abaixo assi-
nalar alguns — ou os principáis — tragos da juventude de
coragáo :

1) Capacidade de surpreender-se, de admirar, de inter


rogar curiosamente : «Como ? Por quS ? E depois ?. . . »

— 173 —
31 PERGUNTE E RESPONDEREMOS.* ltíO/l!)73

Com efeito; a admiracáo e a procura de resposlas consti-


tucm o ponto de partida da filosofía e do progresso do homem.
Quem é capaz de apreender a beleza e a tragicidade da vida,
cjuem acompanha o dinamismo da historia, sem ficar preso as
metas já atingidas, as nocóes adquiridas, as experiencias já fei-
tas, esse homem conserva o ánimo jovem. Ao contrario, tem o
ánimo envelhecido quem tende preponderantemente a revolver
o passado com nostalgia ou psssimismo, quem fica indiferente
aos acontecimcntos do presente, julgando que nada mais ha
que aprender...

2) Capacidade de abrir-se nos apelos du presente, nüo


receando palmilhar estradas novas e desconhecidas que o bom
senso e a fé apontem... Capacidad^ de superar o comodismo
e a preguiQ-a mental... Capacidade de olhar o passado para
compreender o presente e projetar o futuro... Capacidade de
aceitar o risco das atitudes claras e definidas que a sá razüo
v a fé sobrenatural inspirem... Capacidade de so empolgar
com os acontecimentos desafiadores e, até mesmo, com as
dificuldades que alguém experimenta quando tenta realizar
algo de generoso... Coragem .de fazer novas escolhas .semprc
que o bom senso e a fé o exijam para atender aos imperativos
da vida.

Visto á luz destas idéias, pode-se dizer que o Concilio


do Vaticano II (genuinamente entendido) foi pujante testemu-
nho da juventude da Igreja, que nao se quis fechar aos apelos
dos tempes atuais.

3) Fé nos valores auténticos : valores religiosos, cristúon


<• valores humanos. O jovem tem ideal, um objetivo na vida,
ao qual ele aspira a chegar e ao qual ele eré que chegará.
Esta fe se renova constantemente, após cada revés, dissabor
ou deccp.';áo. O jovom nao pode .ser cético, doscrenio, indife
rente. Principalmente o cristáo, que sabe estar a servicro do
plano de Deus, tem fé no valor da vida («Vale a pena viver!»)
c nos domáis valores que o Evangelho lhf? aponía, apesar d;is
contradices o incoeréncias que ole lunha <Ja enfrentar. O
cristáo de ánimo jovem sabe que «quasu tud<» w faz ¡le quíisc
nada» (cf. PR 122/1970, p. 49s); acredita no valor das peque
ñas acóes, realizadas com tenacidade, perseveranca, paciencia
(as quais podem chegar as raias do heroísmo que só Deus vé
e avalia).

A fé está muito ligada á magnanimidade, isto c, á quali-


dade de quem tem ánimo grande)... ánimo grande capaz de

— 174 —
JUVENTUDE, QUEM ÉS ? 35

superar toda pusilanimidadc ou mosquinhez encontradas na


estrada da vida. Quando se depara com pequenez, covardia
ou traigáo, o ánimo jovem coloca bondade e amor maiores, de
modo a absorver o mal ou vencer o mal com o bem
(cf. Rom 12,21).

4) Liberdade. • ■ Liberdade em nslagáo á cobica egoísta,


gananciosa e interesseira. O auténtico jovem nao pode ser
prisioneiro das coisas ou dos bens materiais. Quem «se amarra»
a determinado objeto, perde o ímpeto para agir e a abertura
aos apelos de Deus e dos homans. A liberdade do ánimo jovem
so exerce também em relacáo aos prazeres sensuais e brutals.

Tal liberdade, como se vé, está intimamente associada á

5) Disponibilidad»... O espirito de servico generoso ou


de conquista de metas nobres anima constantemente a quem
tenha o espirito jovem.

O Pe. Yves M.-J. Congar deixou, com o título «La jeunesse


de l'áme (A juventude da alma)», um retrato do ánimo jovem.
em notável artigo da «Ttevue des Jeunes» (15/1/1935, pp. 9-21).
Entre outras, ai merecem atencáo as seguint.es ponderales :

"O jovem nao deseja ser... um homem saturado, detldo em seu im


peto e preocupado apenas com o gozo de urna po3lcáo confortávet. Mas,
todo vottado para o futuro, almeja ser dominado e cativado por um Ideal,
regendo por este as suas atltudes e subordinando a esse Ideal os interesses
do dlnheiro e do comodlsmo. Esta ó a juventude da alma. SupSe sempre,
como a juventude da Idade, vigorosas torcas novas, aue aspiram a desa
brochar em beleza e fecundidade. A alma juvenil Iqnora o monótono tedio,
a Indiferenca tranquila de quem nao tem ideal... Permanece jovem o animo
que nSo se fecha em si mesmo, mas aue se abre para a vida, 9«istentado
pela fé e a esperanca de um porvir melhor, no qual o sol será mais belo.
Ao contrario, está envelhecldo o ánimo oue se dobra na desllusSo. A velhlce
da alma é um desencantamento, um dobrar-se do coracSo e do espirito,
urna Incapacldade de abertura e adaplacáo..., senslvel somente As como
didades da existencia e esvazlada de todo entusiasmo realmente generoso.

Quem é satlsfelto possuldor de coisas mediocres, perdeu a alilude


essencial da juventude: a abertura da alma aos grandes ideáis que mere
cem verdaderamente o dom entusiasta da pessoa humana".

Estas notas características foram concretamente vividas


por grandes vultos jovens da historia. Vamos abaixo citar o
tostemunho de um dentre muitos.

— 175 —
3Ü -PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 1Ü0/3973

2. Giovanni Papini: um depoimento

Giovanni Papini nasceu em Florería aos 9 Janeiro de 1881.


Foi jomalista desde a juventude. Defendeu, no plano da filo
sofía, o pragmatismo de William James e o intuicionismo de
Bergson, opondo-se ao positivismo. Tinha o genio de polemista
ardoroso e, como tal, procurou renovar a arte o a filosofía.
Em 1915, quis participar da guerra mundial como voluntario,
mas nao foi aceito pelas autoridades militares por nao ter a
saúde necessária. Retirou-se entáo para Pulciano (Toscana),
onde passou por crise espiritual, que o levou do ateísmo ao
catolicismo. Em agosto de 1919, comecou a escrever a sua
obra mais conhecida: «A historia de Cristo», que suscitou
vivas controversias. Em 1935, foi-lhe confiada a cátedra de
literatura italiana da Universidade ¿de Bolonha; mas a defi
ciencia de visáo ocular obrigou-o a renunciar-lhe.

Em 1952 foi acometido de paralisia e quase totalmente


destituido de visáo e palavra. Nao obstante, auxiliado por sua
neta, continuou a escrever artigos para o jornal «Corriere
della Sera», assim como seus últimos livros. Entre estes,
«II Diavolo (O Diabo)» provocou a desaprovacáo da Igreja, á
qual Papini se submeteu fielmente.

Pouco antes de falecer aos 8 de julho de 1956, ditou as


reflexóes intituladas «La felicita dell'infelios (A felicidade do
infeliz)», que Papini confiou á revista «Cittá di Vita» dos
Franciscanos de «Santa Croce>, para serem publicadas logo
após a sua morte como testamento espiritual de sua fe e
última mensagem dirigida ao mundo. Eis o notável texto :

«Fico surpreso, as vezes, por causa de tanta gente sur-


presa por ver a miaría calma no estado miserável ao qual
me reduziu a doenc.a. Perdí o uso das pernos, dos bracos,
das maos e tornei-me quase cegó e quase mudo. Nao posso,
portanfo, caminhar nem apertar a mao de um amigo nem
escrever sequer o meu nome. . . Mas é preciso nao menos-
prezar o que me ficou : é muita coísa e é melhor.

É verdade, sim, que as coisas e as pessoas me apare-


cem como formas indeterminadas e apagadas, quase como
fantasmas através de um véu de névoa cinzenta ; mas tam-
bém é verdade que nao estou condenado as trevas totais :

— 176 _
JUVENTUDE, QUEM ÉS ? 37

aínda consigo gozar da alegre invasáo do sol e da esfera


de luz que se irradia de urna lámpada. Posso também enxer-
gar de certo modo, quando se aproximam bem do olho di-
reito, as manchas coloridas das flores e os tragos de urna
fisionomki.

Nao é só isto. Tenho sempre a alegría de poder escutar


as palavras de um amigo, a leítura de urna bela poesía o>u
de urna bela historia; posso ouvir um canto melodioso ou
urna daquelas sinfonías que dao um calor novo a todo o ser.

E isso tudo nada é em comparac.ao dos dons aínda


mais divinos que Deus me deixou. Salvei, ainda que a prec.o
de guerras cotidianas, a fé, a inteligencia, a memoria, a
imaginacao, a fantasía, a paixao de meditar e de raciocinar
e aqueta luz interior que se chama ¡ntuicáo e ¡nspiracao.
Salvei também o afeto dos familiares, a amizade dos amigos,
a faculdade de amar até mesmo aqueles que nao conhec.o
pessoalmente, e a felícidade de ser amado por aqueles que
só me conhecem através das obras. E aínda posso comunicar
aos outros, embora com martirizante lentidao, os meus pen-
samentos e sentimentos.

Se eu pudesse mover-me, falar, ver e escrever, mas


tivesse a mente confusa e obtusa, a inteligencia entorpecida
e estéril, a memoria lacunosa e lenta, a fantasia esvaecida
e frouxa, o corasoo árido e indiferente, o meu infortunio
seria infinitamente mais terrível. Eu seria urna alma morta
dentro de um corpo inútilmente vivo. De que me serviría
possuir um linguajar inteligível, se eu nado tivesse a dizer?
Sempre sustentei a superioridade do espirito sobre a materia:
eu seria um burlador e falsario se agora, chegado ao ponto
da prova dos nove, mudasse de opiniao sob o peso dos
sofrimentos. Sempre preferí o martirio á imbeálidade.

E, já que estou em atitude de confissao, desejo ir além


do verossemelhante e atirar-me até o incrível. Os sifiais
essenciais da ¡uventiude sao tres : a vontade de amar, a

— 177 —
3S 'PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1973

curiosidade intelectual e o espirito agressivo. Nao .obstante


a minha idade e apesar dos meus achaques, sinto muito for-
temente a necessidade de amar e de ser amado ; tenho o
desejo insaciável de aprender coisas novas em todos os do
minios do saber e da arte, e nao fujo da polémica ou do
assalto quando se trata de defender os supremos valores.

Por muito que possa parecer ridiculo delirio, tenho a


temeridade de afirmar qu« me sinto ainda ho¡e carregado,
no ¡menso mar da vida, pela alta maré da ¡uventude» («La
felicita dell'infelice». Firenze, Vallecchi 1956, pp. 7-9).

O testemunho de Papini é altamente significativo. Merece


ser lido s relido, pois encarna exatamente tudo quanto foi dito
até aqui em termos abstratos. Constituí a auténtica imagem
da juventude conservada até o fim da vida. Se outrora tivés-
semos perguntado a Papini qual a forca que o sustentava táo
juvenil, ele nos fceria respondido que nao somente a filosofía e
o bom senso, mas também, e principalmente, a fé em Cristo o
revigorava interiormente. Nenhuma mensagem é táo possante
quanto o Evangelho para entreter a forca de alma e nenhuma é
táo viva quanto a vida de Cristo, que padecen, morreu e ressus-
citou precisamente para comunicar aos seus discípulos a vitória
sobre o sofrimento e a morte. Por isto dizia muito a propósito
S. Agostinho; «Procurai, ó jovens, o Cristo, para que perma-
negais jovens ! » (sermáo XLTV),... esse Cristo que Paulo
VI, em sua mensagem aos jovens por ocasiáo do encerramento
do Concilio, chamou «o Grande Vívente, o Cristo eternamente
jovem».

A guisa de subsidios para explanar ulteriormente o assunto, se|am


citados:

"La giovinezza é una stagione del cuore", em "La Civiltá Catlolica"


n? 2937, 4/XI/72, a. 123, pp. 209-214.

Yves M.-J. Congar. "La ¡eunesse de l'áme", em "Revue des jeunes".


15/1/1935, pp. 9-21.

"Ensinamentos de Paulo VI em 1970". Cittá del Vaticano, dlstribuicáo


pela Ed. Vozes de Petrópotis, 1972.

PR 135/1071, pp. 122-127 (diversos conceitos de juventude).

PR 148/1972, pp. 184-191 {jovens e Igreja).

— 178 —
Eco a artígos anteriores :

ainda as "igrejas brasileiras11:


aspectos jurídico-legais

Em PR 159/1973 publicamos a Carta Pastoral do Episco


pado Paulista concernente ás «igrejas brasileiras», assunto já
explanado em PR 54/1962, pp. 303-310 e 149/1972, pp. 218-228.
A essa Carta, que, datada de 8 de dezembro de 1972, abordava
aspectos históricos, teológicos e pastarais do problema, seguiu-
-se um artigo do Dr. Ataliba Nogueira, Professor emérito da
Universidade de Sao Paulo, publicado no semanario «O SAO
PAULO» (23/XII/1972, p. 20). Este ulterior documento consi
dera aspectos juridico-legais da qusstáo das «igrejas brasilei
ras», evidenciando que tais instituigóes nao tem, perante a
própria lei civil brasileira, o direito de funcionar como estáo
funcionando.

É o estudo do Dr. Ataliba Nogueira que abaixo transcre-


vemos :

As «¡grejas brasileiras» infringem a lei e o direito

"A recente Carta Pastoral dos bispos da Provincia Ecle


siástica de Sio Paulo veio esclarecer, mais urna vez, os fiéis
sobre as atítudes da chamada 'igreja católica apostólica bra
sileira'. Alias, dividida hoje em numerosas 'igrejas brasileiras'.

Nenhuma lealdade há em substituir 'romana' por 'brasi


leira', pois o que desejam é que haja mesmo confusao entre
a Igreja Católica, que é a da maioria do oovo brasileiro, e as
diversas faccóes que enganam mullos fiéis.

Em direito há urna palavra que define bem a atitude des-


sas igrejas: é malicia. Ao contrario do que possam supor, a
expressio é forte, pois reconhece, em todos os seus atos, a
fraude, a vontade de fraudar, de engañar, de fazer-se passar

— 179 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> KiO/1973

por romana, quando o que faz é afrontar a Igreja verdadeira,


insinuando-se sorrateíramente entre os fiéis cristáos. É mali
ciosa a 'igreja brasileira'.

Dizem os franceses: Le mal ne veut pas chasser le bien,


¡I veut seulement cohabiter avec lui.'

O direito constitucional

A Igreja Católica Romana mantém as melhores relacdes


com as outras confissóes religiosas, tanto cristas quanto nao
cristas, respeitadoras do culto, dos ritos, símbolos e outras
características da Católica Romana.

Convivem na inteira accepcáo do vocábulo ecuménico.


Convivencia fraternal e pacifica, muitas vezes se reunindo sob
o mesmo teto. Cada qual délas faz questáo de guardar a sua
indtvldualidade, de mostrar que se nao confunde com a Igreja
Romana.

Históricamente vieram para o Brasil muito depois de aquí


estar a Igreja Romana e com ela nao querem confundir-se.

Por que entáo a 'igreja brasileira' procede em sentido intei-


ramente oposto ás demais confissóes religiosas, buscando lu-
dibriar os fiéis católicos ? Estes conhecem a sua religiáo há
quase cinco séculos. Buscam-na em todos os momentos, prin
cipalmente ñas alegrías e tristezas, ao nascer um filho, ao
casar, ao dar grapas a Deus, ao socorrer o enfermo e o mori
bundo, ao sufragar a alma dos entes queridos falecidos.

Pois a 'igreja brasileira', com reconhecida malicia, nao


quer afastar os fiéis da sua Igreja centenaria, mas dar-lhes a
¡mpressáo de que é a mesma Igreja que buscam. Sao 'padres',
sao 'bispos'; sao templos e altares, pias batismais, sacrários ;
sao vestes e outros paramentos; sao formularios; sao os ritos,
os símbolos, os sacramentos, os santos, as festividades. Tudo
para dizer ao fiel cristáo que se trata da Igreja de seus ante-
passados, da Igreja que eles querem. Pura mentira e misti-
fícacáo.

' Isto é: O mal nao quer expulsar o bem; quer apenas coabitar com este.

— 180 —
AÍNDA AS «IGREJAS BRASILEIRAS» 41

Por certo que interfere aquí o direito. A comecar do pre-


ceito constitucional: 'é plena a liberdade de consciéncia e fica
assegurado aos crentes o exercicío dos cultos religiosos que
nio contrariem a ordem pública e os bons costumes' (Const.
Federal de 1969, art. 153, § 59).

A expressao constitucional 'ordem pública' significa que


os cultos religiosos, que gozam de plena liberdade, sao aque
les que respeltam a ordem jurídica e, pois, nao ofendem direi-
tos, nao querem engañar, ludibriar ninguém; nao desejam
usurpar direitos de outrem. Nao assumem posicoes capciosas
e sofísticas, ardilosas e fraudulentas.

Ora que fazem as 'igrejas brasileiras* se nao pretendem


passar por 'romana' ?

Pode o direito tolerar o exercício de cultos religiosos que


sao apropriacáo dolosa do culto de outra religiáo ?

A prótica constitucional

A materia já foi apreciada, quer na esfera federal, quer


na estadual.

Em requerimento do finado arcebispo do Rio de Janeiro,


Dom Jaime de Barros Cámara, o entáo Presidente da República
submeteu o exame do caso primeiramente ao Consultor-Geral
da República, um dos maiores juristas patrios, o Professor
Haroldo Valadáo.

Extraímos do seu fundamentado parecer o tópico seguinte:

'Cabe á autoridade civil, no exercício do seu poder de


policía, atendendo ao pedido que foi feito pela autoridade com
petente da Igreja Católica Apostólica Romana e asseguran-
do-lhe o livre exercício do seu culto, impedir o desrespeito
ou a perturbacáo do mesmo culto, através de manifestacóes
externas, quais procissóes, missas campáis, cerimónias em
edificios abertos ao público, etc., quando praticadas pela Igreja
Católica Apostólica Brasileira com as mesmas insignias, as
mesmas vestes, enfim o mesmo rito daquela' (Haroldo T. Va
ladáo. Pareceres do Consultor Geral da República, v. III, CXIX,
P. 41).

— 181 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 160/1973 _

O parecer do Consultor Geral foi aprovado pelo Presidente


da República e publicado, com a respectiva aprovacao, no
Diario Oficial. Tornou-se assim normativo para todas as auto
ridades e funcionarios federáis. Quer dizer que Ihes constituí
norma obrigatória de comportamento.

Dirlgiu-se a 'igreja brasileira' ao Tribunal Federal de Re


cursos, logo no primeiro caso em que as autoridades federáis
Ihe impediram o exercicio público do culto com o mesmo rito,
as mesmas vestes e pretendendo misturar os mesmos sacra
mentos da Igreja Romana. Perdeu o recurso.

Em novo exame da questáo, o Consultor Geral da Re


pública exarou parecer análogo ao anterior. Nele se té: 'O
Presidente da República, deferíndo o requerimento da Igreja
Católica Apostólica Romana e impedindo que a Igreja Cstólica
Apostólica Brasileira, que nao tem culto próprio, exerca o culto
daquela, está cumprindo o artigo 141 § 79, assegurando á
Igreja Católica Apostólica Romana o direito de livre exercicio
do seu culto e nao está violando o artigo 31 n? II, urna vez
que nao está embarazando o exercicio do culto da Igreja Ca
tólica Apostólica Brasileira, que nao tem culto próprio a ser
embarazado, mas facilitando e garantindo o exercicio do culto
romano, culto da Igreja Católica Apostólica Romana, embara-
cado pela igreja católica apostólica brasileira... O fato de
ter a igreja do impetrante (isto é, a igreja brasileira) escolhido
e adotado e, a seguir, exercitado (e aínda pretende exercer) o
culto romano da Igreja Católica Apostólica Romana, é aten
tado efetivo ao livre exercicio do culto desta última, que a
Constituicao Federal... manda Ihe seja assegurado pelo poder
público... (cf. o mesmo volume dos Pareceres, p. 47).

Incansáveis, os dirigentes da 'igreja brasileira' foram bater


ás portas do Supremo Tribunal Federal, cuja decisao deixou
claro que nao é permitida a usurpacao do culto católico
romano pela 'igreja brasileira' (acórdáo no habeas-corpus
n? 4.200).

No Estado de Sao Paulo


Em face da repressáo policial, também foi suscitada a
questio no Estado de Sao Paulo. O Secretario da Seguranza
Pública, em 1958, solicitou parecer ao ilustre Dr. Gualter Go-
dinho, entáo Consultor jurídico da Secretaria e hoje Presidente
do Tribunal da Justiga Militar no Estado de Sao Paulo.

— 182 —
aínda as «igrejas brasileiras» 43

No seu parecer, analisa os fatos em face do preceito cons


titucional da liberdade de imprensa. Alude principalmente ás
vestes, cerimónias, nomenclatura, imagens de santos. E, fun
dado no poder de polícia que compete ao Estado, concluí pelo
fechamento de 'tais igrejas'.

Aprovado pelo Secretario de Seguranca Pública, determi-


nou a mesma alta autoridade que a conclusáo do parecer fosse
aplicada normativamente em todo o Estado (Processo n? 9950,
de 1958, parecer n? 259, de 17 de junho de 1958).

Fato estranho

Pouco antes da hora de salda do enterro do ilustre Pre-


felto Prestes Mala, surgiu na cámara ardente um 'bispo', re
vestido de paramentos pontificáis. Quando se dispunha a fazer
a encomendagao do cadáver, para all é levado, por pessoa
da familia do morto, Monsenhor Deusdedit de Araujo.

Assim que o 'bispo' viu o pároco das Perdizes, tirou a


mitra da cabeca e saiu apressado. É que Monsenhor Deusdedit
era amigo do morto, havia celebrado seu casamento religioso
e, a seu pedido, ministrado os sacramentos da Igreja.

Vé-se até que ponto chega a malicia e mistificarlo da


'igreja braslleira'.

Além disto, ela infringe a lei e viola o direito".

Este interessante documento vem esclarecer a situagáo


jurídica das «igrejas brasiteiras», que se tém prevalecido da
boa fé e da exigua cultura religiosa do povo brasileiro para se
propagar. Tal artificio, a mais de um título, ai está a solicitar
a intervencáo das autoridades responsáveis pela ordem pública.

Estévao Bettencourt O.S.B.

— 183 —
livros em resentía
Vem e vé. A vocacSo na Biblia, pelo Pe. Geraldo Pennock. Edi
tora Vozes, Petrópolls 1972, 135 x 210 mm, 117 pp.

O autor apresenta treze capítulos em que narra a vocacáo e os


íeitos de personagens bíblicos: Abraáo, José do Egito, Moisés, Sa
muel..., terminando com SSo Paulo e María SS. — A esta expía-
nacáo bíblica acrescenta um capitulo sobre a vocacáo na Biblia em
geral (onde salienta as notas típicas do chamado de Deus e da res-
posta do homem) e urna conclusáo.

O livro será muito útil. Em cada um dos treze mencionados


capítulos, o autor apresenta a narracáo bíblica em estilo simplifica
do e scm comentarios, fornecendo assim material para a reflexáo de
estudantes, leigos cristáos, Religiosos, sacerdotes. Em colegios, esco
las e Seminarios haverá especial interesse em aproveitar tais capí
tulos.

Na conclusáo final, o autor salienta muito a propósito que todos


os fiéis católicos tém urna vocacáo ou um chamado da parte de Deus.
Esse chamado nao os dirige apenas a afazeres profissionais ou téc
nicos, mas k construcao do Corpo de Cristo e da Igreja através do
apostolado. Nao somonte os Sacerdotes e os Religiosos receberam
urna missáo eclesial, mas todos os membros da Igreja — mesmo os
leigos — estáo, do seu modo, obrigados a se Interessar pelo cresci-
mentó do Corpo Místico.

Apenas parece conveniente fazer urna observacáo a dizeres da


p. 170 do livro: o autor nota que, na Biblia, o casamento vem a ser
«a condigao necessária para a realizacüo vocacional do individuo cha
mado». Isto é verdade, porque a grande maioria dos casos de vocacáo
na Biblia se deu no Antigo Testamento, onde nao se podía compreen-
der o celibato ou a virgindade por amor do Reino dos céus (o Salva
dor fora prometido como filho de Abraao e de sua descendencia).
No Novo Testamento, porém, a comegar pela figura de Maria, a
virgindade e a vida una, indivisa, sao exaltadas como dons ou voca-
C6es especiáis de Deus (cf. 1 Cor 7, 25-34.38). A Tradicáo crista no
Ocidente deduziu das palavras de Sao Paulo que o estado ideal para
o ministerio sacerdotal é o celibato. Vale a pena dizer também isto.

E.B.

A oracSo, por Cerfaux, Hamman, Cognet, Lepargneur, Rega-


mey, Delchart. Traducáo de Luís Joáo Gaio. Colecáo «Oracáo e acáo»
nova serie, tí> 1. — EdicSes Paulinas, Sao Paulo 1972, 110 x 190 mm,
222 pp.

A contemplacáo hoje, por Rene Voillaume. Traducáo de Adaíl-


ton Gomes Ferreira. Colecáo «Oracáo e acáo» nova serie, n' 2. — Ed.
Paulinas, SSo Paulo 1972, 110 x 190 mm, 60 pp.

Cristo e os homens diante da tenta$So, por Ladislaus Boros. Tra


ducáo de Clemente R. Mahl e Luís J. Gaio. Colecáo «Oracao e acáo»
nova serie, n* 3, 110 x 190 mm, 120 pp.

— 184 —
As Edigóes Paulinas sao beneméritas, entre outros títulos, por se
intcressarem com afinco por temas de espiritualidade. Depois da
primeira serie «Oragao e aguo» (na qual apareceram livros de gran
de valor, como «Procurei na escuridáo» de Jacques Loew, «Com
Cristo Jesús» de Rene Voillaume), deu inicio a nova serie encabe-
cada pelas obras ácima mencionadas.

A primeira délas é uma obra coletiva, na qual se estudam, an


tes do mais, as fontes da oragüo : os ensinamentos bíblicos do Antigo
c do Novo Testamento sao apresentados ao leitor, assim como as
expressoes de oragao do Cristianismo inicial, máxime como apare-
cem ñas cartas de Sao Paulo. — A seguir, vem um estudo sobre os
grandes principios teológicos da vida de oragao: é exposta a doutri-
na de S. Tomás de Aquino sobre a oragáo, ao que se acrercentam
algumas observagoes sobre a oragao crista e as condlgdes de vida
íavoráveis á oragao. O conjunto se termina com reflexSes sobre a
harmonía entre vida de oragáo e vida apostólica. — A obra tem valor
nüo somente para Religiosos, mas também para leigos.

No livro «A contemplagao hoje», o Pe. Voillaume, quo é o pri-


meiro Superior Geral da Congregacáo dos Irmaozinhos de Jesús,
intenciona mostrar que a oragüo é um elemento vital para o cris-
táo: «é a manifestagao de uma vida que nos foi dada, de uma vida
que quer crescer, que quer desabrochar...» (p. 26). A contempla-
qüo nao é senáo uma realizagáo alta e densa da oragáo; está na linha
do dasenvolvimento normal da vida batismal; pode ser vivida nao so-
mente na clausura de um convento, mas também no século e na
vida de apostolado. Os discípulos do Padre de Foucauld procu:am
justamente realizar esFe ideal adaptándose aos tipos de vida <las
pessoas pobres e dos, operarios em meio aos quais vivem. — Livro
que merecerá atengáo, da parte dos cristáos que desejam vivar cons
cientemente a sua vocagao de cristüos.

Ladislaus Boros analisa, na sua obra, a tentagáo de Cristo des


crita por Mt 4,1-11. Procura entrever os tragos marcantes da perso-
nalidade de Cristo que através desta cena se esbogam, e mostia como
o caminho trilhado por Cristo é o de todos os seus discípulos. O livro
contém contení uma serie de observagóes e normas preciosas para o
progresso na vida espiritual, baseandose sempre em sólida visáo teo
lógica, longc de sentimentalismo.

Jesús, o Fillio do Homcm, por Gibran Khalil Gibran. Tradugáo


e apresentacáo de Mansour Chalita. Colegáo «Biblioteca do leitor mo
derno» n' 70. — Ed. Civilizagño Brasileira, Rio de Janeiro 1972, 3a.
edigño, 135 x 210 mm, 201 pp.

Khalil Gibran tornou-se famoso por suas obras de filosofía po


pular. Originario do Líbano, viveu nos Estados Unidos da América,
onde escreveu contos e pequeños tratados de reflexáo era inglés. O
scu pensamento nao se filia nem ao islamismo nem ao cristianismo;
tem um qué de panteísmo; além do que, admite a transmigragáo das
almas ou reericarnagao. Uma de suas grandes preocupagoes é a ques-
tüo social; revoltado contra a opressao dos pequeños, parece ter-se
inspirado um tanto em Voltaire e J.J. Rousseau.

O interesse de Gibran por Jesús, em grande parte, se deve a


que no Evangelho Gibran encontrou a ligao do amor aos pequeños, a
condenagáo dos avaros e fariseus, a pregagáo da justiga e da bondade.
Jesús se lhe afigurou como um revolucionario, que continua a susci
tar reformadores da sociedade e libertadores.
Gibran nao aceita a Divinclade de Cristo, mas vé no Senhor
apenas o homem Jesús. Esse homem Jesús, o autor árabe o teria con
templado nos tempos mesmos de Cristo, quando Gibran vivia urna
de suas encarnacóes anteriores á deste século; ele o teria visto tam-
bém em 1928 numa visüo noturna. Foí cm conseqüéncia desta última
que Khalil resolveu escrever a sua paráírase sobre a vida de Jesús.
O Hvro assim oriundo só canta louvores do Jesús; todavía procede em
estilo fantasista e arbitrario. Serve-se de textos do Evangelho e dos
apócrifos para descrever a vida de Jesús «a seu modo», ou seja, em
termos assaz romanceados. A narracüo dos diversos episodios dessa
biografía é atribuida a personagons variados, como Ana a müe clu
ManáT^A'gSaf, Filcmon, um filósofo persa de Damasco, o astrónomo
Babilonia, o lógico Elmadá... O livro assim so revesie

o vihho é sangue (segundo o próprlo Jesús); cf. p. 184. A ressur-


reigao do Sensor é entendida figuradamente: «...Com a morto, Jesús
venceu a morte e ergucu-se do túmulo, um espirito e um poder. E ca-
(n-inhou em nossa solidüo e visitou os jardins de nossa paixáo* (p.l94i.

■, ' • Ern suma, o livro nao tem valor teológico nem exegético, mas
ag»'adJR^tom..".p;<Juco' proveito auténticamente; religioso, a muitos lelto-
. • resí-Sfní^ii'ara desejárque tal obra despertasse nos scus dientes ao
. menóstb^oslo de conhecer melhor os Evartgelhos e o auténtico Cristo
vivo-ná^SV1 Igr'eja Católica. ;

«... O que nos chamamos prudencia, Senhor, faltou


a todos os teus santos: eles distribuiram sem se poupar; eles
se atiraram impetuosamente para diante, sem olhar para
tras. Eles correram, com as velas totalmente desdobradas e
as asas entregues aos ventos das tuas tempestades; e, sem
prudencia, eles ultrapassaram todas as realizares das nos-
sas prudencias. É que Tu os seguravas pela mao; Tu os guia-
vas através de todas as advertencias dos nossos estreitos
acautelamentos. Sim; és Tu mesmo que nos arrancas inces-
santemente á bela quietude dos nossos dias transbordantes
de luz; és Tu que nos impeles sem cessar para dentro da
noite. Tua constante lic,5o nos ensina que as nossas noites
saem das trevas».

Peter Lippert, S. J.

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