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Uropediatria
Capítulo 49
Refluxo vesicureteral
Refluxo vesicureteral é a anomalia urológica mais do refluxo vesicureteral (Figura 1). A utilização de
comum na população pediátrica e tem sido relatada substâncias radioisotópicas na cistografia direta pode
em 30% a 50% dos pacientes que se apresentam com diagnosticar casos que não puderam ser detectados
infecção urinária. A sua incidência, na população geral, com a cistografia clássica, utilizando o método
é estimada em cerca de 1%. A associação entre refluxo radiológico tradicional. A cistografia com radioisó-
vesicureteral, infecção urinária e lesões renais signifi- topos tem a desvantagem de não permitir a gradação
cativas é bastante conhecida. A nefropatia de refluxo
é reconhecida como uma das maiores causas de insu-
ficiência renal em crianças e adultos jovens. Na maioria
dos pacientes ocorre antes dos 3 anos de idade. A
natureza hereditária e familiar é bem reconhecida nos
dias de hoje. Diversos estudos têm mostrado que
parentes de uma criança que tem refluxo vesicureteral
têm uma chance significativamente maior de desen-
volver a doença que a população em geral, chegando
a índices superiores a 30%, necessitando, portanto,
de avaliação adequada.
Os três mecanismos considerados como principais
na etiologia de escaras renais são:
1) Refluxo de urina infectada até o rim, levando à
inflamação intersticial e dano renal;
2) Refluxo estéril, normalmente de alto grau, que
pode lesar o rim por meio de um mecanismo
imunológico ou mecânico; e
3) Desenvolvimento embriológico anormal com
surgimento de displasia renal.
Diagnóstico
Figura 1: A cistografia miccional continua sendo o padrão ouro
A cistouretrografia miccional continua sendo o no diagnóstico do refluxo vesicureteral. Permite melhor definição
método mais confiável para o diagnóstico de certeza anatômica
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mados em alta pressão e com isto colocar em risco o conservadoramente e possuem uma chance de
parênquima renal com a possibilidade de formação resolução espontânea na sua quase totalidade;
de escaras. A análise adequada dos hábitos miccionais Refluxo grau IV tem uma chance menor que o
da criança, tentando identificar instabilidade do de- grupo anterior, mas deve sempre ser inicialmente
trusor e dissinergia vesicoesfincteriana, é de grande tentado o tratamento conservador, podendo ser
importância. A avaliação dos hábitos intestinais indicada a cirurgia na falha deste;
tentando detectar e corrigir constipação intestinal Refluxo grau V tem mostrado baixíssimo grau de
também tem um papel significativo no manuseio da resolução espontânea e deve preferencialmente ser
criança portadora de refluxo vesicureteral. tratado cirurgicamente.
168
Leitura recomendada
1. Smellie JM, Jodal U, Lax H, Mobius T T, Hirche H, Olbing
H. Outcome at 10 years of severe vesicoureteric reflux
managed medically. Report of the International Reflux Study
in Children. J Pediatr, 139: 656, 2001.
2. Medical versus surgical treatment of primary vesicureteral
reflux: report of the International Reflux Study Committee.
Pediatrics, 67: 392, 1981.
3. Ferrer FA, McKenna PH, Hochman HI, Herndon A. Results
of a vesicoureteral reflux practice pattern survey among
American Academy of Pediatrics, Section on Pediatric
Urology Members. J Urol, 160: 1031, 1998.
4. Cooper CS, Chung BI, Kirsh AJ, Canning DA, et al. The
outcome of stopping prophylactic antibiotics in older children
with vesicureteral reflux. J Urol, 163: 269, 2000.
5. Elder JS. Peters CA, Arant BS Jr., Ewalt DH, Hawtrey CE,
Algoritmo para manuseio do paciente com suspeita de refluxo Hurwitz RS, et al. Pediatric vesicoureteral reflux guidelines
vesicureteral panel summary report on the management of primary
vesicoureteral reflux in children. J Urol, 157: 1846, 1997.
169
Capítulo 50
Hidronefrose antenatal
171
derivação: oligoidrâmnio prolongado, cistos renais meiras 24-48 horas em função da oligúria transitória
corticais, área pulmonar reduzida e circunferência do neonato. Idealmente deve ser feita após 72 horas
abdominal e torácica diminuída. de vida. O tamanho do rim, o grau de caliectasia e
Uma visão contrária a esta e defendida por outros espessura parenquimatosa e a presença ou ausência
é a de que, nos casos em que se promove uma deri- de dilatação ureteral devem ser verificados. O grau
vação urinária fetal, isto é feito muito tarde e naqueles de hidronefrose pode ser estimado de acordo com
de pior prognóstico. O autor baseia-se no fato de que a classificação da Sociedade Fetal de Urologia. A
os fetos que desenvolvem ascite urinária e/ou rotura bexiga deve ser cuidadosamente avaliada, a fim de
renal, e assim descomprimem naturalmente a via se afastar válvula de uretra posterior, com especial
urinária, apresentam melhor prognóstico quanto à atenção à espessura vesical, dilatação ureteral e
função renal. Especula-se que fetos com bexigas esvaziamento inadequado e presença de resíduo. A
permanentemente distendidas devam ser derivados constatação de lesão cística intravesical permite
já por volta de 20 semanas, como forma de melhor diagnóstico de ureterocele.
abordagem preventiva para minimizar os danos renais
futuros. Todavia, esta idéia precisa ser confirmada em Uretrocistografia miccional
protocolo científico para ser aceita. Deve ser realizada já no berçário quando a suspeita
clínica de válvula de uretra posterior for consistente.
Conduta no recém-nascido Sexo masculino
com hidronefrose antenatal Bexiga de paredes espessadas e líquido amniótico
reduzido. Este exame permite também afastar reflu-
Berçário xo vesicureteral, que pode acompanhar secunda-
riamente uma obstrução infravesical. Nos demais
No nascimento, a inspeção abdominal é feita para
casos, este exame pode ser feito ambulatorialmente
detectar presença de massa, geralmente secundária a
após 30 dias de vida.
rim multicístico displásico ou estenose da JUP. Nos
casos de válvula de uretra posterior, é comum a
palpação de massa do tamanho de uma noz na região Seguimento e conduta
suprapúbica, representando a bexiga distendida. A
monitoração da creatinina sérica deve ser feita, em No caso de hidronefrose bilateral ou unilateral em
especial nos casos de hidronefrose bilateral. No rim único, é fundamental o acompanhamento da
nascimento, a creatinina do recém-nascido é idêntica à creatinina sérica e eletrólitos. Nos casos de hidro-
da mãe, sendo que após uma semana ela deve chegar nefrose secundária a refluxo vesicureteral, a antibio-
a 0,4 mg/dL, exceto nos prematuros, nos quais a ticoterapia profilática deve ser iniciada imediatamente.
creatinina só regride após 34-35 semanas pela Nos casos de hidronefrose unilateral e rim contra-
imaturidade renal fetal até então. Os pacientes neonatos lateral normal, não são comuns as alterações nos
com hidronefrose estão em risco para ocorrência de eletrólitos e na creatinina.
infecções do trato urinário e devem receber profilaxia Nestes casos, o acompanhamento radiológico
antibiótica com amoxicilina 50 mg/dia ou cefalexina pode ser postergado para após quatro a seis semanas,
50 mg/dia. Com dois meses, a profilaxia é modificada quando em decorrência da maior maturidade fetal
para sulfametoxazol-trimetropima. os exames venham a ser mais fidedignos. Se tanto o
A avaliação radiológica deve ser feita antes do ultra-som como a uretrocistografia miccional forem
recém-nascido ser dispensado do hospital. O ultra- normais, apenas um novo controle ultra-sonográfico
som renal seriado, uma uretrocistografia renal (UCM) deve ser realizado após seis a oito semanas.
e um renograma com diurético ou eventualmente uma O renograma com diurético é usado para definir
urografia excretora permitem guiar o diagnóstico. obstrução do trato urinário superior. Em geral, é
Ultra-sonografia renal aplicado nos casos de hidronefrose graus III e IV e,
ocasionalmente, grau II.
Deve ser realizada preferencialmente após o Considera-se que este exame seja superior à urografia
nascimento, lembrando-se que um sistema coletor excretora em recém-natos e lactentes, uma vez que a
dilatado ou obstruído pode parecer normal nas pri- imaturidade fetal impede uma boa visualização da via
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excretora na urografia. Além do mais, a interposição protocolo pela Sociedade Fetal de Urologia e pelo
gasosa impede maior detalhamento do sistema coletor. Clube de Medicina Nuclear Pediátrico, o assim cha-
Finalmente, o renograma com diurético permite mado renograma bem temperado, para que o exame
melhor análise funcional e relativa das unidades renais. fosse mais bem sistematizado.
Como limitações do renograma com diurético de-
vem ser lembradas: a imaturidade renal nos recém-
nascidos, a desidratação prolongada e a dose insufi-
Leitura recomendada
ciente de diurético – o refluxo vesicureteral deve 1. Antenatal hydronephrosis: evaluation and outcome. Cooper
CS. Curr Urol Rep. 1-Apr-2002; 3 (2): 131-8.
implicar a colocação de sonda vesical de demora 2. Antenatal hydronephrosis. Fetal and neonatal management.
para não termos interferência nos resultados do Elder JS. Pediatr Clin North Am. 1-Oct-1997; 44 (5):
exame. Desta forma foi necessário estabelecer um 1299-321.
173
Capítulo 51
Válvula de uretra posterior
175
176
Leitura recomendada
1. Close CE, Mitchell ME. Posterior Urethral Valves. In: Urology Philadelphia, Saunders. 2207-30, 2002.
Gearhart JP, Rink RC, Mouriquand PDE. Pediatric 4. Smith GHH, Canning DA, Schulman SL, Snyder HM,
Urology. Philadelphia, W.B. Saunders Co. 595-605, 2001. Duckett JW. The long term outcome of posterior urethral
2. Holmdahl G, Sillén U, Bachelard E, Hansson E, Hermansson G, valves treated with primary valve ablation and observation.
Hjälmäs K. Bladder dysfunction in boys with posterior urethral J Urol 1996; 155: 1730-4.
valves before and after puberty. J Urol 1996; 155: 694-8. 5. Smith GHH, Duckett JW. Urethral lesions in infant and
3. Gonzales ET. Posterior Urethral Valves and other Urethral children. In: Gillenwater JY, Grayhack JT, Howards SS,
anomalies. In: Walsh PC, Retik AB, Vaughan ED, Wein AJ, Duckett JW. Adult and pediatric urology. St. Louis,
Kavoussi LR, Novick AC, Partin AW, Peters CA. Campbell’s Mosby: 2411-43, 1996.
177
Capítulo 52
Criptorquidia
179
sensu, pode apresentar alguma dificuldade. Isto porque, culos com vícios de migração variou muito através
nas crianças de baixa idade, só a ameaça ou tentativa de do tempo. A microscopia eletrônica possibilitou
palpação pode despertar grande reação no paciente. identificar lesões testiculares antes não identificadas,
Por esta razão recomenda-se inspecionar a bolsa antes fato que gerou uma corrida para antecipar a orquio-
de palpá-la e sempre fazê-lo ao lado dos pais, em ambi- pexia, hoje recomendada antes do primeiro ano de
ente próprio, com calma e mãos aquecidas. Sempre vida. Só o tempo dirá do acerto de tal medida, pois
que não se palpa testículo na bolsa ou na sua vizinhança, estas gônadas podem ser disgenéticas desde a sua
é imperioso tentar localizá-lo nas zonas de ectopia, ou formação, e o esforço da antecipação poderá ter
seja, no subcutâneo da região inguinal, crural e perineal. sido inócuo.
Existe uma condição em que a gônada habita a bolsa Não se discute a utilidade, a conveniência e a
de forma intermitente, por isso é conhecida como testí- oportunidade do uso de gonadotrofina coriônica, ou
culo retrátil ou migratório, condição resultante de um de análogo liberador desta, GnRH, nos vícios de
reflexo cremastérico exaltado, em que, às vezes, a simples migração testicular bilateral, mas sempre se discutiu e
manifestação do desejo de examinar a bolsa pode ser se discutirá ainda por muito tempo o seu emprego
estímulo suficiente para despertá-lo. No entanto, respei- nos casos unilaterais. Isto porque é mais fácil admitir
tando-se o limite do aceitável, deve-se insistir na palpação que nestes casos tenha havido alguma razão mais de
para avaliar-se a mobilidade do testículo, o comprimento ordem mecânica que hormonal que tenha impedido
do cordão espermático e as características do testículo a descida. Questiona-se, portanto, porque o hormônio
em questão. Estas informações preliminares são muito teria sido suficiente para promover a descida de um
importantes, permitem projetar o grau de facilidade lado, e não a do outro. No entanto, não faltam refe-
ou dificuldade do ato cirúrgico e devem ser transmitidas rências de casos unilaterais que, após tratamento
aos responsáveis, mas não dispensam uma reavaliação medicamentoso, atingiram a bolsa testicular, razão pela
sob anestesia. qual, mesmo nesta condição e se feito com prudência,
pode ser tentado.
Nos casos bilaterais, estaria sempre indicado um
Exames complementares
tratamento medicamentoso antes do cirúrgico, pois é
Aqueles de imagem são pouco úteis na tentativa de fácil admitir que os testículos não tenham migrado por
localização dos testículos intra-abdominais, ou seja, os estímulo hormonal deficiente. A dose varia com a idade,
criptorquídicos propriamente ditos. No caso de não com a droga e o esquema com a via de administração
serem palpados bilateralmente, há que se fazer um da mesma. Se a droga for a gonadotrofina coriônica, a
estímulo com gonadotrofina coriônica para se distin- via é intramuscular, podendo-se administrá-la em uma
guir qualquer vício de migração de agenesia. Quando única injeção semanal durante cinco semanas. De forma
tratar-se de criptorquia, haverá aumento do LH, FSH simplificada, a dose recomendada para crianças menores
e da testosterona, mas, no caso de agenesia, não. Este de um ano é 500 U; entre 1 e 5 anos de idade, 1 mil U
teste não tem valor para o não-palpado unilateral, pois e, acima de 5, 2 mil U; lembrando-se que não se deve
o testículo tópico responderá ao estímulo com au- exceder 12 mil U em cada ciclo de gonadotrofina
mento daqueles hormônios, ou seja, poder-se-á pensar coriônica. Os análogos podem ser administrados sob a
que, apesar de não-palpado, ele existe, quando em forma de spray nasal.
realidade pode ser um caso de agenesia. Em um pas-
O fato de ser testículo retrátil e ficar mais fora da
sado relativamente recente, indicou-se a videolapa-
bolsa que dentro dela, desperta muita ansiedade nos
roscopia como método propedêutico para localizá-
familiares, que questionam o médico sobre os riscos
lo, porque muitos dos não-palpados não existiam, ou
imediatos e tardios desta condição. Em razão de
seja, não se justificava uma inguinotomia exploradora
ampliada em cerca de 30% dos casos. serem mais sujeitos à torção e não se poder dar certe-
za absoluta sobre o potencial de fertilidade de qual-
quer criança, parece prudente fazer a fixação profi-
Tratamento lática destes testículos.
Em resumo, a orquiopexia estaria indicada para
Em razão do aprimoramento dos critérios de ava- os casos uni ou bilaterais e que não responderam
liação, sejam psicológicos, histopatológicos, de fertili- ao tratamento medicamentoso com gonadotrofina
dade e degeneração maligna, o tratamento dos testí- coriônica. Como foi dito, a cirurgia tem sido cada
180
vez mais antecipada, mas os benefícios desta ante- o posicionando temporariamente no subcutâneo das
cipação estão para serem reconhecidos. Se, no que regiões inguinais, mas que seja acessível à inspeção,
se refere à fertilidade, poderá ter sido inócua, o mes- palpação e exames de imagem.
mo não se diga da orquiopexia tornar a gônada
acessível à inspeção, palpação ou estudo por méto-
dos de imagem. Prognóstico
A orquiopexia pode ser realizada por meio de
uma inguinotomia convencional ou por videolapa- A fertilidade dos portadores da anomalia é matéria
roscopia. Diferentemente do que se pensa, no entanto, em discussão, pois se sabe que mesmo o vício de mi-
seja pela idade dos pacientes, seja pela delicadeza das gração testicular unilateral pode condicionar oligozoos-
estruturas envolvidas, este tipo de cirurgia requer permia e se o caso for bilateral o prognóstico se agrava.
cirurgião experiente, particularmente pela via endos- Porém, a orquiopexia realizada na época certa, com
cópica. O fator limitante mais importante para posi- técnica adequada e bom resultado no que se refere à
cionar o testículo na bolsa é o comprimento do cor- colocação do testículo na bolsa, não deverá ser con-
dão espermático, principalmente da artéria homô- dição suficiente para garantir a fertilidade e prevenir a
nima, razão pela qual aqueles com boa mobilidade degeneração maligna, pois muitas destas gônadas são
no subcutâneo de qualquer região atingem-na com originariamente disgenéticas.
relativa facilidade. Ao contrário, os testículos não
descidos, ou seja, não-palpados, intra-abdominais ou Leitura recomendada
criptorquídicos propriamente ditos, quando a atin-
gem o fazem com dificuldade. Nunca forçar a descida 1. Silva, F.AQ. Embriologia urogenital-organogênese normal e
com tração desmedida, pois não há testículo que não patologia. Editora Sarvier, São Paulo, 1997.
atinja a bolsa quando tracionado de forma impru- 2. Kogan SJ, Gill SB. Cryptorchidism and Pediatric Hydrocele\Hernia.
In: Graban SD Jr, Glenn JF. Glenn´s Urologye Surgery. 5th ed.,
dente, mas não é raro no seguimento tardio surpre- Philadelphia, 1998, 842-83.
endê-lo atrofiado. Quando o vício de migração é 3. Hadzisilimovic F, Herzog GB. Treatment with a luteinizing hormone
unilateral, sempre lembrar da proposição de trata- analogue after successful orchiopexy markedly improves the chance
mento em dois tempos, que, apesar de indesejável, of fertility later in life. J Urol. 1997, 158: 1193-5.
4. Giron AM. Criptorquidia. In: Guia Prático de Urologia. Eds.
pode ser a única alternativa viável antes de se decidir
Bendhack DA, Damião R. BG Cultural, 1ª edição, pp. 357-9.
pela sua retirada. 5. Walker RD. Cryptorchidism. In: Pediatric Urology, Eds.
Quando o vício de migração é bilateral, todo es- O’Donnel B, Koff SA, 3th ed., Butterworth, Heinemann, 1997,
forço deve ser dirigido para preservá-lo, ainda que pp. 569-604.
181
Capítulo 53
Fimose
183
Etiologia
A fimose pode ser classificada em congênita ou
adquirida, sendo esta última em decorrência de repe-
tidos episódios de infecção local (postites), ou feri-
mentos secundários a tentativas de expor a glande,
acarretando fibrose e conseqüente estenose prepucial.
Tratamento
Baseado na observação de que até o terceiro ano de
vida 90% dos prepúcios se tornarão retráteis, parece-
nos plenamente justificável e prudente que observemos
os portadores de fimose até pelo menos esta faixa etária.
Exceção será feita às crianças que apresentarem postites Algoritmo de tratamento de fimose
de repetição ou quadros de parafimose e que neces-
sitarão ser tratadas mais precocemente (ver algoritmo
de tratamento de fimose).
Leitura recomendada
A postectomia, como qualquer procedimento 1. Jorgensen ET, Svensson A. Treatment of phimosis in boyx,
cirúrgico, não é isenta de complicações tanto anestésicas with a potent topical steroid (clobetazol propionate 0,05%)
quanto relativas ao ato operatório. São descritos índices cream. Acta Derm Benerol 1993; 73: 55-6.
de complicações entre 0,2% a 5%. (Tabela 1). 2. Lannon CM, Bailey A, Fleischman A, Shoemaker C, Swanson J.
Circumcision debate. Task Force on Circumcision, 1999-2000.
Pediatrics 2000; 105 (3 Pt 1): 641-2.
3. Marzaro M, Carmignola G, Zoppellaro F, Schiavon G, Ferro M,
Fusaro F, Bastasin F, Perrino. Phimosis: when does it require surgical
intervention? Minarva Pediatr 1997; 49 (6): 245-8.
4. Monsour MA, Rabinovitch HH, Dean GE. Medical
management of phimosis in children: our experience with topical
steroids. J Urol 1999; 162 (3 Pt 2): 1162-4.
5. Oster J. Further fate of the foreskin. Incidence of preputial
adhesions, phimosis, and smegma among Danish schoolboys.
Arch Dis Child 1968; 43 (228): 200-3.
184
Capítulo 54
Tumores na infância de interesse
do urologista
Sami Arap
José Roberto Colombo Júnior
Os tumores urológicos na população pediátrica são com predomínio de acometimento ósseo. Síndromes
muito sensíveis ao tratamento rádio e quimioterápico, paraneoplásicas são freqüentes e decorrentes da produção
portanto, a abordagem cirúrgica deve ser planejada tumoral de catecolaminas, peptídeo intestinal vasoativo
em conjunto com o oncologista e o radioterapeuta, (VIP) e interação entre o tumor e anticorpos.
buscando minimizar o trauma cirúrgico, preservando O diagnóstico e o estadiamento são realizados por
os órgãos acometidos sem comprometer a sobrevida. CT ou RNM abdominal, radiografia ou CT de tórax,
cintilografia óssea e avaliação com MIBG; a aspiração
de medula óssea é positiva em 50% dos casos, e a
Neuroblastoma dosagem de ácido vanilmandélico e homovanílico
urinários em 95% deles.
Trata-se de um tumor mais comum da infância, origi- O estadiamento é baseado no Sistema Internacional
nando-se na crista neural, podendo surgir em qualquer de Neuroblastoma (INSS) (Tabela 1).
ponto da cadeia simpática ou medula adrenal, com 75% Algumas variáveis clínicas podem afetar o prog-
dos casos aparecendo no retroperitôneo (50% adrenal nóstico do neuroblastoma como idade, amplificação
e 25% em gânglios paravertebrais). Na maioria das do oncogene N-myc, ploidia do DNA e histopa-
vezes, apresenta-se antes dos 4 anos de vida (75%), tologia. Uma classificação em grupo de risco foi cria-
possuindo um comportamento heterogêneo; po- da baseada nestas variáveis para dirigir o tratamento,
dendo apresentar regressão espontânea, diferenciação definindo como baixo risco os estádios 1, 2 e 4S; e
benigna ou exibir um comportamento maligno muito alto risco os estádios 3 e 4.
agressivo. A idade média do diagnóstico é de 21 meses Pacientes com estádio I têm sobrevida livre de doença
e em 70% dos casos nota-se uma deleção no braço somente com tratamento cirúrgico em 90% dos casos,
curto do cromossomo 1, sendo este achado um sendo necessária a quimioterapia em casos de recorrência,
marcador de agressividade tumoral. A forma familiar histologia desfavorável ou presença de oncogene N-myc
é diagnosticada mais precocemente (9 meses) e são amplificado. Nos casos com estádio 2A, 2B e 3, devem
bilaterais ou multifocais em 20% dos casos. receber o tratamento quimioterápico após a ressecção
A apresentação clínica pode variar, mas, a maior parte cirúrgica. A radioterapia deve ser utilizada em pacientes
das crianças apresenta desconforto ou massa abdominal. que não respondam à quimioterapia primária ou secun-
Em 70% dos casos já apresentam metástases no mo- dária. No estádio 3, ou no 2 com tumor extenso, a quimio-
mento do diagnóstico e metade apresentará infiltração terapia neoadjuvante ajuda a diminuir o risco de
de medula óssea, com pacientes mais novos mostrando nefrectomia. Os pacientes que se enquadram no estádio
acometimento hepático e dérmico e pacientes mais velhos 4S têm bom prognóstico, pois os marcadores bioló-
185
gicos são normalmente favoráveis, não havendo consenso ocorrência de invasão de veia cava inferior, que ocorre
sobre o tratamento cirúrgico (ressecção completa, res- em 4% das vezes. Embora promissor, o PET-scan ainda
secção parcial ou biópsia). Os pacientes com marcadores tem seu uso limitado. A avaliação de lesões torácicas é
desfavoráveis devem ser tratados agressivamente com normalmente realizada também através da CT.
terapia multimodal. Existem dois grandes grupos de estudo do tumor
Para pacientes com doença de alto risco (estádios 3 de Wilms, o grupo do National Wilms’ Tumor Study
e 4) é indicada a quimioterapia neoadjuvante e manda- (NWTS) dos EUA e o grupo europeu da International
tória, pois diminuem o tamanho tumoral e minimizam Society of Pediatric Oncology (SIOP). O primeiro
o risco de ruptura e hemorragia, diminuindo as compli- não realiza tratamento neoajuvante, enquanto o se-
cações e taxas de excisão renal durante a cirurgia. gundo preconiza a quimioterapia pré-operatória, com
risco de tratamento agressivo para lesões benignas
(1,5%) e toxicidade (4%). Na clínica urológica do Hos-
Tumor de Wilms pital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Uni-
versidade de São Paulo (HC-FMUSP), utiliza-se o
Trata-se do tumor renal mais comum da infância, protocolo padronizado pela SIOP.
afetando, em 80% dos casos, crianças abaixo de 5 O estadiamento é baseado nos achados cirúrgicos
anos de idade, com origem embriológica nos restos e patológicos (Tabela 2).
remanescentes do blastema metanéfrico sem diferen- No tratamento preconizado pelo NWTS-5, crianças
ciação adequada. Dois genes (WT1 e WT2) foram nos estádios I e II com histologia favorável recebem
identificados no cromossomo 11 e outras variações tratamento com dactinomicina e vincristina por 18
presentes nos cromossomos 1, 7, 16 e 17 também semanas; nos estádios II e III com histologia favorável
estão associadas com o surgimento e o comporta- recebem dactinomicina, vincristina e doxorrubicina por
mento biológico do tumor de Wilms, ou nefroblas- 24 semanas associadas à irradiação abdominal. Estádios
toma. Algumas síndromes estão associadas com o I a IV com componente sarcomatoso e estádios II a
aumento de incidência, assim como anomalias genitu- IV com anaplasia difusa recebem dactinomicina,
rinárias (fusão renal, criptorquidia, hipospadia). vincristina, doxorrubicina, ciclofosfamida e etooside
Na maioria das vezes, apresenta-se como massa por 24 semanas associadas à irradiação. Pacientes com
palpável no abdome que raramente ultrapassa a linha tumor rabdóide devem receber carboplatina, etopo-
média, sendo dolorosa em um terço dos casos e com side e ciclofosfamida por 24 semanas associadas à
micro-hematúria em 25% deles. A bilateralidade radioterapia. No estádio V, deve-se realizar biópsia
acontece em aproximadamente 5% a 7% dos casos. das lesões associadas à quimioterapia neoajuvante,
Os exames de imagem mostram a lesão sólida renal, assim como tumores irressecáveis e com trombo em
mas não são patognomônicos. Normalmente realizada veia cava inferior.
após a ultra-sonografia, a CT é o exame de escolha No tratamento preconizado pelo SIOP-9, realizou-
para avaliação das massas renais. Em casos de invasão se quimioterapia pré-operatória por quatro semanas
vascular, a RNM é o estudo de escolha para avaliar a com vincristina e actinomicina D. Pacientes no estádio
186
I e histologia favorável não receberam quimioterapia meninas. A incidência de uma segunda neoplasia é
adjuvante; e aqueles com histologia desfavorável rece- elevada em relação à população geral.
beram actinimicina D e vincristina por 18 semanas. Nos últimos anos, houve um avanço dramático na
Nos estádios II e III com histologia favorável, rece- compreensão dos fatores genéticos envolvidos na gênese
beram actinomicina, vincristina e antraciclina por 28 tumoral e desenvolvimento renal normal, com impli-
semanas, complementando com radioterapia em cações terapêuticas que ainda irão melhorar a sobrevida
estádios II N1 e III. Quando a histologia foi anaplásica
dos pacientes. Atualmente 80% das crianças acometidas
ou sarcomatosa, receberam actinomicina D, antra-
podem ser curadas utilizando-se uma abordagem multi-
ciclina, vincristina e ifosfamida por 36 semanas asso-
disciplinar. Estudos de biologia molecular ainda deverão
ciadas à radioterapia. O estádio IV é tratado com qui-
contribuir para melhor eficiência do tratamento, associado
mioterapia pré-operatória por seis semanas, recebendo
ao aconselhamento genético.
complemento pós-cirúrgico como grupo de alto risco.
A quimioterapia pré-operatória tem três objetivos
principais: diminuir a incidência de ruptura tumoral Rabdomiossarcoma
durante a cirurgia, diminuir o estádio tumoral (dimi-
nuindo os ciclos pós-operatórios) e minimizar a utili- Trata-se de uma neoplasia agressiva derivada do
zação da radioterapia. tecido mesenquimal embrionário, com tendência à
O tratamento cirúrgico deve ser realizado por infiltração local precoce e eventualmente metástases
cirurgião experiente e por via transabdominal, com à distância. É o sarcoma mais comum da infância
exploração do rim contralateral antes da abordagem com acometimento geniturinário em 15% a 20% dos
do rim comprometido. A manipulação deve ser casos, acometendo mais freqüentemente próstata,
delicada para evitar a contaminação do campo cirúr- bexiga, paratesticular, ocasionalmente afetando vagina
gico pela ruptura tumoral. Estudos do NWTS mos- e útero. O tratamento global deste tumor ainda é
traram complicações pós-operatórias em torno de controverso na oncologia pediátrica, havendo con-
11%, sendo as mais comuns hemorragia e abdome senso que cirurgia, quimioterapia e radioterapia devem
ser utilizadas em conjunto para melhorar os resultados
agudo obstrutivo.
finais, devendo esta última ser realizada após a excisão
A nefrectomia parcial deve ser reservada para
da lesão primária; desta maneira é possível a cura em
tumores bilaterais, rim único e crianças com função
85% dos casos. Há uma tendência atual em praticar
renal alterada, mas vem se tornando uma opção cirurgias menos agressivas, tentando-se preservar o
atrativa para o controle local da doença, embora ainda órgão comprometido pela doença.
necessite de maiores estudos para avaliar seu papel O estadiamento proposto pela IRSG (Intergroup
definitivo, assim como o tratamento laparoscópico. Rhabdomyosarcoma Study Group) avalia o sítio primário,
Os efeitos tardios da terapêutica para o tumor de a histologia, os linfonodos e a presença de metástases.
Wilms são bem conhecidos e englobam alterações O acometimento vesical e prostático têm pico de
músculo-esqueléticas, hipogonadismo e alteração de incidência entre um e quatro anos, com o primeiro
espermograma, assim como falência ovariana em predominando em meninos (2,5:1), e normalmente
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Capítulo 55
Estenose de junção ureteropélvica
Samuel Dekermacher
191
refluxo vesicureteral, síndrome de Prune Belly, O diagnóstico não sendo feito no período pré-natal,
megacalicose e cisto renal simples. por ocasião da US materna, no RN e lactente, o sinal
A tendência atual de se adotar inicialmente uma mais comum é o aparecimento de um tumor abdo-
conduta expectante e conservadora foi reforçada a minal nos flancos. Esta anomalia pode também
partir do aumento nos conhecimentos da nefrofisio- manifestar-se por sintomas mais vagos e menos espe-
logia no período pré e pós-natal imediato. Nas últi- cíficos como dor abdominal tipo cólica, vômitos e
mas semanas de gestação, o rim fetal produz de três irritabilidade. Na idade pré-escolar e escolar, as queixas
a quatro vezes o volume de urina por quilograma de são mais específicas, tais como dor abdominal ou
peso comparado com o rim infantil. Qualquer restri- lombar, principalmente quando existe uma ingestão
ção ao fluxo urinário normal, com este volume aumentada de líquidos. Nesta faixa etária, pode surgir
aumentado de urina, provoca uma dilatação. No hematúria, devido a traumas leves por ruptura dos
período pós-natal imediato, a função renal não é vasos da submucosa. A infecção urinária comprovada
plena e, havendo uma certa desidratação, dita fisio- pode ser um sinal em cerca de 30% a 45% dos casos.
lógica, pode simular um falso-negativo. A função
renal atinge os mesmos níveis do adulto em torno
dos 2 anos de idade, com a maturação completa
dos néfrons corticais. A indicação cirúrgica em um
RN de menos de três semanas fica reservada para
aqueles raros casos de anúria ou septicemia.
Os pacientes que apresentam uma pelve extra-
renal têm o rim menos afetado que aqueles com pelve
intra-renal. Nestes últimos, havendo uma obstrução,
o esvaziamento é incompleto, a elevação do gradiente
de pressão transmite-se até o nível dos cálices e a
destruição do parênquima renal ocorre mais rapida- Foto 1: Ultra-som pré-natal, dilatação pielocalicial
mente devido a uma complacência menor. esquerda
A obstrução é assim mais bem-definida pelos seus
efeitos, tais como: diminuição do fluxo urinário ou
requerer um aumento anormal da pressão intrapélvica
para manter um fluxo urinário constante. Assim,
segundo Koff, obstrução é “qualquer restrição ao
fluxo urinário que, se não tratada, causará perda
progressiva da função renal”.
Esta interpretação, quando considerada de maneira
isolada, cria situações de observação, que podem ser
perigosas, pois requerem que se aguarde sinais de
lesão renal para iniciar o tratamento.
Se a obstrução não interferir na função, provavelmente Foto 2: Ultra-som segundo dia de vida – sem dilatação
o tratamento cirúrgico não está indicado. Desta forma,
na atualidade, o principal problema não se encontra tanto
no diagnóstico de obstrução, mas sim na capacidade de
predizer quais as obstruções que irão interferir na função
ou no crescimento renal.
Quadro clínico
A US pré-natal, de rotina, possibilita que dilatações
das vias urinárias, no feto, sejam suspeitadas em cerca
de 1:800 a 1.500 nascimentos. Porém nem todas são Foto 3: Ultra-som primeiro mês de vida - dilatação
confirmadas após o nascimento. moderada
192
Em até 25% dos casos existem outras anomalias A US não é capaz de fornecer informações sobre
associadas à obstrução da JUP, tais como o RMD função renal e detalhes sobre anatomia do rim. Deve,
contralateral, anomalias anorretais, síndrome de Vacter, contudo, ser o exame inicial em toda investigação por
que às vezes tornam o caso mais complexo. ser um método não-invasivo e por não emitir radiação
ionizante, o que possibilita ser repetido várias vezes.
Este exame fornece informações importantes quanto
ao grau de hidronefrose e caliectasia, tamanho renal,
espessura do parênquima, textura cortical, e estuda o
Foto 4: Cistoure- rim contralateral. Uma das mensurações mais impor-
trografia com um mês tantes é a do diâmetro ântero-posterior da pelve renal.
de idade e refluxo Quando este for superior a 15 mm, provavelmente
vesicureteral
contralateral estaremos diante de um caso que irá necessitar de
resolução cirúrgica.
Quando existe dilatação da pelve renal, associada
a cálices dilatados e o ureter distal não é visualizado,
deve ser levantada a suspeita de obstrução da JUP.
Este aspecto é importante também no diagnóstico
diferencial entre obstrução da JUP e o RMD, cujos
cistos não se comunicam. Deve ser feito ainda o
diagnóstico diferencial com a megacalicose congênita.
Quando a US materno-fetal mostrar uma dilatação
do trato urinário, este exame deve ser repetido no RN
entre 24 a 48 h de vida, ou seja, antes da alta da mater-
nidade, para confirmar e afastar outras anomalias asso-
ciadas. Devido à desidratação inicial transitória, com
conseqüente oligúria, poder resultar em um exame
falso-negativo, a US deve ser repetida entre 15 dias e
Foto 5: Cintilografia com DMSA – primeiro mês um mês de vida. A cintilografia com o uso de radio-
sem grandes alterações fármacos, apesar de fornecer poucos detalhes anatô-
micos em relação à UE, é mais sensível do que esta e
tem mais vantagens. Expõe o paciente a menor quanti-
dade de radiação ionizante, pode mensurar a função
renal e a fisiologia do sistema urinário excretor, permite
estudar cada rim separadamente, pode ser feita
repetidamente, e é extremamente útil na avaliação pós-
operatória. Este exame está indicado após o primeiro
mês, pois, antes desta idade, a função renal de concen-
tração ainda não está bem-amadurecida.
O estudo renal dinâmico e o renograma radionu-
clídico com e sem diurético geralmente utilizam o
Foto 6: Cintilografia com DTPA – um mês de vida – 99m Tc-DTPA (tecnécio marcando o ácido dietileno
curva não-obstrutiva à esquerda
triaminopentacético), que é um radiotraçador excre-
tado por filtração glomerular, utilizado para avaliação
Diagnóstico por imagem funcional, não reabsorvido ou secretado pelos túbu-
los renais. No RN e lactente jovem é empregado o
A avaliação clássica por imagem no período pós- MAG 3 (99m Tc-mercapto acetiltriglicina), que tem
natal deve incluir: US, cistouretrografia miccional as características do DTPA e é também secretado
(CUM), cintilografia renal ou urografia excretora pelos túbulos renais.
(UE) e, em alguns casos, até estudos da pressão de A fase inicial do exame, angiográfica, ou fase
fluxo através da punção do bacinete renal. vascular ou de perfusão, permite que o aporte san-
193
güíneo ao rim seja estimado. Após os primeiros três dilatação da pelve renal e dobras ureterais, que se
a quatro minutos da injeção em bolus do radiofár- tornam fixas devido à ureterite, e conseqüentemente
maco, termina a filtração glomerular, conhecida ocasionam uma obstrução verdadeira.
como fase parenquimatosa. Nessa fase pode-se Atualmente, por ser muito invasivo, utiliza-se cada
calcular a função individual de cada rim, através da vez menos o estudo retrógrado do ureter, com o
função glomerular diferencial, que é baseada na aná- intuito de fazer o diagnóstico diferencial entre
lise do tempo de trânsito do radiofármaco no parên- obstruções ureterais localizadas em nível da JUP e da
quima. A próxima fase é a de excreção. As imagens JVU. A ureterografia retrógrada, quando necessária,
obtidas pela gama-câmara podem ser quantificadas deve ser feita no momento do tratamento cirúrgico
pelo computador e traduzidas em uma curva, ava- definitivo, para evitar a contaminação em um sistema
liando se há ou não obstrução presente. A configu- fechado, além do edema na junção já estreitada que
ração da curva que evidencia a drenagem através do ele pode acarretar.
declive da captação permite calcular o tempo de A pielografia anterógrada pode ser indicada no
clearance da radioatividade ou a meia-vida efetiva (half- pré-operatório imediato, antes de proceder à cirurgia,
time ou T½) do isótopo excretado, e comparativa- e consiste na punção percutânea da pelve renal com
mente avaliar se a drenagem de urina está alterada. a injeção do contraste. Ajuda a definir melhor a
Às vezes, é necessário testar a habilidade do sistema anatomia e a escolha da melhor incisão.
coletor em se esvaziar frente a um estímulo máximo
proporcionado por um diurético, geralmente furose-
mida. Portanto, quando o sistema coletor está bem Tratamento
cheio com o radiofármaco (TMax – tempo de concen-
tração máximo), administra-se endovenosamente de O tratamento cirúrgico adequado deve levar em
0,5 a 1 mg/kg de furosemida, até o máximo de 40 conta a função deste rim comprometido. Um dos
mg. Dez a 15 minutos após a administração desse exames mais úteis para essa avaliação é a cintilografia,
diurético, mais de 50% da substância deverá ter sido e neste caso, utilizando o radiofármaco DMSA. O
“lavada” do sistema coletor (T½). A demora na ex- 99m Tc-DMSA (tecnécio marcando o ácido dimer-
creção de mais de 50% do traçador durante um tem- captossuccínico) concentra-se nos túbulos das extre-
po maior que 20 minutos, contados imediatamente midades proximal e distal das alças de Henle, aderindo
após a administração do diurético, é indicativo de e mapeando o parênquima e permitindo quantificar
obstrução. Outros tipos de curva também podem melhor a massa renal funcionante. O DMSA serve
ser observados, como a que caracteriza a excreção também para avaliar a anatomia renal mostrando
total do radiotraçador, indicando, processo obstrutivo áreas não-funcionantes e “cicatrizes”, pois onde se
funcional ou uma curva tipo suboclusiva, que suscita adere há néfrons funcionantes.
dúvidas, pois tem um T1/2 entre 15 e 20 minutos, A função global de ambos os rins é igual a 100% e
sendo considerado indeterminado. cada rim corresponde a cerca de 50%. Valores em
A UE, que é cada vez menos utilizada como exame torno de 35% da captação total do DMSA são consi-
inicial, quando feita, deve utilizar altas doses do derados normais. De 10% a 35%, a função está mode-
contraste (2 mL/kg) e, quando necessário, obtidas radamente reduzida; quando a captação é inferior a
radiografias tardias, até 24 horas após a injeção inicial. 10%, a função está severamente reduzida e, provavel-
Estes filmes tardios são muito importantes para definir mente, é melhor realizar uma nefrectomia. A decisão
a anatomia de uma junção obstruída, opacificando a de extirpar o rim deve ser feita após avaliação
pelve renal dilatada. Este exame ajuda no diagnóstico cuidadosa da função renal. Devemos também levar
diferencial com obstruções mais baixas, ao nível da em conta que o sucesso do tratamento pode ser ava-
junção vesicureteral (JVU), principalmente, quando a liado por este tipo de teste.
função renal estiver retardada. Com este exame,
Indicações do tratamento cirúrgico
também utiliza-se o teste da furosemida.
A CUM deve ainda ser feita de rotina, o exame Pacientes sintomáticos (infecção urinária ou dor
permite afastar como causa da dilatação da JUP a tipo cólica);
presença de RVU, e também excluir o RVU contra- Massa abdominal palpável;
lateral, presente em cerca de 15% a 20% dos casos. Rim único;
Refluxos graves, já presentes intra-útero, causam Comprometimento bilateral;
194
Foto 7: Urografia excretora – Foto 8: Urografia excretora – Foto 10: Urografia excretora –
filme tardio zero minuto pós-diurético 15 minutos pós-diurético
Foto 9: Urografia excretora – dez Foto 11: Cintilografia com DTPA seis meses de idade
minutos pós-diurético – curva intermediária
Foto 12: Cintilografia com DMSA seis meses de idade Foto 13: Cintilografia com DTPA um ano de idade
ainda sem alterações curva nitidamente obstrutiva
195
Função renal diminuída ou em descenso durante Os casos de obstrução bilateral devem ter como
o seguimento; norma realizar a primeira intervenção no lado que
Dilatação persistente na avaliação ultra-sonográfica apresentar melhor função. Eventualmente, se ambos
nos graus IV de dilatação; os rins estiverem gravemente comprometidos, o mais
Dilatação persistente na avaliação US nos graus recomendável é fazer uma derivação temporária do
III de dilatação, e que apresenta curva tipo obstru- tipo nefrostomia percutânea, aguardando a recu-
tiva ou indeterminada na cintilografia com diuré- peração funcional para a correção definitiva.
tico, no seguimento de seis a 12 meses; Quanto à evolução pós-operatória, geralmente é
Dilatação progressiva no seguimento por US,
satisfatória. As principais complicações cirúrgicas são
desde que confirmada por outros métodos. a reestenose, a fístula e a infecção urinária. As estenoses
O acesso cirúrgico à pelve renal e ao ureter proxi- são geralmente devidas à isquemia no ureter a ser
mal pode ser feito por via abdominal anterior e extra-
anastomosado ou por torção. Quanto às fístulas, des-
peritoneal, lombotomia ou por incisão lombar pos-
de que bem-drenadas, a grande maioria tem reso-
terior. Também podem ser utilizadas as vias percu-
lução espontânea.
tânea anterógrada, a retrógrada ascendente transure-
teroscópica e a laparoscópica. O uso de balões para
dilatação de estenose de JUP, utilizados em adultos, Leitura recomendada
é impreciso em doenças congênitas.
A cirurgia convencional com a incisão por via lombar 1. Carr M. Anomalias cirúrgicas da junção uretero-pélvica em
posterior tem algumas vantagens e, entre as principais, crianças. In: Campbell’s Urology . Ed. Retik AB, Vaughan Jr
permite uma alta hospitalar mais precoce e um exce- ED, Wein AJ, 8ª ed., 2002, W. B. Saunders Co., pp. 1995-2004.
lente resultado estético comparável à laparoscopia. 2. Gomzales Jr, ET. Anomalies of the renal pelvis and ureter.
In: Clinical Pediatric Urology. Ed. Kelalis PP, King LR,
Existe uma variedade de técnicas para a correção
Belman AB. 3ª ed., 1992, W. B. Saunders Co., pp. 530-79.
desta anomalia, chamadas de pieloplastias, e todas 3. Mitre AI. Hidronefrose na Infância. In: Guia Prático de
visam melhorar a drenagem da pelve renal e a pre- Urologia. Ed. Bendhack DA e Damião R. 1999, BG
sença de um ureter patente e funcional. Cultural, pp. 317-22.
196
Capítulo 56
Enurese
197
198
199
Leitura recomendada 3. Djurhuus JC, Rittig S. Nocturnal enuresis. Curr Opin Urol.
2002 Jul; 12 (4): 317-20. Review.
1. Kawauchi A, Tanaka Y, Naito Y, Yamao Y, Ukimura O, 4. Loeys B, Hoebeke P, Raes A, Messiaen L, De Paepe A, Vande
Yoneda K, Mizutani Y, Miki T. Bladder capacity at the time Walle J. Does monosymptomatic enuresis exist? A molecular
of enuresis. Urology. 2003 May; 61 (5): 1016-8. genetic exploration of 32 families with enuresis/inconti-
2. Van Kampen M, Bogaert G, Feys H, Baert L, De Raeymaeker nence. BJU Int. 2002 Jul; 90 (1): 76-83.
I, De Weerdt W. High initial efficacy of full-spectrum therapy 5. Nappo S, Del Gado R, Chiozza ML, Biraghi M, Ferrara P,
for nocturnal enuresis in children and adolescents. BJU Int. Caione P. Nocturnal enuresis in the adolescent: a neglected
2002 Jul; 90 (1): 84-7. problem. BJU Int. 2002 Dec; 90 (9): 912-7.
200
Capítulo 57
Megaureter
O termo megaureter caracteriza um ureter despro- Cada grupo pode ser classificado em primário ou
porcionalmente dilatado, encontrado em diversas secundário (Tabela 1).
situações clínicas. Quase todas as crianças com megau-
reter apresentam uma anomalia congênita associada ao Megaureter primário
desenvolvimento do ureter e da junção vesicureteral. A
maioria está associada ao refluxo ou à obstrução, Obstrutivo
embora ambos possam estar ausentes.
A causa mais comum do megaureter obstrutivo
primário é a presença de um segmento adinâmico
Classificação no ureter distal, impedindo o fluxo urinário normal.
Estudos histológicos demonstram um aumento na
O megaureter é dividido em três grupos: obstrutivo, musculatura circular e no depósito de colágeno na
associado ao refluxo e não-obstrutivo sem refluxo. parede ureteral. A extensão deste segmento pode
201
variar de 0,5 a 4 centímetros, é mais comum no sexo miccional é realizada para avaliar a presença de refluxo
masculino na razão de 4:1 e acomete mais o lado e alterações vesicais. A cintilografia renal é importante
esquerdo, sendo bilateral em 20% dos casos. Even- para determinar objetivamente a função e a presença
tualmente, pode estar associado à agenesia renal de cicatrizes renais através da infusão do ácido dimer-
contralateral. Outras anormalidades primárias que captossuccínico (DMSA) e avaliar a drenagem do ureter
produzem obstrução distal incluem válvulas ureterais, dilatado com o uso do ácido dietileno-triamino-penta-
estenoses congênitas e ectopia ureteral. cético (DTPA), contribuindo no diagnóstico e segui-
mento dos pacientes. Estudos de pressão-perfusão (teste
Associado ao refluxo
de Whitaker) também podem ser úteis para avaliar
Neste caso, o megaureter é conseqüência de obstruções do trato urinário duvidosas, porém são pou-
refluxos de grandes proporções, que ocorrem quando co utilizados devido à dificuldade na interpretação dos
o trajeto intramural do ureter é curto, tornando a resultados e por serem invasivos.
junção vesicureteral incompetente.
Não-obstrutivo sem refluxo
História natural
O ureter encontra-se dilatado na sua porção mais
distal, próximo à bexiga. A causa deste fenômeno é Apesar da variedade de testes, diferenciar as dila-
desconhecida, embora existam várias teorias para explicá- tações que necessitarão de correção cirúrgica daquelas
lo, baseadas na fisiologia renal e na histoanatomia do que representam apenas variações anatômicas sem
ureter. Acredita-se que o alto fluxo urinário pré-natal e implicações na função renal não é tarefa fácil, princi-
a maior complacência ureteral nesta fase contribuiriam palmente no recém-nato. O tratamento deve ser indi-
para a dilatação na ausência de obstrução. vidualizado, com uma tendência atual em acom-
panhar clinicamente estes casos, pois a resolução
Megaureter secundário
espontânea ocorre em diferentes graus de dilatação,
Esse tipo de megaureter pode estar associado à o que tem levado a uma abordagem mais conser-
obstrução anatômica (cálculos, neoplasias, compressões vadora do megaureter neonatal. No entanto, o diag-
extrínsecas, complicações pós-operatórias); à obstrução nóstico deve ser precoce e a vigilância criteriosa. A
funcional (válvula de uretra posterior, bexiga neuro- deterioração da função renal é rara na ausência de
gênica); ou ao refluxo decorrente dos processos obstru- infecção. Por esta razão, a maioria destes pacientes
tivos. O megaureter não-obstrutivo sem refluxo secun- recebe antibioticoprofilaxia durante a fase de obser-
dário pode ocorrer na dilatação ureteral persistente verifi- vação clínica, até que ocorra a melhora espontânea
cada após correção cirúrgica do megaureter. Outras ou seja realizada a cirurgia.
causas incluem o diabete insípido e a atonia ureteral As indicações para cirurgia são perda da função
associada a infecções do trato urinário por bactérias. renal, hidronefrose progressiva, infecção, dor e for-
mação de cálculo (Figura 1). Em diferentes séries, o
número de intervenções cirúrgicas realizadas tem
Diagnóstico variado entre 9,6% a 28% dos casos.
O objetivo da avaliação diagnóstica é definir a cau-
sa da dilatação ureteral, classificá-la em primária ou Tratamento
secundária, excluir o refluxo e, principalmente, dife-
renciar o megaureter obstrutivo do não-obstrutivo. Quando há falha no tratamento conservador, está
No passado, o diagnóstico era feito em pacientes indicada a correção cirúrgica do megaureter. Os obje-
com infecção do trato urinário, dor, hematúria, massa tivos da cirurgia são remover o segmento obstrutivo,
abdominal palpável, uremia ou incidentalmente du- reduzir o calibre da porção dilatada do ureter, preser-
rante exames de imagem realizados para outras quei- vando a sua irrigação, e reimplantar o seguimento
xas. Com o uso rotineiro do ultra-som pré e pós- modelado com técnica anti-refluxo.
natal, houve um aumento no número de neonatos A redução do calibre do ureter dilatado, quando
com megaureter assintomáticos. necessária, pode ser obtida através da plicatura de sua
A urografia excretora permite o estudo anatômico e parede (técnicas de Kalicinski e de Starr) ou da excisão
a estimativa subjetiva da função renal. A uretrocistografia da mesma (técnica de Hendren). Diferentes técnicas
202
podem ser utilizadas para o reimplante, dependendo 2. Shokeir AA, Nijman RJM. Primary megaureter: current trends in
do tamanho da bexiga, do calibre do ureter e se a diagnosis and treatment. BJU International, 2000; 86: 861-8.
3. Stehr M, Metzger R, Schuster T, Porn U, Dietz HG.
lesão é unilateral ou bilateral. Management of the Primary Obstructed Megaureter (POM)
and Indication for Operative Treatment. Eur J Pediatr Surg,
2002; 12: 32-7.
Leitura recomendada 4. Wilcox D, Mouriquand P. Management of Megaureter in
Children. Eur Urol, 1998; 34: 73-8.
1. Gonzales ET, Bauer S B. Megaureter. In: Lippincott Williams & 5. Arena F, Baldari S, Proietto F, Centorrino A, Scalfari G, Romeo
Wilkins (ed.), Pediatric Urology Practice, Philadelphia. G. Conservative Treatment in Primary Neonatal Megaureter.
1999; pp. 205-21. Eur J Pediatr Surg, 1998; 8: 347-51.
203
Capítulo 58
Ureterocele
Denomina-se ureterocele a dilatação cística do Diagnóstico e tratamento das ureteroceles associadas a sistema duplo
segmento intravesical do ureter. É predominante em
crianças do sexo feminino (incidência de 4:1), sendo
10% bilateral. Pode estar associada a um único ureter
e mais freqüentemente a um sistema duplo (80%),
geralmente envolvendo o ureter que drena o pólo
superior. Obstrução à drenagem ureteral pode estar
presente, eventualmente ocorrendo prolapso para o
colo vesical e impedimento da micção. Distorção
do trígono causada pela ureterocele leva a refluxo
vesicureteral em 50% dos casos para o pólo inferior
ipsilateral. No sistema duplo, o pólo superior do rim
ipsilateral apresenta-se com dilatação de suas
cavidades e graus variados de displasia, hidronefrose
e função. Freqüentemente encontramos o segmento
renal drenado pela ureterocele com exclusão funcional,
tanto na urografia quanto na cintilografia com DMSA.
A ureterocele, de maneira prática, pode ser
classificada em ortotópica, quando totalmente
confinada à bexiga, mais freqüentemente encontrada
em associação com sistema único. As ectópicas estão
freqüentemente associadas com sistema duplo e assim
são denominadas em virtude de sua extensão ir além
do colo vesical (por exemplo: as cecoureteroceles).
São também classificadas por Stephens em estenó-
ticas, esfincterianas e esfínctero-estenóticas.
O diagnóstico antenatal deve ser suspeitado quando a patologia, principalmente se a dilatação ureteral
detecta-se na ultra-sonografia imagem cística no pólo ipsilateral for confirmada. Após o nascimento, a ure-
superior do rim fetal. A presença de imagem cística trocistografia miccional (UCM) associada à cintilo-
também na cavidade vesical sugere mais fortemente grafia renal e/ou urografia nos confirma o diag-
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