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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESErMTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortateca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. EstevSo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.

C
c
ÍNDICE

Pág

I. CIENCIA E KELIGIAO

1) "Como se devcni julgar, do ponto de vista da coniciéncia

crista, os transplantes de órgños que nos últimos anos vém sendo


praticados com freqüéncia crescente ?" 1S7

II. SAGRADA ESCRITURA

2) "A Lei (Tora) dos judeus pode ser atribuida a Moisés?

Qual a origem do Pentateuco on dos cinco Hvros ditos 'de

Moisés' ?" 1!>s

III. ESPIRITUALIDADE

S) "Por que militas Religiosas abandonaran suas Congre-

gacocs non últimos te nipos ?"

(Em vista, de um «rí¡;/o publicado nn revista "Sponsa Christi",


agósto-setembro 1007, púg. A2S-4Í4) ■"'•''

IV. HISTORIA DO CRISTIANISMO

.',) "No sáculo pasmado, a Ir/rcja condenan a rhamada 'Liber-


dade Religiosa'. Rccentemente, porém, o Concilio do Vaticano II

o proclamoti.

Como se explica a diversidade de atitudes? E que se enlende

por 'Liberdade Religiosi,' .'" 17G

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano IX — N« 100 — Abril de 1968

I. CIENCIA E RELIGIÁO

1) «Como se devem julgar, do ponto do vista da cons-


ciéncia crista, os transplantes de órgáos que nos últimos anos
vém sendo praticados com freqüéncia crescente ?»

O assunto ácima vem chamando a atengáo do público nao


sómente através da imprensa, mas também em círculos de
estudos e debates. Eis por que abaixo será estudado sistemá
ticamente.

De maneira geral, os transplantes cirúrgicos sao sugeri


dos pelo principio natural e imperioso de conservacao da vida:
desde que um organismo ameagado de morte possa ser salvo
mediante o enxérto de parte (órgáo, tecido, osso...) de
outro organismo, surge espontáneamente nos módicos e
amigos o desejo de proceder a tal operagáo. Assim inspirada,
a intervencüo nao é ilícita. É preciso, porém, que os operado
res levem em conta o fato de que o doador também tem o di-
reito de conservar a sua vida. Ademáis ninguém é proprietá-
rio absoluto nem do seu próprio corno nem do corpo de
outrem.

Eis os principios que devem ser concillados entre si quando


se trata de avallar a liceidade moral dos transplantes ci
rúrgicos.

Hoje em dia conhecem-se transplantes de diversos tipos,


os quais merecem ser considerados de per si.

Examinemos agora os diversos aspectos da questáo (já


sabiamente explanados pelo S. Padre Pió XII em seus nume
rosos discursos aos médicos; cf. «Mensagem de Pió XII aos
Médicos — Alocugóes publicadas por EdvLno Friderichs», ed.
Paulinas 1960). Analisaremos sucessivamente: 1) os trans
plantes autoplásticos; 2) os homo-enxertos; 3) os hétero-
-enxertos.

— 137 —
2 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 1

1. Transplantes autoplásticos

Sao ditas «autoplásticas» as transferencias que se reali-


zam no mesmo organismo, fazendo-se passar pequeña parte
(células, tecidos, fibras, partículas, ossos...) de um lugar
para outro. Trata-se, portante, de operacóes que afetam ex
clusivamente o paciente. É éste o tipo mais antigo de trans
plante.

Será lícito ou nao?

Em resposta, distinga-se:

1) Desde que tenham finalidade própriamentc terapéu


tica, visando restaurar ou favorecer a saúde da pessoa enfer
ma, tais intervengóes podem ser efetuadas em sá conscién-
cia. Com efeito, é natural e lógico que a parte sá de um orga
nismo seja sacrificada em vista do bem do organismo ou do
conjunto ao qual ela pertence; o «todo» físico prevalece sobre
as suas partes físicas. — Requer-se, porém, que um médico idó
neo reconheca a conveniencia de se fazer o transplante; pro
cure avaliar se déste poderáo realmente decorrer vantagens
maiores do que danos para o paciente.

2) Caso urna operagáo autoplástica tenha finalidade es


tética, impóe se nova distincáo :

a) se o defeito de estética a ser sanado acarreta alguma


perturbacáo psíquica ou se torna empecilho a que o paciente
desenvolva normalmente suas atividades e se encaminhe na
vida, a consciéncica moral nao se opóe a respectiva interven-
gáo cirürgica. — É o que o S. Padre Pío XII ensinava num
discurso feito em 4/X/1958 aos Congressistas da Sociedae Ita
liana de Cirurgia Plástica:

«Numerosos motivos há que legitimam e as vézes positivamente


aconselham a intervencáo. Ciertas deformidades, ou mesmo meras
imperfeicSes físicas, sao por vézes causas de perturbaeñes psíqui
cas do individuo. Outras há que se tornam obstáculo ás relag5es so-
dais e familiares ou Impedimento ao desempenho das próprias ativi
dades (como é o caso de pessoas que tenham de tratar com o público
ou que se déem á arte)».

Exemplificando, pode-se dizer que as necessidádes de obter bom


em prego ou de conseguir casamento maralmente recomendável jus-
tificam oparacoes de fins estéticos. Cf. «P. R.» 60/1962, qu. 5.

b) Dado, porém, que o paciente, ao pleitear urna inter


vencáo dessas, seja movido por intencáo menos reta, nao será

— 138 —
TRANSPLANTE DE ÓRGAOS

lícito atender-lhe. No mesmo discurso de Pió XII lé-se o


seguinte:

«É evidente, por exemplo, a iliceidade de urna intervencáo re


querida com o intuito de aumentar a própria lórga de sedugáo e
assim, mais fácilmente, induzir outros ao pecado; também sao ilícitas
as intervengoes feitas exclusivamente para subtrair um xéu á justiga,
ou operagóes tais que acarretem daño ás fungdes regulares do orga
nismo ou aínda as que sao sugeridas por mera vaidade ou capricho
da moda».

A beleza física é um dom de Deus que deve servir para a


gloria do Criador; caso seja procurada pela criatura em. vista
do pecado, essa procura nao somente nao se justifica, mas
vem a ser mesmo abominável.

2. Homo-enxérto

O homo-enxérto é o transplante que se faz de um indi


viduo para outro da mesma especie, ou seja, no nosso capo,
de ser humano para ser humano (hornos = mesmo, em grego).
Opóe-se a «hétero-enxérto», transferencia de tecido entre in
dividuos de especies diferentes (héteros = outro).
O homo-enxérto pode ser feito entre pessoas vivas ou
entre um defunto e um vívente.

1) Entre vivos

a) Caso o transplante de pessoa viva para pessoa viva


nao acarreto grave daño ou seria mutilagáo para o organismo
do doador, a operagáo é moralmente lícita. É o que se dá,
por exemplo, nos casos de transfusáo de sangue, transferencia
de medula óssea, fragmentos de tendees, cartilagens, ou
também quando se trata de transplantar um de dois órgáos
pares como os rins, os olhos... Em tais casos, o organismo
do doador pode continuar as suas fungóes e a sua vida em
ritmo relativamente normal; a natureza mesma se encarrega
de ressarcir a perda, sem serias conseqüéncias para o benfeitor.

Requer-se, porém, que o doador dé o seu consentimento


ao transplante e que o médico nao ultrapasse os limites da
permissáo que o doador lhe tenha concedido. Ninguém pode
ser constrangido a dar sangue, hormónio ou alguma outra
parte constituinte de seu organismo para salvar a outrem.

b) Desde que o transplante implique em mutilagáo com


prometedora para o organismo do doador, fazendo que éste

— 139 —
4 «PEKGUNTE K RESPONDEREMOS» 100/1968, qu._l

perca a integridade física necessária a um género de vida


normal, deixa de ser lícita a intervengáo. A razáo desta norma
está em que ninguém é senhor de seu próprio corpo, mas
apenas administrador de algo que pertence a Deus só; todo
homem tem obrigagáo de se conservar em condigóes de inte
gridade física tais que ppssa servir ativamente ao Criador e
as criaturas com os dons que Deus lhe outorgou. A ninguém
é lícito mutilar-se notoriamente.

Duas objegóes, porém, costumam ser suscitadas contra tal


afirmacáo:

a') A caridade nao pode exigir ou ao monos legitimar a mutila-


cao de um organismo em favor de outro ? Nao será lícito a alguém
querer beneficiar o próximo mutilando a si mesmo?

Responde-se que a prática da caridade é extremamente


importante e necessária. Todavía á caridade nao compete mu
dar a justa ordem de coisas estabelecida pelo Criador; ela deve
ser exercida segundo a natureza dos valores instituida pelo
Senhor Deus.

b') Nao se node considerar o individuo humano como parte do


género humano, de tal sorfe que cada individuo existe cm vista do
conjunto ? Cada um teria entilo a obrigacao de se entregar ou de
se sacrificar todas as v««cs que isto fósse necessárití para o bem
da comunldade.

Responde-se que, num conjunto cuja unidade é física, cada


parte deve ceder ao bem do conjunto, pois é do conjunto que
ela recebe sua subsistencia física e é para o conjunto que
ela existe. Por isto, num organismo em perigo sacrifica-se uma
perna gangrenada a fim de salvar o todo.

O género humano, poróm, nao é conjunto físico, mas


apenas moral; cada individuo tem em si mesmo a sua sub
sistencia; por isto nao pode nem deve renunciar á sua subsis
tencia normal em proveito do género humano como tal.

É o que Sua Santidade o Papa Pió XII expóe no seguinte


trecho de discurso, proferido aos 13 de maio de 1956:
«Argumenta-se dizendo que, se em caso de necessidade é permi
tido sacriíicar um membro particular (máo, pé, ólho, orelha, rim,
glándula sexual) ao organismo do homem, igualmente permitido seria
sacriíicar tal membro particular ao 'organismo da humanidade' (na
pessoa de um de seus membros doentes e padecentes). O fim que
essa argumentagáo visa, isto é, remediar o mal de outrem, ou ao
menos abrandá-lo, é compreensivel e louvável, porém o método pro-
posto e a prova com que é apoiado sao erróneos. Descura-se aqui a

— 140 —
TRANSPLANTE DE ÓRGAOS

diferenca essencial entre um organismo íísico c um organismo mo


ral, assim como a diferenca quaiitativa essencial entre as relacóes
das partes com o todo, nesses dois tipos de organismos. O organis
mo físico do homem é um todo quanto ao ser; os membros sao
partes unidas e ligadas entre si quanto ao próprio ser físico; éles
estáo de tal forma absorvidos pelo todo que nao possuem indepen
dencia alguma, que só existem para tal organismo e nao tém outro
fim scnáo o déle. Coisa muito diversa sucede com o organismo moral
que é a humanidade. Éste só constituí um todo quanto ao agir e á
finalidade; os individuos, enquanto membros désse organismo, sao
meras partes funcionáis; o 'todo' nao pode, pois, estabelecer a res-
peito déles senáo exigencias concementes a atividade. Quanto ao seu
ser físico, de modo algum os individuos sao dependentes uns dos
outros, nem da humanidade; a evidencia ¡mediata e o bom senso de-
momstram a falsidade da assercáo contraria.

Por esta razáo, o organismo total que 6 a humanidade, nao tem


direito algum de impor aos individuos exigencias no dominio do ser
físico, em virtude do direito natural que o 'todo' tem de dispor das
partes. A extirpacáo de um órgáo particular seria um caso de in-
tervencáo direta, nao sómente na esfera de acáo do individuo, mas
também e principalmente na do seu ser, intervencáo por parte de
um 'todo' puramente funcional — humanidade, sociedade, Estado —
todo ésse ao qual o individuo humano é incorporado sómente como
membro funcional e quanto á acáo».

c) Quanto á substituido de um órgáo natural doente


por outro de natureza artificial, a consciéncia crista nada tem
a lhe objetar, desde que os médicos abonem a operagáo. Esta
vem a ser um auxilio precioso conferido pela ciencia e pela
técnica ao ser humano.

Passemos agora á consideracáo de transplantes que se


fazem

2) Do defunto ao vívente

A liceidade de tais intervengóes é geralmente admitida


pelos moralistas, pois o corpo do defunto por si destina-se a
dissolver-se em cinzas. Contudo é necessário para um trans-
plantc licito que so precncham as seguintes condicócs:
a) esteja o doador realmente morto. Nao é lícito ex-
trair-lhe algum órgáo antes que os médicos verifiquem o res
pectivo óbito. Todo ser humano tem o direito de viver a sua
vida natural até o último instante.
Naturalmente, ¡mpSese aos médicos grande pericia para proce
der á operacao ¡mediatamente após a extincao da v¡da do doador;
entáo é que os órgáos do cadáver aínda se conservam «frescos», ou
seja, aptos a serem reativados por outro principio vital.
(Continua na p&g. 45 [181])

— 141 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 2

II. SAGRADA ESCRITURA

2) «A Lei (Tora) dos judeus pode ser atribuida a Moisés?


Qual a origem do Pentateuco ou dos cinco livros ditos 'de
Moisés' ?»

Até o séc. XVIII admitia-se quase unánimemente que Moi


sés (séc. xni a.C), o grande guia do povo de Israel, tivesse
escrito os famosos livros da Lei ou Tora.

Contudo, a partir de Jean Astruc (i 1766), os críticos


foram elaborando teorías que mais e mais visavam emancipar
de Moisés a redacto do Pentateuco. As varias hipóteses, nao
raro imbuidas de racionalismo, provocaram inicialmente ati-
tudes reservadas por parte dos exegetas católicos. Aos poucos,
porém estes verificaram que os resultados da crítica nao estáo
associados a determinado tipo de filosofía, mas, antes, se coa-
dunam harmoniosamente com o conceito católico de inspiracao
bíblica.

É o que se poderá veinficar na exposicáo abaixo, em que


seráo propostos os argumentos do debate e as conclusóes mais
seguras concernentes á origem do Pentateuco.

1. O deooimcnto da tradicáo

1) Testemunhos do Antigo Testamento

No próprio Pentateuco lé-se a afirmacáo de que tal ou


tal passagem foi escrita por Moisés. Assim
a batalha contra os Amalecitas; cf. Éx 17,14: «O Senhor disse a
Moisés: 'Escreve estas coisas em um livro para perpetua reeor-
dacáo'»;

o itinerario dos israelitas pelo deserto; cf. Núm 33,2: «Moisés


comsignava por escrito os lugares donde partiam... por ordem do
Senhor»;

algumas leis, como o Livro da Alianca; cf. Éx 24,4: «Moisés


redigiu por escrito todas as leis do Senhor»;

— 142 —
MOISÉS E O PENTATEUCO

os preceitos do verdadeiro culto; cí. Éx 34,27: «O Senhor disse


a Moisés: 'Consigna por escrito estas palavras...'»

Veja-se também Dt 31, 9.24; 31,22: íEscreveu Moisés...»

Freqüentemente outros livros bíblicos mencianam o Pen


tateuco como «Lei de Moisés» (1 Rs 2,3), «Livro da Lei de
Moisés» (2 Rs 14,6; Jos 8,31; 23,6). Vejam-se 2 Crón 25,4; 34,14;
35,12; Esdr 6,18;Ne 8,1.3; 13,1; Dan 9,11.13; 13,3.62.

2) Testemunhos do NóWTestamento

Cristo, referindo-se ao Pentateuco, denominou-o «Lei de


Moisés» (Le 24,44), «Livro de Moisés» (Me 12,26) ou «Moi
sés» (Mt 8,4; 19,8; Me 7,10).

Merecem especial atencáo as palavras consignadas em Jo


5, 45-47:
«Nao julgueis que sou eu que vos hei de acusar diante de meu
Pai; Moisés, em quem vos confiáis, é que vos acusa. Porque, se vos
cresseis em Moisés, certamente crerieis também em mim, pois ele
escreveu a meu respeito. Contudo, se vos nao dais crédito aos seus
escritos, como haveis de dar crédito as minhas palavras?»

Em conclusáo, verifica-se que os textos do Antigo e do


Novo Testamento associam o nome de Moisés á Lei ou Tora
de Israel. Nao seria licito, porém, deduzir désses testemunhos
que Moisés tenha escrito tudo que se encontra no Pentateuco.
Segundo o modo de 'pensar dos judeus antigos, bastaría que
Moisés tivesse sido o iniciador e o mentor da legislagáo de
Israel para ser dito «autor da Lei». Mais aínda: as expressóes
«Livro de Moisés», «Livro da Lei de Moisés» podem significar
simplesmente um livro que fale de Moisés ou da Lei sancio
nada por Moisés; com efeito, notem-se os títulos «Livro dos
Justos» (Jos 10,13; 2 Sam 1,18), «Livro dos feitos de Salo-
máo» (1 Rs 11,41), «Livro de Samuel profeta» (1 Cr6n 29,29);
tais títulos nao designam os autores dos respectivos livros,
mas, sim, os temas abordados em tais volumes.
Sao Paulo cita os capítulos do 1* livro dos Reis que tratam dos
feitos de Elias, mencionando apenas «Elias»: «Nao sabéis o que a
Escritura diz em 'Elias' ?» (Rom 11,2). Ora é certo que Elias nao
foi o autor de tal parte do primeiro livro dos Reis.

Por conseguinte, das palavras de Jesús e dos autores bí


blicos nada se pode depreender de seguro a respeito da origem
do Pentateuco.

— 143 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968. qu. 2

3) Testemunhos extra-bíblicos

Com raras excegóes, os escritores judeus e cristáos desde


época antiga atribuiram a autoría do Pentateuco a Moisés, o
eximio legislador de Israel.

No séc. XVI comecaram a se levantar dúvidas acerca da


origem do Pentateuco. André Bodenstein (f 1514) percebia que
ao menos a narrativa da morte de Moisés nao podia provir
déste escritor.

Nos sáculos XVH, XVIII e XIX os estudiosos foram pro


pondo novas e novas fórmulas que visavam explicar a con-
feccáo da Tora a partir de fontes primordiais, alguns escritos
de Moisés, retoques e suplementos posteriores. Dentre todos
ésses pesquisadores, distinguiu-se Julio Wellhausen (tl918),
ao qual se prende diretamente a teoría das quatro fontes do
Pentateuco, que será mais adiante explanada.

2. O exame do texto

As razóes que levaram e levam a denegar a Moisés a


redacáo (integral ou parcial) do Livro da Lei, sao principal
mente de índole literaria:

1) O uso do nome de Deus: há trechos em que o Senhor


Deus é designado prevalentemente pelo nome Javé, ao passo
que em outros predomina o apelativo Elohim. Ora isto parece
insinuar diversidade de autores.

Esquemáticamente, assim se pode reproduzir o fato:

Gen £x Lev Núm Dt Total

JAVÉ 145 393 310 387 547 1.782

ELO1M 165 56 — 10 10 241

JAVÉ-ELO1M 20 1 — — 21

2) As narracoes em duplicata: os mesmos episodios ou


as mesmas leis sao referidos duas ou tres vézes no Pentateuco,
cada um dos textos paralelos aprésentando suas particulari
dades de estilo e vocabulario.

— 144 —
MOISÉS E O PENTATEUCO

a) Há dois relatos

da criacao do mundo: Gen l,l-2,4a e 2,4b-25;


da expulsáo de Agar: Gen 16,4-16 e 21,9-21;
da alianca de Javé com AbraSo: Gen 15,1-21 e 17,1-27;
da vocacáo de Moisés: Éx 3,1-4 e 6,2-8;
da queda do maná e das codomizes: Éx 16, 2-36 e Núm 11,4-34;
da producáo da agua do rochedo: Éx 17,1-7 e Núm 20,1-13.

b) Na narrativa do diluvio, os documentos-fontes foram


fundidos num só relato, que através de suas repetigóes deixa
transparecer os elementos componentes. Duas vézes se lé que

Deus considera a malicia dos homens: Gen 6,5 e 12;


anuncia o diluvio: 6,13 e 17;
manda entrar na arca: 6,18-20 e 7,1-3;
Noé obedece: 6,22 e 7,5;
entra na arca: 7,7 e 13;
o diluvio oomeca: 7,10 e 11;
as aguas sobem, levantando a arca: 7,17 e 18;
as aguas decrescem: 8,1a e 3a.

Entram na arca ora dois pares de animáis (6,19s e 7,15s),


ora sete pares de cada especie pura e um de cada especie im
pura (7,2).

. O diluvio dura ora 365 dias (7,24; 8,2a. 3a. 13s), ora
101 dias (7,4.12; 8,6-10).

c) Os textos legislativos sao mais freqüentemente re


petidos. Há
tres recensSes do Decálogo: Éx 20,1-17; 34,10-28; Dt 5, 6-21;

da lei concernente aos escravos: Éx 21,2-11; Lev


25,39-46; Dt 15,12-18;

da lei referente ao homicidio: Éx 21,12-14; Dt


19,1-13; Núm 35,9-34;

cinco recensóes do catálogo de festas: Éx 23,14-19; 34,18-26;


Dt 16,1-17; Lev 23,4-44; Núm 28,1-29,39;
nove recensdes da lei do sábado: Éx 20,8-11; 23,12; 31, 12-17;
34, 21; 35,2s; Dt 5,13s; Lev 23,3; 25,2; Núm 28,9s.

3) Cortes e enxertos: certas episodios aparecem trun


cados ou surgem bruscamente dentro de um contexto com o
qual parecem nao estar claramente relacionados; assim

— 145 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 2

em Gen 4,25s tem-se apenas o inicio da genealogía de Adáo, a


qual recomeca e continua segundo outro estilo ern Gen 5,11;

os dizeres de Éx 2,23a nao tém nexo com 2,23b, mas, sim, com
Éx 4,19;

em Éx 19,25 lé-se: «Moisés desceu, íoi ter com o povo, e disse-


-lhe: ...» sem continuacáo; logo a seguir, em 20,1, encontra-se:
«Entáo Deus proíeriu todas estas palawras... (o Decálogo)»;

em Éx 32-34 a narrativa da infidelidade de Israel e da restaura-


cáo da Alianca interrompe um trecho jurídico homogéneo e unitario
(Ex 25-31 e 3540);

em Núm 16, 1215 comeca a descricSo da revolta de Data e


Abura, a qual só continua em 16,25-34, pois em 16,16-24 foi inserida
a historia da rebeliáo de Coré.

O livro dos Números apresenta intercaladas seccoes históricas e


breves colecóes de leis.

Estes dados, aos quais outros se poderiam acrescentar,


sao suficientes para justificar as dúvidas dos críticos sobre a
origem do Pentateuco: difícilmente se poderia sustentar que
Moisés tenha escrito o «Livro da Lei» como ele hoje se
apresenta.

3. O esbozo de soluca©

A consideragáo serena do texto do Pentateuco moveu os


estudiosos a admitir, sem resquicio de dúvida, que a Tora nao
é obra de um só autor; ao contrario, ela foi senüo formada
no decurso de varios sáculos.
Difícil é reconstituir com precisáo as etapas por que passou
a redacáo do Pentateuco; os críticos propóem numerosas teo
rías a respeito, nenhuma das quais se impóe á aceitagáo uni
versal. Contudo as grandes linhas para a solugáo da questáo
parecem estar definitivamente tragadas, permitindo esbocar a
origem da Tora nos seguintes termos:

O povo de Israel teve origem quando Deus chamou o Pa


triarca Abraáo no séc. XTX a. C, induzindo-o a emigrar de
seu torráo natal (Ur da Caldéia) para a térra de Canaá (Pa
lestina) . Abraáo deu entáo inicio á linhagem dos israelitas (Is
rael-Jaco, filho de Isaque, filho de Abraáo).

No decorrer dos tempos, o povo de Israel foi criando es


pontáneamente as suas tradigóes:

— 146 —
MOISÉS E O PENTATEUCO 11

tradicOes históricas — narravam feitos importantes e trechos bio


gráficos dos antepassados, assim como episodios (dramáticos ou glo
riosos) por que havia passado a gente de Israel;

tradicóes jurídicas — íoram sendo formuladas as Ieis que regiam


a vida religiosa, social, militar e comercial dos israelitas.

As concepgóes e doutrinas religiosas que entravam nessas


tradigóes, eram estritamente dependentes da revelagáo feita
por Deus a Abraáo e a seus descendentes; tinham caráter
marcadamente monoteísta, repudiando toda especie de ido
latría, fetichismo ou superstigáo. Revestiam-se naturalmente
do expressionismo, do estilo e dos géneros literarios próprios
dos orientáis, pois Israel, embora tivesse nogóes religiosas assaz
elevadas, participava da cultura profana e da civilizagáo de
seus vizinhos (babilonios, assírios, egipcios, fenicios.. .).

As tradigóes assim formadas transmitiam-se, em sua gran


de maioria, por via meramente oral. A escrita era difícil e
rara na ahtigüidade; conseqüentemente, a memoria dos povos
se esmerava por reter e passar adiante com fidelidade o pa
trimonio de doutrinas que lhe era comunicado. Apenas urna
ou outra pega das tradigóes israelitas terá sido fixada por es
crito em época remota (difícil ou impossível é dizer em que
proporgáo isto foi feito).

Veio o séc. xm a.C. — Moisés tornou-se entáo o chefe


do povo de Israel cativo no Egito; libertou-o do Faraó e guiou-o
em demanda da Palestina. Por essa ocasiáo, no deserto, ao
pé do Sinai, Deus quis travar solene Alianga com o poyo eleito;
fez pois, que Moisés codificasse Ieis e tradigóes históricas exis
tentes em Israel (cf. Éx 24,3-8; 34,28). O mesmo Moisés terá
formulado outras normas, ampliando o bloco legislativo de sua
gente. Destarte Moisés tornou-se para a posteridade o Legis
lador de Israel por excelencia; o seu nome e o concertó de
Lei (Tora) ficaram definitivamente associados entre si.

Nao se pode definir até que termos se estendeu a .itivi-


dade legislativa do grande guia israelita. Nem estamos em
condigóes de indicar com precisáo o que Moisés escreveu e o
que ele consignou por via meramente oral.

Urna vez estabelecido na térra de Canaá, após o cativeiro


egipcio, o povo de Israel foi constituindo seus santuarios (Be
tel, Hebron, Dá, Siquém, Mambré, Bersabé, Jerusalém...),
aonde os fiéis iam ter periódicamente a fim de celebrar o
culto do Senhor. Nesses santuarios residram sacerdotes e le-

— 147 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 2

vitas, que cultivavam as tradigóes históricas e jurídicas de Is


rael; davam-lhes notas locáis características; redigiam-nas em
pecas adaptadas á catequese ou á liturgia sagrada, e assim as
comunicavam ao povo. Destarte o bloco de tradigóes antigás,
que no séc. XIII recebeu o cunho de Moisés, foi aos poucos
assumindo coloridos regionais; foi outrossim acrescido de novas
leis motivadas pelas sucessivas mudangas de condicóes his
tóricas e sociais do povo de Israel.

A partir dos tempos de Salomáo (972-932), passou a existir


na corte dos monarcas tanto de Judá como da Samaría (reino
cismático desde 932) um corpo de escribas, que com especial
estima zelavam pelas tradigóes de Israel; eram homens letrados,
que se achavam em estrito contato com os sacerdotes (o palacio
do rei e o Templo, a vida política e a Religiáo estavam intima
mente articulados entre si). Os escribas do Senhor e sacerdotes
foram experimentando o desejo de fazer um balango do passado
religioso e histórico de Israel. Nao sómente o seu espirito culto,
mas também a fé os impelía a isso; procuraram, pois, recolher
em compilagóes mais ou menos sistemáticas os ensinamentos
(da historia e da legislagáo) de Israel, a fim de possuir urna
visáo de conjunto dos beneficios de Deus para com seu povo.

Do trabalho dos escribas e sacerdotes, resultaram algumas


coletáneas de narrativas e leis (coletáneas que incluiam em si
outras colegóes menores já anteriormente confeccionadas).
Dessas coletáneas, quatro podem ser até hoje avaliadas, pois
entraram como fontes na composigáo do Pentateuco :

1) A coletánea ou o Código ou documento dito «Javístico»


(J), no qual predomina o uso do nome «Javé» (Kyrios em grego,
Senhor em portugués) para designar o Senhor Deus. Teve
origem em térra de Judá, parte meridional do reino, e deve
datar do reinado de Salomáo (972-932).

O Código J caracteriza-se por seu estilo simbolista e antro


pomórfico, mostrando Javé muito perto dos homens, o que é
forte sinal de antigüidade.

Note-se, por exemplo, o segundo relato da criacáo em Gen 2, 4b-25,


onde o Senhor é descrito como oleiro (2,7), jardineiro (2,7), cirur-
giáo (2,21), arquiteto (2,22). Javé passeia no Éden em Gen 3,8, é
alíaiate em 3,21, fecha a porta da arca de Noé em 7,16, visita Abraáo
e ceia com ele em 18,1-8, desee para ver o pecado de Sodoma em
18,21.

— 148 —
MOISÉS E O PENTATEUCO 13

J apresenta narrativas cheias de vivacidade e finura psicológica,


realcando o dramático da historia. Notem-se a queda dos primeiros
homens em Gen 3, a visita do Senhor a Abraáo em Gen 18s, as
pragas do Egito em Éx 7,8-10,29.

J interessa-se especialmente pelos episodios que concernem a tribo


de Judá. Cí. a estada dos Patriarcas em Hebron, um dos mais antigos
santuarios de Judá, em Gen 13,14-18; as partes relevantes de Judá
na historia de José, em Gen 37,26; 43,1-12; 44,14-34; 46,28.

De acordó com a sua estima pelas mais antigás tradigSes de Is


rael, o Código J .reproduz as etimologías populares de nomes de
pessoas e lugares. Cf. Eva em Gen 3,20; Babel, em 11,9; Jaco, em
25,26; Edom, em 25,30; Israel, em 32,29; Meribá, em Núm 20,13.

2) O Código (ou documento) «Eloístioo» (E)... Dá larga


preferencia ao nome Elohim (em grego Theós, em portugués
Deus). Foi redigido entre 850 e 750 no reino cismático da
Samaría (parte setentrional da Palestina), provávelmente entre
os membros da tribo de Efraím, que era o coraeáo do reino
dissidente.

Evita os antropomorfismos de J, pondo mais em relevo


a transcendencia de Deus; Éste fala aos homens por vias menos
diretas, servindo-se de sonhos ou da intervengáo de anjos (cf.
Gen 15,1; 20,3.6; 21,17; 22,1115; 28,12).

E é iníluenciado pelo contato com os profetas Elias e Eliseu (séc.


IX/VIII no Norte), pois chama Abraáo «profeta» (G«in 20,7), Miriam
«profetiza» (Éx 15,20). Moisés, o profeta por excelencia, ocupa lugar
de destaque em JE; aparece como o varáo a quem Deus íalava face
a face (Éx 33,11; Núm 12,18).

O vocabulario eloista tem suas características diferentes do javista:


o monte Sinai (J) é dito Howsb por E; os cananeus (J) sao os amorreus
em E; o sogro de Moisés é chamado Jetro em vez de Hobab ou
Reuel <J)...

Após a queda do reino da Samaría em 722, as tradigóes


eloístas codificadas foram levadas para o reino meridional de
Judá. Ai um editor as fundiu com as tradicoes javistas, dando
origem ao Código JE (Javista-Eloísta). Nessa fusáo (julga-se)
o documento E foi menos aproveitado do que J, de modo que
algumas de suas características hoje em dia já nao podem ser
apreciadas. Os críticos apontam como as mais belas pegas do
«Eloista» os textos de Gen 22,1-14 (o sacrificio de Abraáo),
40-42 e 48 (partes da historia de José).

— 149 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 2

Admite-se que o documento JE tenha fornecido cérea de 65 dos


186 capítulos do Pentateuco (o Deuteronómio corresponde a 34
capítulos, enquanto o Código Sacerdotal equivale a 87 capítulos do
Pentateuco).

Deve-se também consignar o documento dito

3) Deuteronómio (= repeticáo da Leí, em grego) ou do


cumento D. Éste Código, sob a forma literaria de discursos de
Moisés ao povo, apresenta de novo e desenvolve as grandes
linhas da Tora contidas ñas tradicóes de Israel.

Julga-se que provém do reino do Norte. Nos grandes san


tuarios dessa regiáo (Siquém, Dá, Betel...) o povo de Israel
se reunia anualmente (ou, mais espagadamente, de sete em
sete anos.; cf. Dt 31,10-13), a fim de renovar a sua alianga
com Javé (á semelhanga do que narra Jos 8,30-36; 24,1-28).
Os levitas dos santuarios entáo teráo redigido formularios que
repetiam sintéticamente a Lei do Senhor e eram lidos solene-
mente ao povo antes da renovagáo da promessa de fidelidade
ao Senhor. Essas «repeticóes da Lei» retomavam elementos
antigos da legislagáo israelita, mas adaptavam-nos, quando ne-
cessário, aos tempos ou as novas condigóes sociais de Israel,
além do que, eram influenciadas pela candente pregagáo dos
profetas. Aos poucos, a repetigáo da Lei foi assumindo urna
forma única ou estereotipada em cada santuario do reino do
Norte.

Quando estes lugares sagrados, em 722, foram destruidos


pelos invasores assírios, os levitas levaram consigo para o reino
de Judá ou para Jerusalém os formularios que seryiam á ceri-
mónia de renovagáo da Alianga. Pouco depois, ou seja, por volta
do ano 700, um editor terá reunido as diversas fórmulas de
«repetigáo da Lei» num único Código, que mais tarde, em lin-
guagem grega, foi chamado «Deuteronómio».

Éste Código foi depositado no Templo de Javé em Jeru


salém, onde parece ter caído no esquecimento, em virtude da
decadencia religiosa de Judá. Todavía, sob o reino de Josias
(640-609), foi de novo encontrado, servindo entáo para fomen
tar a renovagáo religiosa empreendida por éste monarca piedoso
(cf. 2 Rs 22s). Por ocasiáo de sua descoberta, o Deuteronómio
terá recebido acréscimos condizentes com as condicóes sociais
da época.

— 150 —
MOISÉS E O PENTATEUCO 15

A redacáo final de D se deve provávelmente ao séc. IV a.C,


quando o Deuteronómio na íntegra foi anexado, como apéndice,
ao bloco da Tora.

No Deuteronómio hoje existente distinguem-se tres reci


tativos da Lei: Dt 1-4; Dt 5-26 e 28; Dt 29-30.

A principal característica do Código Dea eloqüéncia do


seu estilo, que lembra as pregacóes e exortacóes feitas pelos
sacerdotes ao povo fiel. As frases sao cadenciadas, de modo
a penetrar nos coracóes e mové-los ao amor e a generosidade
para com Javé.

Note-se a fórmula de diálogo «Eu... vos...»

Observem-se também as construcoes estereotípicas :

«... a íim de que tenhais longa vida sobre a térra que Javé
vosso Deus vos dará...»

«... quando Javé vosso Deus vos introduzir na térra que pisareis
e ocupareis...»

«... lembrai-vos de que fdstes outrora escravos na térra do


do Egito...»

«... seréis um povo próprio do Senhor, como Ele vos prometeu...»

«... com todo o vosso coracüo e com toda a vossa alma...»

Por fim, registra-se o

4) Código Sacerdotal (ou «Priesterkodex», P). No séc. VI,


durante o exilio babilónico (587-536 a.C), os sacerdotes de
Jerusalém teráo, por sua vez, consignado por escrito as tra-
diQÓes de Israel. Viam-se diante de um povo prostrado moral-
mente e destituido da sua monarquía, sinal da presenqa de Javé
e alimento da esperanga messiánica. Quiseram, portanto, mos
trar aos judeus a continuidade ou a sobrevivencia das béngáos
e promessas de que gozava o antigo povo de Israel. Isto explica
a tendencia de P a apresentar dados cronológicos e tabelas
genealógicas, elementos que ligavam aos Patriarcas o povo do
exilio e do pós-exílio (cf. Gen 5,1-32; 6,9s; 10,1-7; 11,10-32;
25,7-20; 36; 46,8-27). Os trechos históricos e jurídicos do Códi
go Sacerdotal tém a finalidade de evidenciar que Deus mesmo
instituiu Israel como urna comunidade de culto ou como urna
nagáo sacerdotal (cf. Ex 19,5s); tal era realmente a condicáo
dos judeus após a queda da monarquía. Os comentadores notam

— 151 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 2

a énfase com que P menciona o Templo, a Arca, o Tabernáculo,


o ritual, a Alianca. De modo geral, o estilo désse documento
revela urna mentalidade culta e burilada, que sabe exaltar a
transcendencia de Deus.

Assim apresentados os documentos JE, D e P, observe-se


ulteriormente o seguinte:

No séc. V ou IV um sacerdote (Esdras ?) terá fundido


os documentos P e JE, colocando em apéndice a ésse bloco o
Código D. Á guisa de prólogo dessa grande colegáo, ter-lhe-á
anteposto a narrativa da criagáo que se lé em Gen 1. Assim
se constituiu o Pentateuco ou a Tora tal como a temos hoje.

Esta afirmacáo sugere urna última pergunta :

4. Moisés... autor do Pentateuco ?

Evidentemente, Moisés nao pode ser tido como autor do


Pentateuco no sentido moderno; nao escreveu por inteiro a
Tora, mas diversas máos concorreram para a elaborar.

Moisés, porém, é o inspirador de toda a legislacüo hebraica


antiga; ele criou a tradicáo jurídica e historiográfica de Israel
(a historia, era geralmente escrita outrora com fins didáticos
ou religiosos); deu-lhe seus fundamentos e suas grandes linhas,
que os juristas posteriores desenvolveram e adaptaram.

Daí dizer-se em linguagem moderna que Moisés é o autor


«da substancia» do Pentateuco. Esta funcáo era suficiente para
que os hebreus antígos atribuissem simplesmente o Pentateuco
a Moisés. Os semitas tinham, sim, um conceito muito enfático
de «totalidade»: no cerne inicial de determinada obra já viam
incluida toda a evolucáo posterior dessa obra e atribuiam o
conjunto inteiro ao autor do cerne; assim é que Moisés pode,
sem mais, ser considerado pela tradicáo judaica como autor do
Pentateuco.

A titulo de fenómeno paralelo, pode-se lembrar a maneira de


designar as tribos semitas: dava-se-lhes o nome do respectivo fundador
e atribuia-se a éste tudo que a sua linhagem realizava através da
historia. Em conseqüéncia, os nomes de «Israel, Judá, Efraim...»
na Sagrada Escritura designam ora o Patriarca, ora a tribo que
déle procede.

— 152 —
O fato de se admitirem fontes e máos diversas na redasáo
do Pentateuco nao exclui a índole inspirada désse livro bíblico.
Nao é necessário, porém, dizer-se que cada redator de fonte ou
retoque ou acréscimo do Pentateuco tenha sido inspirado por
Deus. Basta reter o séguinte: o redator ou os redatores que
concorreram diretamente para dar ao Pentateuco a sua forma
definitiva, foram iluminados pelo Senhor, a fim de distinguir,
em suas fontes ou em seus conhecimentos, o que correspondía
e o que nao correspondía á mensagem religiosa que o Senhor
por ele (ou por éles) quería comunicar aos homens; assim ilu
minados ou inspirados, só incluiram no texto canónico do Penta
teuco os elementos portadores de auténtica licáo religiosa.

A respeito de documentos-fontes e inspiracáo bíblica, cí. «¥. R.»


26/1960, qu. 5; 47/1961, qu. 4.

O quadro que se segué, é urna tentativa de reconstituir a


contribuí cao de cada urna das fontes na composigáo do Penta
teuco tal como ele hoje existe. Deve-se á obra de Peter Ellis,
«The Men and the Message of the Oíd Testament». Collegeville,
U.S.A., 1963, págs. 57-72. Vai aquí proposto únicamente para
ilustrar quanto foi dito atrás, sem intenc.áo de definir o que
seja no assunto.

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— 153 —
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MOISÉS E O PENTATEUCO

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22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 2

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— 158 —
MOISÉS E O PENTATEUCU

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— 159 —
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MOISÉS E O PENTATEUCO 25

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MOISÉS E O PENTATEUCO 27

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— 163 —
28 ■rPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 2

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38

O livio do Levítico nao está incluido neste gráfico; pertence total


mente k tradigao sacerdotal.

— 1fi4 —
MOISÉS E O PENTATEUCO 29

Núm 1,1 -14,27 CHAVE B J; D E; H D; E]P; D redator; |U fonte especial

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— 165 —
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30 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968. qu. 2

Núm 14,28-25,19 CHAVE H) J; □ E; B D¡ □ P; D redator; Q fonte especial


MOISÉS E O' PENTATEUCO

Núm 26,1-36,13 CHAVE fflJ;DE¡ "! □redator¡ [H fonte especial

Df 4,49 - 34,12 CHAVE El Jj D E¡ H D; [3 P; D redator; □ fonte especial

0 resto do livro está redigido no estilo característico de D.

— 167 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, gu. 2

Dt 4,49 - 34,12 CHAVE jffl J; D E; HI D¡ El p¡ D «dator; O fonte especial

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— 168 —
CRISE NA VIDA RELIGIOSA ? 33

III. ESPIRITUALIDADE

3) «Por que multas Religiosas abandonaran! suas Con-


gregacóes nos últimos tempos ?

(Em vista de um artigo publicado na revista «Sponsa


Christfo, agósto-setembro 1967, pág. 428-444)

O artigo citado apresenta urna serie de depoimentos de


Religiosas egressas, as quais explicam os motivos de sua volta
ao século. Ésses testemunhos suscitara a reflexáo dos leitores.
É por isto que ñas páginas que se seguem, proporemos algumas
consideragóes a respeito, assim concatenadas: 1) Que é a vida
religiosa ? 2) Crise na vida religiosa; 3) Principios de solugáo.

Como se entende, os conceitos emitidos nestas páginas


aplicam-se tanto ás Religiosas como aos Religiosos.

1. Que é a Vida Religiosa?

Sem pretender formular urna definic.áo técnica, pode-se


descrever a vida religiosa a partir.dos seguintes dizeres de
S. Agostinho :
«Dois amores ílzeram para si duas cidades: o amor de si até o
desprezo de Deus construiu a Cldade terrestre; o amor de Deus até
o desprezo de si construiu a Cidade de Deus» («De civitate Dei» XIV 28).

As afirmaedes de S. Agostinho sugerem algumas reflexóes:

1) O homem é espontáneamente e sempre levado a agir


por amor. É éste o primeiro movente de todos os atos humanos.
Nao há vida verdadeiramente humana que íiáo se realize no
amor.

2) Por mais paradoxal que isto pareca, o amor genuino é


inseparável de determinado tipo de desprézo (ou, como diriam
os autores clássicos,... de odio). O amor a Deus, Supremo
Bem, está em fungáo do desprézo do homem a si mesmo ou
ao que S. Paulo chama «o velho homem» (trata-se da natureza
desregrada pelas concupiscencias más). A razáo de ser déste
aparente paradoxo é a seguinte: na primeira página da historia,
o homem quis amar a si afastando-se de Deus, quando na vér-
dade ele devia amar a si amando a Deus. O homem tornou-se
assim egocéntrico e egoísta, de sorte que, para amar genuina-
mente a Deus, ele tem de desdizer ao próprio eu ou á sua
natureza desordenada.

— 169 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 3

Por isto afirma o Senhor no Evangelho: «Quem ama a sua vida,


a perde. E quem odeia a sua vida ueste mundo, a guarda para a vida
eterna» (Jo 12,25).
«Se alguém quiser seguir a Mim,. renuncie a si mesmo, tome a
sua cruz e siga-Me. Quem quiser salvar a sua vida, perdé-la-á. Quem
perder a sua vida por causa de Mim, encontrá-la-á» (Mt 16, 24s).
Inspirado por estas palavras de Cristo, orava S. Agostinho:
«Senhor Jesús, conhega eu a mim, conheca eu a Ti;
odeie eu a mim, ame a Ti».

O genuino amor a Deus nao cresce sem progressivo odio


(renuncia, mortificacáo) ao velho homem. Esta norma é funda
mental em todo e qualquer estado de vida crista.

3) A vida religiosa regular coloca-se em cheio nesse quadro.


É a vida do discípulo de Cristo que procura realizar a sua vo-
cagáo crista até as últimas conseqüéncias. Donde se segué que

a) a vida religiosa é essencialmente. vida de amor. Inspi


rada por ardente amor a Deus e ao próximo, ela só se sustenta
pelo amor. A Regra em Religiáo nao é senáo defesa e estímulo
do amor; ajuda a evitar os desvíos e a seguir o caminho mais
breve e rápido para Deus. A Regra nunca é fim, mas ó meio.
b) A fim de tomar mais livre o seu amor, o Religioso
(ou a Religiosa) professa pobreza, castidade e obediencia, vi
sando assim libertar-se de tudo que lhe poderia atrofiar a
capacidade de amar. Pelos votos o Religioso se torna mais dis-
ponível para Deus e para o próximo.
c) O amor a Deus e aos semelhantes na vida religiosa nao
sómente nao dispensa, mas exige odio do Religioso a si (no
sentido ácima exposto).

Éste ódio-amor se exprime pelo cumprimento íiel dos votos reli


giosos: pobreza, castidade e obediencia mortificam o velho homem
e, ao mesmo tempo, vivificam e fortalecem a nova criatura ou a
vida do Cristo Jesús no Religioso.

d) O trabalho que o Religioso (ou a Religiosa) produz, é


preparo e efusio do amor a Deus. O valor da vida religiosa
nao se mede pela sua produtividade material ou pelos seus
frutos visíveis (atividades escolares, hospitalarés, assistenci-
ais...), pois a vida religiosa nao é urna organizacáo fundada
em vista de objetivos visíveis; a sua meta suprema e específica
é o progresso dos Religiosos no amor; o trabalho é fomento e
derramamento désse amor. Na verdade, o valor da vida religiosa
é aquilatado pelo grau de amor com que o Religioso age.

— 170 —
CRISE NA VIDA RELIGIOSA? 35

Vé-se, pois, que a renuncia na vida religiosa pode (e deve) ser


um auténtico valor, desde que ela seja ocasionada pelo amor
a Deus e o odio ao velho homem. O Religioso nao pode pretender
dizer que só se realiza na medida em que os Superiores lhe per-
mitem desenvolver seus talentos naturais (dotes intelectuais,
artísticos ou literarios, qualidades de mestre ou líder...).
Por efeito de sua profissáo religiosa, o Religioso aceita
mesmo que lhe tirem as possibilidades de cultivar tais inclina-
cóes ou prendas naturais. Esta aceitagáo nao é amesquinha-
mento nem diminuigáo da personalidade, mas, ao contrario, a
mais elevada afirmacáo desta. Com efeito, o Religioso só emite
(ou só deve emitir) a sua profissáo de pobreza, castidade e
obediencia por desejo consciente e livre; é o amor que o impele.
Por isto, ao proféssar, o Religioso exerce, no mais alto grau
possível, a sua personalidade. Em conseqüéncia, qualquer dos
atos que ele posteriormente pratique em virtude de sua pro
fissáo, nao é senáo a reafirmagáo désse elevado ato de perso
nalidade. 0 Religioso (ou a Religiosa) mobiliza todo o seu amor
a Deus para obedecer a Regra; isto supóe personalidade forte
ou mesmo heroica; quem nao a tem, nao consegue perseverar
dignamente em Religiáo.

e) As consideragóes ácima dáo a ver que a vida religiosa


(como, alias, em grau atenuado, a vida crista) é, e será sem-
pre, «loucura» aos olhos da prudencia meramente humana. Já
que é ardente amor (a Deus e ao próximo), inseparável de
enérgico odio (a si), só pode ser abragada e vivida em espirito
de fé; é impossivel aquilatá-la usando-se categorías simples-
mente humanas. — Nem por isto a vida religiosa perdeu sua
razáo de ser no séc. XX ; ela a conserva plenamente, como, a
própria vida crista — vida de fé — conserva seu caráter im
perioso também em nossos dias.
Estas belas idéias nao nos impedem de considerar agora

' 2. A crise na vida religiosa

Nao poucas defecgóes registradas nos últimos tempos dáo-


-nos a ver que a vida religiosa está em crise. Pergunta-se entáo:
quais os «porqués» desta situagáo ?
A crise se deve á fase de .transigió e renovagáo por que
vai passando a Igreja. Vejamos como essa renovagáo pode pro
vocar embaragos nos Institutos religiosos :
1) O Concilio do Vaticano II colocou a Igreja em estado
de revisáo de vida. O Papa Joáo XXIII, ao anunciar a grande

— 171 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 3

assembléia, pediu a todos os bispos, auscultassem os fiéis e


apresentassem á Santa Sé as principáis dificultades com que
luta a vida católica em nossos dias. éste trabalho foi realizado
com zélo: era absolutamente necessário. Sobreveio o Concilio:
durante quatro anos, os padres conciliares debateram. com toda
a franqueza os grandes problemas do temario; ésses debates
mobilizaram teólogos, peritos e simples fiéis; chegaram mesmo
ao conhecimento da opiniáo pública. Foi-se criando assim na
Igreja um hábito generalizado de revisáo de vida. Tal hábito
era sadio em seus principios. Todavia degenerou em urna ati-
tude de critica, mais ou menos explícita, no povo de Deus, ati-
tude que se prolonga até nossos dias. Nao poucos clérigos,
Religiosos e leigos comegaram a por em xeque tanto a disci
plina da Igreja como certas proposigóes que sempre foram
tidas como artigos de fé.

A mentalidade naturalista e racionalista de nossos dias contribuí


para exacerbar a crise; os valores sobrenaturais váo-se tornando mais
e mais estranhos a muitos cristaos. Procurare urna Religiáo que,
por sua doutrina e sua disciplina, «caiba» exatamente dentro da razáo
humana, correspondendo as categorías do pensamento moderno. O
«escándalo» da fé, a «loucura» do sobrenatural nao encontram acei-
tagao dentro de tal mentalidade.

Ora éste estado geral se comunicou também aos Institutos


religiosos: a revisáo de vida (elemento valiosíssimo) desvir-
tua-se muitas vézes em crítica preconcebida. A crítica langa
o descrédito sobre as observancias, levando a ver principalmente
o lado humano da vida regular; o que há de positivo e bom fica
na penumbra. O espirito de fé assim se atenúa; empalidece-se
a consciéncia de que o verdadeiro amor a Deus e ao próximo
só se sustenta onde há um santo desprézo do sujeito por si
mesmo. Em conseqüéncia, os Religiosos e as Religiosas, afe-
tados por tal onda, nao véem mais a razáo de ser de sua pro-
fissáo e abandonam suas comunidades.

2) Por vézés nota-se a prevaléncia dá gnose sobre a


caridade.

Que quer isto dizer ?

— Muitos Religiosos e Religiosas sao enviados a fazer cur


sos de aperfeigoamento teológico, ascético ou profissional (o
que é altamente louvável). Adquirem assim mentalidade nova,
atualizada, condizente com as grandes aspiragóes da S. Igreja
em nossos dias — o que por certo é altamente apreciável. Ao
voltarem, porém, para suas comunidades, ai encontram Irmáos

— 172 —
CRISE NA VIDA RELIGIOSA? 37

e Irmas dotados de modo de pensar diferente, modo de pensar


que nao muda fácilmente por causa da idade provecta de tais
pessoas. Registra-se entáo um certo choque entre a «gnose»
(pensamento esclarecido) e a carídade ñas comunidades reli
giosas. A caridade pede que os membros mais atualizados sai-
bam respeitar os outros Irmáos, procurando evitar palavras
contrastantes. Ora ésta tarefa nao é fácil: o confronto de opi-
nióes (antigás e novas) gera posicóes radicalizadas de parte
a parte. A conseqüéncia é que se torna difícil a vida em cómu-
nidade, e muitos dos respectivos membros preferem abandonar
a vida religiosa.

Pode-se ilustrar o íato recordando o que se dava em Corinto no


limiar da era crista : os íiéis en contravam nos mercados carnes
previamente imoladas aos Ídolos; perguntavam entáo a si mesmos
se era licito ou nao consumir tais alimentos. Os mais esclarecidos,
com a sua «gnose», sabiam períeitamente que os Ídolos nada sao e
que, por conseguinte, nao havia mal em comer tais carnes; todavía
os irmáos de farmacao mais débil julgavam serem ilícitos tais ali
mentos e se escandalizavani ao ver outros cristáos consumi-los. Assim
gnose e caridade (exigencia de vida comunitaria) entraram em con
futo entre si. Sao Paulo acudiu a tal situagáolembrando o primado'
da caridade: a ciencia esclarecida (gnose) por si só incha (ensober
bece, leva á ruina), ao passo que a caridade sempre edifica (cf.
1 Cor 8,1). Em conseqüéncia, o Apostólo recomendava aos íiéis mais
ilustrados que se abstivessem de comer tais carnes, desde que isto
pudesse escandalizar os irmáos de consciéncia iraca; renunciassem
a seus direitos, a fim de nao provocar a ruina espiritual daqueles
por quem Cristo morrera na cruz (cf. 1 Cor 10, 22-30; Rom 14, 15).

Ora — pergunta-se — nao se dá algo de semelhante ñas


comunidades religiosas contemporáneas, onde alguns tém urna
«gnose» muito reta, mas precisariam de certa caridade (a qual
envolve humildade e prudencia), a fim de nao provocar atritos
e dissolver a possibilidade de vida comum ?

3) É preciso reconhecer que a crise na vida religiosa por


vézes se deve também á morosidade no processo de atualizacáo.
Certos Religiosos nao véem o «porqué» .da renovagáo ; pren-
dem-se a costumes antigos que, outrora muito oportunos, hoje
podem ser entreves; colocam, por vézes, os meios ácima dos
fins, e conservam mentalidade fechada. Nao julguemos a cons
ciéncia de tais pessoas; nao sao movidas por má intencáo ;
podem ser almas de grande virtude e notável espirito de renun
cia, mas carecentes de orientagao. É inegável que suas atitudes
desconfiadas geram mal-estar e dificultam a vida regular.

4) Acrescente-se que, numa fase como a nossa, em que


há anseios diversos e tendencias á divisáo, a fraqueza humana

— 173 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 3

se torna por vézes mais patente; as reagóes sao mais espon


táneas e assumem conseqüéncias que outrora nao tinham. Os
pegúenos erros chamam mais a atengáo. Nesta situagáo, quem
está um tanto abalado em sua vocagáo, é levado a exagerar
o alcance das falhas dos outros; forma para si urna imagem
exageradamente pessimista da sua comunidade religiosa; assim
inabilita-se a perseverar.

Eis, a quanto nos parece, algumas das principáis causas


da crise religiosa de nossos dias. Procuremos agora

3. Os principios de solucáo

Para que se possam vencer as presentes dificuldades da


vida religiosa, é necessária a colaboracáo de todos os que vivem
essa grandiosa vocagáo, sejam jovens, sejam anciáos. Por isto
a uns e outros impóem-se algumas reflexóes :

1) Os Religiosos que, por sua índole e formacáo, sao


alheios a novas formas de observancia regular, háo de se
esforcar por superar essa mentalidade. Nao é licito ficarem
presos a costumes antigos que hoje sao esteréis, sámente pelo
fato de serem tradicionais; desde que se perceba serení tais
usos empecilhos para o recrutamento das comunidades reli
giosas, faz-se mister reformá-los. Lembrem-se os mais antigos
de que a juventude que hoje vem a vida religiosa, traz um
patrimonio de educacáo e cultura bem diferente do patrimonio
trazido pelos Religiosos há trinta ou quarenta anos atrás; é
preciso, pois, aplicar-lhe métodos de formagáo novos, grada-
tívos, capazes de a atingir;... tomá-la como ela é (com seus
predicados e suas deficiencias), e nao como «nos fomos» ;...
transmitir-lhe o ideal da vida consagrada a Deus na linguagem
que ela é apta a entender.

Os mais velhos levaráo em conta também que as circuns


tancias em que hoje em dia se trabalha, sao assaz diversas da-
quelas em que outrora se faziam o apostolado, o magisterio, a
enfermagem, etc.; os horarios, por isto, háo de ser adaptados
as novas facetas do trabalho; os costumes das casas religiosas
háo de admitir certa elasticidade, a fim de que os Religiosos
(ao menos os de vida ativa) possam acompanhar os homens
de seu tempo como sal da térra e fermento na massa. A instí-
tucionalizacáo nao pode ser demasiado rígida ; é, porém, ne
cessária, pois garante a autenticidade do amor sobrenatural
dos Religiosos a Deus e ao próximo, evitando subjetivismos e
arbitrariedades.

— 174 —
CRISE NA VIDA RELIGIOSA ? 33

2) Quanto aos Religiosos ábertos para reformas, saibam


acautelar-se contra a critica deletéria; nao comenten! proble
mas de sua vocagáo senáo quando necessário e com pessoas
que possam realmente concorrer para a solugáo dos mesmos.
De modo especial na situagáo presente, valem as admoestagóes
de Sao Tiago referentes á disciplina da língua: urna palavra
despropositada podé atear tremendo incendio espiritual, com
amarga ruina para muitas almas (cf. Tg 3, 1-12).

«Levando ero conta a possibilidade de nos iludirmos a nos mesmos,


e de nos tornarmos vítimas do que há de irracional em nos, será
de bom alvitre fugir á discussáo apaixonada, capaz de ferir o amor,
mandamento supremo do cristáo e, em particular, da pessoa consa
grada ao Deus do Amor. Absurda, portanto, qualquer reforma da vida
religiosa quando promovida a expensas da caridade fraterna. Dentro
do ámbito de nossas comunidades, nunca nos seria licito recorrer ao
método, táo oomum entre os profanos, de semear suspeitas, de cultivar
ressentimentos ou de ferir os outros com ofensas verbais.- Eis a pri-
meira e mais fundamental exigencia a ser mantida firme e inabalável,
quando se pretendem atualizar os Religiosos no sentido da Igreja e
do Concilio Vaticano II» (Fr. A. Spindeldreier, «Como seráo as Reli
giosas daqui a dez anos ?», em «Sponsa Christi», maio 1967, 231-39).

Acautelem-se também contra a demasiada valorizagáo da


«gnose», com detrimento para a caridade e a vida comum. Mais
agrada a Deus e mais beneficia o próximo quem, como Sao
Paulo (cf. 1 Cor 9, 19-22), se faz tudo a todos (a comegar
pelos irmáos de casa), procurando ter paciencia com seus se-
melhantes morosos e fracos, do que quem ostenta sabedoria,
procurando que todos bruscamente se acomodem a novos
padróes.

Os Religiosos que desejam renovagáo, empenhem-se por


manter a sua palavra ou a sua profissao religiosa, custe o que
custar. A fidelidade a palavra dada é um altissimo valor que
hoje em dia vai rareando entre os homens. Mostrem ter per-
sonalidade forte, que nao se deixa vencer pelo mal, mas vence
o mal com o bem (cf. Rom 12, 21); Cristo e a S. Igreja pre-
cisam justamente de personalidades generosas. Se amani ao
Senhor e ao povo de Deus, colaborem os Religiosos (e as Reli
giosas) descontentes para a renovagáo das suas comunidades
mediante a sua presenga fiel e a sua participagáo humilde nos
processos de reforma. Nao se retirem ; nao julguem que a
vida religiosa representa urna causa perdida (o que seria grave
ilusáo). Cada um pode dar á vida religiosa os matizes de sua
própria personalidade.

— 175 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 4

IV. HISTORIA DO CRISTIANISMO

4) «No século passado, a Igreja condenou a chamada 1i-


berdade religiosa'. Recentemente, porém, o Concilio do Va
ticano II a proclamou.
Como sé explica a diversidade de atitudes ? E que se en-
tende por 'liberdade religiosa' ?».

Os pronunciamentos da Igreja devem ser sempre conside


rados á luz das circunstancias históricas em que sao emitidos.
Assim se verifica que o perene depósito de verdades confiado
por Cristo á sua Esposa vai sendo manifestado em suas diver
sas facetas de acordó com as necessidades das sucessivas épo
cas da historia.
É precisamente o que se dá com o coneeito de «Liberdade
Religiosa».

1. No século passado...

Há cerca de cem anos, a filosofía racionalista, insurgin-


do-se contra Deus e qualquer tipo de fé, reivindicava para todo
cidadáo «liberdade religiosa». Com isto intencionava emancipar
o homem de todo dever religioso e toda submissáo a Deus;
negava a necessidade de Religiáo, arvorando o liberalismo e
o agnosticismo neste setor.

Comprende-se que, diante dessas teses, a Igreja nao podia


senáo tomar urna atitude condenatoria: nao sómente a fé, mas
também a própria razáo natural, asseveram que o homem é
criatura de Deus; por isto é essencialmente dependente do
Senhor; cabe, pois, a todo ser humano a obrigacüo de procurar
mais e mais conhecer o seu Criador, orientar-se para Ele me
diante a sua conduta de vida e assim voltar ao seu Principio,
que é também o seu Consumador. Seráo sempre válidas as
palavras de S. Agostinho: «Tu nos fizeste para Ti, e inquieto
é o nosso coracáo enquanto nao repousa em Ti» («Confiss'óes»).

O Papa Pió IX, em encíclicas e documentos varios, afir-


mou essa doutrina. Igualmente, o Concilio do Vaticano I
(1870), nos seguintes termos :

«Visto que o homem depende Intelramente de Deus como de seu


seu Criador e Senhor, e dado que a razao criada está, por si mesma,
plenamente submetida á Verdade incriada,... estamos obligados a
prestar a Deus, pela fé, a homenagem plenária da inteligencia e da
vontade» (cí. Denztnger, «Enchiridion» 3008).

— 176 —
aínda a liberdade religiosa 41

Destarte a Igreja rejeitava a liberdade religiosa entendida


como indiferentismo ou emandpagao do homem frente a Deas.
É muito importante frisar éste sentido preciso da posigáo do
Concilio do Vaticano I.

2. Nos últimos tempos

1. O Concilio do Vaticano H (1962-1965) terá renegado


a atítude do anterior? Ou haverá alterado a doutrina da Igreja?

— Nao. Apenas tratou da mesma questáo («liberdade reli


giosa») sob outro aspecto, ocasionando assim um aprofunda-
mento das idéias.

Com efeito. Quem considera o mundo do séc. XX, verifica


que os homens, mais do que nunca, sao ciosos da dignidade da
pessoa humana, o que, alias, merece todo aprégo: a Igreja
só pode favorecer os movimentos que se propóem salvaguardar
e realcár o ser humano com os direitos e deveres inerentes á
sua dignidade.

Eis precisamente como se inicia a Declaragáo sobre a Li


berdade Religiosa do Vaticano II:

«Da dignidade da pessoa humana tornam-se os homens de nosso


tempo sempre mais cónscios. Cresce o número daqueles que exigem
que os homens em sua aeao gozem e usem de seu próprio criterio
e de liberdade rosponsável, nao se deixando mover por coacáo, mas
guiando-se pela consciéncia do dever... Esta exigencia de liberdade
na sociedade humana visa primeiramente a tudo que se refere aos
bens da alma humana, sobretudo, como é natural, aos que atingem
o livre exercicio da religiáo na sociedade» (n* 1).

2. Ora, suposto que a todo homem incumbe o dever de


procurar e cultuar a Deus (consoante a Declaragáo do Vati
cano I), o Concilio do Vaticano II quis proclamar que no setor
das suas relacóes com Deus, o homem goza do direito de ser
isento de qualquer coagáo por parte de outros homens ou por
parte da sociedade (Estado ou Igreja).
Em outros termos: o Vaticano II houve por bem decla
rar que todo homem tem o direito de definir sua atítude re
ligiosa de acordó com os criterios da sua consciéncia (supon-
do-se naturalmente que esta seja sincera, isenta de preconceitps
e aberta á verdade). — Procure, pois, o homem, na medida
de suas possibilidadeSj conhecer a Deus e abracar a verdade
religiosa (isto é exigencia de sua própria dignidade humana,
a qual só subsiste e se consuma quando adere a Deus). Na

— 177 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 4

procura, porém, e no culto de Deus, o ser humano tem o direito


de recusar qualquer interferencia violenta ou tipo de cons-
trangimento,

a) seja por parte do Estado civil:


há governos que perseguem abertamente a Religiáo
ou veladamente a sufocam;
há também governos que pretendem positivamente
incutir determinada forma de Religiáo — a Rieligiáo
oficial do Estado —, estabelecendo discriminacóes en
tre os cidadáos por motivo de suas crengas.

Nenhuma dessas atitudes é lícita, pois ofendem a


dignidade humana.
Ao Govérno compete apenas proibir as prátícas reli
giosas que sejam contrarias á ordem pública da na-
gáo (sacrificios humanos, ritos que prejüdiquem a
higiene pública, cerimónias que abalem o equilibrio
mental dos adeptos...);

b) seja por parte da próprta Igreja ou de outra comuni-


dade religiosa.

A Igreja sabe que a fé nao se impóe pela violencia,


mas atrai pela beleza ou pelo fulgor da própria
verdade.

3. A consciéncia disto nao impede (ao contrario, pede)


que a Esposa de Cristo cumpra a ordem do Senhor, o qual
mandou aos discipulos pregar o Evangelho a todos os homens,
anunciando a verdade que Deus Pai, por Cristo e sua Igreja,
lhes quis comunicar. A verdadeira fé deve ser apregoada e
posta em plena luz, mediante a palavra e a coerente conduta
dos'discipulos de Cristo (é de crer que os homens, ao perceber
a verdade apresentada mais claramente, se deixem por ela
aliciar); contudo essa verdadeira fé nao pode ser extorquida.
Assim como o Vaticano II quis avivar poderosamente o entu
siasmo missionário dos católicos (vejam-se, entre outros, os
documentos sobre as Missóes, sobre o Apostolado dos Leigos),
assim também quis remover toda tendencia a forgar a opcáo
religiosa dos homens.

4. Eis o que significa a Declaragáo de Liberdade Reli


giosa proferida pelo Vaticano n em pleno séc. XX. Vé-se que
nao desdiz a recusa de liberalismo ou indiferentismo religioso
emanada do Vaticano I. Supóe, porém, outras circunstancias

— 178 —
aínda a liberdade religiosa 43

históricas, isto é, um género humano mais do que nunca cons


ciente de sua dignidade, de seus direitos e deveres... A Igreja
reconhece o valor désse estado de coisas e vai-lhe ao encontró.
Por isto, quis o Vaticano II fazer urna Declarado que equivale
a um voto de confianca na sinceridade de todos os homens, a
fim de que usem seriamente da sua inteligencia e da sua von-
tade para reconhecer e abragar o caminho que leva a Deus,
Autor e Remunerador da natureza humana.
E ésse caminho, objetivamente considerado, é único. Há
urna so Religiáo revelada por Deus. O próprio documento sobre
a Liberdade Religiosa o declara logo de inicio :

«Professa em primeiro lugar o Sacro Sínodo que o próprio Deus


manifestou ao género humano o caminho pelo qual os homens,
servindo a Ele, se pudessem salvar e tornar íelizes em Cristo. Cremos
que essa única verdadetra Religiáo se encontra na Igreja Católica
e Apostólica, a quem o Senhor Jesús coníiou a tarefa de dlíundl-la
aos homens todos, quando disse aos Apostólos: 'Me, pols, e ensinal
aos povos todos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do
Espirito Santo, ensinando-lhes a guardar tudo quanto vos mande!
(Mt 28, 19s). Por sua vez, estáo obligados os homens a procurar a
verdade, sobretudo aquela que diz respeito a Deus e a Sua Igreja e,
depois de conhecé-la, a abracá-la e praticá-la» (n* 1).

Feliz o homem que, com toda a sua liberdade e dignidade,


segué tal caminho revelado por Deus Pai em Cristo e na
Igreja í Tal pessoa adere de boa fé á verdadeira fé.
Há, porém, nao poucos que, com toda a sinceridade, jul-
gam em comsciéncia dever aderir a outro caminho religioso.
Ésses podem salvar-se, nao por causa do Credo que professam,
mas em virtude da sua lealdade ou da fídelidade irrestrita com
que seguem os ditames da sua consciénda (é o único Deus
quem, em última análise, fala pela consciéncia leal ou desti
tuida de preconceitos).

5. Em resumo:

No setor religioso existe, para todo homem,


um dever sagrado -■- em relagáo a Deus (o único Deus)
um direito sá liberdade — em relagáo aos demais homens
(em particular, ao Estado).
A liberdade (em relagáo aos homens) nao significa ne-
gagáo do dever (em relagáo a Deus), como o dever (para com
Deus) nao implica em negagáo da Hberdade (frente á socie-
dade dos homens).

— 179 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 4

Nao se entenda, pois, a Declaracáo do Vaticano n sobre


a Liberdade Religiosa num sentido relativista, como se ten-
desse a depreciar a Revelagáo crista e a calorosa pujanca com
que ela interpela todo homem. O Vaticano n de modo nenhum
quis proclamar que «tanto vale ter como nao ter Religiáa» ou
«tanto faz professar éste como aquéle Credo religioso»; apenas
quis tratar das relagóes do homem com os demais homens no
setor religioso, recusando coagáo ou violencia nesse terreno.
Váo aquí transcritos alguns dizeres de S. S. o Papa
Paulo VI extraídos do discurso as Delegares extraordinarias
feito por ocasiáo do encerramiento do Vaticano II (8/XÜ/1965);
contribuem valiosamente para elucidar o pensamento da Igreja
no tocante a Liberdade Religiosa.

«A Igreja faz sua, numa Declaracjio que, sem dúvida, íicará sendo
um dos grandes documentos déste Concilio, a aspiracao, hoje em dia
táo geral, á liberdade civil e social em materia religiosa. Ninguém
seja coagido a crer; mas também ninguém seja impedido de crer e
de professar a sua fé. Éste é um direito fundamental da pessoa
humana, dixeito, alias, que em nossos tempos a grande maioria dos
legisladores reconhece, ao menos em teoría, embora nSo sempre na
prática.
No mesmo espirito, a Igreja pede aos governos — e éste é o
objeto de um parágrafo do Decreto sobre o encargo pastoral dos
Bispos — que Ihe reconhecam plena e inteira liberdade no tocante
á escolha e á nomeacáo dos seus Pastores...
A Igreja nao pede para si mais do que a liberdade de anunciar
o Evangelho. O seu dinamismo interno, cuja origem nao está nela,
mas ácima déla, a p5e em condigoes de desempenhar a sua missao
junto aos homens, desde que Ihe deixem os meios para isso» (cf-
«L'Osservatore Romano» 9/10-XII-1965, pág. 6).

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— 180 —
TRANSPLANTE DE 6RGAOS 45

Continua^áo" da pág. 5 (141)

b) Caso o doador defunto tenha parentes ou familiares,


faz-se mister obter déles a permissáo para o transplante, pois
a tais pessoas toca o direito de dispor do cadáver.

Pode-se recomendar as pessoas generosas que/ durante a


sua vida, antecipadamente facam a doagáo dos órgáos de seus
respectivos cadáveres aos sobreviventes necessitados. Nao lhes
é proibido exigir em troca alguma compensagáo monetaria
(os termos precisos dessa compensagáo podem ser estipulados
no documento de doagáo). — Observa o Santo Padre Pió XII:
«O caso é análogo ao da transfusáo de sangue: é um mérito para
o doador recusar indenizagáo; mas nao é necessáriamente um deleito
aceitá-la» (discursa de 13/V/56).

Referindo-se particularmente a extragáo da córnea de um


cadáver, diz Pió XII:
«A extirpagáo da córnea, mesmo perfeitamente licita em si,
também pode tornarse ilicita, se violar os direitos e os sentimentos
dos terceiros a quem incumbe o cuidado do cadáver, os parentes pró
ximos primoiramentc, mas posslvclmento outras pessoas, em vir-
tude de direitos públicos ou privados. Nao seria humano, para servir
aos int»résses da medicina ou a 'fins terapéuticos', ignorar senti
mentos táo profundos. Em geral, nao deveria ser permitido aos mé
dicos cmproender cxtirpacóes ou outras intervcncoes num cadáver,
sem a anuencia daqueles que estáo encarregados dele, ou a despeito
das objec5es anteriormente formuladas pelos intaressados. Também
nao seria iusto que os corpos dos pacientes pobres, ñas clínicas pu-
Sli^fe nos hospitais, fóssem destinados de oficio aos servigos de
medicina e cirurgia, ao passo que nao o sertam os dos pacientes
Sais favorecidos pela fortuna. O dinheiro e a situacao social nao
deveriam influir? quando se trata de atender, a sentimentos humanos

h forrar
f S^paSs^S^
S^S^ SSftnSTS ¿
saSfick, mas éste lacrUicio se aureola de caridade misericordiosa
para com os irmüos padecentes» (ib.).

Um terceiro tipo de enxérto ainda merece consideragáo:

3. Hétero-enxerto

Como foi dito atrás, esta expressáo designa a transferen


cia feita de um individuo de determinada especie para outro

— 181 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 100/1968, qu. 1

de outra especie ou, no nosso caso, de um animal irracional


para um ser humano.

Ültimamente ténwse proposto transplantes de coracáo de porco


para pessoas soíredoras do ooracáo; o coragao de porco é o que mais
se aproxima do do homem por seu tamanho.

Que dizer a respeito?

Apenas a transplantagáo de glándulas sexuais do ani


mal irracional para o organismo humano é imoral, por moti
vos que bem se entendem. Fora éste caso, nenhuma objegáo
se op5e á transferencia de outros tecidos ou órgáos do ser
infra-humano para o homem, desde que tal operagáo seja bio
lógicamente possivel e recomendável. Pratica-se, de resto, com
freqüéncia e bons resultados a transferencia de células do ani
mal náo-humano para o organismo humano.

Nao há que recear a transfusáo do psiquismo do animal


doador irracional para dentro do ser humano. Todo tecido ou
órgáo enxertado no organismo de um homem deixa de viver
do principio vital do animal irracional a que partencia, para
passar a viver da alma racional do individuo receptor; essa
poreáo de materia enxertada coloca-se assim a servico da vida
intelectiva que anima todo ser humano.

4. Observasáo final

Vé-se que a Moral crista nao se opóe aos transplantes


como tais dentro dos limites atrás propostos. É necessário,
porém, acrescentar que tais operacóes so devem ser feitas em
vista de salvar a vida do paciente, e nao simplesmente a titulo
de experiencia de medicina, cujo éxito sena enigmático. Mais
precisamente: para que urna operagáo cirúrgica nova e audaz
possa ser tida como lícita, tres condicóes háo de ser observadas:

a) esteja- o paciente em grave perigo de morte;


b) haja probabüidade de sucesso;
c) o paciente mesmo ou, em caso de impossibilidade, seus pró
ximos familiares consintam na realizacáo da operaeáo.

Sao palavras de Sua Santidade Pió Xn em discurso pro


ferido em 30/DC/54 á VIII Assembléia Médica Mundial:

«Nos casos desesperados, quando o enfermo está perdido se nao


se faz a lntervenejío, e quando existe um medicamento, um meio,

— 182 —
TRANSPLANTE DE 6RGAOS 47

urna operacáo, que, sem excluir todo perigo, conta atada com
certa possibilidade de sucesso, um espirito* ajuizado e refletido admite,
sem mais, que a medicina possa, com acardo explícito ou tácito do
paciente, proceder a aplicacáo désse tratamento».

Como observacáo final, pode-se dizer: parece que ñas


intervencóes efetuadas na África do Sul e nos E.U.A. as normas
da Moral foram devidamente observadas pelos médicos res-
ponsáveis dos transplantes.

CORRESPONDENCIA MIÜDA

ANCIAO (Beto H.ori2»nte): Poderia enviar-nos seu enderéco para


resposta individual?

D. Estévao Bettencourt O. S. B.

— 183 —
AO LEITOR

O presente número de «P. R.» significa notável esfórco no


sentido de servir a nossos leitores; apresenta um gráfico colo
rido sem precedentes no Brasil. Possa realmente ser útil a
quantos léem, estudam ou lecionam a Sagrada Escritura!

Os amigos bem compreenderáo: éste número importou em


extraordinarias e vultosas despesas para a Administracao do
«P. R.» Desejosos de poder continuar a ajudar o público,
tomamos a liberdade de consignar nestas páginas um apelo
duplo:

1) Poderia o leitor interessar-se na difusao de «P. R.» ?


Propague a revista e obtenha-lhe novos assinantes.'Quem
angariar cinco assinaturas novas, terá direito a urna assinatura
gratuita (para si mesmo ou para a pessoa que indicar). A
difusáo de «P. R.» depende, em boa parte, da cooperacáo dos
amigos.

2) Poderia o leitor enviar á Administracao de «P. R.»


(Av. Rio Bronco n? 9, s/ 111-A, GB, ZC-05) os nomcs c endc-
recos de pessoas que se intcressariam pela leitura de «P. R.» ?
Seja lícito acrescentar: aos nossos correspondentes solici
tamos mandem com a clareza possível o teor de seus pedidos,
os respectivos nomes e enderecos. Aceitamos cheques pagáveis
no Estado da Guanabara, ordens de pagamento, cartas com
valor declarado, vales postais.

Tudo que se refere á Administracao e as financas de


«P. R.» seja dirigido á Editora Bettcncourt Ltda., Av. Rio
Branco, 9, s/ 111-A, GB, ZC-05. O que diz respeito a redacao
de «P. R.» seja enderecado á Caixa Postal 2.666, GB, ZC-00.

Gratíssimos pela valiosa colaboracao.

A Administracao

— 184
A RADIO TUPI DA GUANABARA

aprésente os programas

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

todos os domingos, das 6h 30min as 7h, na palavra de

D. Estéváo Bettencourt O. S. B.

«CONVERSA DE TRES MINUTOS»

de segunda a sexta-feira, as 6h 50min, por

monges de Sao Bento da GB


NO PRÓXIMO NÚMERO :

Que é o estruturalismo ?

«lgre¡a do futuro sem padres»

Nova pastoral do Batismo

Arte, palavráo e censura

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Bogamos a todos efetuem seas pagamentos com a possível
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