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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. EstevSo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ANO Vil
fHHLJOl" BOA • j .. ■ ■■
CE^T HAL

4.4 t*4. _
83
NO V E,M Bi R C

1 9 6 ■ ' 4
ÍNDICE

I. CIENCIA E REÍ.IGIAO

1) "Que pensar do livro 'Religiáo: pros e contras' do Pro-


'.ssor Antonio da Silva Mello ?

Auténtico testemunho de sabedoria e hwnüdade, como se Um


itor i67

H. MORAL

2) "As leis do tráfego obrigam em consciéncia ? Transgre-


i-las será pecado ?" i78
S) "Que dizem os psicólogos contemporáneos diante do nume-
osos desastres de tráfego registrados em nossos dios ?" 487

m. DIREITO CANÓNICO

4) "Acabo de ler em um dos nossos semanarios ilustrados


ue, conforme declaracdo do Papa Paulo VI, os mortos incinera
os doravante nao estaráo proibidos de receber os últimos sa-
ramentos. Cf. 'Mánchete' »• 6SS, SO/VI/X964, pág. 16,

Que há de eerto o propósito ?" •••■- *9S

IV. HISTORIA DO CRISTIANISMO

5; "Os jomáis noticiaram a fundacáo de um Secretariado


la Igreja Católica que se dirigirá a comunidades «áo-cristós.

Que finalidade pode ter é3se contato do Catolicismo com


•utras creneas ? Vamos chegar a fundir os credos religiosos V ... 496

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERG UNTE E RESPONDEREMOS»

Ano Vil — N' 83 — Novembro de 1964

I. CIENCIA E RELIGIAO

HAGO NATAL (Rio de Janeiro) i

1) «Que pensar do livro 'Religiáo: pros e contras* do Pro-


fessor Silva Mello?
Auténtico testemunho de sabedoria e humildade, como se
tem dito?»

O Prof. Antonio da Silva Mello, médico e dentista, publi-


cou em 1963 a obra ácima, em dois volumes destinados a ser
um «Manual de ateísmo». — «Pois convenhamos: assim como
os crentes precisam de manuais e de toda urna superestrutura
a teología — para nao cair em tentagáo, assim também al-
guns ateus necessitaráo de dados e fatos para nao cair em
tentagáo oposta». Justamente para prover a esta riecessidade
dos incrédulos é que o escritor redigiu.os volumes em foco (cf.
1* orelha da capa). Tal obra, portante, nao é mero balango
de razóes que recomendem ou desabonem a Religiáo, mas tenta
ser verdadeiro desmentido a toda e qualquer arenga religiosa.
Em duas etapas, procuraremos avaliar o significado de «Re
ligiáo: pros e contras», propondo primeramente observagóes
de conjunto, ás quais se seguiráo comentarios de índole mais
particular.

1. Observagóes gerais

■ A obra do Prof. Silva Mello atesta inegavelmente a leitura de


algumas iontes de erudicáo. Pode-sé admitir que o autor tenjia sido
inspirado por sinceridade e lealdade esforcando-se por dar bases so
lidas ao ateísmo.

Nao se negará, portanto, o que esse livro representa de positivo:


o déselo de mover todos os homens a honestidade e a beneficencia
desembaracadas de todo tabú e de toda crendice infantil.

Pergunta-se, porém: o autor terá realmente conseguido re-


digir um «Manual de ateísmo» ou urna obra que forneca argu
mentos decisivos em favor da incredulidade?

Um exame desprevenido do texto leva a ver que o Prof.


Silva Mello ficou muito longe do seu objetivo, pois sao táó nu-
' «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964¿ cru- 1

merosos e flagrantes os pontos fracos dos seus dois volumes


que estes redundam, antes, em desabono do ateísmo. Sim;
a posigáo do autor, por impressionante que paréga á primeira
vista, difícilmente resiste a urna análise mais atenta. — E o
que esperamos se possa depreender das consideragóes abaixo:

1) Incredulidade humilde?

O Prof. Silva Melld julga que Religiáo é expressáo de um,'


complexo de superioridade da criatura humana. O homem. ten-
de erróneamente a se julgar mais digno e melhor do que as
criaturas visiveis. Por isto pretende elevar-se ao mundo uivisi-
vel- criou a idéia de Deus, e ousou asseverar que o ser humano
é imagem e semelhanga de tal Super-Entidade ou Deus. Movido
por essa mesma ambigáo, o homem afirma que e imortal,.\.
que possui urna alma diferente do principio de vida dos res
tantes animáis, alma que lhe asségura um destino transcenden
te' Foi ésse complexo de superioridade que deu ongem as cren--
cas religiosas conforme Silva Mello. Donde concluí o autor que
é necessário corrigir tal aberragáo do comum dos homens, re-
duzindo-os á incredulidade, a qual vem a ver verdadeira humil
dade e sabedoria:
«Acho o homem urna obra tao deíeituosa, táo mal feita que, para
ser um produto divino, precisaría ser completamente reparada, recon-
dicionada. O que é pior, porlm, é que, pelo seu complexo de superio
ridade do qual faz parte o seu sentimento religioso, tem-se acredi
tado ele pr&um'ente dotado de alma ¡mortal, urna obra divina
suposicao que o tem tornado mais exigente e infeliz, mais pretensioso
lartificial É bom, por isso, que deixe Deus lá ñas alturas e cogite
L sua própria situado cá embaixo, situacáo de. um pobre habitante
da terta, que, nada conipreendendo do universo, também nao procura.
iludir-sejulgando.se urna criatura única, a suprema criacao de um
Deus hipotético. Nao nos esquecamos de que a humildade pode, ser
a maior das sabedorias! Humildade da ignorancia!» (ReliglSo: pros
e contras II 811).
Carlos Heitor Cony assim reproduz o pensamentq de Silva Mello
ñas orelhas da capa (tópicos publicados também no «Correid. da Ma-
«-KeiiEiao: pros e cuntía» ... A. da Silva Mello... faz sua opcjio:
urna opcao feita de humildade e grandeza humana, renunciando saber
tudo1 e procurando 'saber bem1 aquilo que é posshrel saber.... E• um
ateu, e nao senté honra nem pejo em dizer isso... O ateu é, sobretudo,
e contrariando o que os crentes déle afirmara, um humilde. Isso é
o que prova 'Religiáo: pros e contras', um livro humilde e neces
sário Ae um sabio humilde e necessário».
Ora muito ilusoria é essa humildade. O próprio Silva Mello
contradiz a esta atitude que ele pretende tomar como base do
ateismo. — Com efeito, nao parece fazer grande caso de ser

■"• ■ ' ,-■' ; —468— . . : :


«RELIGIAO: PROS E CONTRAS»

humilde quandó escreve no n vol. á pág.- 787, a respeito da


«imortaJidadedaalma»: '.
«É sempre o nosso complexo de superiorídade que representa ai
o papel principal; fazendo-nos ven as cóisas segundo os nossos dese-
jos, reflexos das nossas pretensCes. Dlante de tudo isso, é ra?oável
nrosseguirmos admltindo possulr o homem urna alma: imortal?. Con-
sidero-a quase um trambdlho, sobretudo quando, deppis da roorte,
íica vagando pelo espaco até acabar diretamente no céu ou no Infer
no caso nao passe primeiramente pelo purgatorio. Os tres lugares
parecem-me ominosos, detestáveis pela qualidade de gente que lá se
deve encontrar. Deus me livre de tais companheiros, deixando-me
quietinho no fundo da térra. Quase todos sao muito bons e apreciá-
veis, alguns mesmo excelentes, mas talvez sdmente. cá embaixo, pas-
sagéiramente, nunca para vivemos com éles eternamente». . •
Nesta passagem, o autor, que tanto censura o complexo
de superiorídade do comum dos homens, nao deixa de ceder ao
mesmo, recusando conviver com os seus1 semelhantes (até mes
mo com os inocentes e justos). A germina humildadé exprimir*
-se-ia em tais termos? Nao inspirariam um amor mais com-
preensivo, voltado tanto para os homens perfeitos como para
os imperfeitos?
De resto, o autor é contrario á imortalidade do ser humanó,.em
parte parque está mal informado a propósito: após a morte do indi
viduo nao ficam as almas vagueando pelo espago, mas sao imediata-
mente julgadas por Deus. que lhes atribuí a sancao respectiva (céu,
inferno ou purgatorio). Nao se devem conceber estes estados á se-
melhanca de compartimentos chelos de delicias ou de tormentos; é
no intimo de cada alma (na uniáo com Deus ou na separado de Deus)
que consiste o essencial do céu, dó inferno e do purgatorio (as ques-
t6es de local dimensional sao. neste caso, bastante secundarias).
Nao é, portante, a verdadeira. humildadé que leva a rene
gar a Religiáo ou a fé em Deus e na imortalidade da alma. O
problema dos homens que hoje em dia se dizem ateus, é, em
grande parte, outro: consiste, sim, na falta de conhecimento exa-
to' da própria Religiáo; se a conhecessem melhor, veriam que
nao é táo infantil quanto lhes parece, e mais a estimariam (tal-
yez mesmo lhe dessem a sua adesáo).
Ó reconhecimento da existencia de Deus e dos deveres re
ligiosos está lohge de equivaler a arrogancia do ser humano,
como se éste quisesse, em seu orgulho, saber coisas que estáo
forá do seu alcance... O senso religioso se achá impregnado
no mais profundo da natureza humana, de modo que esta só
«sé realiza» se se eleva até o Invisível ou Deus. Verdadeira
humildadé no homem só pode existir se éste se coloca debaixo
de Deus; sem Deus nao há fundamento-para que o homem
discipline seu orgulho e seu egoísmo inatos.

— 469 —
«üPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964. qu. 1

Verifica-se alias, qué a primeira ciencia cultivada no decorrer da


historia foi a astronomía; ainda hoje se podem reconhecer Observató-
rios astronómicos dos hindus pré-cristaos. O íato é sintomático, pois
revela que o homem teve, em todos os tempos, a sede do Infinito
ou do Invisivel; a procura do céu, ainda que mal conhecido, sempre
marcou as manifestacoes mais grandiosas do homem sabio. Como
entáo se poderiam tachar de aberracáo da personalidade (ou «comple
xo de superioridades) áá manifestacSes religiosas, que todos os povos
apreseritam através dos séculos?
Esta observagáo á posicáo de Silva Mello sugere ¡mediata
mente urna segunda consideragáo.

2) Muitos assuntos,... pouca sabedoria.


Em seus dois volumes (48 capítulos e 889 páginas), o autor
aborda urna multidáo de temas...; alguns déstes pouco se re-
lacionam com a tese central da obra. Nao raro, os assuntos
sao focalizados de maneira assaz superficial; o escritor nao in
dica suas fontes de informagóes; quando cita outros autores,
nao assinala as obras respectivas. Daí resulta que ele é multas
vézes impreciso, superficial ou mesmo totalmente inexato; isto
se verifica em grau máximo quando toca em questóes religiosas,
principalmente do Cristianismo (como se observará um pouco
adiante) Dir-se-ia que está dominado, consciente ou inconsci
entemente, pela intengáo preconcebida de desfigurar e rejeitar.
Silva Mello confessa mesmo que nunca se preocupou com
a procura de provas seguras e evidentes em favor do ateísmo:
nao examinou de maneira filosófica e científica os fundamentos
da posicáo irreligiosa que ele, em juventude, como que «por
efeito de um estalo», resolveu adotar. Como entáo podena rei
vindicar para si alguma autoridade n oseu empenho de refutar a
Religiáo? Haja vista a seguinte passagem:
«Em crianca, pela idade dos 8 aos 10 anos, atravessei urna fase de
extrema rellgiosídade,... havendo as minhas tendencias religiosas de-
SSddEnSSrtSSpo depois. Nao sel como ocorreu essa perdade s
crenca, essa inconversSo, mas parece-me que o processo íol lento, sur-
do; operando-se aos poucos, á minha revelia, até chegar ao ponto
de sentir entáo de maneira concreta e palpável, a conviccao de que
Deus nao podía existir, nao passava de urna hipóte» absurda que
nada pedia explicar. Havia algo como o estalo de Vieira, que no
meu ¿alo teve inversa significacáo. O íato principal é que essa con-
viecáo instalou-se definitivamente no meu espirito, sem_ nunca com
portar qualquer dúvida ou recuo, sequer a preocupacao de encon
trar provas mais seguras e evidentes. Se havia qualquer coisa de
claro, de positivo, de indiscuüvel para mlm, era ésse ponto de vista,
que tinha a f6r¿a de urna verdade por si própria imánente, axio
mática, indiscutível pela sua evidencia. Por isso nao precisava de novas
provas de novos argumentos e justificac3es para manter tal convic-
gao. Em vez disso, o que houve sempre depois foi urna grande indi-

— 470 —
«RELIGIÁO: PROS E CONTRAS»

íerenca pelos problemas religiosos, que nao mereciam sequer estudo


e atengáo, porque já de antemáo pareciam-me alheios á realidade,
nao passando de absurdas interpretagoes. Se as premissas impu-
nham-se (sic!) assim como falsas ou erróneas, tornava-se natural que
as conclusSes nao pudessem deixar de sé-lo, o que explica a miniia
atitüde de indiferenca, quase do desprézo pelas questóes teológicas...
Nunca pense! em ocupar-me especialmente da questao religiosa, táo
fora se encontrava ela das minhas tendencias e preocupacSes...» (II
vol., pág. 8024).

Esta segunda observagáo de índole geral será exemplifi-


cada nos tópicos que agora se seguem.

2. Observares particulares

Realzaremos alguns" dentre os diversos assuntos em que


Silva Mello manifesta insuficiente ou erróneo conhecimento- da
Religiáo, Religiáo que, mesmo assim, ele pretende criticar.

1) Historia bíblica e historia do Cristianismo

Deteremos nossa atencáo sobre o cap. XXXIV do n volu-


me, que trata do Judaismo e do Cristianismo.
A pág. 612 lé-se:

«Quanto ao Velho Testamento, parece ter sido escrito primitiva-


mente em hebraico e traduzido para o gregopor ordemdo imperador
egipcio Ptolomeu FUadelío, que viveu de 183 a 246 antes de Cristo.
O trabalho íoi executado por 70 sabios hebreus, provtado dessa tra-
ducao grega a versao latina, a chamada Viügata de Sao Jerónimo,
que os judeus e os protestantes consideram em parte como apócrila,
embora seja a aceita pelo catolicismo.»

Esta breve passagem refere mais de urna noticia falsa.


a) A pretensa historia dos setenta sabios aquí consignada
é hoje era dia reconhecida como lenda, por parte dos estudiosos
tanto judeus como cristáos. O Prof. Silva Mello nao sabe
disto?
Note-se outrossim a contagem de anos: «de 183 a 246 antes
de Cristo»... Os números deveriam estar invertidos, pois se
trata da era pré-cristá. «Mero erro de imprensa!», dir-se-a.
Admitimo-lo sem dificuldade.. '. Confessemos, porém, que o
erro é grosseiro; somado a outrcs muitos que ocorrem em ou-
tras páginas do trabalho, parece revelar, no mínimo, descui
do de revisáo, concorrendo para o discrédito geral da obra.
b) A tradugáo latina da Biblia baseada no texto grego dos
LXX intérpretes é chamada «Vetus Latina» ou p'ré-jeronimiaiia,

— 471 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 1

nao «Vulgata», como diz o autor. Justamente S. Jerónimo


reféz a traducáo latina, partindo dos origináis hebraicos; é a
esta versáo que se dá o nome de «Vulgata» latina!
c) S. Jerónimo nao traduziu alguns livros do Antigo Tes
tamento, livros que os judeus e os protestantes hoje em dia
nao reconhecem como escritos bíblicos. Em conseqüéncia, S. Je
rónimo é considerado como autoridade, ao menos pelos protes
tantes. Nao é, pois, a «Vulgata de S Jerónimo» que os protestan
tes rejeitam como «apócrifa», mas é a Vulgata como ela foi edi
tada posteriormente na Igreja Católica (com os sete livros que
os protestantes e judeus chamam «apócrifos»).

A propósito dos apócrifos, veja «P.R.» 6/1957, qu. 5.

Pág. 615: «Favos de mel estáo mamando dos teus labios,


ó esposa!». O autor tenciona citar o Cántico dos Cánticos 4,11.
Houve, porém, um erro de imprensa: em vez de «mamando»
(o que no caso é ridículo), dever-se-ia ler «emanando» ou en-
táo: «Teus labios distilam o mel, ó bem-amada!»

Pág. 616: O autor se refere a dois catálogos de livros


bíblicos que estavam em uso entre os judeus: um catálogo, mais
ampio (em que se encontravam os livros de Tobías, Judite, Ba-
ruque, Sabedoria, Eclesiástico e I/H Macabeus), catálogo éste
adotado pelos israelitas de Alexandria e pela Igreja Católica.
O outro catálogo carecía dos sete livros mencionados; era o
dos judeus da Palestina; foi preferido por Lutero.

A éste respeito escreve Silva Mello:


«Lutero levantou-se contra todos os textos discutidos, tanto do
Velho quanto do Novo Testamento. Nessas condicSes, a Igreja cató
lica teve de se manifestar, havendo decidido pelo Concilio de Trento,
reunido em 1546, que a traducSo grega dos setenta era de Inspira-
cao divina e dcvia ser considerada como Infalivel. Mas os protestantes
continuaram nao aceitando o que fóra recusado par Lutero, de ma-
neira que, ñas suas Biblias, nao figuram o Eclesiastes, a Sabedoria
de Salomáo, Baruch, Tobit. J<udit. e Macabeus I e II. No meu exem-
plar recebido como presente de formatura no Granbery, num ginásio
de Juiz de Fora mantido por metodistas norte-americanos, dos quais
Granbery íoi um dos bispos mais notáveis, nao figura nenhum dos
livros que acabam de ser citados, exceto o Eclesiastes.»

A propósito déste trecho, pode-se observar:

a) O Concilio de Trento de modo nenhum se pronunciou so


bre «a tradugáo grega dos Setenta»; "esta, já havia muitos sé-
culos, nao estava em uso entre os cristáos do Ocidente. O texto
que o Concilio de Trento teve em mira, foi a Vulgata latina, de-

— 472 —
«RELTGIAO: PROS E CONTRAS>

clarando-a auténtica, isto é, tradugáo isenta de erros dogmá


ticos, o que nao quer dizer: «de inspiragáo divina» nem «infa-
Iível».
b) Silva Mello se admira porque o seu exemplar da Biblia,
editado por protestantes, contém o Eclesiastes... Terá sido des
cuido ou excegáo dos editores? — Em verdade, o Eclesiastes
se encontra em todas as edigóes da Biblia, tanto católicas como
protestantes; o que nao existe na Biblia dos protestantes, é o
Eclesiástico!
Desta vez já nao se trata de mero erro tipográfico. O
autor nao teve presente que há na Biblia dois livros distintos
com títulos semelhantes: o Eclesiástico e o Eclesiastes! Táo
pouco conhece ele a Biblia!
A pág. 616, lé-se: «A edigáo da Biblia considerada como a
mais auténtica... foi escrita primitivamente em hebraico... A
traducáo hebraica é julgada a mais aproximada do texto pri
mitivo» .
Erro tipográfico, sim... Erro, porém, que nao podía ter
escapado a um revisor conhecedor do assunto ou, ao menos,
idóneo e atento; dever-se-ia ler: «a traducáo grega».
Pág. 617. Aludindo aos sete mencionados livros do Antigo
Testamento chamados «apócrifos» pelos Protestantes, diz Silva
Mello:
«... Apócrifos, que merecem da Igreja anglicana bastante crédito,
embora nao entrem no livxo de suas preces habituáis. É o contrario
dos católicos, que, apesar da, aprovagáo formal do Concilio de Trento,
parece (ou parecem?) terem dúvidas quanto ao valor canónico daque-
les textos. A Igreja grega, por urna ironía da ristória, seguiu os pro
testantes, nao aceitando os livros em questáo, embora a sua autori-
dade baseia-se (ou se básele?) no texto grego da Setuagen&ria!»
Os dizeres ácima sugerem duas advertencias:
Justamente os católicos nao nutrem dúvida sobre o valor
canónico dos sete citados livros: consideram-nos parte integrante
e indispensável da Biblia Sagrada. Os anglicanos nao pensam
assim, embora os leiam como escritos piedosos.
«O texto grego da Setuagenária!». — Setuagenária é aque-
la que tem setenta anos. Ora tal nao é o caso do referido texto
grego, que conta mais de 2.000 anos; é, sim, chamado «dos Se
tenta (Septuaginta, em latim), intérpretes».
Pág. 621. Encontra-se a passagem seguinte:
«As epístolas de S. Paulo... nao mencionam Maria, como tam-
bém nao os Evahgelhos de Sao Marcos, de Sao Joao e o Apocalipse.
As referencias de Sao Mateus e Sao Lucas sáp provávelmente lnterpe-
la$Ses, porque, como é conhecido, estao em contradicho com as genea
logías désses Evangelhos.. .>

— 473 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 1

Sem levar em conta a informacáo inexata como tal, ape


nas chamaremos a atencáo para mais um erro assaz ridículo:
«interpelacdes» em vez de interpolacoes».
Pág. 622. Infdrmagáo errónea numa frase mal construida:
«Muito importante é o fato de todos os Evangelios... haverem
sido escritos muito tempo depois da morte de Jesús vlr ao mundo».
Erro de tipografía ou erro de lógica? — Nesse estilo, po-
de-se fazer critica realmente abalizada?
Pág. 624. O autor refere-se ao texto de Mt 28,19: «Ide e
pregai a todas as nacóes, batizando-as em nome do Pai, do
Filho e do Espirito Santo», e diz:
«Tem-se mostrado que isso está de acordó com a doutrina da
Santíssima Trindade, da qual nem Marcos nem Lucas podiam ter co-
nhecimento. Nos Atos dos Apostólos, o batismo era íeito única e ín-
variávelmente em nome de Jesús. Tem-se concluido que o versículo
n§o deve ter sido escrito pelo próprio Sao Mateus, sim por qualquer
teólogo depois déle, quando a igreja aceitara o dogma da Trindade,
'táo desconhecido do próprio Cristo quanto o seria a nona sinfonía de
Beethoven'. O dogma da Trindade surgiu alguns sáculos depois, apa-
recendó nos textos latinos sdmente a partir do século sexto. A questáo
permaneceu táo cheia de controversias que, ainda em 1897, na Congre-
gacáo do Santo Oíício de Roma, discutiu-se se podia ser ela negada.
A conclusáo foi de que nao podia ser negada, 'embora vinte e tres
anos depois o eminente teólogo católico, Heinrich Vogel, de Bonn, pu
blicando urna nova edicao critica do Novo Testamento em grego, dei-
xasse a questSo simplesmente de lado'»-.

Éste trecho sugere breve comentario:


A passagem de Mt 28,19 está em todos os manuscritos gre-
gos e ñas antigás traducóes do Evangelho de S. Mateus. Os
críticos leáis nao duvidam de que fazia parte integrante do texto
original; é, portante, expressáo do dogma da SS. Trindade, en-
sinado pelo próprio Jesús. Éste artigo de fé nao foi acrescen-
tado ao credo séculos depois, como supóe Silva Mello.
O autor mais urna vez faz cohfusáo. O texto trinitario
controvertido nao é o de Mateus 28,19, mas o da 1» epístola de
S. Joáo 5,7b-8* (o chamado «coma joaneu»):
«Tres sao os que dáo testemunho no céu: O Pal, o Verbo © o Espi
rito Santo, e estes tres sao um so. E tres sao os que dao, testemunho
na térra: o Espirito, a agua e o sangue, e estes tres sao um só».

A fórmula trinitaria aquí encontrada aparece pela primeira


vez no séc. V, sob a pena de bispos da África. Terá sido in-
troduzida no texto de Sao Joáo por essa época. Na Idade Media
era tida como genuína. No séc. XVI, porém, os críticos comer
caram a duvidar de sua aútenticidade... Aos 13 de Janeiro de

— 474 —
«RELIGIAO: PROS E CONTRAS»

1897, a Congregagáo do S. Oficio, tendo em vista os abusos da


crítica racionalista da época, declarou nao ser lícito aos católi
cos recusar á autoridade do «coma joaneu» (texto ácima subli-
nhado). Tal pronunciamento, porém, era meramente disciplinar
e provisorio; nao visava proibir os estudos dos críticos católi
cos sobre a genuinidade do texto discutido, como declarou expli- -
tamente o S. Oficio aos 2 de julho de 1927. Hoje em día a exe-
gese católica, conv a aprovagáo do magisterio oficial da Igreja,
nao hesita em rejeitar o coma joaneu como interpolacáo ao /
texto de S. Joáo. — Isto, porém, está longe de significar que
o próprio dogma da SS. Trindade tenha sido tardíamente cria
do ou inventado pelos teólogos...
Pág. 626. Acha-se: «No Concilio de-Nice, do ano de 325
da nossa era...». Corrija-se para Nicéia. Houve, sim, um con
cilio regional em Nice (Trácia), mas no ano de 359. Outra con-
fusáo de quem pouco entende do assunto...
Pág. 634. Lé-se: «Desde que cessou de ser perseguido, o
Cristianismo tornou-se violentamente perseguidor Teodorico
proibiu os cultos dissidentes e toda idéia nova foi considerada
como inimiga».
Mais urna vez, equívoco... O soberano que o escritor tem
em vista, nao é Teodorico, mas Teodósio I o Grande (379-395).
Éste Imperador Romano consolidou as leis promulgadas por
Constantino I (313-237) em favor da Igreja, tornando mesmo o
Cristianismo religiáo oficial do Imperio. O «Teodorico» que in-
terveio com maior projecáo na historia da Igreja, teve atuagáo
assaz diversa da que Silva Mello descreve: rei dos "Ostrogodos
(471-526), era ariano (alheio á Igreja como tal ou ao Cristia
nismo ortodoxo); para com o Cristianismo tomou atitudes de
tolerancia até 519; no fim do seu govérno, porém, tornou-se
infenso aos cristáos, mandando prender alguns dos mais famo
sos déstes, entre os quais o Papa Joáo I (que! morreu no cár-
cere em 526).
Tal confusáo entre Teodósio e Teodorico, ainda que se
devesse exclusivamente ao trabalho tipográfico, contribuí para
langar o discréditó sobre a afirmagáo que Silva Mello tem em
vista na passagem citada: pelo fato de haver Teodósio comba
tido o paganismo no Imperio Romano, nao se pode dizer que
o Cristianismo, «desde que cessou de ser perseguido, se tornou
violentamente perseguidor»!
Assim passamos rápidamente em revista um dos principáis capí
tulos da obra de Silva Mello, procurando mostrar quanto deixa a
desejar. Poderiamos fazer semelhante análise de outros capítulos. Isto,
porém, ultrapassaria os limites do presente artigo, nem seria neces-

• — 475 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 1

sário para evidenciar quáo pouca autoridade possui o escritor para


criticar a Religiáo e, em particular, o Cristianismo.
Ñas linhas abaixo limitar-nos-emos a breves observacóes sdbre
outros tópicos de «Religiao: pros o contras».
2) O conceito de Religiáo
Para o autor, toda Religiáo é sistema que impóe ameacas
e médo, concorrendo para deprimir os ánimos (cf. pág. 650s;
656-8S. 790. 792...).
Reconhecamos que, se de fato Religiáo fósse isso, bem me
recería ser banida da.sociedade. Constituiría verdadeira aber-
ragáo; professaria, sim, a existencia de um Deus que (por seu
conceito mesmo) seria o Autor dadignidade humana e, ao mes-
mo tempo, o Esmagador dessa mesma dignidade. Ora está cla
ro que Religiáo, devidamente entendida, nao pode ser isso, pois
constituiría algo de contraditório em si mesmo. Na realidade,
Religiáo significa a consumagáo da personalidade humana; é a
resposta auténtica, proveniente de um Ser real objetivo trans
cendente, as aspiracóes mais nobres que o hotnem experimenta
em si. Deus é comparável ao polo Norte que agita a agulha
magnética, sem mesmo que esta o saiba, e que faz que essa
agulha só se fixe se se dirige para o Norte. Assim todo homem
é, por sua natureza mesma, inquieto, de tal modo que só se
repousa e «se realiza» quando se volta para Deus, cultuado
na Religiáo. A inteligencia esclarecida e a vontade forte do
homem se afirmara da maneira mais brilhante possível quando
se aplicam a Deus.
O artigo de «P.R.» 19/1959. qu. 1 tenta mostrar como a Reli
giáo sempre inspirou as grandes realizacñes da civilizacSo e da cultura
através dos sáculos.
Em «P R » 73/1964, qu. 2 acham-se catalogados os nomes dé
grandes dentistas do sáculo passado e do presente que cultuaram a
Deus.
3) O conceito de Infinito
Tenha-se em vista a seguinte passagem do vol. II pág. 426:
«O infinito excede ás nossas luoubracóes, é urna nocáo humana
mente inconcebivel porque, além de qualquer limite, podemos imaginar
sempre algo de mais remoto. E o mesmo acontece em relacao ao
passado. porque, antes de qualquer origem, podemos conceber algo
anterior».
O autor parece conceber o Infinito como urna sene sem
fün de seres finitos. Ora tal nocáo é infantil ou ilógica: seres
finitos acumulados nunca dáo o Infinito. Éste é radicalmente de
outra índole: significa a posse simultánea (nao estensa, nem
no tempo nem no espaco)~de todo o Ser. Por isto o Infinito
nao pode ser identificado com éste mundo, que se estende no

— 476 —
«REIIGIAO: PROS E CONTRAS» v

tempo e no espago. É, porém, necessário admitir a sua existen


cia para justificar a existencia dos seres finitos.
De fato. Admita-se um conjunto de espelhos (A, B, C...),
cada um dos quais reflete urna imagem. Dir-se-á entáo que a
imagem do espélho A lhe vem do espélho B, a do espélho B
vem do espélho C..., mas será preciso que nos detenhamos
finalmente nessa serie de imagens relativas: deveremos encon
trar a imagem absoluta ou o objeto como tal, donde procede a
primeira imagem espelhada. Sem ésse objeto absoluto ou inde-
pendente nao se explicaría a serie de imagens relativas ou de
pendentes.-Assim análogamente é necessária a existencia de
Deus; Primeira Causa nao causada, Causa independente, que
explica a existencia das múltiplas causas dependentes que o
mundo apresenta.
Donde se ve a improcedencia do raciocinio seguinte:
«Tiveram as causas, cujo encadeamento a ciencia procura estudar,
um coméc.0, urna primeira-causa? A resposta pode ser afirmativa, por
que é imposslvel conceber-se urna cadeia infinita. Mas pode ser tam-
bém negativa, porque urna primeira causa sem causa nao é concebi-
vel. Sao bécos sem salda, para os quais os filósofos tem procurado
solucáo em geral complicando o transito, em vez de íacilitá-lo»
(II 426).
4) A negagao da alma hnmana
Eis o que a propósito escreve Silva Mello:
«Encontró numerosas provas que demonstran! a sua inexistencia
(da alma humana). Urna délas é a de olharmos em t&rno de nos e
considerarmos a vida dos nossos semelhantes. A regra é de ser elá
de urna insignificancia tao flagrante, táo igual, táo vazia, táo sem
importancia, que nao se compreende porque toda essa gente, que sé
arrasta pela vida de maneira táo'banal deva prosseguir viva no além,
á custa de urna alma que viveu táo vulgarmente cá na térra. E in
significantes somos todos nos, a totalidade dos homens, pois também
os insignes e importantes sao de urna tremenda insignificancia... Eu-
tenho tido ocasiáo de conhecer algún? premios Nobel e confesso que os
achel todos seres humanos multo comuns. nao raro vulgares, logo que
saem da sua especializacáo. Nao vejo porque ou para que precisarían»
ter urna alma, se a negamos ao homem comum. E ésse homem comum
é realmente táo comum, tao vulgar, táo semelhante de caso para caso,
que a sua alma parece-me urna inutilidade, sem qualquer razáo. para
existir» (II 786). '
Em resumo, parece o autor dizer: Nao existe alma huma
na porque julgo que meus semelhantes se comportara de nia-
- neira banal e, por isto, nao merecem permanecer vivos no
Além.
Ora, pode-se replicar, será tal juízo fiel?
Verdade é que todo tipo humano é limitado, mas, dentro
dos limites humanos, nao haverá grandeza ou heroísmo? E, caso

— 477 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964. qu. 2

haja algum herói entre os homens, entáo terá ele sua alma? É
sobreviverá no Além?
Mais aínda: o utilitarismo e o pragmatismo sao criterios
para se definir a verdáde e o erro ou os valores? — Justamente
á pág. 425 Silva Mello rejeita o pragmatismo porque diz que
o bem e o mal sao algo de muito relativo ou variável de acordó
com a civilizagáo e a mentalidade dos homens. Como entáo
pode ele asseverar de maneira táo categórica que nenhuma exis
tencia humana tem valor? E como pode Silva Mello deduzir
désse juízo a inexistencia da alma, se ele mesmo é antiprag
matista?
Os outros argumentos que o autor apresenta para negar a
existencia da alma humana, carecem de lógica e nada provam.
Nao nos alongaremos mais sobre os numerosos conceitos
erróneos dos quais se serve Silva Mello para rejeitar a Religiáo.
Os conhecimeritos que o escritor revela ter désse assunto, nao
permitem que se lhe atribua autoridade; a sua obra só ofusca
por urna aparente érudigáo, que nao resiste a ligeiro exame im-"
parcial. Antes resulta.em desprestigio da causa que ela preten
de defender...
H. MORAL

RAMO (Guanabara)i
2) «As leis do tráfego obrigam em consciéncia? Transgre
dí-las será pecado?»

É impressionante ó número de vitimas provocadas anual


mente por acidentes de veículos ñas rúas e estradas do mundo
inteiro.
Na Franga, por exemplo, em 1955 registraram-se 8.073 mortos e
176.365 íeridos em conseqüéncia de desastres; em 1956, 8.283 mortos
e 180.164 Íeridos. Nao poucos dos que escapam á morte, íicam par
cial ou totalmente inválidos para o resto da vida.
Já que em todos os países civilizados é crescente o número
de veículos e cada vez mais intenso o tráfego, prevé-se ques
tais cifras se váo elevando constantemente, o que se tomará do
loroso flagelo para o género humano.
Para ilustrar esta afirmagao, notem-se os seguintes dados estatis-
ticos.
A Cámara Sindical do Automóvel da Franga informa que naquele
pais em
1900 havia 2.897 awtomóveis
1914 107.000
1938 1.700.000
1946 2.269.000
1956 4.250.000 - •
1960 8.762.492
1964. 9.280.000

— 478 —
LEIS DO TRAFEGO OBRIGAM?

Aos 24 anos, um jovem entre quatro na Franca já possui.o.seu


automóvel próprio. Dos jovens de 16 a 24 anos de idade. 35% afirmam
que a posse de um automóvel é a primeira das aspirares que preten-
dem realizar. No espago de 12 anos, a porcentagem das familias que
tém carro na Franca, passou de 21 a 43%; cresce do 2,5% por ano
aproximadamente. Entre os operarios, apenas 8% possuiam automóvel
em 1953; em 1961, já eram 27%; em 1962, 30%.

As autoridades civis e policiais ñas diversas nacóes tém bai-.


xado normas minuciosas a respeito do tránsito, visando dimi
nuir as possibilidades de acidentes. Contudo nem sempre se
tém obtido os resultados desejados, pois há quem viole tais leis
com certo descaso mais ou menos intencional; há quem julgue
tratar-se de normas discutíveis, arbitrarias, as quais só teráo
o valor de leis penáis (leis que apenas obrigam o cidadáo a pagar
a respectiva multa, caso seja apreendido em flagrante trans-
gressáo). — Daí a razáo de ser da pergunta que encabeca éste
artigo.
Procuraremos desenvolver a resposta, percorrendo quatro
etapas.

1) As leis do tráfego obrigam em consciéncia, de modo que -


a infracao das mesmas pode constituir verdadeiro pecado ou
transgressao da Iei de Deus.
Na verdade, as normas do tránsito dizem respeito e inte-
ressam, direta ou indiretamente, á cohservagáo da vida hu
mana . Sao como que urna aplicagáo da Iei natural corroborada
pelo quinto mandamento do Decálogo: «Nao matar!», aplicagáo
ao setor dos automobilistas, ciclistas, pedestres, etc. Donde se
vé que o menosprézo de tais normas vem a ser, em última anar
lise, o menosprézo da Iei natural corroborada por urna lei posi
tiva divina.
Nos Estados Unidos da América foram recentemente realizadas
«Jornadas Religiosas para promover a Seguranca do Tráíego». Lem-
brou entáo o Governador do Estado de Connecticut que «o manda
mento de Deus 'Nao matar' nao se aplica apenas á pessoa que traz
urna arma na máo, mas também ao motorista assentado diante do vo
lante do seu carro».

Nao se pode, pois, dizer que as leis do tránsito sao leis me


ramente penáis.
Verdade é que quem comete um acídente de tráfego, na
maioria dos casos nao tem a intengáo de matar ou ferir o
próximo. Contudo por leviandade, imprudencia, embriaguez ou
outro motiva provoca a desgraga. O seu grau de culpabilidade
poderá variar; será sempre proporcional á negligencia óu á te-
meridade á qual tal motorista se tiver entregue. . .

— 479 —
«PERGUNTH B RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 2

A título de curiosidade, aqui observamos que uní especialista nor


te-americano, A. R. Lauer, com certa ponta de humorismo e exa
gero, apontou quinze causas de dlstracáo do automobilista. Transcre-
vemo-las abaixo, nSo porque cada urna dessas observacSes tenha au-
toridade em si mesma, mas porque Jembram, do seu modo,'algo de
certo, isto é, que leves inadvertencias junto ao volante podem ter gra
ves conseqüéncias:
1) procurar espantar ou matar um inseto que se tenha introdu-
zido no carro;
2) comer ou beber, enquanto se guia;
3) acender um cigarro, um charuto ou um cadhimbo;
4) esfregar os olhos;
5) escutar radio, virar os botOes do aparelho radiofónico;
6) entregar-se aos devaneios da fantasía;
7) brincar com urna crianca ou um caozinho;
8) guiar «com a ponta dos dedos»;
9) contemplar-se no espélho (agáo nociva apenas ás mulheres no
volante);
10) deixar-se absorver pela consideracáo da maquinaria do su-
tomóvel (agáo prejudicial apenas aos varaes);
11) olhar atentamente para os pedestres (sem distincao de sexos),
fazer-lhes sinais;
12) virar-se para admirar um panorama, ou para considerar um
objeto ou um espetáculo qualquer;
13) inclinar-se para dar urna <espiada> num jornal, num guia tu
rístico, num mapa, etc.;
14) conversar com um passageiro, principalmente se é necessário
virar a cabeca;
15) interessar-se demasiadamente pela «passageira» ou pela cliente
feminina do velculo.
(citacáo colhida em «Psychologie de rautomobiliste et sécurité
routiére» de R. Piret, pág. 24);
O leitor fará o devido descontó a essas indicacSes humorísticas,
aproveitando a admoestacáo & vigilancia que elas transmitan.

2) Os desastres de tráíego se devem geralmente a falta de


um oa mais dos predicados que devem caracterizarlo homem e,
em particular, o cristao. Tais predicados seriam a humildade,
a prudencia, a justica, a carldade.

a) Humildade. Pode-se dizer que nao poucos dos infortu


nios do tránsito tem por raiz certo exibicionismo do motorista,
vaidade orgulhosa, o desejo de mostrar habilidade, genialida-
de... Carecendo de humildade, o automobilista julgá estar áci
ma da lei; por isto procede segundo o seu capricho e finalmente
verifica que se enganou. Contudo verifica-o tarde demais. As
leis do tráfego em geral sao concebidas pela sabedoria e a ex-^
periéncia de peritos que visam defender o bem cpmum daqueles"
que transitam pelas estradas.

b) Prudencia. Esta é a virtude que deve nortear todos os


atos humanos. Exige atengáo e reflexáo antes de qualquer ati-

— 480 —
LEIS DO TRÁFEGO OBRIGAM?

vidade; leva também a pessoa a prever as conseqüéncias de


seus atos e a procurar exercer auto-disciplina ou um certo do
minio sobre si mesma. A prudencia está longe de equivaler a
moleza; é, antes, urna lucidez dinámica ou a aceitacáo de um
«risco calculado».

Ora grande número de acidentes deve-se a imprudencia


mais ou menos voluntaria. As estatísticas demonstram que mais
de dois tergos dos desastres de tráfego sao causados nao por
deficiencia de mecánica, mas por descuido, negligencia ou im
prudencia do motorista: éste, enquanto guia, se entrega a con
versas levianas ou coloca-se na emergencia de dar freiadas brus
cas ou carece da pericia necessária para tal estrada ou tal via-
gem. Há também quem se ponha a guiar, acometido por sonó
violento ou por ebriedade (total ou parcial). As faltas de pru
dencia junto ao volante sao cometidas até mesmo po"? pessoas
que, em outros setores de atividade, se comportam com refle-
xáo e seriedade.

As más conseqüéncias désses rasgos levianos nao podem


deixar de ser culpadas (ou pecaminosas).

O Ministerio das Obras Públicas e dos Transportes da Franca pu-


blioou o seguinte quadro referente as causas de desastres automobi-
listicos ocorridos naquela nacao em 1960:

Falta de atencáo em geral 33,69%


Avanco de sinal 21,37%
Excesso de velocidade 19 98%
NSo conservar a direita 12,06%
Ultrapassar sem cuidado 8,78%
Nao fazer o sinal correspondente & manobra 4,95%
Desembarcar sem precaugáo 303%
Virar erróneamente em urna encruzilhada 2,71%

O «Karlsruher Institut für Verkehrspsychologie» chegou a con-


dusao de que 85% dos desastres se devem aos motoristas, e nao as
deficiencias ou imperfeicSes da técnica como tal.

c) Justíga. É a virtude que leva a respeitar os direitos


alheios. Ora todo ser humano tem direito nao sómente á vida,
mas á integridade do seu organismo, a fim de que possa traba-
lhar e assim desenvolver plenamente a sua personalidade. Por
conseguinte, qualquer contusáo ou mutilacáo do próximo pro
vocada por um motorista negligente vem a ser violacáo de direi
tos alheios.

A justíca lesada exige reparacáo por parte do transgressor desde


que éste seja realmente culpado), como se dirá mais adlante.

— 481 —
tPERGUNTB E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 2

d) Caridade. Há também desastres decorrentes do egoís


mo, que é a tendencia quase habitual e predominante da na-
tureza humana após o pecado original: cada qual é inclinado a
conceber o mundo em fungáo de si mesmo ou do «seu» proble
ma pessoal, e nao em funcáo dos interésses dos companheiros.
Cedendo a essa tendencia, talvez haja motoristas que nao cui-
dem de usar luz baixa ao cruzar outro carro, ou de estacionar
em lugar oportuno ou de diminuir a velocidade para nao exci
tar ou inquietar o próximo, etc. — Daí desastres...
De resto, a caridade para com o próximo é impossível sem
um certo dominio da pessoa sobre si mesma. É preciso que o
sujeito esteja em paz consigo para poder estar em paz com os
outros. Já Platáo observava que os cidadáos que perturbam a
vida da comunidade civil, sao geralmente pessoas que perderam
seu próprio equilibrio interior.
O psicólogo E. Mounier, por sua vez, comenta:

«Que havemos de respeitar nos outros se nao primeiramente aqui-


lo que respeitamos em nos mesmos? Se, no momento em que guio um
automóvel, nao estou de posse de mim mesmo, serei incapaz de des-
cobrir o meu próximo. Compreender os outros é algo de inseparável
de urna certa interioridades (Traite du caractére, pág. 531).

Em contraste a essa delicadeza de ánimo, M. Roche des-


creve a «psicología do desastre» tal como ela se costuma verifi
car na realidade:

«Um carro freou de modo um tanto brusco; em consecuencia, o


automóvel que vinha atrás se chocou com ele. A agressividade se
maniíesta imediatamente no motorista de tras contra o primeiro. Mul
tas vézes quem cede a essa agressividade, é especialmente impetuoso
porque nao está certo'de haver feito tudo para evitar a colisáo. Ele
compensa inconscientemente o seu sentimento de culpa mediante a vio
lencia das suas afirmac6es.
Descem rápidamente do respectivo carro os dois motoristas... O
seu primeiro pinar se dirige para os estragos do veiculo próprio. Con-
sideram-nos com o semblante consternado de oima vitima. A seguir,
olham um para o outro, sem poder dissimular por completo o me-
nosprézo que Mies inspira tal incapacidade de guiar normalmente, me-
nosprézo ao qual se mésela freqüenteménte urna certa compaixáo...
Em seguida, tentam explicar como se deram os fatos, embora seja
lamentável ter que parlamentar com um interlocutor táo pouco in-
teressante. Cada qual pensa que está tentando explicar; na yerdade,
cada um procura, antes, justificarse.Justificar-se nao é explicar. O
ocorrido nao é considerado como resultado de um conjunto de fató-
res que podem ser snalisados. mas como um daño, cujas responsabi
lidades é preciso repartir...
Mais tarde talvez, quando a calma tiver voltado ao seu espirito,
cada qual dos motoristas pensará seriamente no desastre e esforcar-
-sea para compreender o seu desenrolar. Se de fato empreenderem

— 482 —
LEIS DO TRAFEGO OBRIGAM?

essa crítica ser-lhe-á difícil realizá-la com íidelidade. As culpas do pró


ximo apareceráo enormes, ao passo que as do próprio sujeito parece-
rao leves. É a tal ponto que os afetos deformam as perspectivas»
(L'homme et la route, pág. 76s).

3) O automobilista realmente culpado de desastre tem obri-


gagao de reparar o daño causado as respectivas vitimas.

A vida e a integridade corporais nao sao bens que pos-


sam indistintamente ser recuperados após haver sofrido lesáo;
escapam, sim, ao dominio do homem. Contudo quem os feriu,
pode ao menos reparar as conseqüéncias de ordem económica
daí decorrentes (incapacidade provisoria ou definitiva de traba-
Ihar, cessagáo de lucros, perda do chefe ou do arrimo da familia,
etc.). É por isto que as autoridades públicas estipulam a ma-
neira de ressarcir danos ocorridos em acidentes; tais determi-
nagóes obrigam em consciéncia.
Caso o réu se esquive a cumprir ésse dever (ou tomando a
fuga logo após o desastre ou servindo-se de falsas testemunhas
ou deturpando por seu depoimento a verdade dos fatos), co
mete üm verdadeiro furto; peca nao sómente contra o quinto,
mas também contra o sétimo mandamento do Decálogo.
A consciéncia crista recomenda ao motorista autor (volun
tario ou nao) de desastre, nao se desinteresse da vitima, ainda
que ele nao tenha culpa do ocorrido; procure, na medida do
possivel, socorré-la, e aceite corajosamente a sua parte de res-
ponsabilidade no caso. De resto, as autoridades civis costümam
tratar com mais brandura o réu de um desastre quando ele
se comporta de maneira digna e magnánima.
4) Toca aos motoristas a grave obrigacao de estudar e exe-
' cutar devidamente as leis do tráfego.
Visto que em nossos dias se multiplicam os veículos (auto-
móveis, motocicletas, bicicletas...) ñas estradas, aumentam-se
os perigos de desastres. Nao é, pois, em váo que as autorida
des governamentais promulgam um «Código de normas pró-
prias para o tránsito» (distribuigáo de máo e contra-máo, limi-
tagáo de velocidade, faixas para cruzamento, etc.). Essas nor
mas sao de importancia capital para salvaguardar o bem co-
mum. Quem nao as queira conhecer e praticar fielmente, arris-
ca-se a tornar-se homicida ou suicida. Ora aceitar um tal risco
já é de certo modo aceitar o homicidio ou o suicidio mesmos —
o que nao pode deixar de ser pecaminoso.
É por isto também que se recomenda aos automobilistas que,
antes de sair em vlagem, veriíiquem se realmente o veiculo se ácha
ñas devidas condicoes de funcionamento, contando com pneus, íreios,
faróis em bom estado. Examine o motorista outrossim as suas con-

— 483 —
«PERGUNTB E RESPONDEREMOS> 83/1964, qu. 2

dig3es de saúde, de resistencia física e psíquica, procurando averiguar


se é senhor dos seus movimentos e das suas reagSes. Grande núme
ro de acidentes é devido ao consumó de bebidas alcoólicas: o Profes-
sor C. Heymans, da Universidade de Gand (Bélgica), julga que 20%
dos desastres de tráfego na Bélgica tém sua causa no abuso de bebi
das: duas ou tres pessoas por semana la sao vitimas da marte por
acSo désse iator (el. Staatscommlssie hoort Prof. C. Heymans over
de Drankwet, em «De Standaard» n» 64, 5-1H-1958). ■

Aos pedestres cabe, sem dúvida, semelhante obrigagáo: pro-


curem estar a par das leis do tránsito que Ihes dizem respeito,
a fím de nao se arriscar a cometer, ao menos indiretamente,
algum morticinio.

Em resumo: «nao será táo difícil mostrar — e é éste o


nosso papel de educadores e pastores — que o automóvel só
será elemento de conforto, de alegría, de comodidade, se obser-
varmos as prescrieóes jurídicas do Código de transito num es
pirito de fraternidade humana e crista, num perfeito dominio
de nos mesmos» (Ph. Delhaye, Psychologie et Morale de l'au-
tomobíliste, em «L'Ami du Clergé», 74e. année, n« 28^
9/VH/1964, pág. 444).

As autoridades da Igreja nos últimos anos tém-se manifes


tado insistentemente a respeito do grave dever de consciéncia
que as normas do tráfego impóem a todas as pessoas interes-
sadas. Lembram que tal assunto bem poderia ser abordado em
aulas de catecismo: as criángas de hoje seráo os adultos do
ano 2.000, ano para o qual se prevé ainda mais ampio recurso
a máquinas e motores, mima civilizagáo absorvente; entáo mais
do que nunca deveráo os cristáos dar o testemunho de uma cons
ciéncia bem formada e cheia de caridade¿.. O mesmo tema
poderia ser oportunamente explanado também nos pulpitos das
igrejas, onde é costume periódicamente recordar aos fiéis os
seus deveres no mundo de hoje. Mais ainda: as óbrigaeóes tanto
do automobilista como do pedestre deveriam ser incluidas ñas
tabelas de exame de consciéncia, püis podem fácilmente consti
tuir materia de confissáo sacramental. Seria preciso, de todos
os modos, despertar a consciéncia de quanto sao serias e graves
as leis do tránsito.
Tenham-se em vista as palavras do Sr. Bispo de Frejus
extraídas de uma Carta Pastoral intitulada: «O Código de Trán
sito tem sentido religioso»: _
«Comecam (os catequistas) a inculcar desde cedo aos adolescen
tes e as criáncas o Código de Transito. É multo oportuno. Desejo que
no catecismo e no pulpito ensinem que se trata de obrigacSes de justica
e caridade, aS quais da.o sentido religioso ao Código de Tránsito; ensi
nem outrossim que o quinto mandamentc- constituí o arcabougo rao-

— 484 —
LEIS DO TRAFEGO OBRIGAM?

ral de tal Código. As consciéndas que ainda nao percebem ou que já


nao percebem mais a gravidade désses deveres, háo de ser desperta
das & formadas. As que seacham deformadas, precisam de ser ratifi
cadas. O exame de consciéncia deve regularmente voltar-se para as
obrigacSes que tocam a todos os que transitam pelas estradas, moto
ristas ou pedestres, apontando a cada um o que lhe diz respeitos.

Vai aqui citada ainda significativa passagem da Carta Fas-


toral de D. Emilio Guerry, Arcebispo de Cambraia (Franca),
publicada aos 3 de maio de 1959:

<Os cristáos pelo fato mesmo de ser cristáos, estao obrigados a


dar a todos o téstemunho da sua vigilancia, da sua disciplina cívica
e do seu senso social no setor da prudencia do tráfego.
Há um modo cristáo de dirigir automóvel; assim também há um
modo nao cristáo.
O modo cristáo é o que pratica as virtudes eminentemente cris
tas e humanas que entram em jógo quando se quer dirigir um auto
móvel ou qualquer outro veiculo: a humildade, a prudencia, a justiga,
a caridade».

Por sua vez, o S. Padre Joáo XXIII redigiu a seguinte


oragáo para uso do automobilista:

• «Deus Pal Todo-poderoso, criastes o homem a Vossa imagem, in-


fundindo-lhe urna alma imortal, que para Vos aspira e que, pelos ca-
minhos da fé quer chegar até Vos e em Vos repousar. Concedel a
nos automobilistas, obrigados que estamos a percorrer as estradas
déste mundo a'servico de nossos irmaos, tenhamos consciéncia da
nossa grave responsabilldade. E mostrai-hos o caminho da caridade
e da prudencia. .-..''
Jesús Verbo Encarnado, que percorrestes as vias déste mundo,
quer por térra, quer por mar, a fim de evitar os vossos inimigos,
curar os doentes, apregoar o reino dos céus, tornai-nos fortes e per
severantes no bem e conservai-nos sempre na vossa graca.
Virgem Imaculada que íóstes o sustentáculo do Menino Jesús nos
caminhos do exilio, a"sua guia ñas viagens de adolescente á Cidade
Santa Vos que estáveis ao seu lado quando galgava o Calvario é
aüe agora, elevada aos céus, sois a via-e a porta do Paraíso, sede-nos
propicia no decorrer da nossa yiagem terrestre. Protegei-nos contra
os perigos da alma e do corpo aos quais estamos continuamente éx-
postos. Tornai-nos bons e pacientes para com o próximo que se confia

Espirites celestes, que percorreis os espacos como mensageiros do


Altissimo, Santos do Céu, Vos principalmente que fóstes apostólos e
missionários, arautos de Cristo, obtende-nos urna fé viva, que guie a
nossa vida para Deus e nos conserve sémpre prontos para a viageni
suprema em demanda da patria eterna, onde convosco louvaremos a
Deus pelos séculos dos séculos. Assim seja.»

' Aos 9 de agosto de 1961, o mesmo Sumo Pontífice benzeu


quarenta cinemas ambulantes destinados a fazer difusáo do Có:
digo do Tráfego.- Formulou entáo a seguinte prece:

— 485 —
«PEKGUNTB E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 2'

«Senhor Todo-poderoso, derramai a vossa béngáo sature estes ci


nemas ambulantes destinados a tornar conhecido o Código de Trans-
sito. Guiados pelas normas déste, possam os vossos servos que percor-
rem as estradas a pé ou em veiculos motorizados, aprender a ser
prudentes, vigilantes, a Vos temer santamente, de modo que estejam
em condicOes de atender com toda a seguranga á sua própria salva-
Cao e & salvagáo do próximo».

É para desejar que os textos e as consideraeóes assim pro-


postos avivem em todos os amigos do bem comum a cqnsciéncia
da responsabilidade que lhes cabe todas as vézes que usam dos
veiculos déste mundo: transitam por esta térra nao siñiplesmen-
te para conseguir lucro ou prazeres temporais, mas, em todo
e qualquer caso, a fim de chegar á patria eterna!

Apéndice

Eis mais um espécimen do rico documentário que as auto


ridades da Igreja tém redigido a respeito da «Moral do automo-
biilsta». Trata-se de urna carta coletiva do episcopado suigo,
datada de 8 de julho de 1957:
. «Falando do dever de proteger a vida, caros diocesanos, nao po
demos silenciar urna das questfies mais atuais: a dos perigos do trá-
íego, perigos multiplicados pelo desenvolvimento técnico da circula-
Cáo...
Em 1955 registraram-se na Suica 45.800 acidentes, que causa-
ram 1.021 mortos e 27.700 feridos. No ano passado (1956) deplo-
raram-se mais de mil mortos, vitimas de desastres na estrada, e
30.000 feridos. A causa désses desastres só por excegáo pode ser
atribuida ao acaso ou as imperfeigCes técnicas dos veiculos; sem dú-
vida, acontece por vézes que alguém seja infeliz e provoque desastre
sem ter culpa nisso. Contudo, na base das estatisticas, é preciso reco-
nhecer que a maioria dos infortunios do tráfego é devida aos próprios
motoristas e pedestres: ora conscientemente se expuseram ao perigo
ou expuseram os outros ao perigo; ora, no seu comportamento, perde-
ram o senso da responsabilidade e negligenciaram as cautelas exigi
das pela.prudencia. As estatisticas de 1955 atrlbuem 8.000 desastres'
ao excesso de velocidade. mais de 7.700 á vlolagáo do direito de prio-
ridade, 6.600 ao desejo de ultrapassar imprudentemente, 5.000 a dis-
tragOes 4.000 ao' fato de nao se conservar a direita, e 2.000 ao abuso
de bebidas alcoólicas.
Diante désses dados, tem-se o direito de desejar urna repressáo
mais severa dos culpados e urna revisao das leis do tráfego... Há
quem se queixe de que as normas atuais nao sao aplicadas em toda
parte e de que os grandes réus de desastres sao punidos com dema
siada brandura. Há também quem solicite medidas mais eficazes para
diminuir o ruido do tráíego, principalmente durante a noite.
... Nao há dúvida. os legisladores desejam debelar os males do
tránsito. Em última análise, porém, éles só podem estabelecer os prin
cipios e prever as sangSes. O recelo de ser colhido pela policía pode
impedir parte dos desastres. Isto nao basta. Seria mais eficaz In-
cutir a todos os que transitam pelas estradas, o sentido da respon
sabilidade (dado que nao o tenham), urna convicgSo mais ihumana e

— 486 —
DESASTRES DE TRAFEGO E PSICÓLOGOS

mais crista dos respectivos deveres para com o próximo. Repentina


mente pode um motorista ou um pedestre encontrar-se diante de
situacSo grave e penosa por suas conseqüéncias: estragos materiais,
ferimentos, doéncas, invalidez, a própria mprte, afetando nao sdmente
os culpados, mas também pessoas inocentes. E quantas vitimas de
desastres entram na eternidade sem ter tido o tempo de se preparar!
Quem avallará também os sofrimentos dos familiares e amigos dessas
pessoas acidentadas? É questao de conciencia: quem transita pelas
estradas, deve-se sentir a todo instante responsável diante de Deus
pela sua própria vida e pela vjda do próximo. Peca gravemente agüele
que brinca com o perigo. As prescric3es legáis obrigam em conscién-
da, desde que se trate de evitar os desastres e garantir a seguranca.
Quem se coloca em viagem, deve cada vez perguntar a si mesmo
se está em condic6es de guiar com seguranca ou se a sua seguranca
está diminuida, talvez mesmó extinta, por motivo de bebidas alcoóli-
cas ou demasiado cansaco ou estado de saúde deficiente. Nao tem
consciéncia a pessoa temeraria que nao se preocupa ou que cede a
folia da velocidade. Comete pecado o motorista que passa á frente sem
ter certeza de que a estrada está absolutamente livre. O pedestre de-
ve também submeter-se as leis do tránsito, as quais constituem igual
mente para ele urna questáo de consciéncia.
Nossos manuais de oracáo háo de levar em conta os deveres im-
postos pelos tempos novos e acrescentar ao exame de consciéncia do
quinto mandamento esta interrogacao: 'Arrlsquei temerariamente na
estrada a minha vida ou a vida de outrem?1. Os educadores, familia
res e mestres devem acostumar a crianca desde tenra idade a observar
as leis do tráfego.
Rogamos multo instantemente a todos os pedestres e a todos os
que guiam bicicletas, carrogas e veiculos motorizados, tomem cons
ciéncia da sua grave responsabilidade. Recomendem-se á protecSo de
Deus Todo-poderoso, aos seus anjos da guarda e aos seus santos pa-
droeiros.. A Igreja, de resto, com prazer concede a sua béncao a to
dos os tipos de veiculos: e a todos os qué possam incorrer em perigo
pelas estradas; Ela previu, em süas oraches oficiáis, belas preces a
ser ditas por todos aqueles que empreendam alguma viagem».

LUÍS (Salvador):

3) «Que dizcm os psicólogos contemporáneos diante dos


numerosos desastres de tráfego registrados em nossos días?»
Nao somente os moralistas e pastores de almas se tém
ocupado com os acidentes automobilísticos da nossa época, mas
também os sociólogos e psicólogos, procurando sondar as raizes
profundas de tantos desastres. Nos últimos tempos tém sido
publicadas varias obras de teólogos, juristas, psicólogos... que
consideram o «fato automobilistico» sob os mais diversos as
pectos. Em conseqüéncia, verifica-se cada vez mais claramente
que o automobilismo e seus desastres nao constituem apenas um
problema de consciéncia e de moral, mas também um problema
de psicología: o automobilista, ao guiar, se encontra numa situa-
cáo de ánimo muito particular, situacáo que deve ser levada em
conta caso se queira remediar aos desatinos cometidos no trán-

— 487 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 3

sito. O homem no volante é, sim, influenciado por fatores psí


quicos que lhe comunicam (talvez sem que ele mesmo o per-
ceba) um modo de ver a realidade um tanto diferente do modo
de ver do pedestre ou do homem da vida cotidiana.
Sendo assim, parece oportuno reconstituir, na medida do
possível, os diversos elementos que marcam (em graus diversos,
como se compreende) a mentalidade de nao poucos dos auto-
mobilistas de nossos dias. O conhecimento lúcido désses ele
mentos será útil nao sámente aos motoristas (que assim esta-
ráo mais habilitados para corrigir as suas fainas), mas tam-
bém aos demais cidadáos, pois todos indistintamente sao pedes
tres, todos transitam (ao menos a pé) pelas rúas e estradas
déste mundo; estáo, por conseguinte, envolvidos no emaranha-
do do tráfego e, conseqüentemente, obrigados a colaborar com
os motoristas.
Vejamos, pois, alguns dos tragos que, segundo os estudio
sos, mais marcam a psicología do automobilista de nosso tempo.

1) A «impressáo de poder»
A civilizacáo do séc. XX condena nao poucos cidadáos a
desempenhar um papel relativamente secundario em presen-
ga das máquinas e dos autómatos. Estes parecem mais podero
sos do que o homem. O ser humano, abracando determinada
profissáo ou desenvolvendo suas atividades, fica subordinado
as leis e á engrenagem dos pujantes aparelhos modernos.
Acontece, porém, que, quando o profissional, em um dia
de lazer, se senta diante do volante (e quantos já nao tém
o seu carro particular?), um sentimento de desabafo lhe invade
a alma; urna impressáo de poder ou de soberanía pode aco-
meté-lo; tal cidadáo entáo aproveita o enseja para provar a si
mesmo e á sociedade que ele é capaz de assumir responsabili
dades, ou seja, a responsabilidade da sua própria vida e da vida
de todas as pessoas que ele transporta ou encontra pela es
trada.
A sensagáo do poder ou do dominio pode fácilmente levar
o automobilista a confiar demasiadamente em sua habilidade.
Diz-se que a maioria dos homens estima excessivamente as suas
aptidóes no setor do volante (como, alias, também em outros
setores...). Um inquérito recém-efetuado na Franca indagava
ao público: «Julgas ser um hábil motorista?». As respostasco-
lhidas tendiam geralmente ao otímismo, mesmo ao otimlsmo
exagerado, como se depreende da lista abaixo:
18% responderam ser muito habéis motoristas; •
27,5% motoristas mais habéis do que os outros;

— 488' —
DESASTRES DE TRÁFEGO E PSICÓLOGOS

53,5% motoristas medianamente (razoávelmente)


habéis;
' o,9% motoristas talvez menos habéis do que ■ os
outros; •
0,1% motoristas certamente menos habéis do que
• ' " ~" os outros. . .

Ora parece que na realidade a cota dos menos habéis ul-


trapassa a cifra de 1%. Observam aínda os estudiosos: a esta-
tística ácima torna-se particularmente significativa se se leva
em conta que a maioria dos desastres se dá com os automobi-
listas que se julgam mais habéis; éste fato, porém* nao os im-
pressiona, pois existe no ser humano a propensáo quase incons
ciente a atribuir «aos outros» a culpa dos acidentesi
Outro elemento que multo marca a psicología do automo-
bilista, é

2) A procura da «emocáo» ou do «sensacional»


Por «emogáo» ou «sensacional» entende-se aqui um estado
de ánimo ambiguo em que a pessoa procura simultáneamente-
o prazer e a angustia ou o risco do perigo.
O gósto do risco é assaz comum, por muito estranho ou \
paradoxal que isto parecá, justamente no séc. XX, sáculo em
que os cidadáos procuram precaver-se contra os mais diversos
'tipos de inseguranca (inseguranca proveniente da doenga, da
velhice, do desemprégo, etc.); considera-se mesmo a «segúran
os social» como urna das grandes conquistas de nossos tempos.
Existe, sem dúvida, em todo homem o desejo ardente de
paz, de garantía, de estabilidade... Contudo nao se pode dei-
xar de reconhecer que permanece sempre na pessoa humana o
que os antigos filósofos chamavam «a faculdade irascível», ou
seja, o instinto do combate, o desejo de conquistar mais e
mais. Dir-se-ia que o homem percebe a deficiencia de todo
pretenso repouso ou de toda pretensa seguranga neste mundo;
nada pode saciar as aspiracóes humanas; é para o Infinito que
a criatura foi feita.
Ora parece que no séc. XX, juntamente com o desejo ar
dente de seguranga, está muito viva em todos os cidadáos a re
pulsa de toda tranqüilidade burguesa, de toda estabilidade «aco
modada»; o ardor da conquista é continuamente excitado nao
só pelas teorías sociais e pelas correntes filosóficas, mas tam-
bém pelas circunstancias da vida prática dé nossos tempos.
E ésse desejo de conquista, mesmo arriscada, em muitos
casos encontra sua satisfacáo junto ao volante de automóvel.
Guiando, o homem ganha espago, ganha tempo. O prazer que
isto acarreta, pode fazer que nao poucos automobilistas em
viagem cheguem a expor a perigo sua própria vida assim como

— 489 —
«PERGUNTB E RESPONDEREMOS» 83/1964. qu. 3

a vida do próximo. Vencer novos e novos obstáculos, realizar


novos «records» é bom ou agradável, ao passo que parar, ces-
sar, mesmo depois da conquista, pode ser menos agradável, pois
implica um certo vazio, um certo depauperamento ou algo de
decepcionante. O automobilista que para, entra em um «mo
mento fraco» (de tensáo fraca, «afrouxada»), ao passo que o
motorista que corre se acha em um «momento forte» (ou de
forte tensáo).

Éste fenómeno explica o dissabor que nao poucos moto


ristas experimentam, quando tém que diminuir. a velocidade
do seu veículo; sentem muitas vézes impaciencia espontánea di
ante de um pedestre que quer atravessar e os obriga a freár
um pouco. «Como estáo apressados ésses motoristas!», dir-
-se-á. Apressados, sim,... mas nem sempre porque precisem
de se apressar ou porque tenham hora marcada para chegar;
apressados, antes, porque todo homem tende espontáneamente
a continuar ou mesmo intensificar o ritmo de sua atividade. É
sempre um tanto molesto modificar ésse ritmo ou interrom-
pé-lo, aiñda que provisoriamente. Ésse desagrado é semélhan-
te ao que experimentamos quando, em conversa, nos interrom-
pem ou nos cortam a palavra... Note-se que a mesma lei de
psicología se manifesta também no pedestre quando éste res-
sente impaciencia por ter que esperar o sinal verde antes de
atravessar a'rúa. Nao é sempre a necessidade de chegar em
breve que provoca o dissabor e a impaciencia, mas, sim, o fato
de termos que mudar o curso ou o ritmo do que estamos fa-
zendo.

Nao é preciso acrescentar mais nada para que se perceba


como fácilmente esta nota marcante da psicología do automo
bilista (e também do pedestre, no caso) pode provocar desas
tres de tránsito!

Oportunas sao. as pálavras do Proí. Pierre Delore na revista «San-


té de l'Homme»:
«Nunca reamaremos bastante a influencia da velooidade em toctos
os setores da vida contemporánea. A tentacáo da rapidez constituí
um dos malares dramas da atualidade... O passo de cávalo, que desde
milenios marcava o ritmo dos grandes deslocamentos do homem, deu
lugar a cadencia incessantemente acelerada dos motores...
A responsabilidade da maioria dos desastres nao toca á máquina,
mas ao homem, que íaz mau uso da máquinas (citacáo de E. de.
Véricourt, Les vlolences mécanlques, fléau moderne, em «Etudes»,
déc. 1959, pág. 363).

Aínda se pode apontar um trago freqüente na psicología


do automobilista:

— 490 —
DESASTRES DE TRAFEGO E PSICÓLOGOS

3) A hita contra a frustragao


Em nossos días acontece que nao poucas pessoas se julgam
menosprezadas ou insuficientemente valorizadas pela socieda-
de: a seu ver, a coletividade nao lhes faz justiga ou nao lhes
concede o lugar que merecem. Com outras palavras: o com
plexo de inferioridade é assaz freqüente. Daí surge, em bom
número de individuos, a tendencia (muitas vézes, inconscien
te) a se fazer reconhecer ou a fazer estimar os méritos que o
sujeito julga possuir. Tal tendencia, oriunda sob pressáo como
fruto de urna oposicáo, fácilmente leva ao exagero, reivindicando
mais do que o razoável.
Serri dificuldade entáo se compreenderá que os ehsaios au-
tomobilísticos se tornem ocasiáo oportuna para o «desabafo»
ou a «compensagáo» de pessoas que assim vivem. O automo-
bilista, na directo do volante, encontra a possibilidade de se
afirmar e de se reabilitar no concertó da sociedade. Há mes-
mo quem procure um auto particularmente vistoso ou apara
toso, ornamentado de modo a se distinguir dos demais da mes-
ma serie ou da mesm'a marca; com ésse veículo póe-se a fazer
««proezas», ostentando a tenacidade e a competencia que a
sociedade aparentemente nao lhe reconhece... Isto explica
muita precipitacáo, muito nervosismo desequilibrado no tráfe-
go, excessos de velocidade, abusos de buzina e, conseqüente-
mente, nao poucos desastres.
Note-se por último

4) A atitude de agressividade

O automobilista empolgado fácilmente passa a ver nos séus


colegas outros tantos competidores, rivais ou mesmo adversa
rios. Disto surge naturalmente urna atitude de agressividade
(geralmente inconsciente) para com os demais motoristas. A
«recusa do outro» é muitas vézes o primeiro reflexo do homem,
asseveram os estudiosos. Como que instintivamente, cada um
tende a considerar o próximo como um rival, um inimigo... ■-.
O Prof. Pierre Joannon julga que o automobilista é muito pro-'
pensó a conceber a seguinte hierarquia de valores:
Um automobilista vale mais do que um motociclista (o qual é

Um motociclista vale mais do que um ciclista (o qual é per-


turbador Incómodo). , .
Um ciclista vale mais do que um pedestre (o qual é um avoado).
Os outros motoristas sao rivais (= «espirito de pora», les sa-
lauds).
Dizem os psicólogos que o homem, passando de simples
pedestre a poderoso motorista, tende a mudar de um polo a

— 491 —
' «PERGUÑTfl E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 3

outro;a-,sua'mentalidade, ou seja, tende a assumir algo da


«agressividade do motor ou máquina», que esmaga o ser hu
mano desapiadadamente.

«O homem 'mais bem educado, junto ao volante, é inclinado a


tornar-se... pouco atendoso... Julga estar serapra no seu direito, es-
quece os seus deveres» (Dr. Étlenne de Véricourt, Les violences mé-
caniques, íléau moderne, em «Études», déc. 1959, pág. 362).

O Prof Joannon aínda acrescentava: «A estrada oferece aos que


por ela transitam, um gigantesco teste de caráter, teste no qual apa-
recem e se ampliam os defeltos do individuo e suas tendencias pro-
íundas por vézes, desconhecidas. 'Mostra-me como guias o teu vel-
culo, e eu te direi quem tu és!1 > (texto transcrito do artigo citado áci
ma, pág. 364).

Como se compreende, tal agressividade, por mais incons


ciente que seja, pode provocar conflitos, choques e desastres...

Isto, porém, nao quer dizer que o automobilista nao deva


ser prudentemente corajoso ao guiar. O médo também pode
ser causa de desastres...

Em suma, estes quatro tragos da mentalidade do automo


bilista (embora nao "se realizem igualmente! em todos os moto
ristas) bem mostram como a moral e a psicología se entrela-
gam na solucáo do problema do tránsito. Urna e outra tem
. que ser levadas em consideracáo pelos mentores da sociedade;
do seu lado, o automobilista se lembrará de que «Mal conduire
c'est trop souvent mal se conduire. — Dirigir mal vem a
ser, em muitos casos, o mesmo que comportar-se moralmente
mal». Os americanos diriam: «A violator drives as he lives»;
o que se poderia assim traduzir: «Cada qual guia como vive».

Bibliografía:

E. Cadeau, L'homme á l'auto. París 1960.


H. Renard, L'automobiliste et la morale chréUenne. LUle.

R." Piretf' Psy^oíogie1 de^ráutomobiliste et sécurité routiére.


SA Laúrent et J Delépierre, Cristóos pelas estradas, em «Revista
Eclesiástica Brasileira» 18 (1959) 155-172.
A. Janssen, Le Cede de la route et la morale, em «Ephemerides
Theologicae Lovanienses», sept. 1858.
Apostolus, L'honneur des autres, em «La Vie SpiritueUe», déc.
1958,*P
"W. 1^^^,^^ Anthrnnologische GesichtSDUnkte
SchoeUgen, Anthropologische Gesichtspunkte zur
zur Verkehrser-
Verketaser-
ziehung, em «Aktuelle Moralproblem».
probleme». Duesseldorf
D 1959, pág. 362-377.

— 492 —
CREMAgAO DE CADÁVERES E
. ..■*
ÍGFSEJA
R. C

Oí. DIRECTO CANÓNICO "//fíf^-pt < O


LEITOR DE REVISTA (Recife):

4) «Acabo de ler em um dos nossos semanarios ilustrados


que, conforme declaracáo do Papa Paulo VI, os mortos incine
rados doravante nao estaráo proibidos de receber os últimos
sacramentos. Cf. •Mánchete* n* 635,20/VI/1964, pág. 16.
Que há de certo a propósito?»

1. Evidentemente a noticia está mal formulada; no teor


ácima ela carece de sentido.
Com efeito, os últimos sacramentos (Confissáo, Comunháo,
Uncáo dos Enfermos), como os demais sacramentos, só po-
dem ser administrados a pessoas vivas: sao subsidios para a
santificacáo do cristáo peregrino na térra. Após a morte, ces-
sando a oportunidade de crescer na graga e no amor de Deus,
os sacramentos já nao tém razáo de ser; por isto nao sao admi
nistrados aos defuntos. A-Igreja em época alguma pode modifi
car tal ordem de coisas.

2. A noticia a que alude a pergunta, refere-se a outro


fato. Trata-se, na verdade, de certa mudanca da disciplina da
Igreja concernente as pessoas que mandam incinerar os seus
futuros cadáveres.

Qual foi, portante, a disciplina vigente até o Papa Paulo VI?


Caso tais pessoas nao se retratassem até o fim da vida,
ficavam privadas de sepultura eclesiástica (cf. Código de Di-
reito Canónico, can. 2291, n. 5 e 1240 § 1 n. 5) assim como
do rito habitual de exequias (can. 1204); além disto, nao era
lícito celebrar a S. Missa em termos públicos e solenes por tais
pessoas após a morte (ficava, porém, a possibilidade de se lhes
aplicar a S. Missa em termos «privados» ou discretos); cf.
can. 1241.

Tais penas assim estipuladas deviam ser aplicadas, se constasse


que o deíunto havia perseverado no seu propósito até a hora da .
morte, ainda que, depois desta, nao se executasse o designio de tal
pessoa.
Todavía, desde que pairasse alguma dúvida sdbre a intenc&o ou
as últimas determinac6es da pessoa, nSo se lhe negava a sepultura
eclesiástica.

A Igreja tomava táo severas medidas contra a cremacáo


dos cadáveres para avivar nos fiéis a consciéncia de que esta

— 493 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 4

praxe é veículo de mentalidade materialista, ao menos em mui-


tos dos seus arautos do séc. XVIII aos nossos dias. Cf. «P. R.»
5/1957, qu. 5. . •

Ora sao justamente essas normas de disciplina que aca-


bam de ser canceladas por urna recente Instrugáo do Santo
Oficio. Isto nao quer dizer que a S. Igreja esteja para declarar
legitima a cremagáo dos cadáveres. Ela o poderia fazer, pois,
do ponto de vista dogmático, nada a rigor se pode objetar
contra ésse tratamento dos corpos dos defuntos (á ressurrei-
cáo da carne se obterá independentemente da sorte que tiver
tocado aos cadáveres; cf. artigo ácima citado de «P.R.»,
assim como «P. R.» 26/1960, qu. 2).
As medidas disciplinares da Igreja dependem das circuns-
' tandas de cada época da historia; visam preservar e favorecer
a mensagem do Evangelho dentro dessas circunstancias. Com
a evolugáo dos tempos, as normas disciplinares da Igreja sao
revistas a fim de melhor corresponder as necessidadesde ou-
tros tempos. Foi justamente o que se deu com as sangóes ou-
trora anexas á incineragáo: as autoridades eclesiásticas acabam
de julgar que já nao sao necessárias, pois os defensores da
cremagáo de cadáveres hoje em dia nao tém própriamente in-
tengáo anticristá. Déste fato, porém, nao se poderia deduzir
que seja lícito aos católicos adotar por sua própria iniciativa
a cremagáo de cadáveres; a proibigáo nao foi abolida, embora
a sangáo a ela assodada tenha sido reexaminada.
3. Para dar claramente a perceber a mentalidade materia
lista que inspirava os arautos da cremagáo no sáculo passado,
váo aqui citados alguns testemunhos que apregoam a indus-
trializacáo e a comercializado das cinzas humanas!
O Dr. Xavier Rudler, em carta ao Dr. Caffe, escrevia:

«Acho que nada há de mais simples do que colocar os cadáveres


em urna retorta a gaz e fazé-los distilar até estarem reduzidos a cin
zas'. O gaz resultante dessa distUacito poderia servir para a iluminacSo,
desde que tivéssemos poderosas máquinas que o depurassem.. ->.

Em pequeña brochura de autor anónimo, intitulada «Brü-


lons nos morts!», Ua-se a seguinte frase:

«Essa combustáo desprende vapores, que é preciso tornar, na me


dida do possível, inocuos. Aguardamos possam um dia ser utilizados;
a ciencia por certo nao deixará de o possibilitar».

O autor inglés Henry Thompson apresentou ao público o


seguinte cálculo:

— 494 — '
CREMACAO DE CADÁVERES E IGREJA

«Dado o número de óbitos ocorrentes na cidade de Londres, po-


der-se-iam recolher dos aparelhos crematorios, no lim de cada ano,
200.000 libras de ossadas humanas destinadas a adubar o solo. Istp
diminuirla consideravelmente as despesas de importado» (Questions
actuelles, t. LXXXII pág. 284).

Aínda ia mais longe o Professor Moleschott, quando en-


sinava:

«Qual nao era o valor dessa poeira que ios antigos depositavanv
ñas urnas de cinzas no iundo dos túmulos!... Se trocássemos um
lugar de sepultura por uñí outro, depois que tivesse servido durante
um ano, teríamos, no íim de seis ou dez anos, um campo dos mais
férteis... Assim se aumentarla a produgáo de cereais» (Hornstein,
Les Sépultures, pág. 148).

Eis ainda um depoimento que bem atesta com a tese da


cremacáo dos cadáveres, no fim do sáculo passado, era suge
rida por urna intencáo filosófica anticristá... Em urna carta
circular da Franco-magonaria encontra-se o seguinte:

«A Igreja Romana langou-nos um desafio condenando a crema


cáo dos cadáveres, que a nossa sociedade até agora propagou corn
os mais vantajosos resultados. Os FF... deveriam empregar todos
os meios para propagar a praxe da cremacáo. A Igreja, proibindo
queimar os corpos, afirma seus direitos sdbre os vivos e os mortos,
sobre as consciéncias e o corpos, e procura conservar no povo eren-
cas antigás íhoje dissipadas á luz da ciencia, crengas concernentes a
espiritualidade da alma e a vida futura» (R. des Se. Ecc, t. LIV
pág. 508).

O Arcebispo de Paris, Cardeal Richard, em carta dirigida


ao clero aos 24/II/189Q, observava:
«As doutrinas professadas pelos homens que procuram enaltecer
a cremacáo, constituem motivo para tornar tal tentativa suspeita aos
fiéis. Em geral, trata-se de homens abertamente filiados á Franco-
-magonaria ou, ao menos, de homens que nao se acautelam suficiente
mente contra a influencia das seitas condenadas pela Igreja ou contra
a seducáo dos erros propagados na sociedade contemporánea pelo na
turalismo sob o pretexto de progresso científico. Alias, já mais de
urna vez os inimigos da Religiao declararam em alta voz que a
grande vantagem da incineragao seria a de afastar dos funerais o
sacerdote e substituir o sepultamento cristao pelas exequias mera
mente, elvis».

(Testemunhos colhidos no artigo «Incinération» de J. Bes-


son, em «Dictionnaire Apologétique de la^Foi Catholique» n.
Paris 1911, col. 637s).

4. Visto que a posicáo negativa da Igreja frente á crema-


cáo se deve a circunstancias históricas contingentes, e nao a

— 495 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu., 5

razóes dogmáticas, compreende-se que tal atítude possa ser re


formada. Foi o que se deu no sáculo passado na India: as au
toridades eclesiásticas mandaram entáo aos sacerdotes católi
cos que nao interferissem nos casos em que os cadáveres de
cristáos eram incinerados por parentes náo-cristáos, em vista
de razóes de prestigio de casta (cf. «Collectanea S. Congre-
gationis de Propaganda Fide», tí> 1626s, setembro de 1884).
Qualquer intervengáo dos missionários nessa praxe provocaría
serias represalias, prejudicando desnecessáriamente a obra de
evangelizagáo dos hindus. ♦ v

Em certas provincias do Japáo a incüieragáo tornou-se


usual para os próprios fiéis católicos, com a licenga da S. Sé,
pois naquele país tal praxe carece de significado anticristáo.

IV. HISTORIA DO CRISTIANISMO

AMIGO ORIENTAL (Sao Paulo):

5) «Os jomáis noticiaram a fundado do tim Secretariado


da Igreja Católica que se dirigirá a comunidades nao-cristas.
Que finalidade pode ter ésse contato do Catolicismo com
outras crencas? Vamos chegar a fundir os credos religiosos?»

Na encíclica «Ecclesiam suam», de 6 de agosto de 1964,


o S. Padre o Papa Paulo VI anunciava ao mundo a sua inten-
gáo de estabelecer um diálogo da Igreja Católica com todos os
homens que créem em Deus, embora nao tenham a fé crista;
e, a éste propósito, mencionava judeus, maometanos, assim co
mo os fiéis de religióes afro-asiáticas:

«Existe um primeiro, imenso circulo, de que nao conseguimos


descortinar os limites, pois se confundem com o horizonte. Dentro
está a humanidade toda, o mundo. Medimos a distancia entre nos e
ele, mas de modo nenhum nos sentimos desinteressados. Tudo o que
é humano, nos diz respeito... .,.,,.'
Depois, vemos desenhar-se a nossa volta outro circulo também
imenso contudo mais próximo de nos. Ocupam-no primeiramente os
homens que adoram o mesmo Deus único e supremo que nos adora
mos: aludimos aos íilhos do povo hebraico, dignos do nosso respeito
afetuoso fiéis a religiao que nos chamamos do Antigo Testamento.
E depois, os adoradores de Deus segundo o concertó da religiao
monoteísta, especialmente da musulmana, dignos de admiracao pelo
que há de verdadeiro e bom no culto que prestam a Deus.
Seguem-se os adeptos das grandes religiSes airo-asiáticas.
Nao podemos, é claro, compartühar essas varias express5es reli
giosas, nem podemos diante délas licar indiferentes, como se todas,
equivalendo mais ou menos urnas as outras, dispensassem os seus fiéis

— 496 —
SECRETARIADO CATÓLICO PARA NAO-CRISTAOS

de investigar se Deus revelou a forma — infalivel, perfeita e defini


tiva — como quer ser conheddo,. amado e servido. E, por dever de
lealdade, devemqs manifestar que estamos certisslmos de que uma só
é a religiao verdadeira: a crista. Alimentamos a esperanca de que
a venham a reconhecer como tal, todos os que.procuran» e adoram
a Deus. •
• Nao queremos delxar de reconhecer desde ja com. respeito os va
lores espirituais e moráis das varias confLssfíes religiosas náo-cristas;
queremos promover e defender, juntamente com elas, os ideáis que
nos podem ser comuns no campo da liberdade religiosa, da fraterni-
dade humana, da sa cultura, da beneficencia social e da ordem civil.
Apuntando a estes ideáis comuns, o diálogo é possivel do nosso lado,
e nao deixaremos de o propor, sempre que haja de ser bem aceito,
num clima de respeito reciproco e leal».

Como se vé, as finalidades do diálogo já vém enunciadas


no texto mesmo da proclamacáo do Pontífice; trata-se de in
tercambio nos setores que interessam a pessoa humana como
tal: promogáo da liberdade religiosa, desenvolvimiento da cul
tura, saneamento dos males sociais, beneficencia fraterna...
Nao se poderia contudo deixar de notar que o S. Padre sali-
entou a necessidade de nao se estabelecer confusáo religiosa,
e rejeitou qualquer tipo de relativismo confessional.

Estas afirmacóes de Paulo VI (em agosto de 1964) cor-


respondem a um movimento de aproximacáo da Igreja em
relacáo aos grupos religiosos náo-cristáos, movimento iniciado
há certo tempo e concretizado, de maneira nova, em Pen
tecostés de 1964, pela fundacáo do Secretariado da Santa Sé
para comunidades náo-cristas.
A fím de se entender devidamente qual o pensamento <^a
Igreja nesse setbr de atividade, importa, antes do mais, re
constituir alguns dos precedentes históricos do referido Secre
tariado.

1. Antes do Secretariado.. .

a) ... até o Concilio n do Vaticano


Nao há dúvida, as circunstancias da vida no sáculo XX
.tém dado ensejo a freqüente e, por vézes, estreito contato de
católicos com náo-católicos: os problemas e empreendimentos
de nossos tempos assumem dimensóes cósmicas, afetando si
multáneamente varias comunidades e exigindo assídua colabo-
racáo entre elas.
Devem-se mencionar também grandes missionarios, que
recentemente descobriram notáveis valores no mundo náo-cris-
táo da África e da Asia: tal o Pe. Charles de Foucauld, na
sua ermida do Saara, entrando em comunicacáo com os mugul-

— 497 —
«PEP.GUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 5 >

manos; o Pe. Monchanin, na India, estudando a ascese do


hinduismo; Dom Pedro Celestino Lou, diplómala chinés que,
convertido ao Catolicismo, reyelou aos ocidentais algo do con-
fucionismo; o Pe. Peyriguére, sabio conhecedor do islamismo;
os bispos D. Plumey, apostólo no Camerún maometanó; D. Ra-
mousse, no Cambodge budista; D. Leonardo Raymond, em
Allahabad (India).

Em abril de 1963, um bispo da Indonesia, D. Antonio He-


bert Thipssen, manifestou o desejo de se fundar, na Igreja, um
Secretariado permanente dedicado as relacóes com as grandes
comunidades religiosas do mundo: ésse órgáo teria por fináli-
dade favorecer útil colaboragáo entre todos aqueles que cul-
tuam a Deus, pois «as grandes religióes enfrentam hoje angus
tiosos problemas comuns, principalmente de caráter sociológico,
como seriam a luta contra a fome e o analfabetismo; também
problemas de caráter espiritual, como o da resistencia ao ma
terialismo e ao comunismo».
Da mesma forma, fora do Cristianismo algumas vozes se
fizeram ouvir nos últimos anos em favor de maior aprojdmagáo
frente á Igreja Católica. Assim um grande arauto dos mu-
culmanos, Rouhani, em novembro de 1962 escrevia ao Secreta
rio Geral do Concilio do Vaticano II:

«O Concilio ecuménico precisa de procurar um setor de entendi-


mento com os. cheíes religiosos monoteístas, a lim de combater o •
marxismo que nos invade.
Tomo, pois, a liberdade de chamar a atencáo do vosso Concilio
para algumas quest3es que dizem respeito as relacñes entre cris-
táos e muculmanos; n&o me move a isto outra finalidade se nao a de
contribuir para melhorar tais relagSes. Caso exista boa vontade dos
dois lados, llavera esperanca de que iremos tao longe quanto póssivel,
íazendo que piedosos anelos se traduzam por atos concretos.»
Sugería entáo Rouhani;
«Seja urna comissao especial encarregada de reunir e rever todos
os textos que se referemi ao Islao ñas bulas, ñas decis6es dos Conci
lios, dos sínodos e da Igreja em geral.
O Concilio íormule urna norma mandando ao fiéis da Igreja que
se abstenham, para o íuturo, de proferir sentencas injustas a respeito
do Islao e do profeta do Isláo.
Realize o propósito mencionado por Joáo XXIII em seu discurso
inaugural, propósito de modificar as maneiras de exprimir os dogmas
católicos»'.
Sem dúvida, éste texto poderia ter sido mais moderado;
contudo parece sugerido por inegável boa fe. ' '
Com relacáo ao budismo, os acontecimentos do- Vietaam
comoveram a opiniáo pública de nao poucos ambientes católicos;
aos 19 de setembro de 1963, o «Osservatore Romano» publicou

— 498 —
SECRETARIADO CATÓLICO PARA- NÁOCRISTAOS

na sua primeira página urna fotografía do Papa, que acolhia


dois bonzos, com o dístico: «Paternidade universal de Sua San-
tidade Paulo VI».
A respeito da propalada perseguido dos católicos aos budistas
no Vietnam, veja «P.R.» 78/1964, qu. 5.

b) Durante o Concilio II do Vaticano

Em 1963, quando os Padres conciliares debateram o tra


tado concernente ao ecumenismo, varios dentre éles propuseram
um contato mais íntimo com as religióes náo-cristás.
Assim o Patriarca latino de Jerusalém, Monsenhor Gori, e
o bispo de Arras, D. Huyghe...
Um bispo chinés, D. Chang, exilado na Europa, lembrou
palavras do Cardeal Doi, arcebispo de Tequio (Japáo):
«No capítulo que trata dos judeus, seria preciso também íalar
das outras religióes náo-cristas, como o budismo e o confucionismo.
A Igreja reconhece as sementes de verdade contidas ñas. diversas dou-
trinas, sementes que podem dispor .as almas a acolher a pregacáo
evangélica. Diante dos nao-cristáos a Igreja toma urna atitude de.
estima e amor, e dar-se-á sempre por feliz ao aceitar a colaboracáo
de todos os homens de boa vontade».

Também o arcebispo de Dakar, D. Thian-Doum, se fez ou-


vir no mesmo sentido. Interrogou: Porque o Concilio nao defi
niría, com intencáo pastoral, «o tipo de relagóes mais' íntimas
que a Igreja Católica deseja promover com as grandes familias
religiosas da humanidade?» Acentuava muito o papel signifi
cativo que entre estás toca ao Islamismo, com seus 400.000.000
de adeptos; realcava em particular:
a importancia numérica do Islamismo na África e na
Asia;
os vínculos que ligam os maometanos com a tradigáo bí
blica, de modo a «aproximá-los do Cristianismo de modo es
pecial»;
experiencias de colaboragáo já empreendidas com bom éxi
to, no setor social e cultural.
Contudo os estudos conciliares em torno do Judaismo e do
Isláo foram dificultados pela situagáo do próximo Oriente, ou
seja, pela tensáo existente entre israelenses e árabes: era pre
ciso proceder de tal modo que ninguém julgasse estar a S.
Igreja tomando partido por uns em oposigáo a outros.
Em conseqüéncia, durante a segunda fase mesma do Con
cilio e logo após (fins de 1963, inicio de 1964), foram dados
os passos oportunos para esclarecer ás autoridades governa-

— 499 —
SECRETARIADO , CATÓLICO PARA NAO-CRISTAOS

mentáis do próximo Oriente que o Concilio se referia a judeus


e mugulmanos exclusivamente do ponto de vista religioso, sem
entrar em questóes de política e nacionalidade. Como resultado
désses ehtendimentos, o Cardeal Bea pode fazer o seguinte pro-
nunciamento, publicado na revista «Civilta Cattolica» e no jor
nal «Osservatore Romano» (ed. francesa) de l/V/64:

«Sabéis que o representante da Liga Árabe junto ás NacSes Uni


das havia declarado, em longo documento publicado em julho do ano
passado, que os países membros da Liga Árabe, assim como os cris-
táos que ai residem, nao seriam contrarios a urna manifestacáo do
Concilio que considerasse únicamente o aspecto religioso do Judais
mo, excluindo o Sionismo e qualquer ponto de vista político ou na
cionalista; ao contrario acolheriam com alegría um tal pronuncia-
mentó . De fato, dizia ésse documento, os árabes' estáo conscientes
dos liames profundos que existem entre o Islamismo e a religiáo
hebréia. Ora a ¿sse propósito nao há dúvida: o capitulo do Conci
lio referente aos judeus trata exclusivamente do aspecto» religioso das
relacdes entre cristáos e judeus. abstendose absolutamente de en
trar em qualquer questao política ou nacionalista. O Secretariado para
a Uniao dos Cristáos empenhou-se, e empenhar-seá, por explicar mui-
to claramente a todos os interessados o caráter puramente religioso
désse capítulo. O Concilio, por conseguinte, tem todos os motivos
para continuar neste setor seguindo a sua via própria, como fiel e
intrépido intérprete da verdade confiada á Igreja».

Estas palavras -de um dos Prelados mais autorizados do


Concilio indicam suficientemente que estáo superados os entra-
ves e possíveis mal-entendidos que poderiam deter um pronun-
ciamento da S. Igreja em favor de relacóes mais estreitas com
os Judeus e até mesmo com os Maometanos.

Vejamos agora o qué se deu

2. Após o Concilio: o Secretariado

Ao encerrar a segunda sessáo do Concilio II do Vaticano


(4/XÜ/1963), S. S. o Papa Paulo VI anunciava o seu desejo de
ir á Térra Santa «a fim de implorar a Misericordia Divina em
favor da paz entre os homens».

A peregrinacáo de fato se deu em Janeiro de 1964. En


trando em contato com judeus e árabes, o S. Padre na gruta
de Belém manifestou sua simpatía nao sómente para com os
cristáos, mas também para com «aqueles que olham o Cristia
nismo como que de fora, pelo fato de serem ou de se senti-
rem estranhos ao Cristianismo»: tais seráo primeiramente «os
adoradores de um Deus único»; a seguir, «todos os homens de
boa vontade, inclusive aqueles que, no momento, nao atestam
benevolencia para com a Religiáo de Cristo».

— 500 —
SECRETARIADO CATÓLICO PARA NAO-CRISTAOS

Sua Santídade entáo afirmou explícitamente:

«Olhamos para o mundo com imensa simpatía. Se o mundo se


Bente estranho ao Cristianismo, o Cristianismo n§o se senté estranho
aoraundo; qualquer que seja o aspecto sob o qual o mundo se apré
sente e qualquer que seja a atitude que ele adate írente ao Cristia
nismo. Saiba, pois, o mundo: os representantes e promotores da Re-
Jlgjiao crista alimentam estima para com ele e o amam com amor
elevado é inesgotável.»

Mais tarde, aos 30 de abril de 1964, na carta apostólica


«Spiritus Paraclitb, o Pontífice exprimía suas recordagóes de
viagem á Térra Santa nos seguintes termos:

«Enquanto percorriamos os lugares veneráveis que lembram o


Cristo Salvador, cercados e saudados por urna multidáo de homens
bem diversos, compreendemos com emocjío que as circunstancias lem-
bravam quanto os nossos pensamentos se devem dirigir para, além
mesmo das fronteiras da Religiao crista, para todas as almas e todos
os povos que adoram e reverencian! o Deus único. Com efeíto, parece
haver estupendos motivos para esperarmos que se reanimem conver
gencia de aspiracaes, reciprocidade de caridade e seguranca de paz
civil e internacional».

Em sua mensagem de Páscoa (29/IH/64), voltava Sua


Santídade ao assunto:

«T6da religiao possui um raio de luz que nao podemos nem des-
prezar nem apagar, mesmo que nao baste para dar ao Jiomem a
clareza de que precisa, nem baste para igualar o milagre da luz cris
ta na qual se encontram a verdade e a vida. Contudo qoialquer reh-
giáo nos eleva ao Ser transcendente, única razáo de ser da exis
tencia, do pensamento, da acao responsável, da esperanca sem ilu-
sáo ' Toda religiao é urna alvorada de íé, e Nos nutrimos a esperanca
de que se desabroche em aurora e no esplendor fulgurante da sabe-
doria crista».

Éste texto, muito otimista como é em relacáo as diversas


formas de religiao da humanidade, nao deixa de se opor ao re
lativismo religioso, pois bem realga a diferenga entre «raio de
luz» e «plenitude fulgurante».

Finalmente, na festa de Pentecostés de 1964 (17 de malo),


o S. Padre proferia urna homilía na basílica de S. Pedro em
que comunicava ao mundo a resolugáo de instituir um Secre
tariado da S. Igreja para tratar de assuntos referentes a co
munidades náo-cristás. Dizia:
<... O coragáo do homem é pequeño, egoísta; só tem lugar para
o próprlo individuo e algumas pessoas mais: as pessoas de sua familia

— 501 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 5

e de sua casta. Quando, após longos e penosos esforcos, ele se alarga


um poucó, chega a compreender sua patria e sua classe social; nao
obstante, mesmo entáo procura sempre erguer barrelras e tragar fron-
teiras por dentro das quais ele se possa refugiar».

O S. Padre lembrava, a seguir, que tal nao deve ser um


coracáo católico; éste, ao contrario, há de ser «um coragáo
magnánimo, coracáo ecuménico, coracáo capaz de acolher den
tro de si o mundo inteiro»; ninguém, melhor do que o fiel
católico, poderá corresponder as «aspiragóes universalistas do
mundo moderno». E apontava certas expressóes do desejo de
se abrir, que anima a S. Igreja em nossos dias:
»

«Considerai o apostolado do clero e dos leigos de hoje. Considerai as


missoes Considerai o Concilio Ecuménico. Considerai a solicitude
que leva a Igreja a entrar em diálogo, leal e respetosamente, com
todas as almas, todas as formas da vida moderna, todas as expres-
s6es sociais e políticas que consentem em dialogar num plano de abso
luta sinceridade e de verdadeira humanidade. 'Considera! a solicitude
que leva a Igreja a se aproximar dos irmáos cristáos ainda separa
dos de nos. Considerai o esfórco que a Igreja faz para abordar, em-
bora em contatos meramente humanos, os que pertencem a outras
religiSes».

O novo Secretariado seria movido pelo Espirito de Pente


costés, que congregou os homens do mundo inteiro numa só fa
milia ou num só povo: o povo de Deus. Em conseqüéncia, acres-
centavap S. Padre:

«Nenhum peregrino, por mais remota (do ponto de vista geográ


fico ou religioso) que seja a sua regiáo de origem, há de se sentir
estranho em Roma, pois Roma até hoje permanece fiel a sua missáo
histórica que a fé católica lhe impOe, missao de ser a patria comum».

Por fim, ainda vém a propósito as palavras proferidas pelo


Sumo Pontífice aos 23 de junho de 1964, quando respondía a
congratulacóes festivas apresentadas pelo Cardeal Tisserant:

«Como sinal da solicitude universal que Nos leva a interessar-Nos


pelos problemas e as necessidades espirituais de todos os homens...,
resolvemos instituir um Secretariado próprio para relacSes com os
homens náo-cristáos, Secretariado que deverá ser meio para chegar-
mos a um diálogo leal e respeitoso com tddos aqueles que créera em
Deus e O adoram...
Dada a sua finalidade precisa, fica evidente que tal Secretariado nao
tem funeao dentro do Concilio II do Vaticano. Contudo ele procede
da atmosfera de uniáo e entendimento que até íioje nítidamente carac-
terizou o Concilio» («Osservatore Romano», ed. francesa, 3/VHI/1964).

— 502 —
SECRETARIADO CATÓLICO PARA NAO-CRISTAOS

Perguntá-se agora:

3. Quais as atribuigóes do Secretariado?.

A diregáo do novo órgáo da Santa Sé foi confiada ao Car-


deal Paolo Marella, bem credenciado pelo contato que teve ou-
trora com as religióes da Asia, pois viveu varios anos no Ex
tremo-Oriente, como Delegado Apostólico (represéntente ponti
ficio) em Tóquio (a seguir, foi Nuncio Apostólico em Paris).
Durante o seu periodo de servigo no Japáo, S. Eminencia
teve mesmo ocasiáo de intervir em urna questáo religiosa sus-,
citada pelas circunstancias locáis. Aconteceu, sim, que a S. Sé
resolveu vedar aos estudantes católicos do Japáo a participagáo
em peregrinagóes aos santuarios chintoístas. Ao tomar co-
nhecimento de tal norma, o govérno japonés replicou retiran
do das escolas católicas os oficiáis do Tiro de guerra; daí re-
sultou naturalmente o esvaziamento dos educándonos católicos,
pois nenhum jovem japonés conseguiría habilitar-se na socie-
dade caso nao pudesse apresentar certificado de exercício mi
litar. Foi entáo que Monsenhor Marella julgou oportuno infor
mar á Santa Sé que tais peregrinagóes tinham significado cívico,
e nao religioso, á semelhanga da visite ao túmulo do Soldado
Descpnhecido em países ocidentais. A Santa Sé reconheceu a
validade da observacáo e. i-etirou a proibigáo, contento que
realmente se tratasse de meras comemoragóes cívicas. Os ofi
ciáis militares voltáram entáo as escolas católicas, e estas re-
cuperaram a próspera posigáo que outrora haviam ocupado. —
Baseado nesta e em semelhantes experiencias, o Cardeal Ma
rella publicou em 1939 um livro intitulado «Speranza di cris-
tiani ih Giapppne» (com prefacio de G. Fapini): a obra ilus
tra as relagóes gue existem entre Cristianismo e religióes asiá
ticas, posibilitando urna reflexáo fiel sobre o problema como
ele se formula atualmerite. "
O Cardeal Marella, após a sua nomeagáo para o novo Se
cretariado, foi a Paris para presidir ás cerimónias do VHI cen
tenario da catedral «Notre-Dame». Deu entáo ao jornal cató
lico «La Croix» (31/V e l/VI/1964) urna entreviste referente
aos objetivos visados pelo recente órgáo dá Santa Sé.
Falando em termos negativos, dizia primeiramente:
«Nao se trata "de urna nova CongregacSo destinada a propagar a
Fé. O Secretariado nao tem em vista diretamonte suscitar um mo-
vimento de conversees (embora éste naturalmente nos seja algo de
muito caro, em virtude dos ensinamentos e da missáo que Cristo
nos conliou).
Menos aínda se trata de um Secretariado para promover a uní-
dade (das diversas arencas religiosas).
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 5

O que, em primeiro lugar, o Secretariado visa. é... nao voltar


as costas ás raassas humanas, aos milhares de homens que nao
conhecem Cristo o Salvador».

Exprimindo-se em linguagem mais afirmativa, prosseguia


S. Eminencia:
«A prlmeira tarefa do Secretariado será a de suscitar, na base
do Direito Natural, conhecímento mutuo e melhor entendimento en
tre cristáos e nao-cristaos. Neste setor, deixar-nos-emos inspirar por
grande respeito pela cultura, a civilizacao, a religiáo e as trádigoes
dos náo-cristaos. . . „ . • .
Tentaremos, por conseguinte, tomar conhecímento profundo das
diversas correntes de espiritualidade do mundo de hoje, assim como
das diferentes formas através das quais o espirito humano mánifesta
o conceito que ele tem de Deus.
O Secretariado nüo" provocará nem debates nem apologética, como
também nao aceitará confus6es religiosas. Terá em mira, sim, reco-
nhecer os valores próprios que haja em cada corrente de espiritua-
lidáde; reconhecer os valores espirituais e moráis que se encontram
em religiOes náo-cristas, principalmente da Asia. Procurará p8r em
foco as múltiplas relagSes que ligam as diversas civilizac.6es e cultu
ras entre si, civilizacSes e culturas que constituem o patrimonio he
reditario de todo o género humano.
Por íim, observava o Cardeal Marella que o desejo de melhor
conhecimento mutuo «haverá de acarretar colaboracáo prática em cer-
tos setores e em determinados géneros de atividades». Entre estas
mencionava: a defesa dos direitos da Religiao como tal em todas as
partes do mundo, a preservacao da lei moral natural, o desenvolvimen-
to e a explanagáo cada, vez mais clara dessas normas da moral na
tural.

Além de tal programa, o Cardeal Marella comunicou quejo


novo Secretariado terá em Roma apenas urna pequeña comissáo
de dirigentes; os seus núcleos de trabalho mais intenso estabe,-
lecer-se-áo fora da Europa, nos países em que haja realmente
ocasióes de contato com grupos religiosos náo-cristáos. Claro
está que ésse sistema de organizagáo exigirá dos responsáveis
do Secretariado grande capacidade de adaptagáo á índole de
cada urna das diversas nagóes náo-cristás; por isto o Secreta
riado espera contar com a colaboracáo tanto do clero de cada
qual désses paises como de estudiosos especializados, principal
mente leigos; intenciona prover-se do mais vasto quadro pos-
sível de peritos espalhados por todo o globo.
Para o cargo de Secretario do novo órgáo da S. Sé foi
nomeado o R. Pe. Hubert Claude, Procurador Geral da So-
ciedade de Maña e antigo colaborador do Cardeal Marella, em
Tóquió.

* * *

— 504• —
SECRETARIADO CATÓLICO PARA NAO-CRISTAOS

Em conclusáo, verifica-se que o novo Secretariado da San


ta Sé tem em vista todos os homens que, de algum modo,
atendem á voz de Deus, voz de Deus que fala no intimo de cada
um através da respectiva consciénda.
Só há um Deus: o Deus que se manifestou por Jesús Cristo.
Ora quem segué sinceramente a consciéncia, está por certo se-
guindo a voz de Deus; é, pois, urna criatura que, em última
instancia, está a procurar o Cristo, mas nao sabe onde o en
contrar. A S. Igreja pretende ir ao encontró désse homem
de bem, nao para o catequizar, nem para discutir, mas tam-
bém nao para suscitar relativismo ou indiferentismo, e, sim,
para o incentivar na fidelidade á leí natural, na sinceridade de
suas atitudes e na prática do bem; para lhe pedir" que ajude os
próprios filhos da Igreja a compreender cada vez melhor a
grandeza de Deus e o valor da docilidade á consciéncia.
Nesse intercambio, é de crer que cristáos e náo-cristáos ve-
nham.a ser beneficiados, beneficiados da maneira que aprou-
ver a Deus.

«Saiba-o o mundo: a Igreja o considera com profunda compre-


ens&o com admiracáo verdadeira, sinceridade dUposta nao a subju-
gá-lo.'mas a servl-lo; nao a depreciá-lo; mas a aumentar a sua digni-
dade; nao a condená-lo, mas a sustentá-lo e salvá-lo» (discurso de
Paulo VI na inauguracáo da segunda fase do Concilio Ecumé
nico, 29/IX/63).

Que frutos precisos resultarlo de tal empreendimento?


Seria áfoito pretender dar resposta a. esta questáo, So-
mente Deus o sabe. Nos, homens, apenas podemos afirmar que
Ele quer, fagamos tudo que esteja ao nosso alcance para nos
aproximarmos uns dos outros, pondo de lado todo particula
rismo "mesquinho.
Ña verdade, ponderar as probabilidades de éxito do,diálogo
seria inútil. Mas o que nao será inútil, é a oragáo, a oragao ar-
dente ao Senhor Deus, para que Ele, em sua Onipoténcia, faga
o que aos homens é impossivel (cf. Mt 19,26).

. Apéndice
Para corroborar as esperangas de todos, seguem-se alguns
textos que manifestam como realmente fora do Cristianismo
há «cabegas de ponte» para o Evangelho de Cristo. Sao pre--
ees e normas que provém do fundo da alma humana, entregue
á sua linguagem espontánea. Em última análise, vem a ser
brados em demanda do Deus único, do Deus que se revelou
por Cristo na SJgreja. . : ■•■•■..

— 505 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 83/1964, qu. 5

Por que nao atendería Deus aos que assim sinceramente


oram? E por que nao se serviría de cada um de nos, cristáos,
para ir ao encontró dos que táo sequiosamente O interpelam?
A possibilidade de vida mística lora do Cristianismo é estudada
em «P.R.» 33/1960, qu. 3.

Textos judaicos

«Pai Nosso,
Que es Pai cheio de Misericordia,
Tem piedade de nos
B torna o nosso coracao dócil
Para compreender, saber e escutar,
Para aprender e ensinar,
' Para observar e praticar com amor
Todas as palavras da tua Lei».
(Ritual)

«Se queréis glorificar a Deus,


Procurai assemeUiar-vos á íile:
Sede, como Ele, justos,
Compassivos e misericordiosos».

(Talmud)

«Respeita todo homem.


Se alguém acolher o próximo com respeito,
Isto lhe valerá .
Como se tivesse bem acolhida o proprio Deus».

(ib.)
Palavras afins as de Jesús:

«Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso»


(Le 6, 36; cf. Mt 5, 48).

«Quem vos recebe, a Mim recebe; e quem Me recebe, recebe Aqué-


]e que Me enviou» CMt 10,40).

Preces maometanas
OracSo intima

«Eis-me, eis-me, ó segrédo meu e coníianca minha!


Eis-me, eis-me, ó íinalidade e sentido da minha vida!
Eu chamo por TI; nao, és Tu que me chamas a Ti.
Como poderia eu invocar-Te, dizendo: 'És Tu',
Se antes nSo me tfvesses soprado ao ouvido: Sou Eu 7...
Teu lugar em meu coracao é meu coracao inteiro,
Nada mais a nSo ser Tu mesmo ai tem lugar».
(Al-Hallaj)

Palavras que lembram as de Sao'Paulo: «Ninguém pode dteer:


'Jesús é o Senhor' se nao pelo Espirito Santo» (1 Cor 12,3).

. — 506 —
SECRETARIADO CATÓLICO PARA NAO-CRISTAOS '

OragSo ritual

«Deus nosso, imploramos o teu auxilio e o teu perdáo;


Cremos em Ti, e conliamo-nos a Ti;.
Estamos compungidos em tua presenca;
Deus nosso, é sómente a Ti que adoramos;
É a Ti que oramos e diante de Ti que nos prostramos;
É ao teu encontró que corremos e nos precipitamos.
Esperamos em tua misericordia,
E tememos teus rigorosos castigos».

(Qoünout, oragáo da noite)

A alma religiosa do chines

«O céu quer que os homens todos se amem mutuamente e facam


o bem uns aos outros. ríáo quer que os homens se odeiem e prejudi-
quem entre si».
(Mei-Ti, séc. Va. C.)

«O sabio se abstém de acumular. i


Quanto mais vive para os outros, tanto mais ele se enriquece;
Quanto mais distribuí aos outros, tanto mais é ele cumulado».
(Lao-Tsé)

Palavras que evocam as de Jesús: «H& mais felicidade em dar do


que em receber» (At 20,35).

Pensadores hindus

«Nao fales de amor ao teu irmao, mas ama!


Deus está em; todos os homens, mas nem todos os homená estao
em Deus; dai provém as suas angustias».
(Ramakrishna)

«Tem amor a todos. Ninguém é algo de diferente de ti. Deus


habita em todos, e nada existe sem Ele».

(idem)

«S6 há um fundamento para o bem social, politico e religioso: ter


consciéncia de que eu e meu irmao somos Um. Isto é verdade para
todos os homens».
(Vivekanahda)

' Estes dizeres, em última análise, sao inspirados pela filosofía


panteista ou monista da India, que identifica a Divindade com o mun
do e o homem. Contudo sao suscetiveis da interpretacáo crista, pois
também o Evangelho fala da habitacáo de Deus (transcendente) na
alma do justo (cf. Jo 6, 56; 14, 23).

O ateu leal de nossos días

. Albert Camus, escritor francés contemporáneo, defende em


suas obras a tese de que a vida é absurda, nao merecendo ser

— 507 — *>
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» ■ 83/1964, qu: 5

vivida. Nao obstante, exorta os leitores a sustentá-la com te-


nacidade á semelhanga do que se dá no mito de Sisifo (os ho-
mens que váo galgandó üm pico íngreme, ao se apróximárem
do topo, habitualmenté resvalam, mas nao desistem de recome-
gar a ascensáo). Chega a ápregoar que o homem deve pro
curar ser santo, até mesmo sem Deus!
Contudo em sua revolta .geral nao deixa de manifestar o
senso de Deus, apresentando, por exemplo, o seguinte diálogo
em «La Peste» (pág. 279):

— «Em suma, o que me interessa é saber como o homem se pode


tornar santo.
— Mas tu nao crés em Deus!
— Precisamente. O único problema concreto que hoje revolvo, é
o de saber se alguém se pode tornar santo sem Deus».

Como se vé, mesmo o ateu sincero langa, sem o saber, o


seu brado a Deus. Espera o Cristo e o Evangelho, que a S.
Igreja, hoje talvez mais do que nunca, deseja transmitir a todos
os homens, proferindo a verdade na linguagem que cada um
fala.
Queira Deus tornar fecunda a iniciativa que Ele mesmo
se dignou assim inspirar! '" '■"

Dom EstevSo Bettericoiirt, O.S.B.

Está á disposicáo. o «Plano para ler a S. Escritura», fichas


que distribuem a Biblia (exceto Evangelhos e Salmos) para a
Icitura cotidiana no decorrer de um ano. Prego : Cr$ 350,00.
Pedidos a qúalqiier dos cnderecos abaixo.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

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