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PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIN.E
1959
ERGUNTE
•'A
Responderemos
* ANO II
ÍNDICE
I. FILOSOFÍA E RELIGIAO
II. DOGMÁTICA
Ano II — N? 17-
I. FILOSOFÍA E RELIGIAl
1. Breve histórico
— 179 —
Sem demora, a Sra. Blavatsky retirou-se para a Europa, deixando
■bastante comprometido o futuro da Sociedade. Quando, porém,
morreu (1891), sucedeu-lhe na direcáo da escola urna de suas disci-
pulas, Annio Besant, a qual havia de reerguer o prestigio da novel
instituicáo.
Annie, filha de familia irlandesa protestante, também abandonou
seu marido, Frank Besant, tornando-se primeiramente pregadora de
materialismo. Após dez anos de propaganda atéia, voltou-se para
o espiritismo, o hipnotismo e a maconaria, até que foi atraida por
Mme. Blavatsky; muito inteligente e ativa, conseguiu ser colocada
á frente da Sociedade Teosófica em 1891.
A nova Presidente esperava um Messias, cujos caminhos ela
quería preparar juntamente com um antigo ministro anglicano a
quem se associara: Charles Leadbeater. Annie Besant féz-se entáo
tutora de um jovem hindú, Jiddu Krishnamurti, que ela apresentava
ao mundo como o futuro Mestre e Salvador da humanidade (cf. «P.
Jt.» 14/1959, qu. 8). Corriam, porém, graves rumores sobre a
moralidade de Leadbeater. Nessa situacáo, o pai do jovem resolveu
mover um processo contra os tutores do menino, obtendo finalmente
ganho de causa, sem resultado prático, porém. Após a sentenga
condenatoria proferida contra Leadbeater, a secao alema da Sociedade
Teosófica, chcfiada por Rudolf Steiner, separou-se do bloco teosofista
(1913), constituindo urna escola independente, hoje dita «Antroposofia»
(cf. «P. R.» 3/1958, qu. 3).
A Sra. Besant ainda se envolveu em movimentos de política da
India, o que lhe suscitou novos amigos e adversarios. Terminou seus
dias em 1933, na sede de Adyar, gozando de prestigio tanto entre os
seus discípulos como junto as autoridades británicas.
Importa-nos agora analisar sumariamente
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2) O Deus dos teosofistas nao é um Deus pessoal, dis
tinto do mundo, mas é substancia neutra que se identifica com
tudo : «A Teosofía, em materia teológica, é panteista : Deus
é tudo, e tudo é Deus» (Annie Besant, Why I became a Theo-
sophist. London 1891, 18).
Ésse Deus, no interior de cada criatura, vai aos poucos
tomando consciéricia de si ou vai-se desenvolvendo. Sao pala-
vras de Mme. Blavatsky:
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chama perde-se e deixa-se «absorver na esséncia universal»
ou Nirvana (cf. Blavatsky, The key to Theosophy 78).
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se move e evolui adquire perfeigáo que nao tinha; nao é, pois,
o Absoluto ou Aquéle que esgota o conceito de Ser Perfeito.
Observam alguns pensadores que o panteísmo é forma requintada
de ateísmo ou a íorma de ateísmo que menos surpreende a natureza
humana, porque aínda conserva o rótulo de Deus, de acordó com
as exigencias da sá razáo. A filosofía nao-cristá moderna nao tende
tanto ao ateísmo como ao panteísmo e monismo. Porque isto?
Porque, na verdaüe, estes equivalem áquéle, guardando, porém,
aparéncias aptas a seduzir o inelutável senso religioso do homem.
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b) a reencarnagáo constituiría um castigo injusto. Per-
gunta-se com razáo: de que serviría a urna alma voltar á
carne, se ela nao sabe por que culpas e taras é enviada a éste
mundo?... se ela ignora quais as etapas que já percorreu na
sua purificagáo espiritual?
c) a reencarnagáo prende-se geralmente a falso conceito
de Deus, ou seja, ao panteísmo, junto com o qual ela é profes-
sada na india. De fato, se nao há um Deus pessoal, que o
homem possa invocar, é éste mesmo quem tem que remir a
si; ora os esforgos do homem em demanda da perfeigáo sao
sempre lentos. Donde se segué que urna serie de encarnagóes
sucessivas se impóe como solugáo para o problema. Esta so-
lugáo errónea, por apregoar auto-redengáo, nao deixa de ser
sedutora, pois bajula o orgulho da criatura humana, dando-
-lhe a ilusáo de que ela de ninguém depende.
Conceba, porém, o homem um Deus pessoal e distinto
do mundo; saiba humildemente que é amado por ésse Deus,
o qual toma a iniciativa de salvar a sua criatura..., e ver-se-á
dispensado de recorrer aos imaginarios ciclos das reencarnagóes!
3) A Teosofía pretende ser «a esséncia de todas as
religióes e da verdade absoluta, da qual urna gota apenas
se encontra em cada crenga» (Blavatsky, The key of Theoso-
phy, ed. franc. 1916, 85).
O título é sumamente lisonjeiro, mas... precisarla de ser
comprovado.
Mme. Blavatsky baseava essa sua afirmagáo no «teste-
munho dos Videntes», isto é, de Mahatmas iluminados do
Tibe,... no ensinamento da «Loja Branca», da «Hierarquia
dos Adeptos»,... na cultura do pretenso continente «Atlán-
tida», cultura que em verdade nao passa de mera ficgáo
literaria de Platáo (como prova a critica moderna). Ora aos
olhos do bom senso humano tais testemunhos exigem muita
fé, e fé nao suficientemente justificada, pois as autoridades
ácima mencionadas sao secretas e incontroláveis; já foram
mesmo mais de urna vez comprovadas nulas-ou falsas, desde
que se tenha podido proceder a um inquérito judiciário.
O que no titulo de «quintesséncia de todas as religióes» multo
atrai os homens, parece ser o caráter relativo que ele comunica a
todo sistema religioso tradicional; a Teosoíia serve para emancipar
o homem de qualquer lei religiosa, conferindo-lhe autonomia em
materia de consciéncia, sem )he deixar ver que na realidade ele
está renegando a Deus...
Na verdade, a Etnología e a Historia das Religides, em suas
conclusoes mais recentes, ensinam que o patrimonio primitivo do
género humano nao é o panteísmo com o seu reencarnacionismo,
mas, antes, o monoteísmo ou crenca num Deus que é Pai bondoso e
tutor da moralidade; cf. «P. R.» 6/1957, qu. 1.
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Feitas estas observagóes, torna-se oportuno por fim notar
que o movimento teosófico, apesar de erros capitais, traz sua
mensagem positiva para o homem contemporáneo, pois cons
tituí urna reagáo de caráter místico (embora de mística falsa
mente concebida) contra o materialismo e o mecanicismo que
invadiam a sociedade em fins do século passado. A Teosofía
significa em plena época de ateísmo que impossivel é ao homem
viver sem Deus, e que, quando ele abandona a face do autén
tico Ssnhor, tem que criar seus ídolos ou forjar um espectro
de Deus.
II. DOGMÁTICA
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as circunstancias mediante os quais Ele quer dar; em outros
termos: o modo como Deus concede suas gragas, as causas
segundas que Ele utiliza para dispensá-las, foram também desde
toda a eternidade intencionadas pelo Altíssimo. Ora entre os
meios que o Criador houve por bem associar á distribuigáo
de seus dons, está a oragao das criaturas. Donde se vé que
esta em absoluto nao é vá, mas, ao contrario, tem lugar impres-
cindível no plano de Deus.
3. Aprofundemos estas idéias, perguntando-nos porque
terá o Onipotente determinado dar mediante a prece dos
mortais.
O motivo é grandioso.
Todas as criaturas subsistem exclusivamente por dom de
Deus. Os irracionais, porém, recebem sem ter consciéncia
disto; desconhecem a munificencia do Criador. — O mesmo
nao se dá com o homem. Éste, dotado de inteligencia, é
capaz de reconhecer o continuo influxo de Deus sobre a sua
vida; por conseguinte, o Criador determinou que o homem
receba as dádivas do Céu nao á semelhanga de um autómata,
mas na qualidade de ser racional, consciente e sequioso do
que recebe; ora a súplica é justamente a expressáo da conscién
cia e do desejo que o homem tem, de ser agraciado. A criatura
que é capaz de reconhecer que ela só vive das esmolas de Deus,
tem de pedir esmolas; a própria harmonía das coisas já por
si nos sugere isto. Ademáis sabemos que, desejando e, na
medida do seu desejo, recebendo, o homem nao pode deixar
de valorizar mais o dom do Pai celeste; excitando e nutrindo
santas aspiragóes, evita a rotina e a tepidez do espirito.
S. Tomaz expóe semelhantes idéias nos seguintes termos :
«Deus em sua liberdade nos concede muitas dádivas, sem mesmo
que as pecamos. Em certos casos, porém. Ele quer dar mediante a
nossa oracao, porque isto nos é útil. Destarte, sim, adquirimos a
confianca de recorrer a Ele e reconhecemos Deus como autor de
nossos bens. Por isto diz S. Joáo Crisóstomo: 'Considera quáo grande
ventura te é concedida, quanta gloria outorgada: eis que podes
conversar com Deus pela prece, entrar t-m coloquio com Cristo,
exprimir os teus desejos e aspiracóes'» (Suma Teol. II/II 83,
a. 2, ad 3).
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a elevar nossa vontade á altura da vontade de Deus a flm
de que queiramos no tempo o que o Pai desde toda a eternidade
decretou conceder-nos.
Do séc. XVI para cá, tem-se dito por vézes que o Sacra
mento da ungáo dos doentes, tal como é administrado na
Igreja, é praxe tardía ou é derivada de costumes vigentes entre
os pagaos. Resumindo todos os pareceres pejorativos a respeito,
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pode-se citar a expressáo de Calvino, que tinha a Extrema-
-Ungáo na conta de «hipocrisia de palhago».
Para resolver as dúvidas, nao haverá melhor processo do
que um exame sereno e sumario das fontes da Revelagáo
crista. Dois sao os textos bíblicos que neste setor interessam o
estudioso: Tg 5,14-16 e Me 6,13.
1. A exortacáo de Tg 5,14-16
Eis a segáo que mais explícitamente trata do assunto nos escritos
do Novo Testamento:
Tg 5, 14 «Está enfermo (asthenéi) algum de vos? Mande chamar
os presbíteros da Igreja, e orem estes sobre ele, unglndo-o com
óleo em nome do Senhor. 15 E a oracáo da fé salvará o enfermo
(kámnonta), e o Senhor o soerguerá, e, se tiver cometido pecados,
ser-lhe-So perdoados.
16 Confessai, portanto, uns aos outros os vossos pecados, e orai
uns pelos outros, para que vos salvéis. Muito pode a oracáo fervorosa
do justo».
1. Aprofundemos o significado dos dizeres de Sao Tiago.
«Está enfermo algum de vos?». O verbo grego asthenéi, aqui
ocorrente, postuma designar doenca física (cf. Mt 10,8; 25,36; Me 6,56;
Le 4,40; 7,10; Jo 4,46; 11,2-4; At 9,37; 2 Tim 4,20). Por vézes no
Novo Testamento toma sentido figurado, equivalendo a «fraquejar
espiritualmente»; o sentido metafórico, porém, é geralmente mani
festado ao leitor pelo contexto — coisa que nao se dá nesta passagem
de S. Tiago, onde o Apostólo (v. 15) designa o enfermo como
kámnonta, isto é, alguém que perdeu todas as fdreas físicas e se
vai extinguindo (cf. Sab 15,9; Jó 10,1). Note-se mesmo que em Tg
5,14s se deve tratar de doenca relativamente grave, pois o autor
supóe que o enfermo, impossibilitado de ir ter com os presbíteros,
os mande chamar á casa.
«Chame os presbíteros...». A palavra grega presbyteroi designa,
segundo a sua etimología, «os mais velhos» ou «os anciáos». Tal,
porém, nao é o seu sentido neste texto, pois «presbíteros» ñas
epístolas do Novo Testamento vém a ser os chefes das primeiras
comunidades cristas, superiores aos leigos e aos diáconos, inferiores
aos Apostólos e aos principáis discípulos déstes (cf. At 11,30; 14,22;
20,17; 1 Tim 5,17.19; Tit 1,5; 1 Pdr 5,1). Se a uncáo qUe S. Tiago
está para recomendar, fósse praticada por leigos, nao se entende
que íicasse reservada aos mais velhos; estes nao sao necessária-
mente os mais inocentes ou os mais santos, nem os mais carismáticos,
dentre os fiéis. Donde se vé que presbyteroi neste texto nao designa
idade (velhice), mas um cargo hierárquico ou a dignidade sacerdotal
(cf. At 20,17.28).
«Orem... ungindo...». Todo o rito está descrito nestas palavras.
Consta da aplicacáo de óleo acompanhada de oragoes ou fórmulas
próprias. Tal é, sem dúvida, a estrutura dos sacramentos cristáos:
compreendem sempre dois elementos, técnicamente chamados «mate
ria» e «forma».
O óleo era utilizado em diversos misteres da antigüidade: tinha
por vézes valor .religioso, servindo para consagrar, ou seja, para
devotar urna pessoa (sacerdote, rei...) ou um objeto (altar, pedras,
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objetos de culto...) ao servico de Deus; podia também ter emprégo
profano ou medicinal, servindo para suavizar dores e fortalecer o
organismo (cf. Is 1,6; Le 10,34). O óleo era assim elemento muito
apto a simbolizar os efeitos de salvacáo, corporal e espiritual, que
S. Tiago está para atribuir ao rito dos presbíteros; em outros termos:
era elemento muito oportuno para servir de materia sacramental,
principalmente ao se tratar do sacramento dos doentes.
Antes, porém, de analisarmos os efeitos do rito, faz-se mister
considerar a fórmula «em nome do Senhor».Esta significa que a
uncáo nao é simplesmente ato de medicacáo profana, baseado ñas
virtualidades naturais do óleo, mas, sim, que ela se faz em contato
com Cristo, em vista de um efeito religioso; é mesmo provável que
se invocasse cont fé o nome de Jesús por ocasiáo do rito (cf. At 3,6;
4,10; 16,18; 19,13): — A fórmula, porém, aínda parece significar algo
mais: «os profetas falavam em nome do Senhor»; o que certamente
significa: falavam por ordem do Senhor, em virtude de um mandato
recebido d'Éle. Donde se poderia concluir que os presbíteros, no
caso da uncáo dos doentes, agiam quais mandatarios de Cristo a
praticar um ato instituido por Ele mesmo.
Tres sao os efeitos atribuidos á uncáo: salvagáo, soerguimento
e perdáo dos pecados.
«Salvará...». O verbo ocorrente sózein, segundo certos intér
pretes, significaría, no caso, cura do corpo enfermo; tal é, dizem,
o seu sentido originario e o mais freqüentemente verificado nos
escritos do Novo Testamento. Oiitros, porém, baseando-se também
em textos dos livros sagrados, julgam tratar-se de salvacSo espiritual,
isto é, de remissáo do pecado e de cura dos vicios da alma, o que
muito verissímil se torna, se se leva em conta que S. Tiago em sua
epístola usa quatro outras vézes o verbo sozein, sempre no sentido
de salvacáo da alma (cf. 1, 21; 2,14; 4,12; 5,20). — A interpretado
mais plausível recomenda que se deixe ao referido verbo o seu
significado ampio e ambivalente: a oracáo da fé acarretará para o
doente a salvagáo, isto é, o que em tal caso individual fór de fato
salvaf&o; para uns, talvez isso inclua recuperacao da saúde física;
para todos, porém, incluirá a graca de Deus e disposicSes sobrenatu-
rais (aumento de íé e amor) para que o enfermo se vá santificando
cada vez mais através da doenca, e aceite generosamente a morte,
caso esta esteja nos próximos designios do Senhor (a morte é, sim,
um bem para o cristSo, o qual, por conseguinte, nao pretende mediante
os sacramentos isentar-se déla).
«O Senhor o soergiierá». Nao se trata própriamente de alivio,
como o insinúa a Vulgata latina («alleviabit»). O termo egeirél do
texto grego diz, antes, que o Senhor colocará o doente em pé, fazen-
do-o levantar-se (cf. Mt 8,26; Me 1,31; Le 8,24; Jo 2,19s; At 12,7;
13,22; Rom 9,17). — E em que sentido o fará levantar-se? Os exe-
getas discordam entre si: uns pensam na ressurreicáo do corpo
após a morte; outros dizem tratar-se de volta ao estado de saúde;
um terceiro grupo tem em vista gracas ou favores espirituais...
De novo, o melhor alvitre parece ser o de nao restringir a ampia
acepeáo do vocábulo (já que nao há fundamento seguro para a
limitar). Entenda-se, pois, o soerguimento adequado a cada iim:
para éste, talvez urna cura milagrosa do corpo; para aquéle, a
graca de ressuscitar num corpo glorioso; para um terceiro, a íórca
para nao sucumbir ao desánimo e ao abatimento na doenca.
«E, se tiver pecados, ser-lhe-áo perdoados». A frase é assaz vaga:
o Apostólo supóe que o rito possa ser administrado a quem nao
— 189 —
tem pecado na consciéncia; mas admite igualmente seja conferido
a quem possui culpas e, provávelmente, mesmo culpas graves. S. Tiago
nao se preocupou com a discriminagáo das circunstancias em que
a ungáo dos doentes pode e deve ser administrada (era-lhe alheia a
intencáo de fazer casuística). Acrescentou, porém, que a remissio
dos pecados é dada mediante a aplicacáo do rito. Mais urna vez, o
autor sagrado se contentou com urna afirmacáo de Índole geral;
nao determinou se as culpas perdoadas sao culpas veníais ou culpas
graves involuntariamente esquecidas em acusacáes passadas ou aínda
culpas graves que o enfermo já nao possa acusar por estar próximo
á morte.
Urna coisa, porém, mereceu-lhe a atencáo explícita. Após men
cionar o perdáo dos pecados em 5,15, S. Tiago no v. 16 continua
com urna frase ilativa, que nao poderia ser interpretada independen-
temente dos dizeres anteriores: «Confessai, portanto, uns aos outros
os vossos pecados». A partícula «portanto» supoe que a. remissáo
de pecados anteriormente mencionada se faga mediante confissao
das culpas (ao menos quando esta seja possivel); é o que explica
que o Apostólo prossiga sua explanacáo insistindo na necessidade
de se confessarem os pecados. A confissao, inculca S. Tiago, obtém
efeitos benéficos, entre os quais a sal vaca o (da alma e quicá também
do corpo). Assim o autor sagrado insinúa que o rito da ungáo dos
enfermos era acompanhado outrora de urna acusagáo feita aos
presbíteros, aeusacáo que visava obter remissáo dos pecados. Os
termos utilizados por S. Tiago sao demasiado gerais para que se
possa assegurar que tal confissao equivalia a urna confissao sacra
mental e que, por conseguinte, p hagiógrafo menciona nesta passagem
também o sacramento da penitencia; é possivel que tenha tido em
mente apenas urna confissao geral, semelhante a que aínda hoje
se pratica no rito do sacramento dos doentes, antes que o sacerdote
inicie as uncoes.
— 190 —
demais para poder dar coméco a uma nova praxe na Igreja;
o ensinamento escrito de S. Tiago supóe o ensinamento oral
e a praxe derivada déste. Leve-se em conta outrossim que S.
Tiago escrevia prováyelmente por volta do ano 50; antes,
pois, desta data verifica-se que os presbíteros já praticavam
a uncáo dos doentes em nome do Senhor, atribuindo ao rito
efeitos sobrenaturais. Ora uma tal praxe só se explica por
instituicáo do próprio Cristo, pois, nos poucos anos que
medearam entre a Ascensáo de Jesús e a redacáo da epístola
de S. Tiago, nao é verossímil que algum discípulo tenha podido
inventar a «teología da Extrema-Uncáo» e torná-la aceita entre
os fiéis, como supóe o trecho de Tg. Ademáis, é de crer que
S. Tiago, dito irmáo do Senhor, sumamente respeitado na
Igreja antiga, nao haveria recomendado a praxe e os efeitos
da Extrema-Uncáo em termos táo categóricos, se nao fóra
por explícito mandato de Cristo.
Conclui-se assim que o Apostólo, em sua epístola, nao
fez mais do que promulgar um rito instituido pelo próprio
Jesús. Conseqüentemente, porém, surge a questáo : e qaando
terá Jesús instituido tal rito?
— 191 —
milagrosas; tais beneficios corporais insinúavam o sacramento
da Extrema-Ungáo, como diz o Concilio de Trento (sess. XTV,
cap. 1), isto é, dispunham os ánimos dos discípulos a compre-
enderem a eficacia do rito, quando Cristo houve por bem
elevá-lo á dignidade de sacramento (a época precisa, porém,
em que Jesús tomou esta iniciativa, nos fica velada).
Nao se poderia, pois, dizer que no Evangelho há mengáo
explícita da instituigáo do sacramento dos enfermos por parte
de Cristo. Nem essa mengáo é necessária para se afirmar que
Jesús realmente instituiu tal rito: de um lado, nunca foi
intengáo dos Evangelistas referir tudo (nem mesmo todas as
coisas de maior vulto) que Jesús disse e fez (cf. «P. R.» 7/1958,
qu. 2); de outro lado, a epístola de S. Tiago supre sobejamente
o silencio dos Evangelhos, pois déste documento se depreende
que so Cristo pode ter dado inicio a praxe mencionada pelo
Apostólo.
3. O significado do rito
— 192 —
séc. IX, como sacramento, isto c, como rito que perdoa os pecados
e produz a graga.
b) Alguns exegetas liberáis, fazendo eco a Lutero, aíirmam que
a uncáo recomendada por S. Tiago correspondía ao carisma ou
dom das curas, a que se refere S. Paulo em 1 Cor 12,9.28. Tal dom,
dizem, era concedido na antigüidade aos cristáos dotados de profunda
íé.; cedo, porém, desapareceu, dado o progressivo arrefecimento da fé.
c) Outra correrite de comentadores propSe a seguinte interpre-
tagáo: os judeus, e quicá alguns cristáos antigos, acreditavam que
toda doenga era decorrente do pecado (cf. Jó 22,4-11; Jo 9,2; conforme
At 28,4, tal crenga era aceita também por pagaos). Compartilhando
ésse modo de ver, S. Tiago teria atribuido á uncáo dos doentes
o efeito de perdoar os pecados e.mediante éste, o de curar os corpos.
— 193 —
Diante destas declaragóes do Apostólo, reconhecer-se-á que
o rito da uncáo dos enfermos, em todo e qualquer caso, acarreta
beneficios espirituais para o paciente que o receba com fé e
contrigáo: o sacramento lhe confere a graca para que atravesse
com ánimo sobrenatural a sua fase dolorosa, fazendo desta
urna ocasiáo de se purificar e mais se configurar a Cristo; numa
palavra: o sacramento auxilia o cristáo a remir a doenga e a
dar-lhe valor positivo. Ulteriormente, e caso isto corresponda
ao bem sobrenatural do enfermo, o mesmo rito há de aliviar
o estado, físico, concorrendo para debelar a doenga (o cristáo
nao recusa afirmar isto, pois ele nao é dualista,... nao repudia
o corpo, mas sabe ver na saúde física um dom de Deus que
pode contribuir para a glorificagáo do Criador e a santificagáo
do individuo).
J. L. S. (Minas) :
— 194 —
o Calvinismo (que absorveu o Zwinglianismo ou a reforma
de Zwingli em Zürich, Suiga), movimento afim ao de Lutero,
empreendido por Calvino em Genebra, Suiga,
e o Anglicanismo, reforma congénere oriunda na Inglaterra.
Estas tres denominagóes (Luteranismo, Calvinismo e Angli
canismo) representam o que se pode chamar «Igrejas protes
tantes tradicional», todas iniciadas no séc. XVI (os Angli-
canos nem sempre aceitam a designagáo de «protestantes»,
embora, por seus principios doutrinários, se filiem ao Protes
tantismo) .
Das tres Igrejas protestantes derivaram-se centenas de
sociedades menores, que nao msis recebem o nome de Igrejas,
mas o de seitas, visto serem movidas por espirito diverso do
das Igrejas; sao reformas da reforma, dissidéncias da dissi-
déncia: metodistas, batistas, congregacionais, quakers, etc.
(sobre a distingáo e.ntre a Igreja e seita, veja «P. R » 6/1957
qu. 8).
Ésses múltiplos grupos protestantes autónomos professam
credos diferentes, chegando alguns a negar a própria Divin-
dade de Cristo; o liberalismo doutrinário predomina entre éles.
Contudo podem-se enunciar tres grandes teses como caracterís
ticas dos diversos tipos 'dé Protestantismo: 1) a justificagáo
pela fé sem as obras; 2) a Biblia como única fonte de fé,
interpretada segundo o «livre exame»; 3) a negagáo de inter
mediarios entre Deus e o crente.
— 195 —
mente para a epístola aos Romanos), comegou a ensinar que
a concupiscencia é realmente invencível; por conseguinte váo
é procurar dominá-la mediante penitencia e boas obras. Nem
Deus requer isto do homem; basta aceitar Cristo como Salvador,
isto é, crer com confianza que Deus Pai, em vista dos méritos
de Jesús, nao leva em conta os pecados do individuo; a fé
confiante («fiducial»), independentemente de boas obras, faz
que Deus nos recubra com o manto dos méritos de Cristo,
declarando-nos justos. Tal declaragáo é meramente legal ou
extrínseca, nao afeta o interior da natureza humana; esta,
mesmo depois de «justificada», nada pode fazer para obter
a salvagáo eterna, pois se acha como que aniquilada pelo
pecado, reduzida á categoría de instrumento inerte ñas máos
de Deus ou de serra ñas máos do carpinteiro (assim se formula
a famosa tese do «servo arbitrio» de Lutero).
Neste quadro de idéias, vé-se que nao se pode falar de
cooperacáo do homem com a graga de Deus, nem de méritos.
Lutero e Calvino reconheciam que a caridade nasce da fé,
como a maca provém da macieira, mas (acrescentavam) nao
sao a caridade e suas obras que importam (ou ao menos...
que importam em primeiro lugar); o crente pode estar certo
da salvacáo eterna em qualquer fase da sua vida, desde que
mantenha a sua fé confiante. Donde o famoso adagio de
Lutero «Pecco fortiter, sed fortius credo. — Peco intensa
mente, mas ainda mais intensamente creio» (carta a Melancton,
1« de agosto de 1521); com estas palavras, o reformador nao
recomendava o pecado, mas quería dizer que a simples con-
fianga no Salvador ainda tem mais peso no processo de salvagáo
do que a culpa do homem. Calvino, do qual muito se inspira-
ram os presbiterianos e batistas, acentuou ao extremo estas
idéias, afirmando que Deus predestina infalivelmente para a
salvagáo eterna, de sorte que, se o homem nao perde a sua
fé, pode ter certeza de que chegará a bem-aventuranga celeste
(donde se deriva para o crente suavíssimo reconforto).
— 196 —
Calvino se exprime a respeito em termos muito fortes :
— 197 —
o Espirito Santo, que fala ñas Escrituras e no íntimo de cada
alma, sem se servir de algum magisterio visível e objetivo.
Note-se, em particular, a repercussáo destas idéias nos
conceitos de sacramentos e Igreja.
O número dos sacramentos foi notávelmente diminuido
pelos doutores do Protestantismo. Dentre os sete tradicionais,
Calvino chegou a admitir dois apenas: o Batismo e a Ceia.
Quanto a fungáo dos sacramentos, os reformadores nos diriam
que estes nao sao portadores da grasa, mas apenas sinais que,
lembrando as promessas da benevolencia divina, excitam a fé
(ou confianza) nessas promessas; estimulada por tais sinais,
é a fé que produz a santificagáo do crente. Os sacramentos
portante nao exercem, como se diz em linguagem teológica,
causalidade nem física nem moral no processo de santificacáo;
a sua influencia fica limitada ao setor psicológico (recordam
a palavra de Deus...).
— 198 —
para se constituir o governo da Igreja... Donde a multiplicidade
de solucoes: há denominacóes protestantes dirigidas por seus «bispos»
(tais sao o episcopahsmo anglicano, o metodismo...), bispos Dorém
que sao mais mentores dos .crentes do que sacerdotes ou ministros"
dos meios de santiiicagao; há-as também dirigidas por presbíteros
^lttpr^SbltTanlSm«' -Fí exemPl0>. e há-as dirigidas por meros
delegados da coletividade ou da congregacáo (congregacionalismo
que reproduz o sistema democrático no setor religioso) Varios
grupos protestantes nao concebem mesm0 diiiculdade em admitir a
autoridade mais ou menos absoluta dos governos civis no que diz
respeito á vida temporal da Igreja (o que resulta em secularizacáo
da face visivel do Cristianismo).
— 199 —
membros e como o tronco da videira nos seus ramos (cf. Gal
2,20; Jo 15,ls).
_ 200 —
De resto, verifica-se que as comunidades de crentes tendo
abandonado a venerável Tradigáo transmitida desde os inicios
do Cristianismo, ainda, e apesar de tudo, seguem urna tradi
gáo, ... tradigáo evidentemente humana, a que deu inicio tal
ou tal fundador de seita. Cnou-se em cada denominagáo de
«reformados» urna tradigáo particular ou urna via própria de
interpretagáo da Biblia.
— 201' -
corpo de Jesús recebeu outrora a vida divina e a comunicou
aos homens seus contemporáneos, assim os elementos corpóreos
(agua, pao, vinho, óleo, palavras e gestos do homem...) vém
a ser, nos sacramentos, os cañáis que contém e transmitem a
graga de Deus; nao os poderíamos reduzir á categoría de
meros estimulantes da memoria, vazios de conteúdo sobrena
tural, sem quebrar a harmonía do plano da salvagáo.
b') Nos designios de Deus, a santificagáo do homem
sempre foi concebida comunitariamente, em oposigáo a qual-
quer individualismo. O Criador houve por bem, no inicio da
historia, incluir todos os homens no primeiro Adáo; quis
outrossim restaurar todos conjuntamente em Cristo; conseqüen-
temente santifica-nos hoje por meio de urna coletividade, que
é a Igreja, caracterizada por sinais objetivos e por um minis
terio visível, fora do qual ninguém pode pretender encontrar
o Cristo. — Exaltando o individuo a ponto de relegar para
plano secundario a comunidade, o Protestantismo vem a ser
auténtico produto da mentalidade subjetivista e antropocéntri-
ca do Renascimento.
c1) A Reforma pretende corresponder á Igreja primitiva,
anterior á corrupcáo que «paganizou» o Evangelho... Esta
pretensáo é táo vá que os mestres protestantes se tém visto
obrigados a fazer recuar constantemente o periodo da «grande
corrupgáo»: ao passo que os primeiros reformadores a colo-
cavam no séc. IV, outros foram retrocedendo até os tempos
de S. Cipriano (t258), S. Ireneu (f cérea de 202), Clemente
Romano (f 102?) ou até a geragáo apostólica. O famoso crítico
Harnack (fl930) chegava a dizer que já os Apostólos perver-
teram o Evangelho de Cristo — o que é evidentemente absurdo,
pois nao conhecemos o Evangelho de Cristo senáo através da
pregagáo e dos escritos dos Apostólos; Harnack, porém, era
obrigado a proferir tal contra-senso, porque reconhecia clara
mente que a Igreja Católica atual corresponde fielmente á
Igreja primitiva ou, como dizia ele, que «Cristianismo, Cato
licismo e Romanismo constituem urna identidade histórica per-
feita» (Theologische Literaturzeitung, 16 jan. 1909).
_ 202 — I
A «cronología» dos primeiros capítulos do Génesis tem
suscitado dúvidas e perplexidade. Abordaremos a questáo,
voltando primeramente nossa atengáo para os dados precisos
da mesma; a seguir, procuraremos abrir algumas vías para a
respectiva solugáo.
1. Os dados do problema
— 203 —
As cifras assinaladas nesses trechos nao sao exatamente
as mesmas ñas tres recensóes mais antigás do Génesis, isto é,
no texto massorético ou TM (o texto hebraico hoje existente),
no chamado «Pentateuco dos Samaritanos» ou Sam (texto
como era lido no séc. V a. C. na Samaría) e no texto dos LXX
(texto grego traduzido do hebraico nos séc. IH/I a. C).
Somando-se os números de cada urna dessas recensóes, obtém-se
os seguintes resultados :
TM Sam LXX
De Adáo ao diluvio decorreram: anos 1656 1307 2262
Do diluvio ao nascimento de Abraáo
decorreram: anos 290 940 1070
2. Luz no enigma
— 204 —
No séc. XIX, porém, tornou-se evidente que o género
humano tem muito mais de 5.000 anos sobre a térra. Além
disto, documentos descobertos nos arquivos do Oriente antigo
projetaram novas luzes sobre a mentalidade e o expressionismo
de que dependerh os primeiros capítulos do Génesis. Em conse-
qüéncia, os estudiosos puderam apreender melhor o sentido das
cifras assinaladas aos Patriarcas bíblicos.
Na base, pois, dos novos estudos, qual seria o significado
désses números?
Os exegetas nao hesitam em afirmar que nao indicam
cronología nem assinalam intervalos de tempo, mas sao arti
ficios de um género literario próprio.
E qual seria ésse género literario?
Descobriram-se nos arquivos da antigüidade listas de dez,
oito ou sete varóes que teriam vivido nos primordios da
humanidade, dotados cada qual de extraordinaria longevidade.
Na Babilonia, por exemplo, o sacerdote Berosso confeccionou o
seguir.te catálogo de dez reis anteriores ao diluvio babilónico, sendo
o décimo, Xisutro, o herói do diluvio no poema babilónico de Gil-
gamesh :
1. Aloro reinou 36.000 anos ou 10
2. Aláparo 10.800 3
3. Almelon 46.800 13
4. Amenon 43.200 12
5. Amegálaro 64.800 18
6. Dáono 36.000 10
7. Edoranco 64.800 18
S. Amenísino 36.000 10
9. Otiartes 24.800 8
10. Xisutro 64.800 18
— 205 —
listas sao, excegao feita de alguns legendarios fundadores de dinastías,
nomes de personagens históricos. As tabelas, porém, divergem entre
si na indicacao tanto dos nomes como dos números — o que é indicio
de que nem estes nem aqueles eram visados em si, ou seja, com o fim
de reconstituir a realidade histórica, mas, antes, vinham escolhidos
e enunciados conforme outros criterios que nao os da historiografía.
Pode-se mcsmo dizer que nem o número de geragóes ou reis nem a
longeyidade de cada individuo interessavam diretamente aos autores
de tais tabelas; por isto é que os mencionavam mediante esquemas
feitos (10 nomes, 8 saros, 10 saros, 12 saros...), esquemas que, no
plano da historia, parecem fabulosos, mas, a luz da mística ou do
simbolismo antigo dos números, eram altamente eloqüentes.
Fora da Babilonia encontraram-se blocos literarios semelhantes
aos da Mesopotámia; no Egito, por exemplo, achou-se a lista de
dez reis que governaram o povo nos seus primordios. Os Persas
conheciam seus dez Patriarcas; os Hindus enumeravam nove descen
dentes de Brama, com os quais Brama completava urna serie de
dez geragóes antediluvianas.
— 206 —
SEMITAS: Gen 11,10-26
12 3 45678 9 10
Sem Arfoxodo Caíndf1) Solo Hebor Falegu« Keu Sarugue Nacor Tero
Idade em que ge-
rou o 1» íilho : 100 35 130 30 34 30 32 30 29 70
Restante tempo
de vida 500 403 330 403 430 209 207 200 119 135
— 207 —
«Aquilo que um pintor, ao representar um Patriarca, exprime
mediante urna estatura elevada e pujante, urna barba ondulada, urna
cabeleira branca como a nevé, o mesmo o hagiógrafo o exprimiu
mediante as elevadas cifras. Era preciso, sim, que se servisse de
altos números caso quisesse dar aos seus contemporáneos urna
impressáo auténtica do que eram aqueles antepassados veneráveis;
os Babilonios, do seu lado, atribuiam a cada um dos dez reis ante
diluvianos periodos de govérno que vacilavam entre 18.000 e 72.000
anos!» (J. Schildenberger, Vom Geheimnis des Gotteswortes. Hei-
delberg 1950, 275).
Note-se, porém, que o texto da Escritura faz diminuir aos poucos
a «longevidades dos Patriarcas: ao passo que a dos Setitas varia
entre 1000 e 750 anos, a dos Semitas já oscila entre 600 e 150 anos,
a dos filhos de Abraáo se reduz a urna media entre 200 e 100 anos
<cf. Gen 25,7; 50,26; Dt 34,7), para cair no normal de 70/80 anos
em textos posteriores (cf. SI 89,10). Ésse decréscimo significa que,
quanto mais o curso das geraedes se distanciava do estado paradisiaco, .
tanto mais se alastrava a inqüidade sobre a térra e, por conseguinte,
cada vez mais forte sobre o homem era o poder das miserias acarre-
tadas pelo pecado (entre as quais, a morte).
— 208 —
ano 601, ou seja, no inicio do sétimo século da vida de Noé.
Após o diluvio, éste Patriarca ainda viveu 350 anos (cf. Gen
9,28), isto é, sete periodos jubilares (= 7 [7 x 7 +1]). Sua vida,
pois, após a catástrofe, foi realmente urna especie de sábado
ou era de repouso para o mundo, conforme a profecía de seu
pai Lameque.
Abraáo foi chamado por Deus para deixar sua térra, aos
75 anos de idade (cf. Gen 32,4); gerou Isaque aos 100 anos
(cf. 21,5) e morreu aos 175 anos (cf. 25,7). Já á primeira
vista, nao se pode negar certo ritmo ou artificio nestes núme
ros, artificio que talvez seja o seguinte : o hagiógrafo, divi-
dindo a vida de Abraáo em sete períodos de 25 anos, atribuiu
tres á permanencia na Mesopotámia e quatro (100 anos) á
estada na Térra Prometida. Ora 100 anos, conforme a menta-
lidade que domina a historia de Abraáo (cf. Gen 15,13 e 16),
representan! a duragáo de urna geragáo; com esta cifra, por-
tanto, o autor sagrado quería dizer que Abraáo levou vida
suficientemente longa (a vida de urna geracáo!) na Térra
Prometida a fim de santificá-la, coisa que nao fizera no seu
torráo natal, donde Deus o tirara após 3 x 25 anos.
— 209 —
do esquema de tres periodos de 40 anos, para significar que tal
vida foi bem ritmada e dirigida por Deus (pois 3 e 40 sao os números
sagrados e perfeitos, na S. Escritura).
— 210 —
a) siqqus, palavra que significa própriamente o opróbrio,
o horror ou a coisa horrenda, sendo tal termo, em geral no
Antigo Testamento, reservado aos ídolos e ao culto pasaos
(cf. 3 Rs 2,5; Os 9,10; Zac 9,7); e
b) mesomem, yocábulo que significa o Devastador.
Desta análise já se depreende que a tradugáo adequada
da expressáo seria: «o ídolo do Devastador» (fórmula muito
mais compreensível do que «a abominagáo da desolacáo»).
Com estes dizeres, Daniel aludía a um pequeño altar pagáo,
portador de urna estatua de Júpiter Olimpio, que Antíoco IV
Epifanes, da Siria, colocou no Templo de Jerusalém sobre o
altar dos holocaustos, quando em 167 a. C. tentou desviar do
monoteísmo o povo judaico (cf. 1 Mac 1,57-62; 2 Mac 6,2).
2. Pergunta-se agora: qual o sentido que a mesma ex
pressáo podia ter nos labios de Jesús?
Notemos que ela ocorre no famoso sermáo escatológico, em
que o Senhor descreve num so quadro profético cenas refe
rentes á próxima ruina de Jerusalém (66-70 d. C.) e outras
concernentes ao fim do mundo. Ao mencionar «o ídolo do
Devastador» (bdélygma eremóseos, em grego), Jesús supóe
que o Templo de Jerusalém aínda esteja incólume quando éste
sinal se verificar — o que quer dizer que alude a um dos
tragos atinentes á queda de Jerusalém em 70.
E qual seria ésse trago?
— 213 —
Galo, á frente de estandartes pagaos, atacou o Templo; consu-
mou-se em 70, quando os mesmos estandartes foram colocados
sobre as ruinas do Templo; a presenga dos vencedores pagaos
em Jerusalém equivalia, para os judeus, a urna profanagáo
idolátrica.
K. K. (Rio de Janeiro):
— 212 —
Feita esta observacáo, yoltemos agora a nossa atengáo para a
figura do Cardeal Antonelli.
1. Cardinalato e Sacerdocio
— 213 —
ostia). Cada igreja com suas dependencias e cada diocese
atribuida a um Cardeal era chamada «título» (titulus). O
conjunto de Cardeais (bispos sufragáneos ou suburbicários,
presbíteros e diáconos) que serviam em Roma e nos arredores,
constituía o Conselho do Bispo metropolita de Roma, ou seja,
do Papa, Conselho que corresponde ao que S. Paulo em 1 Tim
4,14 chamava «presbiterio». Visto estarem muito próximos do
Chefe visível da Igreja, entende-se que se tenha acrescido
notavelmente a importancia do colegio (= assembléia) de
Cardeais no decorrer dos tempos.
A partir do séc. XI foram sendo criados Cardeais eminentes
vultos nao italianos que se sobressaiam por sua virtude ou seu
tino administrativo. Do séc. XII em diante, os Cardeais, sendo
mais e mais solicitados por afazeres da Curia Romana ou do
govérno central da Igreja, tiveram que entregar o ministerio
pastoral nos respectivos títulos aos cuidados do outros bispos,
presbíteros e diáconos. A denominagáo «Cardeal» acabou
perdendo seu sentido primitivo de pastor de almas, para desig
nar simplesmente um conselheiro e auxiliar do Pontífice Ro
mano no govérno da Igreja universal. Nessa sua nova acepgáo,
compreende-se que o conceito de Cardeal já nao implicava
ordenagáo sacerdotal ou diaconal; para receber o título de
«Cardeal-diácono», «Cardeal-presbítero» ou «Cardeal-bispo»,
bastava na Idade Media que o candidato tivesse as quatro
ordens menores. Também nao havia prerrequisitos de idade;
é o que explica que nos séc. XV/XVII tenham sido nomeados
Cardeais de menos de vinte anos; o príncipe Luis de Bourbon,
filho de Filipe V (rei da Espanha, de 1700 a 1746), tornou-se
Cardeal aos 8 anos, renunciando posteriormente a púrpura.
— 214 —
Romano e na Universidade da «Sapientía» (Roma). Consoante a
sua índole própria, estudou muito mais Direito e questSes de adminis-
tracáo do que a Sagrada Teología. Terminados os seus cursos, entrou
na Curia Romana, onde, conforme preconizava seu pai, exerceu varios
cargos administrativos; aos poucos foi recebendo as ordens sacras
até o diaconato (1840); nao passou, porém, além déste grau da
hierarquia, como acontecía, alias, com os prelados (e até mesmo com
os Cardeais) que se dedicavam á administracao temporal; diz-se
mesmo que «nunca recebeu íormacSo clerical própriamente dita»
nem jamáis se aprofundou na Teologia (P. Richard, Antonelli em
«Diciionnaire d'Histoire et de Géographie ecclésiastíques» III. París
1924, 832).
— 215 —
alguns historiadores se comprazem em exaltar a sua agilidade diplo
mática; outros, ao contrario, o repreendem, tomando como herói de
romances-caricaturas ésse «carbonaccio (carvoeiro, imagem que na
época significava homem de fé muito simples) que escapara de
urna cova de malfeitores...». O fato é que a personalidade do Secre
tario de Estado era marcante: quem visse a sua fisionomia descarnada,
mas expressiva, dotada de olhos negros e vivazes, sorriso calmo nos
labios, nao a esquecia fácilmente.
— 216 —
parecía viver longe do mundo, embora o dirigisse ainda por
suas admoestagóes e suas preces» (Richard, 1. c. 836).
Será preciso frisar que o íato de que Pió IX, destituido de genio
político, tenha confiado a orientacáo temporal da Santa Sé a um
Secretario de Estado cujas atitudes sao discutiveis, nada significa
contra a infalibilidade papal? Esta tem por objeto apenas pontos de
íé e de moral, nao excluindo possiveis falhas do Papa em outros
setor.es de atividade. Ademáis levando-se em conta quanto as conscién-
•cias escapam á penetragáo dos historiadores, dir-se-á: a figura ambigua
de Antonelli ao lado da de Pío IX nao implica necessáriamente erro
moral na consciéncia do Pontífice.
— 217 —
CORRESPONDENCIA MIÚDA
LEITOR AMIGO (Rio de Janeiro) : Propóe-nos a cbjecáo de um
companheiro concebida nos seguintes termos :
"Se há quem sofra eternamente no inferno, nao pode existir felici-
dade no céu. Veja cá : encerré um galinha numa gaiola das mais ricas
que vocé possa imaginar ; ponha á disposigáo déla o que vocé puder
encontrar de melhor em questáo de alimentacáo. Deixe, porém, que seus
pintaínhos se fiquem do lado de fora, pipiando de fome, de sede, de frío.
A mae nao encontrará nenhuma delicia naquele reino que vocé lhe hou-
ver preparado ; muito pelo contrario, nem prestará atengáo a toda
aquela magnificencia ; todas as suas atencóes se voltaráo para os pin
taínhos. .. Que especie de prazer pode ter no céu que voces pregam, um
pai, u'a máe, urna esposa, um filho... sabendo da desventura eterna de
um ente querido ? Vocé nao acha que .isto é urna crueldade inaudita ?
Deus pode permitir semelhante coisa ?"
A comparagáo proposta, por mais impressionante que seja, perde
todo o seu significado desde que se conceba a reta nocáo de perfeigáo
crista e de vida celeste.
Com efeito. É obvio que o homem (bem pequenino e finito) foi
feito para amar a Deus, o Bem Infinito, do qual ele tem sede inelutável.
É entregando-se a Deus que a criatura "se realiza", se engrandece. Por
conseguinte, o bom cristáo e, por excelencia, o justo no céu amam a Deus
diretamente com toda a veeméncia da sua vontade, e sómente em Deus,
através de Deus, amam a si mesmos e as outras criaturas. Por conse
guinte, os justos no céu querem exatamente tudo que Deus quer e per
mite, do modo mesmo como Deus o quer e permite ; estao plenamente
identificados com a vontade do Senhor. Tal é, sem dúvida, a reta ordem
do amor.
Consideremos agora o caso dos reprobos. Dado que alguém morra
revoltado contra Deus, o Senhor permite que, segundo a livre escolha de
sua vontade, ésse individuo permaneca para sempre afastado do ver-
dadeiro Bem. Permitindo isto, nao comete injustica. Deus nao subtrai a
homem algum na térra os auxilios necessários para que alcance o sumo
Bem ; se, nao obstante, o filho rebelde recusa aderir-Lhe, Deus nao é
obrigado a retorcer a vontade déle ; ao contrario, respeita-a (pois res-
peitar é mais nobre do que mutilar) ; conseqUentemente, Deus tolera,
que o pecador após a morte tenha por todo o Testo de sua existencia a
sorte livremente desejada, ou seja, o alheiamento ao Sumo Bem (lem-
bremo-nos bem de que ninguém vai para o inferno senáo nestas con-
digoes).
Tal sorte é certamente dolorosa para o pecador. Se fazemos do-
homem o centro do mundo, devemos afirmar que o reprobo no inferno
nao tem razáo de ser, é um absurdo, pois ele nada mais é do que dila
cerado e contradicho v.ivas. Se, porém, consideramos nao o homem, mas
Deus, como finalidade do mundo, entendemos que mesmo a sorte do
reprobo, apesar do que ela tem de doloroso para o respectivo sujeito,
aínda representa um valor positivo no conjunto das criaturas ; efetiva-
mente, se o reprobo sofre no inferno, sofre justamente por reconhecer
que Deus é sumamente bom, e que ele, com toda a sua personalidade, se
rebelou definitivamente contra tal Bem. A dor do reprobo, portante,,
vem a ser proclamado da Bondade de Deus, é louvor tributado ao Cria
dor (tal como pode ser tributado por quem se distanciou do Senhor)..
Veja-se a respeito "P. R." 3/1957, qu. 5.
Essa visáo teocéntríca do mundo e da humanidade finche os justos,
no céu. Éles consideram os reprobos como silabas ou acordes de um
— 218 —
hiño a Bondade de Deus, hiño cantado simultáneamente por todas as
•criaturas dispostas era dais coros: o da direita (bem-aventurado por sua
opgáo) e o da esquerda (dilacerado por sua própria opgáo). Essa visad
teocéntrica que os bem-aventurados tém, cancela qualquer consideragáó
antropocéntrica, subjetivista ; nao permite, pois, que os afetos de fami
lia, legos meramente naturais, perturbem a adesáo total dos santos á
Deus. Daí se explica que realmente sejam isentos de toda e qualquer
tristeza, caso contemplem que tal ou tal de seus familiares se acha
no inferno.
— 219 —
Por conseguirte, haja umita cautela no tocante a profecías e reve
lares particulares. Mesmo quando impressas com o "Imprimatur" ou
a licenca de um bispo, nem sempre representam o pensamento comum
da Igreja ; o "Imprimatur" significa apenas que na respectiva obra
nada se encontra contra a fé e a moral cristas, o que está longe de ser
urna recomendacáo positiva das idéias af expressas.
Em conclusáo : as apregoadas profecías concernentes ao próximo
fim do mundo nao merecem deter mais tongamente a nossa aten;áo. O
que importa ao cristáo é dar ao mundo o testemunho de que Deus é vivo
e está presente entre nos todos os dias, manifestándose pela santídade
de seus fiéis.
D. ESTÉVAO BETTENCOUBT O. S. B.
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
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Rio de Janeiro Tel. 26-1822 — Río de Janeiro