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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
' visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
DEZEMBR&,
1958

ERGUNT^

>/

Responderemos

ANO /
ÍNDICE

pág.

I. CIENCIA E RELIGIAO

1) "Porque dizem os exegetas que os primeiros homens nao fala-


vam hebraico ?
Como terá tido origen, a linguagem humana ?" 47!>

II. DOGMÁTICA

2) "Ém que consiste o pecado contra o Espirito Santo, que Jesús


diz ser irremissivel ?" ^^

3) "Nao raro os fiéis dizem que ofervceráo a S. Comnnháo por


outra pessoa, viva ou defunta. Como se entcnde isso ?" 5#~

III. SAGRADA ESCRITURA

4) "O Apostólo, no trecho de 1 Tim 4,1-5, condena os que apre-


goam o celibato e o jejum. Com isto nao estará condenando os
católicos meamos, que observam o celibato sacerdotal e o
jejum 1
O jejum terá algum valor no Novo Testamento ? Nao sera
roisa inútil após o sacrificio de Cristo ?" ' •{•'"

5; "Que significado tinka a circuncisüo praticada pelos judeus?" 494

IV. MORAL

1;) "Haverá motivo para que a mulher nao use a indumentaria


característica do vardo?" !>a!>

7) "Será lícito a um patráo católico abrigar xeus operarios a tra-


balhar em dia santo de guarda (8 de dezembro, por exemplo),
só porque nao é feriado e a maioria das industrias se abre?
E o oiñrário católico que deve fazer, caso a fábrica ou a
loja funcionan ñas circunstancias ácima ?" ■r>'>°

V. HISTORIA DO CRISTIANISMO

8) "A celehraeüo popular tío Natal cristfio parece evocar motivos


náo-cristáos. Como se explica isso?" o0~

O) "O
O Santuario
Santu da Virgem
g Santíssima em Loreto terá sido de
fl tranladiido
falo tldd do d Oriente pelos anjos
anjos?" :>"¡s

10) "É
"É verdade que em
verdade que em 1O!2
1OÍ2 um
um menino
menino de doze anos foi eleito
Paj>a com o nome de Bento IX ?"
Papa

CORRESPONDENCIA MIÚVA (fogo do inferno, Catolicismo


e Positivismo...) ' '

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano I — N? 12 — Dezembro de 1958

I. CIENCIA E RELIGIAO

W. G. (Sao Joáo del-Rei) :

1) «Porque dizem os exegetas que os primeiros homens


nao falavam hebraico ?
Como terá lido origem a linguagcm humana?»

Em nossa resposta distinguiremos duas partes.

1. Linguagem semita nos inicios da historia sagrada...


É evidente que os primeiros homens nao falavam hebraico,
embora a Escritura Sagrada redigida nesta língua lhes atribua
o uso de tal idioma. O hebraico, á luz dos modernos conheci-
mentos de lingüística, constituí, sem dúvida, urna língua já reía-
tivamente burilada e culta; classifica-se entre os idiomas cha-
mados semitas (sirio, árabe, babilonio...), línguas estas que
dependem de um idioma básico antigo. Admite-se que éste, por
sua vez, seja a forma evoluída de um idioma ainda mais remoto,
que terá dado origem las grandes familias de linguas conhecidas
pela filología, ou seja, á familia indo-européia ou indo-germáni
ca (o sánscrito, o persa, o eslavo, o germánico, o celta, o grego,
o armenio...), a semítica, á caucásica meridional e á fino-úgria.
Com efeito, tém-se assinalado pontos de contato entre as linguas
indo-européias e as semíticas, entre as indo-européias e as de
origem fínica, entre as caucásicas meridionais e as semíticas.
Mas estas semelhangas dizem respeito apenas ao vocabulario;
as analogías gramaticais sao pouco nítidas e assaz escassas. Sen
do assim a redugáo das quatro grandes familias ácima ditas a
urna só língua fundamental permanece no campo das hipóteses
c nao poderá ser devidamente provada enquanto nao se fizerem
novos progressos nos estudos de gramática comparada das lín
guas orientáis (algumas destas só recentemente foram deseo-
bertas; seus caracteres alfabéticos tém sido decifrados, deixan-
do, porém, margem a hesitacóes por parte dos intérpretes; haja
vista principalmente o caso do idioma hitita, falado na Asia
Menor por um povo poderoso do 2» milenio a.C). ,
A Escritura Sagrada, atribuindo aos primeiros homens ape-
lativos hebraicos (Adáo = homem: Eva = máe dos vivos;
Caím = adquirido ; Sete = concedido, etc.) assim como o uso
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958, qu. 1

da língua hebraica, tem em vista apenas tornar mais viva e


significativa a apresentagáo de individuos e a narrativa de epi
sodios que tiveram lugar em tempos imemoriais; animados por
esta intencáo, os autores sagrados revestiam de nomes e co
lorido hebraicos (as vézes mesmo recorrendo á etimología po
pular, pré-científica) as figuras e as cenas que éles queriam
descrever aos seus leitores, no segundo e no primeiro milenio
antes de Cristo (o povo de Israel teve origem por cérea de
1800 a.C, com a migragáo de Abraáo, originariamente habi
tante da Caldéia; Moisés, o Legislador israelita, viveu na se
gunda motado do sóc. XIII a.C.). Por conscguinlc, nao soria
licito julgar que a Escritura Sagrada quer por si incutir al-
guma tese sobre o primeiro idioma falado ou sobre a origem das
línguas, como alias nao é lícito crer que um pintor asiático ou
africano quer dizer algo sobre a raga de Jesús quando repre
senta o Menino Deus com olhos e cabega de chinés ou com o
tipo de crianga africana (nem o famoso episodio da torre de
Babel poderia ser evocado para a solugáo déste problema; cf. E.
Bettencourt, Ciencia e Fé na historia dos primordios, ed.
Agir, c. XI).
2. A origem da linguagem oral

1. O aspecto negativo da questáo :. A origem e o tipo


do idioma utilizado pelos primeiros pais ficam envolvidos em
sombras ainda nao dissipadas, apesar de quanto já se tem es-
tudado o assunto.
Eis, primeiramente em termos negativos, o que se poderia
dizer neste setor, de acordó com os mais recentes resultados da
pesquisa:
A Filología estuda as línguas faladas e escritas servindo-se
dos documentos mais antigos que tenham sido até hoje descober-
tos. Contudo, por mais que retroceda no curso dos sáculos, en-
contra sempre idiomas já assaz evoluídos, que tém atrás de si
um passado do qual nada se sabe (a mais antiga civilizagáo que
se conhega, foi descoberta nos últimos decenios na Mesopotámia:
é a civilizagáo sumérica, que data de 5000 a.C. aproximada
mente, e antecede a cultura do Egito e a do vale do rio Indo;
essa civilizagáo nos aparece em estado já muito desenvolvido,
com suas escolas, seus tribunais, seus parlamentos, seus métodos
de agricultura, etc.). É, por conseguinte, vá a hipótese de que,
pela comparagáo das línguas a nos conhecidas, os estudiosos
chegaráo a reconstituir o «idioma primitivo». Os idiomas que
chamamos «matrizes» ou «linguas máes» pouca coisa tém de
primitivo; servem para indicar transformagóes pelas quais pas-
sou a linguagem, nao, porém, a origem remota desta. Tal ori-

— 480 —
AS ORIGENS DA LINGUAGEM HUMANA

gem já nao é problema do dominio da lingüística (estranha ve-


rificagáo !).
Para conjeturar o tipo da linguagem humana inicial, po-
der-se-ia pensar em recorrer aos idiomas das tribos selvagens
ainda hoje existentes ou ao balbuciar das criancas ou á maneirá
como pessoas físicamente defeituosas aprendem a falar. Ne-
nhuma destas táticas. porém, resolvería cabalmente o problema.

a) Os selvagens de hoje nao representam mais o homem


nos primeiros dias de sua existencia sobre a térra. Algumas tri
bos falam idiomas mais complexos do que os dos povos civili
zados, onquanto outras usam de linguagem cuja simplicidade
desperta a admiracáo do estudioso moderno; essas diversas lín-
guas aparecem como o resultado de evolugáo cujo ponto inicial
escapa ao observador.
b) Quanto ao balbuciar das criangas, ele nao nos revela a
maneira como surgiu a linguagem entre os homens, mas apenas
como se adquire um idioma já organizado; a crianga se esforca
por repetir o que ela ouve os adultos dizerem; ela reproduz o que
já existe. As inovagóes que o pequenino possa introduzir na lin
guagem usual de seu ambiente sao inconscientes, resultando da
¡.ncapacidade de órgáos de expressáo nao plenamente desenvolvi
dos ou de urna certa indolencia natural que se contenta com
«falar mais ou menos certo».

Heródoto (II 2), no séc. V a. C, narra que o rei Psamético, do Egito,


desejoso de saber se os frigios eram mais antigos no mundo do que os
egipcios, realizou a seguinte experiencia : mandou educar em ambiente
reservado, desde o seu nascimento, duas criancinhas, proibindo que se
lhes íizesse ouvir qualquer linguagem que fósse; com o tempo perce-
beu-se que pediam alimento proíerindo o vocábulo Bekos, vocábulo fri
gio que signilica «pao». Donde Psamético concluiu que o frigio era a
lingua mais antiga...
Os historiadores contemporáneos, porém, atribuem pouco crédito a
esta narrativa de Heródoto, que, comprovadamente, nao é sempre fide
digno relator dos fatos. Na verdade, se a experiencia fósse repetida hoje
em dia, as criancinhas nao falariam frigio, mas pronunciariam os sons
e fariam os sinais que procuraremos abaixo reconstituir...

c) Também nao sao suficientes para a solugáo do proble


ma as experiencias feitas com surdos e cegos, ou seja, com pes
soas destituidas de toda comunicagáo com o mundo exterior; tais
seriam, por exemplo, a senhora Marie Heurtin, francesa, e a
americana Helen Keller. Principalmente o segundo caso mereceu
a atengáo dos estudiosos: Helen Keller, tendo aprendido por
métodos esmerados o valor do sinal, conseguiu ler e escrever,
em diversas línguas, obras de literatura e filosofía; seus escritos,

— 481 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958, qu. 1

depurados de acréscimos romanceados que os admiradores lhes


incutiam, sao muito instrutivos para o psicólogo e o lingüista.
— Os dois casos mencionados, porém, sao demais singulares e
circunstanciados para que déles seja lícito deduzir normas vá
lidas para o surto da linguagem em todo e qualquer individuo
humano. Os primeiros homens nao aprenderam o valor do sinal
ñas condigóes em que Helen Keller o aprendeu; o caso desta,
portante, nao se aplica sem mais aos individuos normáis.
2. Aspectos positvos da qucstao : Tentanido encaminhar
o problema para urna solucáo, os estudiosos chamam a aten-
gño para o scguinie: a origom da linRuagom ó muito mais umn
questáo de ordem psicológica do que de índole filológica.
A linguagem humana em seus inicios deve ter tido índole
estritamente emotiva. Tratava-se possivelmente de simples canto
que ritmava os passos do viandante ou o trabalho executado
por máos de cacador ou de coletor de frutas e raízes ; devia
assemelhar-se aos gritos dos animáis a exprimir dor ou deleite,
receio ou désejo. Aos poucos ésses sons teráo tomado o valor
de slnais ou símbolos, aptos a ser repetidos por diversos indivi
duos postos em idéntica situagáo: tal som foi associado (em
virtude de afinidade espontánea, natural, ou por um artificio
convencional) a tal tipo de sentimento ou idéia. Em outros ter
mos : verificou-se no plano da fonética o que se deu no de
comercio: outrora o comercio se fazia pela troca de bens na-
turais (cereais, gado, verduras, etc.), tendo sido estes poste
riormente substituidos pela moeda de metal e até pelo papel-
-moeda; assim também aos sons foi atribuido, por um acordó
tácito entre os interessados, um valor de símbolo; na mente
dos ouvintes, o «valor som» foi sendo trocado por outro valor
(de ordem ideológica); o som sugería urna idéia precisa... Urna
vez que se deápertou nos homens a consciéncia do «som-valor»
ou do «som-símbolo», a descoberta foi sendo mais e mais explo-
•■ rada e aperfeicoada; cada individuo foi re'tendo na memoria,
'{ para seu uso pessoal, o simbolismo dos diferentes sons postos em
'} « circulacáo. — A vida em sociedade toraiou-se poderoso estimu-
"•y. lante do desenvolvimento da linguagem: em atos e cerimónias
■': coletívas impunham-se aos membros do mesmo clá certas mani-
festagóes- vocais previamente estabelecidas por convencáo;
quanto mais se acentuou o progresso da vida social, tanto mais
v se foi aprimorando a linguagem.

«Tal hipótese, embora nao possa ser demonstrada, nao carece de


verossemelhanca. Ela tem a vantagem de fazer compreender como a
linguagem é um produto natural da atividade humana..., é um resul
tado da adaptacáo das faculdades do homem ás necessidades sociais.

— 482 —
AS ORIGENS DA LINGUAGEM HUMANA

Para entender a explicac.5o ácima dada, basta admitamos que o homem


primitivo tenha um dia tomado conscienda de que o som pode ser sinal.
Urna vez adquirida esta consciéncia, a linguagem se loi desenvolvendo
por via de diferenciacSes sucessivas» (J. Vendryes, Le langage. Paris
1950, 17).

Convém sublinhar que o ato lingüístico primordial consistiu


em atribuir ao som o valor de símbolo. É éste processo psicoló
gico que distingue a linguagem humana da dos animáis irracio-
nais. Com efeito, no homem o som natural (que o irracional tam-
bém poderia emitir) adquiriu urna fungáo objetiva, variável em
larga escala segundo convengóes previamente estabelecidas pelos
individuos ou pelos povos. O cao, o macaco, o pássaro emitem,
sem dúvida, gritos e cantos que corresponden! claramente a es
tados psíquicos de bem-estar, espanto, furor, desejo, apetite, etc.,
e que sao entendidos como tais pelos animáis congéneres e pelo
próprio homem (a título de curiosidade, mencionamos o catá
logo recém-confeccionado da «linguagem» das galinhas: com-
preende cerca de nove sons diferentes ; o catálogo do gibáo, é
mais vasto, ao passo que o da fala humana é incomparávelmente :
mais rico). O pássaro sabe langar um clamor, por exemplo, para
chamar a si a máo de alguém que lhe apresenta urna fólha de
alface; tal objeto néle provoca tal som concreto, como reflexo
condicionado); som e objeto material estáo, para ele, intima-r
mente associados entre si. E nao há vestigios de progresso e
adaptagáo da «linguagem» do animal irracional no decorrer dos
tempos, apesar das numerosas tentativas que os estudiosos e do-
mesticadores tém feito neste sentido... Verifica-se, sim, que os
animáis aprendem numerosos atos assaz complicados,'háo, pc£
rém, o de falar ou atribuir significado simbólico, universal, a de-;
terminado grito: é justamente por nao perceber o valor do «som
sinal de ...» que o papagaio repete mecánicamente, com oü sem -
propósito, as mesmas «frases». Há contudo animáis, compx>
chimpanzé, cujos órgáos facíais seriam perfeitamente capazes
de proferir palavras como o homem as profere; o macaco, por
mais que imite o seu dono, jamáis imita a fala déste.
Sómente o homem sabe atribuir a.tal som um valor inde-
pendente da presenga de tal ou tal estimulo externo. Esta arte
supóe no individuo humano a inteligencia, ou seja, a faculdade de
abstrair do concreto é material, para conceber nogóes gerais,
aplicáveis a muitos individuos análogos entre si; a inteligéncia,;ft
sómente ela, é capaz de apreender o que há de essencial e uno sob
as múltiplas notas sensíveis que caracterizam objetos concretos.
Na base destas observagóes é que, com toda a razáo, se, diz
que a faculdade de falar caracteriza a riatureza racional oü

— 483 — - :'■
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1953, qu. 1

intelectiva do homem, natureza de que carecem os animáis in


feriores incapazes de canceber nogóes universais.

Os estudiosos tém eíetuado experiencias muito significativas no


terreno da linguagem. Chegaram a educar, um ao lado do outro, ñas
mesmas condicOes de vida, um filhote de macaco e urna criancinha (ser
humano), de modo a poder acompanhar minuciosamente o desenvolvi-
mento de suas funcSes. Verificaram que até os dezoito meses de idade
um e outro reagiam aos estímulos extrínsecos de modo semelhante;
respondiam aos mesmos testes com sucesso variável, mas geralmente
obtendo empate final; apenas o jnacaco se mostrava mais hábil e ligeiro
nos seus movimentos físicos, enquanto a erianca manifestava mais capa-
e.idmle do prestar ¡itoneño. A pos (U'lorminado prazo, porém, wrlficn-
ram que a crianca, por sous progresóos, se dislaneiava do concurronlo,
de sorte a tornar vá qualquer ulterior comparacao. A manga comecou a
íalar própriamente, transpós o limiar da linguagem, que a caracteriza
ría como ser humano.
De modo geral, a crianca, com poucos anos de idade, coloca as im-
pressóes recebidas pelos sentidos (vista, ouvido, tato, olfato...), impres-
s5es que também o animal irracional colhe, a servico de urna faculdade
de conhecimento : a razáo. Esta, e so esta, percebe o significado intrín
seco de cada situagáo, sabe também concatenar os acontecimentos da
vida, estabelecendo entre éles relacóes de causa e efeito, meio e íim. Em
conseqüéncia, emite sons concebidos bem a propósito, palavras e frases
que tém valor perene, universal..., coisa que o animal infra-humano
nao faz,-porque nao tem raza o ou inteligencia.
Sobre a questáo filosófica da distingSo entre conhecimento sensitivo
e conhecimento intelectivo, veja-se ulterior" explanagáo em «P. R.»
7/1958 qu. 1.

3. Voltando agora ao texto sagrado da Biblia, pergun-


ta-se como conciliar os elementos de linguagem rudimentar áci
ma mencionados com o estado de perfeigáo sobrenatural de
que gozava Adáo no paraíso.
Duas sao as respostas que podem ser dadas a esta questáo:
a) Adáo, ^dotado do" dom de ciencia infusa, possuia o uso
da palavra em grau aprimorado; perdeu-o, porém, pelo pecado,
fazendo que seus pósteros tivessem que percorrer lentamente,
segundo as leis «aturáis, o caminho ascensional, ácima descrito.
b) Adáo, embora possuisse o dom da ciencia infusa, nao
o exprimia ainda pela linguagem; o pleno uso de tal dom terá
sido condicionado pelo Criador á fidelidade ao preceito para
disíaco. Ora, já que os primeiros pais nao perseveraram na
graga de Deus, nunca teráo ultrapassado o ritmo lento em que,
segundo a psicología, se deve ter desenvolvido a linguagem
humana.
Qualquer das duas hipóteses é conciliável com os dados da
fé ; cf. E. Bettencourt, Ciencia e Fé na historia dos primordios
c IV (fim).

— 484 —
__ QUE É O PECADO CONTRA O ESPIRITO SANTO ?

No estado atual dos conhecimentos, nada mais se poderia


acrescentar de preciso sobre a origem da linguagem. .

II. DOGMÁTICA

PRADO (Rio de Janeiro) :

2) «Em que consiste o pecado contra o Espirito Santo,


que Jesús diz ser irreinissível ?»

O texto donde so deriva a questño, anconira-se em Mt


12,3Ls ; Me 3,28 ; Le J2.10, sendo a recensíio do Süo Mateus a
mais explícita :

«Portante eu vos digo : todo pecado e blasfemia será perdoado aos


homens, mas a blasfemia contra o Espirito nao será perdoada.
E, s#saflguém disser urna palavra contra o Filho do homem, isto lhe
será peíloado; mas, se falar contra o Espirito Santo, isto nao lhe será
perdoado nem no presente século nem no futuro» (Mt 12,31s).

Como se vé, o Senhor distingue claramente entre palavra


(ou pecado) contra o Filho do homem e palavra (ou pecado)
contra o Espirito Santo. Vejamos sucessivamente o que signi
fica cada urna destas duas expressóes.
1. O sentido do pecado contra o Espirito Santo é elucidado
pelo contexto das palavras de Jesús em Mt e Me.
O Divino Mestre acabara de expulsar demonios, provocando
surprésa na multidáo que o acompanhava (cf. Mt 12,23). Os
fariseus, em vez de reconhecer nisso urna intervengáo da Onipo-
téncia Divina, interpretaram ésses feitos gloriosos contra a ló
gica e o bom senso, como sendo obra de um espirito impuro, do
qual Jesús estaría possesso. Assim atribuiam ao espirito do mal
feitos de bondade e salvacáo; confundiam o principio do Bem
com o principio do mal,... Jesús, o Enviado do Pai, com um
agente de Satanaz. Em urna palavra : fechavam os olhos a
manifestagóes evidentes do poder de Deus.
Urna tal atitude supóe da parte do homem recusa obstinada,
que só se explica pelo fato de que Deus, tendo dotado o homem
de liberdade de arbitrio, respeita a dignidade de sua criatura.
Ésse endurecimento de coragáo é, no texto do Evangelho, cha
mado «pecado contra o Espirito Santo», .nao por implicar ma
licia especial contra a terceira Pessoa da SSma. Trindade, mas
porque se opóe diretamente á agáo "santificadora de Deus ñas
almas, agáo que é atribuida ao Espirito Santo. A Escritura, com
efeito, costuma apropriar ao Espirito, Amor Subsistente em
Deus, essa obra de amor que é solicitar (por sinais visíveis e

— 485 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958. qu. 2

apelos invisíveis) os homens para a vida perfeita; é também,


segundo as páginas sagradas, por obra do Espirito Santo que
se realizam as grandes manifestagóes de Deus no mundo (cf.
Jz 3,10; 6,34; 11,29; 13,25; Ez 36,27; Jl 3,ls).
Donde se vé que «pecar contra o Espirito Santo» é resistir
obstinadamente as solicitacóes evidentes que Deus dirige &s
suas criaturas.

2. No mesmo contexto toma sentido claro a expressáo


«pecado contra o Filho do homem». O «Filho do homem» de
signa a Divindade encoberta pelos véus da carne; é Deus que
se assemelha aos homens em tudo, exceto no pecado, tornan-
do-se mesmo capaz de desconsertar as expectativas da sabedo-
ria humana (cf. Mt 11,6). O pecado contra o Filho do homem
. vem a ser entáo a queda atenuada pela fraqueza mais ou me
nos involuntaria "das criaturas que, embora aspirem ao bem,
nao sabem entrever a agáo de Deus nos designios da Providén-
cia ;• tal terá sido, por exemplo, o pecado de Pedro, que na
hora da Paixáo renegou o Divirio Mestre.
3. Jesús adverte que o pecado contra o Espirito Santo nao
encontra perdáo. Isto se entende bem á luz das nogóes ácima.
Nao há perdáo, ao menos se se observa o procedimento habi-
tual da Providencia Divina, onde o pecador nao o deseje, mas ao
contrario se fecha á graga. Ora tal é, sem dúvida, a atitude do
homem que luta conscientemente contra a agáo de Deus em sua
alma; um tal rejeita o principio de toda ressurreigáo espiritual,
tornando-se vítima da sentenga que ele mesmo profere sobre si.
Convém frisar que jamáis falta, da parte de Deus, a miseri-
córdia necessária para indulgenciar qualquer culpa do homem;
a bandade do Qnipotente será sempre maior do que a mesqui-
nhez da criatura (cf. 1 Jo 3,20); mas, se o réu nao quer rece-
ber o dom do Alto, o Senhor .nao o costuma impor. A rigor, Deus
pode forgar o pecador a se arrepehder; isto, porém, nao se faria
sem derrogagáo ao livre arbitrio, atributo característico do ser
-humano, que o Senhor habitualmenfe nao retoca. Contudo nota
S; Tomaz que, mesmo em casos de obstinagáo, «a via do per-
dáo e da cura nao está obstruida para a Onipoténcia e a Mise-
ricródia de'Deus, O Qual algumas vézes realiza curas espirituais
'como que por müagre» (S. Teol. Tí/U 14,3c).
~.

«.. .Nem no presente sáculo nem no futuro» (Mt 12,32).


Eis urna expressáo semítica que, no caso, significa a absoluta
irremissibilidade do pecado contra o Espirito Santo; em tempo
algum o pecador que recuse o perdáo, será forgado a aceitá-lo.

— 486 —
OFERECER A S. COMUNHÁO POR OUTRA PESSOA ? ' ■-, ;£i^
' ^ -- "■:"t

Em conclusáo, verifica-se que o pecado contra o Espirito ¡%


Santo nao versa sobre determinado objeto, nem consiste em umá ;V-Jsj
falta táo vultuosa que venga o Amor Divino para com a cria-" ':¿'£
tura, mas é simplesmente a resistencia aberta e consciente á '£$
graga de Deus. Nao há pecado por si irremissível, nem situagáo --M
de pecador táo desesperada que nao possa ser recoberta pela : ^
Misericordia do Salvador, a qual sempre se obterá através do 'í-
sacramento da Penitencia ou, caso éste nao esteja ao alcance ■ j
do homem, através de sincero ato de contricáo.

E. S. T. (Rio de Janeiro) :

3) «Nao raro os fiéis dizem que ofereceráo a S. Comunháo


por outra pessoa, viva ou defunta. Como se entende isso?»

Para responder devidamente, distingamos dois aspectos da :


S. Comunháo: pode ser considerada em sentido estrito, como ,
recepgáo de um sacramento, ou em sentido largo, como um ato
bom, ato da virtude de piedade.
1. A S. Comunháo entendida precisamente como sacra- . ■■
mentó produz em quem a recebe, frutos intransferíveis. Ela ¿¿
constituí a participagáo na ceia do Senhor, o nutrimento por '"%■
excelencia da vida espiritual. Por conseguinte, ela realiza seúsv;:¿^:
efeitos á semelhanga de um alimento; ora éste, quando é sádio,>¿Ij0
beneficia necessáriamente a quem o recebe, independentemeñte A-^f
da vontade ou dos desejos particulares de quem come: «Todos ps' -jj-í;
efeitos que o alimento e a bebida materiais exercem em favor. .':■ >-■
da vida corporal, a saber, sustento, aumento, restauragáo é dé- 'Uq
leite, isso tudo o sacramento da Eucaristia o produz no plano dá -1^
vida espiritual» (S. Tomaz, S. Teol. m 79, le). . í?í
Donde se vé que é impossivel renunciar aos frutos diretes -■'■>"
que a S. Eucaristia produz no comungante, por mais que éste , .';
queira ser útil ao próximo; o alimento, como alimento, aproveita. .■-;
¡mediatamente a quem o ingere, e a éste só.

Sumariamente recordaremos aqui os frutos diretos da S. Euca


ristia : :
1) os efeitos principáis da S. Comunháo sao o aumento da graga
santificante e o robustecimento das facuidades a esta anexas (as virtu
des infusas, os dons do Espirito Santo) ; diz S. S. o Papa Leáo XIII:
«A Eucaristia é a fonte, enquanto os outros sacramentos sao os filetes
da graca» (Ene. «Mirae caritatis»). Em particular, a S. Eucaristia excita
o fervor da caridade; o amor afervorado, por sua vez, concorre para a
destruigáo do pecado venial, para a remissáo das penas temporais, para
a extingao dos ardores da concupiscencia. Em urna palavra : a S. Comu-
,
nháo torna a alma mais apta a produzir generosas obras meritorias.
Costuma-se propor a doutrina ácima afirmando que a Eucaristia ~ ■:-_-
torna o- homem cristiforme, como o Batismo o torna deiforme. Isto v;•':

— 487 — :-M
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958, qu. 3

quer dizer que a alma e o corpo do comungante participam mais intima


mente da perfeigáo de que era ornada a santissima humanidade de
Cristo em virtude da uniáo hipostática. Na verdade, o cristáo, pela fre-
qüentagáo da Eucaristía, reflete mais claramente a imagem do Cristo
Jesús; é mais estreitamente incorporado ao Corpo Místico e adquire
novo penhor da .ressurreigáo gloriosa de seu corpo.
«A S. Eucaristía, diz Bérulle (t 1629), é como que urna imitacáo do
misterio da Encarnagáo, urna aplicacáo e extensáo déste a cada um dos
cristáos e fiéis, assim como o misterio da Encarnacáo é urna imitacáo
e extensáo da comunicacáo suprema que se dá na Santissima Trindade»
(Discours de l'état et des grandeurs de Jésus).
«Sim, cnsina por sua vez Bossuet (t 1704), Jesús assume a carne de
cada um de nos quando cada um de nos recebo a d'Éle. Entfio Ele so
torna homem em nosso íavor (e em nos, poderse-ia dizer), e Ele nos
aplica a sua Encarnacáo» (Méditations sur l'Evangile, 32e. jour).
Tais efeitos se verificam todas as vézes que a alma se apresenta
em estado de graga á refeicáo sagrada. Sao, como se vé, efeitos que nao
podem ser cedidos a outrem.
2) Os efeitos secundarios do Santíssimo Sacramento sao alegría e
deleite provenientes de. dilatagáo da alma, que se vai emancipando do
amor próprio. Estes dois frutos, porém, nao sao sempre percebidos ex-
perimentalmente pelo comungante... A alma lhes pode opor obstáculos,
chegando-se á S. Eucaristía após preparagáo negligente, solicitada por
distracóes mais ou menos voluntarias. Da sua parte, o Senhor pode
julgar oportuno privar de deleite sensivel os cristáos fervorosos, subme-
tendo-os a purificagáo salutar. Como norma geral, Sao Boaventura en-
sina que urna S. Comunhao bem preparada produz mais efeitos do que
numerosas comunhóes feitas com negligencia (In IV Sent. dist. II,
punct. II, art. 2, q. II).

2. Registraram-se nos primeiros séculos casos em que os


fiéis recebiam a S. Comunhao, e até mesmo o Batismo, em favor
dos mortos, julgando poder suprir a ,náo-recepgáo do sacramento
por parte de pessoas já falecidas (em 1 Cor 15,29 é possível que
Sao Paulo aluda a ésse costume). Tal praxe, porém, e sua idéia
inspiradora foram reprovadas em 393 pelo concilio regional de
Hipona (can. 4). Nao obstante, o abuso continuou a ser come
tido, suscitando novas intervengóes da autoridade da Igreja no
sínodo de Auxerre (585), no sínodo Trulano (692), nos Esta
tutos de S. Bonifacio (745).
Muito afim a ésse costume erróneo era a praxe, assaz difusa
no séc. IV, de se dar a S. Comunhao aos moribundos, de tal
modo que as especies sagradas estivessem em sua boca quando
éxalassem o último suspiro ; quando nao se podia dar o sacra
mento antes do desenlace final, o mesmo aínda era colocado na
boca do cristáo após a morte. Os fiéis queriam beneficiar-se, em
grau máximo, da S. Eucaristía entendida como viático ou ali
mento para a.grande viagem da vida eterna e como penhor da
ressurreigáo dos corpos. Já há muito que tal praxe caiu em

— 488 —
OFERECER A S. COMUNH&O POR OUTRA PESSOA ?

desuso, pois se sabe que a Eucaristía, atuañdo á guisa de ali


mento, só produz seus efeitos quando chega ao estómago de
quem a ingere (é o que se dá, alias, com o nutrimento natural;
todo sacramento sendo um sinal eficaz da grasa, as leis da sua
eficacia se depreendem, em boa parte, do modo como ésse sinal
atua no plano meramente natural).
Movidos por semelhantes idéias, os fiéis enterravam os
mortos com as sagradas especies; principalmente os bispos eram
sepultados com uma hostia consagrada sobre o peito ; lé-se,
por exemplo, na Vida de S. Basilio c. 4 (ed. Migne gr. XXIX 315)
que, quando estava prestes a morrer, mandou celebrar a S. Eu
caristía, consumindo entáo uma parle do sacramento e man
dando colocar outra parte dentro do seu túmulo. Também éste
costume foi posteriormente ab-rogado pela autoridade da
Igreja, pois se prestava ao abuso e á superstigáo.

3. Até aqui falávamos da acáo sacramental da S. Euca


ristía. Demos agora um passo adiante em nossas consideragóes.

Além de ser recepgáo do Sacramento por excelencia, o ato


de comungar é um ato bom, ato de virtude. Os méritos désse
ato redundam naturalmente em proveito do Corpo Místico ou
da comunháo dos santos, podendo conseqüentemente ser apli
cados a tal ou tal pessoa em particular; da mesma forma sabe
mos que c lícito fazer reverter em favor do próximo, seja vivo,
seja defunto, os méritos de uma esmola ou de um sofrimento
generosamente abragado. A S. Comunháo, com todo o cortejo
de atos fervorosos que a acompanham, tem diante de Deus
grande valor para obter gragas e pedir perdáo. A recepgáo da
S. Eucaristía é mesmo uma das maiores demonstragóes de amor,
por isto uma das obras mais agradáveis a Deus Pai e a Cristo.
Por conseguinte, podem-se oferecer ao Senhor os frutos de
uma boa Comunháo, rogando-Lhe que os faga redundar em
proveito de determinadas pessoas ou intengóes.

É principalmente após a recepgáo da S. Eucaristía, nos mo


mentos de agáo de gragas, que se devem formular tais preces
ao Pai do céu. Ensinam os teólogos que as oragóes da alma
mais puramente unida a Cristo, enquanto dura a real presenga
do Senhor no comungante, gozam de eficacia toda especial; as
preces dos fiéis sao mais corroboradas pela recepgáo da S. Eu
caristía do que pela doagáo de uma esmola. Donde se vé que
os momentos subseqüentes á S. Comunháo, por ser particular
mente favoráveis a oragáo, devem gozar da grande estima dos
cristáos.

— 489 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958, qu. 4

III. SAGRADA ESCRITURA

PRESBITERIANO (Gov. Váladares) :,

4) «O Apostólo, no trecho de 1 Tim 4,1-5, condena os


que apregoam o celibato e o jejum. Com isto nao estará conde
nando os católicos mesmos, que obsérvam o celibato sacerdotal
e o jejum ?
O jejum terá algum valor no Novo Testamento? Nao será
coisa inútil após o sacrificio de Cristo?»

Eis o trecho sobro o qunl versa a qucslao :


*

1 Tim 4, 1 «O Espirito diz expressamente que nos últimos tempos


apostataráo alguns da fé, dando ouvidos a espíritos engañadores e a
doutrinas de demñnios, 2 (seduzidos) pela hipocrisia de homens que fa-
lam mentiras, tendo cauterizada a sua própria consciéncia, 3 proibindo o
casamento e prescrevendo a abstinencia de alimentos, que Deus criou
para serem consumidos com acáo de grabas pelos fiéis e por aqueles
que conhecem a verdade. 4 Com efeito, toda criatura de Deus é boa,
e nao se deve rejeitar coisa alguma que se tome com acáo de grabas,
5 pois é coisa santificada pela palavra de Deus e pela oracáo».

Que quer própriamente dizer éste texto ?

1. A mensagem do Espirito Santo transmitida por Sao


Paulo visa os últimos tempos, nao necessáriamente os derradei-
ros dias do mundo, mas, sem dúvida, a época que se estende da
primeira á segunda vinda de Cristo; tal período constituí na lin-
guagem biblica a ultima hora da historia religiosa, pois remata a
Revelacáo sobrenatural e as disposigóes de Deus dadas em vista
da salvacáo dos homens (cf. 1 Jo 2,18). Últimos tempos sao,
sob éste ponto de vista, já os tempos em que os Apostólos vi-
vem e escrevem (cf. 1 Jo 2,18; 4,3). E é certamente essa sua
época que o Apostólo considera, procurando defender o jovem
Timoteo, seu discípulo, contra erros que estavam sendo dissemi
nados e em breve tomariam vulto muito ampio.

2. Quais seriam entáo essas aberragoes, que o Apostólo


caracteriza por duas notas negativas: proibicáo de matrimonio
e de alimentos ?
Nao há dúvida, trata-se de expressóes daquela mesma ideo-
logia que Sao Paulo visa reprimir continuamente ñas suas tres
epístolas pastarais (le 2 Tim, Tit). Com efeito, na segunda
metade do séc. I d.C, alguns judeus convertidos á fé crista
abracavam proposicóes do paganismo: o fundo dos seus ensi-
namentos era o dualismo, ou seja, urna concepgáo pessimista da
materia, tida como essencialmente má, indigna de Deus (tal con-

— 490 —
CELIBATO E JEJUM NA BIBLIA

cepgáo era, de resto, antiga na filosofia dos Pitagóricos e Órfi-


cos, assim como em certos cultos orientáis). Era conseqüéncia,
repudiavam tudo que pudesse favorecer a vida do corpo, inclu
sive o casamento e certo regime de alimentagáo. Os inovadores,
sob o aspecto de justos e puritanos, eram freqüentemente víti-
mas da hipocrisia e dos caprichos das paixóes, como atestam os
dizeres de Col 2,18.23.

As idéias mencionadas íoram levadas até as últimas conscqüéndas


no movimento chamado «Gnosticismo», que encheu a historia doutriná-
ria do séc. II, dando origem a escolas e seitas particulares, como as dos
Encrntislas, Valontinianos, Basilidinnos, Marcionitas...

Vé-se assim que Sao Paulo ñas suas epístolas pastorais foi
obrigado a reprovar práticas aparentemente santas, ditadas por
falsa filosofia da materia.
3. Em 1 Tim o Apostólo nao julgou necessário explanar
as relagóes vigentes entre matrimonio e virgindade; já haviam
sido assunto de 1 Cor 7, onde Paulo mostrara que santo é o
matrimonio, mas aínda mais perfeito é o celibato abracado por
amor a Deus (nao por desprézo do corpo) ; cf. «P. R.»
7/1957 qu. 7.
No tocante aos alimentos, porém, Sao Paulo detém-se, opon-
do as restrigóes dos inovadores a concepgáo que a Revelacáo
professa em Gen 1 e Eclo 39,16: todas as criaturas sao boas,
porque Deus, que é bom, as fez tais, destinando-as ao uso do
homem. Nao peca, por conseguinte, quem délas se serve con
forme a intengáo do Criador, isto é, reconhecendo que sao dons
concedidos por Deus ao homem, para que éste por sua vez dé
gloria ao Altissimo (está claro, porém, que o uso desregradó
dos seres materiais, impedindo a alma de dar gloria a Deus, já
é mau, pois significa violagáo do plano do Criador).
Toda criatura, acrescenta Sao Paulo, 6 santificada pela
Palavra de Deus e a oragáo (v.5). A Palavra de Deus, no caso,
seriam os dizeres do Criador mencionados em Gen 1 ou, mais.
provávelmente, os textos bíblicos (SI 21,27 ; 144,10) que desde
o Antigo Testamento serviam de fórmulas de oracáo usuais
antes das refeigóes. Essas preces dáo certamente significado
novo a urna das fungóes que o homem tem em comum com os
irracionais — a nutrigáo —, fazendo que mesmo esta, longe de
ser derrogagáo ao servigo de Deus ou condenagáo para o cris-
táo, se torne motivo de redengáo e santíficagáo.
Em conclusáo, o que Sao Paulo reprime é qualquer tipo dé
ascese ou abstinencia baseada em concepgáo pessimista da ma
teria, pois tal concepgáo é radicalmente alheia ao Cristianismo.

— 491 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958, qu. 4

4. Bem diversa do pessimismo é a mentalidade que inspira


aos católicos o celibato religioso e o jejum.

A respeito do primeiro, já se encontram ampias considera-


coes em «P. R.» 7/1957 qu. 7.

Sobre o jejum, deve-se dizer que é urna praxe do Antigo


Testamento por Cristo confirmada e enriquecida de novo sentido.
Sim. A Lei de Moisés prescrevia solene jejum para o dia
da Expiagáo, isto é, o décimo dia do sétimo mes (cf. Lev
16,29.31; 23,27.32; Núm 29,7; At 27,9). Além disto, o profeta
Zacarías mcncionava os jojuns do quarto, do quinto, do sétimo
e do décimo mes (7,5; 8,19); o livro de Ester (9,31) se refere
ao jejum da festa de Purim. A Lei também previa o jejum fa
cultativo estipulando, por exemplo, que, caso u'a mulher tivesse
feito voto de «afligir a sua alma» (expressáo biblica equivalente
á «jejuar»), tocaría ao seu marido o direito de confirmar ou
anular tal voto (cf. Núm 30,14). Em ocasióes extraordinarias,
o jejum era observado pelo povo israelita inteiro: para expiar
algum pecado grave (cf. 1 Sam 6,7 ; 3 Rs 21,8-14 ; Jer 36,9 ;
Bar 1,5...), para pedir o auxilio do Senhor na guerra (Jz 20,26;
2 Crón 20,3; 2 Mac 13,12), para prantear a morte de um rei
(1 Sam 31,13; 1 Crón 10,2), para dissipar um perigo comum
(Jdt 4,8.12; Est 4,3.16).

A praxe do jejum em Israel significava nao apenas abster


ge... (na concepgáo paga, evitar contato com seres maus), mas
representava um valor positivo, pois era tida como o meio apto
para excitar a contrigáo pelo pecado. O jejum, como mera pri-
vacáo, de nada valia, repetiam os profetas; era preciso fósse
expressáo de ardente amor a Deus.
Era, por exemplo, nestes termos que Isaías admoestava o povo em
nome do Senhor :
«Quando jejuais, só fazcis a vossa vontade e oprimís os vossos ope
rarios. Jejuando, só pensáis em contendas e debates, em golpes e mur
ros. Nao jejuais como seria hecessário em tal dia, a lim de que a vossa
voz se fizesse ouvir no alto» (Is 58,3s).
E o profeta recomendava urna serie de obras de misericordia que
haviam de acompanhar o jejum, despertando a generosidade da alma.

A observancia judaica, dizíamos, recebeu do Senhor a sua


cónfirmacáo... O próprio Jesús nao quis iniciar a sua vida pú
blica senio após quarenta dias de jejum no deserto (cf. Mt 4,2;
Me 1,13; Le 4,ls), á semelhanc.a dos que Moisés passara no
Sinai, mostrando desta forma que Ele consumava a Lei antiga,
dando sentido pleno as suas práticas de ascese. E predisse aos

— 492 —
CELIBATO E JEJUM NA BIBLIA

discípulos que éles haveriam de jejuar depois que o Mestre lhes


fósse arrebatado (cf. Mt 9,14s; Me 2,18-20; Le 5,33-35). A
razáo dessa praxe, explicava Jesús, é que a vitória contra o
reino do pecado requer o uso de duas grandes armas, que sao
a oragáo e o jejum: «Ésse género de demonios nao se expele
senáo pela oragáo e o jejum» (Mt 17,20; Me 9,28).
Para dar significado á mortificacáo do corpo, Cristo, mais
aínda do que os profetas do Antigo Testamento, inculcou aos
Apostólos as disposigóes interiores que a devem acompanhar:

■"Quando jcjuaidos, nao andéis Irislonhos romo os hipócritas, que


clesfifiuram o rosto para fazer ver <juo cslüu jejuantlo... Tu, quando
jejuares, unge a cabeca e lava o rosto para que ninguém perceba que
jejuas... E teu Pai, que vé no oculto, te recompensará» íMt 6,16-18).

É por sufocar as paixóes e excitar a tendencia decidida para


Deus só que o jejum se torna valioso, capaz realmente de debelar
os assaltos do Maligno, que se apoiam na covardia da carne
humana.
Em seu sentido pleno, o jejum cristáo vem a ser a expressáo
da situagáo típica em que se acha o povo de Deus no Novo Tes
tamento, entre a primeira e a segunda vinda de Cristo. Esta
situagáo é, conforme os dizeres mesmos de Jesús, a da Esposa
rujo Esposo foi momentáneamente arrebatado e que, por conse-
guinte, vive em santa viuvez. Por efeito desta cancepgáo, o Se-
nhor isentava de abstinencia seus apostólos enquanto Ele estava
na térra, e lhes anunciava o jejum como sinal futuro do seu amor
enlutado. É, pois, um santo e amoroso anelo que hoje inspira
ao cristáo o jejum; é o désejo de remover tudo quanto possa de
algum modo retardar ou entravar a uniáo com o Esposo; é a von-
tade de preparar urna veste nupcial toda pura, que na hora da
morte permita a cada alma crista, sem dilagáo alguma, o acesso
definitivo á presenga do Esposo (cf. Apc 19,7s; Mt 22,11-13);
é, com outras palavras, o espirito da esposa do Cántico dos Cán
ticos, a qual, vibrante de amor, deixa durante a noite o leito (có
modo para quem nao ama como ela), a fim de procurar o esposo
e se lhe unir incondicionalmente, expondo-se a duros sofrimentos
nessa busca (cf. Ct 3,1-4). Dentro désse quadro, o jejum tor-
na-se mesmo manancial de alegría para o cristáo, de tal modo
que jejuar com a face tristonha equivaleria a desvirtuar ésse
exercício.

Os discípulos de Cristo entenderam o exemplo e as instru-


góes do Mestre, imitando o Senhor desde a geragáo dos Apos
tólos. Assim, conforme At 13,1-3, foi enquanto os discípulos je-

— 493 —
cPERGüNTE E RESPONDEREMOS. 12/1958, qu. 5

juavam em Antioquia que o Espirito Santo fez conhecer a sua


vontade, designando Saulo e Barnabé para a pregagáo do Evan-
gelho, e foi em meio a oragóes e jejuns que estes receberam a
imposigáo das máos ou as ordens sacras. Foi também recorren-
do a prece e ao jejum que os dois missionários instituiram os
anciáos para dirigir as comunidades cristas recém-fundadas na
Asia Menor (At 14,23). Por sua vez, Sao Paulo em suas cartas
faz mencáo dos jejuns freqüentes que praticava (cf. 2 Cor 6,5;
11,27; indiretamente 1 Cor 9,27; At 27,9).
Em suma, as consideragóes ácima parecem por suficiente
mente em evidencia o fundamento bíblico do jejum entre os
cristáos.

5. Talvez, porém, ainda reste urna dúvida : porque a Igreja


estipula dias de jejum obrigatório, em vez de deixar que cada um
de seus filhos faga seu programa nesse setor ?
Em resposta, ,note-se primeiramente que a obrigacao de
jejuar ou, mais precisamente, de abster-se (sem com isto arrui
nar a saúde) decorre das palavras e do exemplo de Jesús mesmo,
e vale para todos os cristáos, pois a todos indistintamente in
cumbe reprimir o demonio e as paixóes desregradas. Sendo
assim, a Igreja apenas fez determinar dias em que toda a cole-
tividade crista se entrega á abstinencia (o jejum é bem mitigado
em nossos dias), á semelhanga do que sempre se fez no povo
bíblico (cf. 1 Sam 7,6; 3 Rs 21,8-14; Jer 36,9. . .); os cristáos
sabem que a oragáo e a procura de Deus em comum sao parti
cularmente agradáveis ao Senhor, devendo conseqüentemente
gozar de eficacia especial (cf. Mt 18,20).
Tenha-se por certo, porém, que o jejum dos cristáos, longe
de derrogar ao sacrificio e aos méritos de Cristo, é antes puro
fruto e dom da Paixáo Redentora. É Deus quem em nos coroa os
seus méritos (Sr Agostinho)...

0. H. (Rio Grande do Sul) :

5) «Que significado tinha a circuncisao uraticada pelos


judeus ?»

1. A circuncisáo, no. povo de Israel, consistía em um lalhc


de pele praticado em todo individuo masculino oito dias após o
seu .nascimento. O Senhor Deus houve por bem impó-lo a Abraáo
(séc. XVIII a. C.) e a seus descendentes como sinal da Alianga
travada com éste Patriarca (cf. Gen 17,9-14). Tal devia ser a
importancia désse rito na legislagáo de Israel que o varáo incir
cunciso havia de ser considerado como prevaricador da Alianga.

— 494 —
SIGNIFICADO DA CIRCUNCISÁO

Consciente disto, o rei sirio Antioco IV Epifanes em 167-164 a.C,


querendo desviar da religiáo revelada o povo de Israel, Ihe proibiu a
praxe da circuncisáo (1 Mac 1, 51. 63s; 2 Mac 6,10). Os judeus que entáo
l'reqüentavam os teatros e ginásios dos pagaos, eram objeto de escarnio
público; para evitá-lo, nao poucos apostataram da fé, cancelando, me
diante operaeáo adequada, o sinal da circuncisáo existente em sua pele
<ef. 1 Macl,15s).

A respeito do modo de executar a circuncisáo, sabe-se que


podía ser praticada mediante láminas de pedra (cf. Ex 4,24-26;
Jos 5, 3); o seu ministro habitual era o pai da crianga ao menos
nos inicios da historia de Israel (cf. Gen 17,12s; 21,4). No judais
mo posterior, ou seja, nos lempos de Cristo, havia um oficial
especialmente designado para cumprir o rito, que obedecía ao
scguinte cerimonial :

A circuncisáo se dava geralmente em uma sinagoga, na presenca do


um mínimo de dez testemunhas e geralmente de manhá. Dois assentos
eram preparados no recinto sagrado : um para o padrinho do candidato,
o outro para o profeta Elias, que os rabinos imaginavam estar presente,
baseando-se em uma interpretacáo sutil do texto de Malaquias 3,1, com
binado com 3 Rs 19,10. Fazia-se o talhe na enanca em meio a louvores
e preces dirigidas a Dcus. A seguir, impunha-se o nome á crianca, pois
o Sonhor deu novo nome a Abraáo quando Iho pro.scrcveu a circuncisáo
(cf. Gen 17,5) : de entáo por cliante, o menino passava a fazer parte do
povo de Deus e devia ser reconhecido por seu apelativo característico.
A eerimónia terminava com uma rcfeicáo em familia. Quando a crianca
no seu oitavo dia de vida estava (lóente, espcrava-so a cura para fazer
a operagáo ritual. Caso morresse antes do oitavo dia, era circuncidada
em seu lencol mortuário sobre o respectivo túmulo, a fim de que nao
ficasse privada do sinal distintivo da alianca com Deus.
Alguns rabinos afirmavam que o varáo, trazendo a marca da cir
cuncisáo, nao poderia sofrer a ruina eterna após a morte; Abraao, um
anjo ou o próprio Senhor cancelariam o sinal sagrado nos pecadores
que se perdessem para sempre. Rabi Levi julgava que Abraáo ficava á
porta da geena (regiáo dos reprobos) a íim de colocar em todo israe
lita culpado um prepucio (segmento de pele integra) tirado de uma
crianca falccida sem circuncisáo (Bereschith rabba 48 [30a. 49]).
Estas proposicóes, por muito fantasistas que sejam, tém o valor de
atestar a grande estima que Israel devotava á mencionada institmcao.

2. É agora espontánea a questáo : qual terá sido a origem


désse rito ?

Nao há dúvida, era praticado por povos anteriores a


Abraáo, o ainda hoje continua a ser observado pela sétima parte,
aproximadamente, da populacáo do globo. . .
No Egito antigo o uso da circuncisáo é documentado tanto
por vestigios existentes em múmias como por baixos-relevos :
assim em um túmulo do terceiro milenio a.C. na cidade de

— 495 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958, qu. 5

Menfis contempla-se a seguinte cena : um operador abaixado


aparece a cortar o prepucio de um jovem posto & sua frente.
Dada a insuficiencia de testemunhas, nao se poderia dizer se a
praxe era geral no vale do Nilo. Parece que, a principio, nao
tinha significado religioso; veio, porém, a adquiri-Ib posterior
mente. Em época tardía a circuncisáq era praticada até mesmo
em donzelas.

Segundo Heródoto (II104), os egipcios ensinaram a circun


cisáo aos fenicios e aos sirios da Palestina (noticia de cuja vera-
cidade se pode duvidar, pois os gregos tendiam a exagerar a in
fluencia dos egipcios). Os árabes parecem ter recebido dos etío
pes o uso da circuncisáo, que éles praticavam já antes de Mao-
mé e que, embora nao seja mencionada pelo Coráo, foi, junta
mente com a religiáo maometana, transmitida aos povos da Asia
Central. Segundo Jer 9,24-26, o rito era observado igualmente
por idumeus, amorreus e moabitas, ao passo que os filisteus
e os assírios-babilónios nao o adotavam (note-se que Abraáo,
oriundo da Babilonia, nao fóra circuncidado em sua térra natal).
As descobertas modernas revelaram que a circuncisáo es-
tava em voga na América pré-colombiana, como aínda hojo ó
posta em prática por muitas tribos da África (principalmente
ocidental e oriental), da Australia, da Polinesia e da América do
Sul. A par désses, porém, registram-se outros grupos étnicos
que sempre se Ihe mostraram refratários: assim os indo-euro-
peus, os mongóis, os finlandeses e húngaros.

A mor parte dos povos pratica a circuncisáo nos jovens,


quando entram em puberdade (os árabes a executam aos treze
anos de idade, reproduzindo o que se deu em seu famoso ante-
passado Ismael;.cf. Gen 17,25). Pode acontecer, porém, que seja
aplicada a criangas recém-nascidas.

3. E qual seria a ideología que inspirou o rito em quest&o?

A ampia propagagáo da circuncisáo faz crer que varios


foram os motivos propulsores de tal prática.

a) Conforme Heródoto (II 37), os egipcios se circuncida-


vam por motivo de higiene. Esta explicagáo de ordem terapéu
tica nao encontra grande acolhimento por parte dos etnólogos
contemporáneos.

b) Há quem pense tratar-se de medida destinada a favo


recer a fecundidade e o ato sexual.

— 496 —
SIGNIFICADO DA CIRCUNCISÁO

c) Outros preferem explicá-la como sacrificio de primicias


oferecido pelo jovem á Divindade logo que entrava na categoría
dos varees ou dos guerreiros da tribo, emancipando-se dos cui
dados de amas e tutóras. Em favor desta hipótese, cita-se o fato
de que, entre os árabes, o rapaz a ser circuncidado se reveste de
trajes femininos, que ele depñe logo após a cerimónia. A circun-
cisáo seria assim um ato de declaracáo de plena virilidade.

Poder-se-ia dizer que o conceito de «circuncisáo = sacrificio de pri


micias oferecido a Deus» é insinuado pelo trecho de Lev 19,23s : a Lei
de Moisés mandava que os primeiros frutos das árvores fóssem consi
derados pelos israelitas como «prepucio» ou incircuncisos, isto é, impu
ros, pelo ospaco do tres anos; a ninguem seria lícito consumi-los. No
quarto ano, porém, far-se-ia a consagracáo de todos os frutos numa
testa de louvor ao Senhor, festa que devia equivaler á circuncisáo, pois
de entáo por diante os mencionados frutos eram incorporados aos obje
tos de uso do povo de Deus.

d) É possivel que alguns povos pagaos tenham atribuido


ao rito a fungáo de afugentar os maus espíritos que ameagavam
a vida da crianga recém-nascida.

4. Como quer que soja, a circuncisáo foi introduzida na


linhagem de Abraáo (scc. XVIII a.C.) com sentido religioso
monoteísta, estritamente depurado de qualquer vestigio de poli
teísmo ou superstigáo. Já que os israelitas, com sua mentalidade
muito rude, precisavam de ser estimulados por sinais concretos,
o Senhor dignou-se indicar-lhes a circuncisáo qual marca e, ao
mesmo tempo, incentivo de sua adesáo ao único Deus. Está claro
que, aos olhos do Senhor, nao possuia nem possui importancia o
ato material de se talhar a pele; contudo, visto tratar-se de praxe
tida em alto conceito pela mentalidade oriental, Javé houve por
bem aproveitar-se de tal rito para avivar a consciéncia religiosa
do povo de Israel. Mais urna vez se nos defronta aqui urna ex-
pressüo da pedagogía divina no Antigo Testamento, pedagogía
que, sem pactuar com o erro, sabia tomar o israelita como ele
era (com suas categorías infantis de pensamento), a fim de o ele
var aos poucos a um nivel de filosofía mais polida.

Esta elevacáo se foi efetuando principalmente por obra dos profetas


de Israel (do séc. VIII em diante), que procuravam dar sentido profun
damente espiritual ao rito corporal. Assim Jeremías apregoava que a
circuncisáo carnal nao bastava e que era necessário circuncidar, isto é,
purificar, o coracáo para agradar a Deus; circuncidar os ouvidos, isto é,
abri-los dócilmente, para ouvír a palavra do Senhor (Jer 4,4; 6,10; 9,24).
a índole de sinal que tocava á circuncisáo carnal '(cf. Ez 44, 7,9). O
Deuteronómió, por sua vez, exortava israel a circuncidar o coracáo para
amar a Deus (cf. 10,16; 30,6).

— 497 —
_NTE E RESPONDEREMOS>_12AI95S;_qu._5

Ensina a Teología que a circuncisáo judaica era um sacra


mento da antiga Lei mediante o qual os israelitas recebiam a
remissáo do pecado original. Era justamente pressupondo esta
doutrina que Sao Paulo apresentava a circuncisáo como figura
(ou tipo) do Batismo cristáo (cf. Col 2,11). Note-se, porém, que
o rito vigente no Antigo Testamento nao produzia seu efeito do
mesmo modo que o sacramento da Paixáo de Cristo ,já reali
zada; é esta que se aplica ao cristáo, quando se lhe administra o
Batismo; em conseqüéncia, o Batismo apaga o pecado em virtu-
de da graga mesma que ele contém. Ao contrario, á circuncisáo
competía agáo muito menos dircta; sua fungáo era a de excitar
e exprimir a fó na Paixáo e nos mórilos futuros do Redentor;
nao produzia efeito por si mesma, nem era em si portadora do
graga santificante, mas constituía mero sinal da fé no Messias
vindouro, fé esta que obtinha a remissáo do pecado original. O
adulto que se circuncidasse, fazia diretamente tal profissáo de fé,
ao passo que outros a proferiam em lugar da crianga apresen-
tada á circuncisáo (cf. S. Tomaz, S. Teol. III 70,4).
O Senhor Jesús, oito días após a natividade, quis subme-
ter-se ao preceito mosaico (cf. Le 2,21), visto que, no dizer do
Apostólo, Ele houve por bem nascer da mulher e fazer-se súdito
da Lei (cf. Gal 4,4), Estando para realizar a Redengáo pela
morte de cruz, quis desde a sua entrada no mundo oferecer as
primicias de seu sangue. Urna vez, porém, instituido o Batismo
cristáo, entende-se que a circuncisáo, que o prefigurava, tenha
perdido a sua razáo de ser. £ o que o Apostólo ensina : «No
Cristo Jesús (= entre os cristaos) nao tem valor nem a circun
cisáo nem a incircuncisáo, mas apenas a fé que se exerce pela
caridade» (Gal 5,6; cf. 6,15; Col 3,11).

Nao foi fácil aos cristaos convertidos do judaismo comprecnder o


significado categórico desta afirmacáo. Nao poucos queriam Í6ssem
administrados a qualquer catecúmeno tanto a circuncisáo judaica como
o Batismo cristáo (a figura e a realidade plena, tipo e antitipo, simul
táneamente). Os Apostólos, porém, reunidos em Jerusalém no ano de
49 reconheceram definitivamente a ab-rogacáo da circuncisáo (cf. At 15,
19.28s). Após esta deliberacáo, ainda se fizeram ouvir vozes de «judai
zantes», as quais, porém, nao conseguiram prevalecer no seio da Igreja.

A circuncisáo ainda conheceu um surto efémero no fim do


séc. XII. Foi entáo praticada pela faegáo dos «Passaginos», cujo
nome se derivava de «passagium», viagem, visto que se passa-
vam provavelmente do Oriente para a Europa em séquito aos
cruzados. Foram censurados pelos sínodos regionais de Verona
(1184) e Benevento (1378). Ainda hoje — fato estranho — os
cristaos cismáticos da Abissínia e do Egito (coptas) praticam a

— 498 —
MUL1IER K INDUMENTARIA MASCULINA

circuncisáo, sem, porém, lhe atribuir valor religioso, dando-lhe


apenas significado social e nacional.

IV. MORAL

QUIRINO (Bauru) o ALMA ESTUDIOSA (Sao Joao


del-Rei) :

6) «Haverá motivo para que a mulher nao use a indumen


taria característica do varao ?»

1. Em nossa resposla devenios distinguir o aspecto teórico


e o aspecto prático da questáo.
a) Em si o traje habitual dos homens (caigas longas e pa
leto ou blusa) pode tornar-se veste feminina, sem que por isto
os bons costumes sofram detrimento. Nao há dúvida, certos ves
tidos por si mesmos sao muito menos convenientes do que a veste
masculina trajada por urna donzela.
b) Na prática, porém, a conveniencia ou nao de que as
mulheres usem a indumentaria de homem há de ser avaliada á.
luz de criterios extrínsecos, ou seja, das circunstancias em que a
moda é praticada. Será preciso levar em conta, por conseguinte :
aa) a intengáo da pessoa que assim se traja. Será intengáo
pura, visando realmente as finalidades que a indumentaria tem
em si: protegáo do organismo, higiene ? Ou haverá desejo de
chamar a atengáo, nutrir a vaidade, provocar desordem ?
bb) As reagóes do ambiente. Tal vestiario, sendo contrario
ñ praxe habitual, nao excita paixóes ? Nao abre via fácil ao
pecado ?
Ora parece que na vida cotidiana, principalmente em am
bientes levianos, certos males moráis se prendem á moda dos
trajes masculinos : o espirito de exibigáo e a concupiscencia des-
regrada sao por vézes alimentados por essa praxe.
Sendo assim, entendem-se os juízos poucos favoráveis que
os tutores dos bons costumes tém proferido sobre a nova moda :
tais apreciagóes se baseiam nos efeitos nocivos que piráticamente
tal indumentaria acarreta; nao fóssem ésses maus frutos, a moda
tornar-se-ia aceitável (é o que se dá, por exemplo, em regióes da
Europa, onde o frió vem a ser um dos fatores preponderantes
que levam a mulher a se trajar como o homem).
Vistas as circunstancias da vida no Brasil, dir-se-á que ao
menos «as igrejas é de todo indesejável que mogas e senhoras
comparecam com tal indumentaria.

— 499 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS^ 12/1958, qu. 6 o 7

2. Há na Sagrada Escritura um. texto (Dt 22,5) habitual-


mente citado quando se debate o assunto :

«A mulher alguma será licito trajar veste de homem; e homem ne-


nhum se vestirá com traje de mulher, pois quem comete tal coisa se
torna abominacáo diante do Senhor teu Deus.»

Qual o sentido desta proibigáo ?


1) Há quem diga que tem por fim incutir a criatura hu
mana o respeito pela ordem de coisas e, conseqüentemente, pela
distincáo de sexos, que o Criador instituiu (cf. Gen l,12.24s.27).
A troca das vestes usuais entre homem c mulher cquivaleria a
urna violagáo dos designios de Deus. Assim interpretada, a proi-
bicáo do Deuteronómio teria valor de lei ainda em nossos dias.
2) Parece, porém, que outro é o significado dessa passa-
gem. Segundo bons exegetas, ela constituí urna advertencia con
tra práticas de povos pagaos contemporáneos de Israel. Com
efeito, na Siria e em Canaá certos cultos politeístas, permitindo
o disfarce no vestiario, davam margem a deboches grosseiros.
Mais precisamente : o culto de Astarté em Canaá e na Fenicia,
incluindo tal prática, teria sido, conforme alguns exegetas, a oca-
siáo imediata da cláusula do Deuteronómio. Sabe-se outrossim
pelo poeta romano Macrobio que na ilha de Chipre havia urna
estatua de Venus caracterizada por barba na face, cetro na máo
e estatura viril, revestida, porém, como mulher («barbatum cor-
pore, sed veste muliebri, cum sceptro ac statura virili». Saturnal.
1. m, VIII). Diante dessa imagem, considerada como masculina
e feminina simultáneamente, varóes vestidos como mulheres e as
mulheres trajadas como homens se apresentavam para oferecer
sacrificios. Veja-se também Servio, In Aen. II632; Apuleu, Meta-
morph. VHI 24s.
Entendida tomo reagáo contra usos pagaos vigentes em
época antiga, a norma do Deuteronómio já nao teria valor de
lei desde que fóssem removidos os perigos do paganismo. Con-
tudo pode-se perguntar: embora hoje nao haja mais cultos po
liteístas em mossa sociedade, nao existe u'a mentalidade paga
capaz de utilizar todo e qualquer pretexto para se entregar ao
'libertinismo e deboche? Sendo assim, nao terá ainda cabimento
a advertencia do Deuteronómio ?

CARLOS (S. Carlos) :

7) «Será lícito a um patrao católico obrigar seus operarios


a trabalhar em día santo de guarda (8 de dezembro, por exetn-
plo), só porque nao é feriado e a maioria das industrias se abre ?

— 500 —
TRABALHAR EM DIA SANTO DE GUARDA

E o operario católico que deve fazer, caso a fábrica ou a


loja funcionem ñas circunstancias ácima ?»

Consideremos primeiramente o que concerne aos patroes.


A Moral Católica conhece casos em que se torna lícito o
trabalho em dias santos : é o que se dá quando, por exemplo, a
interrupgáo da obra acarretaria notável prejuizo ou faria perder
lucro vultuoso honesto (a perda de lucro vultuoso pode ser equi
parada, no caso, a notável prejuizo). Levando-se em conta éste
principio, dir-se-ia que só ó lícito ao patráo mandar seus opera
rios trabalharem em dia santo se ele prevé que grave daño lhe
há de provir da interrupcáo da obra; os casos lícitos seriam, por-
tanto, casos esporádicos, talvez excecionais, que o patráo pro
curaría nao multiplicar, distribuindo com sabedoria e previsáo os
diversos afazeres da sua industria.
Na prática, porém, nao se poderá aplicar sem mais esta so-
lucáo. O triste fato de que oficialmente nao se respeitam os dias
santos no Brasil e, por conseguinte, a industria e o comercio cos-
tumam abrir suas portas, concorre para que seja de certo modo
acentuado o prejuizo do patráo que nao siga o ritmo comum. O
proprietário católico que, enfrentando a situacáo, quiser obser
var e fazer observar o repouso em dia santo de guarda, só poderá
merecer louvores pelo testemunho de fé crista e pelo exemplo
que estará dando. Um moralista particular, porém, ou um sacer
dote no confessionário nao poderiam exigir que todos os patróes
católicos assim procedessem em nossos dias. A vida moderna, o
curso atual da industria e do comercio sao táo complexos que
nao se poderia aplicar urna só regra a todo e qualquer caso : será
preciso ponderar as circunstancias de cada situacáo particular
(o prejuizo maior ou menor acarretado pela interrupcáo do tra
balho, a inteneáo gananciosa ou nao dos interessados, o escán
dalo e os males espirituais causados pela náo-observáncia do dia
santo, etc.). E o arbitro competente para avaliar tais fatores nao
é um casuista particular, mas a autoridade diocesana ou o bispo
sob cuja jurisdigáo está o patráo católico. O prelado, em sua pru
dencia pastoral, considerando as circunstancias próprias da vida
social em sua diocese, poderá dizer a palavra autorizada para
que os fiéis leigos e os sacerdotes no confessionário formem a
sua consciencia.

2. Quanto aos operarios católicos coagidos pelos patróes


a trabalhar em dia santo, fácilmente teráo motivo para seguir as
ordens recebidas; a sancáo que Ihes seria imposta caso nao as

— 501 —
«PKKGUNTK E RESPONDEREMOS,. 12/1!)5S, g». S

aceitassem, redundaría geralmente em notável detrimento para


éles e seus familiares, detrimento que em consciéncia éles nao
estáo obrigados a sofrer. Nem a moral lhes impóe em todo e
qualquer caso o dever de procurar outro patráo, respeitador das
leis sagradas, visto que talvez nao o encontrassem ou só o encon-
trariam com prejuizo financeiro de corto vulto. Nao resta dú-
vida, porém, de que o operario católico se deve empenhar por
abster-se de trabalho nos dias santos sempre que isto seja com-
pativel com as justas necessidades déle o de sua familia.

V. HISTORIA DO CRISTIANISMO

TIAGO NATAL (Rio de Janeiro) :

8) «A cclebragáo popular do Natal eristáo parece evocar


motivos náo-cristáos. Como se explica isso ?»

1. Já que o S. Evangelho nao indica precisamente a data


do nascimento de Cristo, a Tradigáo crista desde o séc. IV em
Roma celebra o Natal aos 25 de dezembro (cf. «P. R.» 3/1958
qu. 8). A escolha desta data se deve ao desejo das autoridades
eclesiástica de contrapor á festa paga do «Natalis Solis Invicti»
(da Natividade do Sol Invicto, Divindade oriental) a celebragáo
do nascimento do verdadeiro «Sol de Justiga», que é Cristo
(cf. Mal 4,2). Foi, alias, assim que muitas vézes procederam
os bispos na antigüidade : aproveitando as ocasióes em que no
ambiente do Imperio Romano o fervor religioso do povo costu-
mava ser avivado por motivos pagaos, os prelados ñas mesmas
datas instituiram celebragóes genuinamente cristas, aptas a
canalizar e elevar os sentimentos religiosos dos fiéis na auténtica
direcáo, ou seja.rpara o único Deus.
Esta praxe de utilizar as «cabecas de ponte» que o paga
nismo fornecia á implantagáo do Cristianismo, era legitima, pois
por si nao implicava corrupgáo doutrinaria nem pacto com cos-
tumes náo-cristáos. Por vézes era mesmo necessária, pois o povo
do Imperio já estava habituado a certas manifestagóes de sua
alma religiosa, manifestagóes que, de um lado, seria antipe
dagógico querer extinguir e que, de outro lado, muito se pres-
tavam a urna interpretagáo crista. Para garantir o bom éxito
da tática, os bispos repetidamente (como atestam seus sermóes)
procuravam mostrar aos fiéis as diferengas vigentes entre a
mentalidade paga e a crista.
Acontecía, porém, que o mes de dezembro, no qual se come-
gou a celebrar o Natal de Cristo, era, desde a época pré-cristñ,

— 502 —
cristianismo i-: celkükacao popular no natal

um período em que a alma popular, excitada por circunstancias


diversas, vibrava com particular entusiasmo. A ocorréncia do
dia mais curto e da noite mais longa do ano despertava a remi
niscencia da esterilidade e da morte assim como a da fertilidade
da natureza que renascia com o novo crescimento dos dias. Em
conseqüéncia, os pagaos em datas sucessivas do mes de dezem-
bro celebravam procissóes e ritos diversos que, sob acordes
varios, faziam ressoar sempre o mesmo motivo : desejo de afu-
gentar os espantos maus e mortíferos e obter conseqüentemente,
para a primavera que se abriría em breve, a tutela dos bons
genios ou dos agentes da fecundidade.

As solenidades c íestcjos clcssa índole cstavam em uso nao sómente


dentro das íronteiras do Imperio Romano, mas também entre os povos
germánicos que invadiram o Imperio (esta observacáo é importante,
pois permite avaliar a necessidade que se impunha á Igreja, de dar
cunho cristáo a certos usos já inveterados nos povos que se convertiam
ao Evangelho no fim da Idade Antiga e no inicio da Idade Media).
Entre os festejos germánicos do mes de dezembro (citamo-los em
particular, porque íoi principalmente em térras germánicas que a cele-
bragáo do Natal cristáo tomou aspectos exuberantes), destaca-se a íesta.
de JUL, (em gótico aftuma jiuleis era o nome do último mes do ano),
celebrada durante doze dias, ñas proximidades da entrada do invernó;
acendiam-se foguciras, ofereciam-se sacrificios, comia-se um tipo de pao
especial promoviam-se banquetes e orgias, usava-se u'a máscara própria
(Julbock = o bode de Jul); isso tudo visava honrar o deus da luz, Freyr,
e afugentar os espiritos malignos, a fim de se obterem os efeitos bené
ficos tanto da luz ou do sol que ressurgia, como dos espiritos protetores
dos homens (invocados como principios maternos, fecundos).

2. Consideremos agora as principáis manifestagóes festi


vas que, de perto ou de longe, tém acompanhado a celebracáo do
Natal cristáo e sao por vézes relacionadas com costumes náo-
-cristáos.

a) Vem, em primeiro lugar, a árvore de Natal, que ñas


casas de familia, c mesmo nos recintos onde nao se faz profissáo
de religiáo, costuma ser erguida e ornamentada no fim de de
zembro.

Que dizer dessa praxe ?

A árvore desde os inicios do Cristianismo sempre foi esti


mada como símbolo religioso; nao sómente o livro do Génesis
apresenta árvores famosas (ce. 2-3), mas também o Senhor no
Evangelho transmite ensinamentos religiosos mediante as figu
ras da figueira (cf. Mt 21,18-22; Le 13,6-9) e da videira (cf.
Jo 15,1-6).

— 503 —
«PERGUNTE K RESPONDEREMOS:. 12/I95S, <ju. S

Já que Cristo veio abrir aos homens as portas do paraíso ou


do estado de amizade com Deus Pai, estado outrora perdido pelo
pecado, os cristáos procuravam no ingresso de suas igrejas re-
produzir urna imagem do paraíso, construindo ai um adro cer
cado de colunas, dentro do qual se viam um pogo e, freqüente-
mente, árvores. A ésses adros davam o nome de «paraíso» (para-
clisus; donde o termo francés parvis). Na Idade Media o paraíso
das igrejas era o lugar onde, segundo o gósto da época, se re-
presentavam autos alusivos ao paraíso bíblico; focalizava-se
entáo de modo especial a árvore simbólica que lembrava a árvore
da vida outrora existente no paraíso, conforme Gen 2,9. Os fiéis
chegavam a ornamental1 tal árvore com frutos o pomos múltiplos
a significar vida e felicidade; faziam também pender dos respec
tivos ramos oblatas ou páes, que lembravam a S. Eucaristía.
Procuravam assim de varias maneiras por em relevo o fato de
que a árvore da vida eterna, outrora perdida, nos foi de novo
dada por Cristo, que quis pender da cruz para merecer-nos o
fruto da vida eterna. A árvore assim ornamentada era, por ex-
tensáo, chamada «Paradies» na Alemanha; encantrava-se r.áo
raro exposta dentro das próprias igrejas, cercada de velas, lam-
parinas, pequeños fachos, etc., os quais significavam a luz da
verdade e da vida que iluminava os cristáos a partir da nova
árvore da vida, ou seja, a partir da cruz de Cristo; simbolizavam
outrossim a alegría e a esperanga que enchem o cristáo cons
ciente do dom de Deus.
No decorrer dos tempos a árvore, com a sua ornamentagáo,
foi erguida e exposta também ñas casas de familia junto ao pre
sepio, a fim de completar o significado déste e servir á devogáo
dos fiéis.
Assim se originou o que chamamos «a Árvore de Natal».
A primeira notíeia que se tenha do uso de tal símbolo de Natal
provém de urna crónica de Schlettstadt (Alemanha) e data de
1600 aproximadamente; parece que só no séc. XVIII velas c lam-
parinas foram acrescentadas á ornamentagáo respectiva (a pri
meira noticia segura é do ano de 1737, proveniente da Ale
manha) .
Há quem queira interpretar a árvore de Natal como sendo
símbolo da- «vida que se ranova todos os anos»; esta sentenga,
embora nao seja alheia á mentalidade crista e ao simbolismo na
tural da árvore (que passa sucesivamente por floragáo e apa
rente morte), nao esgota toda a rhensagem da árvore de Natal,
como se depreende. do ácima dito. Outros julgam que a árvore
de Natal nao é.senáo urna instituicáo hindú, adotada no séc. XVI
na Alemanha em conseqüéncia da divulgacáo de famoso re-

— 504 —
CRISTIANISMO E CKLKBRACAQ POPULAR DO NATAL

lato de viagem feita no Oriente. Outras sentengas identificam a


árvore de Natal com a «árvore cósmica* (Yggdrasil) da mitolo
gía germánica ou com a árvore sagrada ornada de lamparinas
cujo culto, de origem paga como era, foi proscrito por Carlos
Magno na «Admonitio Generalis» de 787. Nao se poderiam pro-
var tais teorías.
Na verdade, a árvore de Natal tem sentido genuinamente
cristáo, ilustrado pela antítese entre a árvore da vida paradisiaca
e a árvore da cruz de Cristo. Nao há dúvida, porém, de que o
simbolismo da árvore (elemento indispensável á existencia hu
mana) é táo obvio ao observador e as almas religiosas que já
untos de Cristo era utilizado para exprimir conceptos filosófi
cas e místicas a respeito da vida.

b) A figura de Papai Noel, anciáo barbado portador de


presentes para as criangas, tem origem assaz complexa.

Ela se prende a utn personagem histórico, Sao Nicolau,


bispo de Mira na Asia Menor durante o séc. IV. Sobre a vida
déste santo pouca coisa se sabe. O que a seu respeito contavam
os medievais, se deriva em boa parte dos tragos biográficos de
outro Sao Nicolau, que foi abade de Sion, perto de Mira, e bispo
de Pinara (Asia Menor), tendo falecido aos 12 de dezembro de
564. Um dos tragos mais salientes que a propósito de S. Nicolau
de Mira se referem, é que, aLnda jovem, se tornou herdeiro de
avultados bens, por terem morrido seus pais vitimas de epide
mia; empregou entáo essas posses em obras de caridade, espe
cialmente no dote de tres jovens donzelas que ele libertara da
deturpagáo; diz-se outrossim que salvou de perigo mortal tres
oficiáis do Imperador Constantino e, de outra feita, acorreu em
auxilio de navegantes postos em grave tormenta. O santo, que
gozava de extraordinaria veneragáo no Oriente, passou a ser
extremosamente cultuado também no Ocidente a partir do
séc. IX, principalmente após a trasladagáo de suas reliquias para
Bari em 1087; foi entáo invocado como padroeiro das virgens,
dos navegantes, dos padeiros, das criangas, dos estudantes, dos
encarcerados. Na Franga e na Alemanha contam-se cérea de
duas mil igrejas dedicadas á memoria de Sao Nicolau; na Ingla
terra, aproximadamente quatrocentas.

A estima que se tributava ao santo bispo, fez que os cristáos


envolvessem a sua figura nos festejos populares da Idade Media.
Sabe-se que aos 28 de dezembro as criangas costumavam repre
sentar o «Auto do Bispo», no qual o principal papel era executa-
do por um menino ou um estudante. Pois bem; a partir do século
Xin esta celebragáo passou a se realizar por ocasiáo da festa de

—'505 —
*PERGUNTK K JilggPONDEREMO.S. 12/1958, qu. S

Sao Nicolau, aos 6 de dezembro; quem aparecía em casa dora-


vante era o bispo S. Nicolau, que, como padroeiro dos pequeni-
nos e estudantes, as criangas bem comportadas vinha distribuir
os premios, ao passo que as outras infligía castigo, na tarde que
precedía a sua festa; Sao Nicolau nesses autos se mostrava geral-
mente acompanhado por um servo («Knecht»), de nome Ru-
precht (nome de origem germánica), a quem competía a fungáo
menos simpática de distribuir as pancadas e pauladas a quem
as merecía.
Por efeito da Ps.-Reforma protestante no séc. XVI, éste
costume popular sofreu certo golpe; a veneragáo dos santos
tendo sido rejeitada pelo luteranismo, ¿i figura de Sao Nicolau
para muitas e muitas familias perdeu seu significado de tutor ou
patrono. Em conseqüéncia, o papel que no auto tocava ao Santo,
de distribuir recompensas ou castigo, foi transferido ou para o
¡Menino Jesús (o «Christkind») dos dias 24/25 de dezembro ou
para o «Knecht Ruprecht», isto é, o tipo mais ou menos assusta-
dor do companheiro de Sao Nicolau. Éste na Alemanha é hoje
em dia chamado o «Weihnachtsmann», o homem de Natal, ao
passo que na Franca tomou os tragos característicos do «Papai
Noel», anciáo de barbas brancas, revestido de manto de lá (tai-
vez a lembrar inconscientemente a figura antiga do bispo
Sao Nicolau), anciáo, porém, que já nao vem a 5 de dezembro,
mas aos 25 do mesmo.
Como se vé, a figura de «Papai Noel» assim oriunda nada
mais tem de típicamente cristáo; é a continuacáo da imagem do
«Knecht Ruprecht». Éste, por sua vez, parece ser um vestigio
tardío, um remanescente talvez inconsciente, da crenca de que
espíritos maus e almas dos defunlos andam pelo mundo nos dias
tenebrosos do invernó europeu, dissimulados sob a forma de
ursos hirsutos ou de legendarios cavaleiros brancos, para assus-
tar os homens e^punir os maus. Esta crenca pré-cristá, através
da figura medieval do «knecht Ruprecht», servente espantoso de
Sao Nicolau, se estaría prolongando até hoje sob a imagem com
plexa do «Weihnachtsmann» na Alemanha ou de Papai Noel nos
países néo-latinos.
Contudo a celebracáo do auto cristáo de S. Nicolau na tar-
dinha de 5 de dezembro ficou até hoje em vigor em partes da
Alemanha : na Alsácia as criangas colocam seu sapatinho junto
á boca da chaminé para que néle o santo deposite a respectiva
prenda. Tal costume em outras regióes se trasladou para a noite
de 24/25 de dezembro, quando se espera a vinda de «Papai
Noel».
c) Outro uso intimamente associado á festa de Natal é a
distribuicao de presentes entre familiares e amigos. Esta praxe

— 506 —
CRISTIANISMO E CELEBRACAO POPULAR DO NATAL

tem origem pré-cristá: os romanos costumavam presentear as


pessoas de sua intimidade no inicio de novo ano, em testemunho
dos votos de felicidade que entáo lhes formulavam. Os cristaos ,
nao extinguiram própriamente éste costume, mas deram-lhe
significado superior, deslocando-o para o dia do nascimento de
Cristo, dia em que os homens sao estimulados como que pelo pró-
prio Deus a désejar uns aos outros o verdadeiro bem, a salvacáo
eterna. O costume antigo de dar presentes foi corroborado na
Idade Media por efeito da celebragáo do auto de Sao Nicolau.

Um derivado pouco digno de tal praxe, vigente principalmente na


Alcmanha central e meridional, eram as Knoepfclnnechte ou *Noites de
batidas» da Idade Media. Com eíeito, ñas noitcs das tres quintas-felras
anteriores a Natal grupos populares percorriam as rúas de cidades e
aldeias, batendo ás portas e janelas, cantando e lancando ervilhas, lenti-
Ihas e outros graos para dentro das casas, a fim de receber em troca pe
queños presentes, como frutas, nozes, salsichas ou moedas. Todo ésse
alarido lembrava o cerimonial agitado e barulhento com que os antigos
pagaos procuravam espantar os maus espíritos, e era posslvelmente um
remanescente déssc ritual conservado entre os cristaos sem que sé '
conhecesse bem a sua origem. A praxe nao se justificava á luz da fé
crista; por isto as autoridades eclesiásticas mais de urna vez a repro-
varam.

d) O consumo de iguarias especiáis no tempo de Natal de-


ve-se, segundo certos historiadores, a antigos ritos que visavam
obter dos deuses a fecundidade; entre os povos náo-cristáos, es-
colhiam-se em certas ocasióes, para a alimentagáo de casa, os ali
mentos tidos como comunicadores de vitalidade particularmente
forte : carpas, certas tortas apimentadas, carne de leitáo...
- Hoje entre os costumes de Natal, ñas familias cristas, nota-
-se o de consumir certas frutas, como castanhas, nozes, amén-
doas, uvas passas, ou também doces característicos. Éste uso dos
cristaos nao está necessáriamente preso as idéias que inspiravam
a prática correspondente dos pagaos; é simplesmente a expres-
sáo da alegría que a mensagem de Natal nao pode deixar de sus
citar nos fiéis. Essa expressáo de alegría entende-se ainda me-
lhor se se leva em conta que as semanas anteriores a Natal eram
outrora consagradas pela .Igreja a severo jejum. No dia 27 de
dezembro, festa de Sao Joáo Evangelista, costuma-se em algu-
mas regióes benzer e beber vinho em honra do santo. Tal vinho
bento tem-sentido religioso : é um sacramental que, como pede
a Igreja na fórmula de béngáo, se deve tornar, para todos, oca-
siáo de crescerem na caridade ardente, que o calor do vinho
simboliza.
e) Quanto ao presepio, é de origem auténticamente crista.
O Papá Libério (f 366) expós na basilica de Santa Maria Maior
emRoma (também dita «Santa Maria junto ao presepio») cinco '
pequeñas tábuas envolvidas em um estojo de cristal e pedra, que

— 507 — .
?PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 12/1958, qu. 9

eram tidas como reliquias da mangedoura onde nasceu o Senhor


Jesús; anualmente celebrava a Missa de Natal diante dessas ve-
neráveis pegas. O exemplo foi de certo modo imitado em outras
igrejas fora de Roma, onde na festa de Natal se foi tornando
costume colocar em cima ou ao lado do altar urna reproducáo da
mangedoura de Belém. A fim de mais se poder reviver a cena
que os Evangelhos das Missas de Natal descrevem, á figura da
mangedoura foram acrescentadas as estatuas dos personagens
que tomaram parte no acontecimento de Belém : o Menino-Deus,
a Virgem Santíssima, Sao José, os pastores... Os autos teatrais
da Idade Media exibiam com carinho o quadro do presepio e os
acontecimentos relacionados com ole. Papel decisivo para a pro-
pagagáo e a estima do presepio tocou a Sao Francisco de Assis,
que, com explícita autorizacáo papal, mandou representar a cena
do nascimento do Senhor no bosque de Greccio em 1223. Genera
lizado nos conventos franciscanos, o presepio passou para as
casas de familia, onde hoje em dia é de uso comum (como ácima
dissemos, a árvore de Natal nos lares cristáos é posterior ao
presepio).
Eis como se explicam os principáis usos que acompanham
em nossos tempos a celebracáo litúrgica do Natal. Embora nao
sejam todos inspirados diretamente pela narrativa evangélica,
podem ser, excetuada a figura de Papai Noel, entendidos dentro
da concepcáo crista do Natal; de certo modo contribuem para
introduzir o misterio da fé dentro dos moldes da vida concreta,
principalmente dentro do ambiente do lar. Ás familias cristas,
por conseguinte, incumbe a missáo de nao permitir se tornem
tais costumes meramente rotineiros, profanados por reunióes e
festejos mundanos em detrimento do seu caráter de sinais reli
giosos, estimulantes da piedade. — Quanto ao personagem ima
ginario «Papai Noel», seria para desejar desaparecesse da pers
pectiva dos pais<«e educadores cristáos, cedendo o lugar ou dire-
tamente ao Menino Jesús celebrado a 25 de dezembro ou ao
santo bispo Nicolau, festejado a 6 do mesmo mes, e tido como
patrono das criangas e dos estudantes.

J. P. (Bebedouro) :

8) «O Santuario da Virgem Santíssima em Loreto terá


sido de fato. trasladado do Oriente pelos anjos ?»

1. Em Loreto, cidade vizinha de Recanati na provincia de


Ancona (Italia), mostra-se urna «Casa Santa», que, outrora
situada na Palestina, terá servido de residencia á Virgem Santis-
sima durante longos anos de sua vida na térra.
Quais os precedentes désse santuario ?

— 508 —
A TRASLADACAO DA CASA DE LORETO
A primeira noticia sobre o seu histórico se deve a Pietro di
Giorgio Tolomei (Teramano), que por volta de 1472, na «Rela-
tio» ou «Translatio miraculosa ecclesiae beatae Mariae virginis
de Loreto», narra o seguinte :
Belo dia (sem data precisa) urna igreja, sem fundamentos arquite-
tónicos, apareceu perto de Recanati em bosque pertencente a nobre
dama chamada Loreta. Grande número de fiéis passou a freqüentar
ésse templo, provocando a cupidez e os atos de profanacáo dos ladroes
Em conseqüéncia, o santuario foi pelos anjos transferido milagrosa
mente para urna colina próxima, dita «dos Dois Irmáos»; já, porém,
que estes dois proprietários do monte disputavam entre si os
lucros provenientes fia afluencia de peregrinos, a igreja foi de novo
trasladada para a planicie, a margem da estrada onde hoje se cncontra.
Ninguém sabia donde vinha ésse templo, qundo em 1296 a Virgem
Santissima o revelou em sonho a um santo varáo : a dita casa nao era
senáo a mansáo onde ela nascera em Nazaré, onde morara, onde o ar-
canjo Gabriel lhe aparecerá e onde ela cuidara de seu Divino Filho até
os doze anos de idade. Mais tarde os Apostólos haviam convertido ésse
recinto em igreja dedicada a Máe de Deus, e Sao Lucas, com o trabalho
de suas próprias maos, ai pintara üma imagem de Maria. Acréscentava
a Virgem que, após a invasáo musulmana na Térra Santa, os anjos ha
viam transportado o santuario para Tersatz, perto de Fiume, na Ilíria;
visto, porém, que ai nao era devidairfente reverenciado, os anjos o ha
viam transferido para o outro lado do Adriático, colocando-o sucessiva-
mente no bosque de Dama Loreta, na colina dos Dois Irrnáos e no lugar
onde permanece até hoje.
Dizia ainda Teramano que urna comissáo de dezesseis cidadáos de
Recanati, a quem o santo varSo havia contado tal historia, tinha sido
enviada a Nazaré, onde verificara que as medidas da igreja de Loreto
correspondiam rigorosamente ás dos alicerces da Casa de Maria ainda
existentes naquela cidade palestinense!
Teramano afirmava por fim ter colhido essa narrativa dos labios
de dois velhos habitantes de Recanati, os quais por sua vez a tinham
ouvido de seus avós, avós que tinham sido informados igualmente por
seus avós. Assim podia Teramano preencher a lacuna de 181 anos que
ia de 1472 á data da primeira trasladacao (1291, como se dirá abaixo).
A narrativa de Teramano foi completada em 1525, apro
ximadamente, por Girolamo Angelita, secretario perpetuo da Co
muna de Recanati, no seu livro «Virginis Lauretanae historia».
Entre outras coisas, éste cronista acrescentou datas que Tera
mano omitirá : 9 de maio de 1291, trasladacao de Nazaré para
Tersatz (Ilíria); 10 de dezembro de 1294, transferencia para o
bosque de Loreta; entre julho e agosto de 1295, chegada á colina
dos Dois Irmáos. Finalmente um cronista de 1565, Rafael Riera,
ainda indicou o dia 2 de dezembro de 1295 como data do trans
porte para o local definitivo do santuario.
É de Teramano e Angelita que se derivam todas as versees
sobre a Casa Santa de Loreto até hoje propagadas.
— 509 —
sPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958, qu. 9

2. Pergunta-se agora: que autoridade tem a historia


assim referida ?
No inicio do séc. XX, ardua foi a controversia em torno do
assunto. Há hoje em día críticos que negam a veracidade da nar
rativa, baseando-se nos seguintes argumentos :

a) Em Loreto, antes da data indicada para a trasladacáo


(1291), já havia famoso santuario mañano, existente provável-
mente desde 1100. Sabe-se por documento auténtico que aos 4
de Janeiro de 1193 Jordáo, bispo de Umana, doou a igreja de
Santa María colocada na planicie de Loreto («ecclesiam sánete
Marie que est sita in fundo Laureti») a Marcos, Prior camal-
dulense de Fonte Avellana (Loreto vem ün Laurclmn, bosque do
loureiros). Em 1285 outrp documento menciona a mesma igreja
(«in fundo Laureti») num inventario de propriedades da diocese
de Recanati. — Donde se vé, de passagem, que o nome dado ao
santuario nao data da trasladagáo (1294) nem se deriva do nome
da dama proprietária do bosque em questáo, mas é antiga deno-
minagáo da regiáo.
b) Muito estranho é o silencio dos historiadores no inter
valo que vai desde a apregoada data da transferencia (1291) até
a data do primeiro documento que contenha a narrativa com
pleta (com todas as indicagóes cronológicas) dos fenómenos mi
lagrosos (relato de Girolamo Angelita em 1525). Difícilmente se
compreende que quatro extraordinarios aparecimentos da Casa
Santa destituida de alicerces tenham deixado de ser registrados
pelos cronistas durante cérea de 180 anos (até Teramano) ou
230 anos (até Angelita). E note-se que, quando estes dois auto
res referem em sua época os prodigios, apoiam os respectivos
relatos em visóes e revelagóes particulares ou entáo numa cole-
gáo de documentos de nome «Annales de Fiume», citada por An
gelita, mas jamáis encontrada pelos pesquisadores de arquivos
nem mencionada por outro escritor.

Apontam-se, é verdade, certas pegas historiográíicas que scriam re


latos contemporáneos da translacao : assim urna carta da Cámara de
Recanati, datada de 1295; a narrativa do eremita Paulo, de 1297; a his
toria do bispo Pedro de Macerata de 1330. Os críticos, porém, tém-nos
como pesas forjadas nos séc. XVTI/XVIII; os próprios defensores da
autenticidade do portento (Trombelli, Vogel, Leopardi) tém-nos, no mí
nimo, em conta de suspeitos. Também nao merecem crédito certas ima-
gens de anjos a carregar urna casa, pois nao é certo que se refiram a
Loreto.

c) A historiografía dispóe até o séc. XIII de cinco docu


mentos que descrevem o lugar onde, conforme a tradicáo, a Vir-
gem Santíssima terá habitado em sua infancia e no momento da

— 510 —
. A TRASLADACAO DA CASA DE LORETO

visita do Anjo; sao relatos de peregrinos da Térra Santa, os quais


unánimemente nos dáo a saber que em Nazaré a cena da Anun-
ciacáo se verificou nao em urna casa com paredes de pedra ou
tijolos, mas em um recinto cavado na rocha, por cima da qual
os cristáos construiram urna igreja; fazem-nos também notar
que o tipo de habitacáo cavada na rocha era usual em Nazaré.

Caso, porém, se queira, apesar de tudo, admitir que a Anun


ciagáo se deu em casa de pedra e cal, forcoso será admitir que
esta casa havia desaparecido na época da apregoada translagáo,
pois os peregrinos.anteriores nao a viram mais; disto seguir-se-ia
que o rochedo (que os peregrinos viram) foi transferido em
1291, hipótese que nao quadra em absoluto com o monumento
apontado em Loreto; éste é urna genuína casa de forma retangu-
lar (10,71 x 5,21 ni), construida de tijolos e blocos de gres, blo-
cos cuja composicáo, muito característica, é a mesma que a do
terreno da regiáo de Monte Conero, situado a urna hora e meia-
de Loreto! A éste propósito, chama também a atengáo o fato de.
que a imagem da Virgem de Loreto é urna estatua de madeira,
objeto que nao estava, nem está, em uso na piedade oriental.
Dizem, porém, os fautores da tese da translagáo que, ao
lado da gruta da Anunciagáo (que ainda hoje se pode ver em
Nazaré), havia a casa de María, que desapareceu de lá e se acha
em Loreto, tendo ficado em Nazaré apenas os seus alicerces, qué,
como afirmava a comissáo medieval, correspondem as dimensoes
da casa existente em Loreto. — Verifica-se, contudo, que estas
explicagóes sao poucos plausíveis, pois os relatos de peregrinos
antigos e medievais (desde o do peregrino de Placenga em 570
até o de Francisco Suriano em 1485) nao mencionam casa algu-
ma de Maria aó lado da gruta da Anunciagáo (gruta 'á qual, con
forme a linguagem da época, podia muito bem canvir a desig-
nagáo, corrente nos relatos, de oikos, domus, cubiculiun, casa).
Além disto, dado que tivesse existido tal casa, haveria sido des-
truída pelos invasores maometanos em 1263; com efeito,' sabe-se'
de fonte fidedigna (carta do Papa Urbano IV ao rei Sao Luís DC,
escrita em 23 de agosto de 1263) que aos 8 de abril de 1263 o
sultáo do Cairo, Bíbaros Boudokhar, mandou destruir total-
mente o santuario de Nazaré, so ficando intato o recinto da
Anunciagáo, porque, estando cavado na rocha, nao se sabia como
o destruir. Os peregrinos posteriores a 1263 atestam só ter visto
em Nazaré o recinto ou cela da Anunciagáo cavada na rocha e
os destrozos da construgáo arrasada pelos árabes. Sendo assim,
pouco ou nada significa a noticia de. que as dimensoes da casa
de Loreto quadram com as dos seus «alicerces» deixados em
Nazaré! '
-
— 511 — '■" ■
v «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958, qu. 9

d) Chama outrossim a atengáo o fato de que os relatos


' de viagens posteriores ao ano de 1291 continuam a mencionar
a existencia da gruta da Anunciagáo, sem noticiar alguma tras
ladagáo para o Ocidente. Do fim do séc. XIII ao inicio do séc.
XVI contam-se trinta e cinco testemunhos désse género, todos
concordes entre si, sendo alguns provenientes de viajantes italia
nos oriundos da regiáo de Ancona. As bulas pontificias que nesse
mesmo período se referem encomiosamente a Loreto, jamáis ai
mencionam a presenga da Casa Santa; limitam-se a aludir á
imagem de Maria Santíssima. Há mesmo declaracóes de peregri
nos do sóc. XIV, posteriores ao surto da noticia da tran.slac.ao,
que se insurgem diretamente contra esta tese (assim o norman
do Greffin Affagard, o franciscano Francisco Suriano...). —
É sómente no Ocidente que se fala da transferencia da Casa
Santa para Loreto; nenhum autor oriental, nenhuma inscrigáo,
nem em Nazaré, nem fora de Nazaré, em época alguma men-
"ciona tal portento.
Apoiando-se em tais consideragóes, abalizados autores cató
licos negam a trasladagáo e explicam o surto da crenga popular
nos seguintes termos : havia desde o séc. XII famoso santuario,
mariano em Loreto, cada vez mais estimado e freqüentado pelos
fiéis; lá se venerava uma imagem milagrosa da Virgem Santís
sima. No séc. XV já que o santuario atraia multidóes de peregri-
nos construiram-se ao redor albergues e hospitais para satisfazer
as necessidades déstes. O conjunto dessas construgóes mereceu
para Loreto o nome de «Alma Domus», isto é, Casa Benfeitora,
Hospitaleira por excelencia; era tida como a Casa da Santíssima
Virgem, segundo atestam documentos dos arquivos de Recanati.
Ora tal conceituagáo bem permitía uma.confusáo, que se deve
ter realmente dado : os fiéis comegaram a julgar que em Loreto
se achava a casa mesma habitada pela SSma. Virgem em Na
zaré; haveria sido trasladada pelos anjos...; e a imaginagáo po
pular, em sua espontaneidade simples, com boa fé, se terá encar-
regado de completar o noticiario...

- 3. A conclusáo negativa assim estruturada parece merecer


■ o ássentimento do estudioso, embora a tese da trasladagáo seja
calorosamente defendida por bons autores. O poder de Deus é,
sem düvida, ilimitado, mas, dizem-nos, será preciso demonstrar
com provas auténticas que o Senhor realmente o quis usar .no
caso de Loreto.

Contudo ainda pode restar uma dúvida : os sucessivos favo


res que os Sumos Pontífices tem concedido ao santuario de Lo
reto nao sámente antes, mas também, e principalmente, depois
do séc. XV, a celebragáo mesma de uma festa litúrgica em honra

— 512 —
A TRASLADACAO DA CASA DE LÓRETO

da Casa Santa de Loreto nao equivaiem á confirmagáo da .noticia ^p^


portentosa, a qual, por conseguinte, se déveria impor á fé do^JÉ
católico? • : :"^|
A questáo tem sido estudada pelos negadores da autentici--^
dade, os quais respondem lembrando quanto segué : a autoridadé ? ' >
da Igreja é muito sobria e cautelosa no que diz respeito a fatos ' íft
milagrosos; ela nao os declara tais com facilidade, como também- -¿j
nao é ávida de destruir qualquer crenga em milagre propalada . "'f
entre os fiéis, desde que essa crenga nao constitua perigo para a -* '
reta fé e a moral crista. Em particular, tratando-se de devogóes i
populares aprovadas pela Igreja, verifica-se que os documentos
oficiáis de aprovagáo distinguem entre tais práticas de piedade - 7$
ou o culto autorizado, mesmo estimulado pela autoridadé ecle- ^
siástica, de um lado, e, de outro lado, as narrativas ou as crengas> v í^j
que sao comumente associadas com o surto de tais devogóes. Os.^k
documentos de aprovagáo, referindo-se a essas narrativas e'.-<;]£
crengas, usam freqüentemente das fórmulas «ut pie creditur, ut-í'ri
asserunt, ut fama est..., como piedosamente se eré, como dizem,; 7*5
consoante o rumor...», fórmulas mediante as quais a autbrida-•'/.&$
de da Igreja intenciona declinar qualquer pronunciamento a res^;:í'|
peito da autenticidade das apregoadas narrativas. ' ¡.■*•'.;%

Tais fórmulas ocorrem, por exemplo, na bula do Papa Julio II, que y■'■i¿
em 1507 concedia favores espirituais aos peregrinos de Loreto : -\.■-t,:-
«Nos attendentcs quod solum erat in praedicta ecclesia de Loreto :.'\í
imago ipsius beatae Mariae Virginis, sed etiam, ut pie creditur et fama ^.. 5;
est, camera sive thalamus, ubi ipsa beatissima Virgo concepta, ubi edu: - ;.
cata, ubi ab angelo salutata...». . ; ¿A

Por conseguinte, dir-se-á que, aprovando e incrementando a , '3


devogáo ao santuario de Loreto, a Santa Igreja visa apenas con- • | ■
firmar e desenvolver a piedade dos fiéis para com a Santa Máé "
de Deus; esta devogáo será sempre oportuna e frutuosa indepen- ; •
dentemente da historicidade dos episodios narrados a respeito de ''•
Loreto desde o séc. XV. Esta outra questáo de crítica historio-
gráfica nao fica definida pela concessáo de favores espirituais' ,';
aos devotos de Loreto, pois nao é questáo que toque um «fato ..
dogmático», como se diz, ou um fato direta ou indiretamente re
lacionado com algum dogma de fé. Aos fiéis católicos resta, pois,- /
a liberdade de julgar na base dos documentos que a historia lhes ';
apresenta. Em todo e qualquer caso, porém, seja Loreto para '
todos motivo de santificagáo, nao pomo de discordia e rixa! . :

BIBLIOGRAFÍA: . . '-rú,
Em íavor da autenticidade da narrativa : -■
A. Eschbach, La vérité sur le íait de Lorette. París 1909.
C. G. Kresser, Nazareth, ein Zeug für Loreto. Wien 1908. ~ ■%
I. Rinieri, La veritá sulla Casa di Loreto Í3 voU. Torino 1910. '^

—513— -|
¿ «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958, qu. 10
■' ¿. Contra a autenticidade :
■ C U. Chevalier, Notre-Dame de Lorette. Etude historique sur l'authen-
'. ticíté de la Santa Casa. Paris 1906.
H. Ledercq, Lorette, em «Dictionnaire d'Archéologie chrétienne et
' de Liturgie» IX 2 2473-2511.
G. Hüfler, Loreto. Eine geschichtskritische Untersuchung der
_■- Frage des heiligen Hauses (2 vol.) Müñster in/Westf. 1913-1921.

OURIVES (Rio de Janeiro) :

10) «É verdadc que cm 1032 uní menino de iloze anos foi


eleito Papa com o nomc de Bento IX ?»

1. A figura do Papa Bento IX aparece numa fase da histó-


■".- ría (séc. XI) em que á vida pública de Roma era dominada pela
influencia de familias nobres, moralmente pouco escrupulosas:
após a familia de Joáo Crescendo, comecou a ganhar prestigio
na Cidade Eterna a Casa dos Condes de Tusculum, entre os quais
sobressaiam o velho pai Gregorio e seu filho Alberico. O princi
pal objetivo visado pelas correntes partidarias era, como se com-
preende, o Papado : usando de meios ilícitos, procuravam nao
raro coagir os eleitores do Sumo Pontífice, que eram tanto o
clero como o povo de Roma; cada familia empenhava-se natural
mente por impor á sé de Pedro o candidato que mais conviesse
:"/ aos seus interésses particulares. Daí se entende que tenham sur-
rr gido nessa quadra da historia Papas destituidos das qualidades
' humanas que néles se poderiam esperar.

í~. Em 1032 Alberico de Tusculum conseguiu fazer subir á sé


w pontificia, com o nome de Bento IX (1032-1034), um de seus
? "<; quatro filhbs : Teofilato, sobrinho de dois Papas anteriores
:-~ , (Bento VHI, Í012-1024, e Joáo XIX, 1024-1032). Na mesma oca-
¿\ \siáó,'Alberico dava o govérno temporal de Roma a seu filho mais
? ' velho, Gregorio, nomeado «Cónsul dos Romanos», assegurando
assim.o pleno prestigio da sua familia na vida pública da Italia
Central.
"' • ■
";- Dizem os historiadores imparciais nao ser fácil reconstituir
-/ o currículo biográfico de Bento IX : embora as fontes da historia
; concordém em lhe atribuir cónduta pouco digna, faz-se mister re-
v/. conhecer<tendéncias arbitrarias nos cronistas désse Papa. Os au-
^« torés dos anais de Bento IX muitas vézes nao sao testemunhas
?£ÍL. oculares nem contemporáneas dos acontecimentos que narram,
£' mostrando-se mesmo influenciados pelas correntes partidarias
>L'7" ,de sua época. Em conseqüéncia, as informacóes comumente
^;>, transmitidas a respeito de Bento IX tém sido submetidas ao con-
,/r ' trole de documentos históricos do séc. XI recentemente publica-

".: — 514 —
BENTO IX, PAPA MENINO ?

dos em edicáo crítica; á luz désses dados, pode-se melhor discér^^p-


nir o auténtico do espurio ñas narrativas anteriormente diviü*Jifl
gadas. VvSM
Entre outras noticias, refere-se que Bento IX tinha dedezaf «1
doze anos de idade ao ser eleito... Esta informagáo se deve ao .¿g|
historiador Rodolfo Glaber, monge do mosteiro de S. Germano ^^
de Auxerre na Franga (985-1046/47), em cujas obras se léem ' -^
os seguintes trechos : &

«Nam et ipse universalis Papa Romanus, nepos scilicet duorum Be-.''>'■$


nedicti atque Ioannis, qui ei praecesserant, puer ferme decennis,... ./-ji,
olfictiis exstilit n Romanis. — O próprio pastor universal em Roma, so- •'-.?
brinho de Bento (VIII) e Joáo (XIX), que o haviam precedido (no pon- ■',■;
tincado), foi eleito pelos Romanos quando era menino de aproximada- ,>'.;■
mente dez anos» (Histor. IV IX fim). ,',lí^
«Fuerat eidem sedi (romanae) ordinatus quídam puer cirdterí-'ii'p
annorum duodecim, contra ius fasque. — Fóra feito para a mesma sé de,' i|^
Roma certo menino de aproximadamente doze anos, contra todo '.V
qualquer direito» Hist. V. W fim).

A noticia ácima tem sido reproduzida pela maioria dos his-'f^


toriadores, embora sejam unánimes em reconhecer que Rodplfóií^
Glaber, como cronista, goza de pouca autoridade. v , ;,'^|^
/ . ..-■;"■ -¡y^M"
Com efeito. Glaber entrou muito jovem no mosteiro beneditlno'de^l
Saint-Germain d'Auxerre. De temperamento irrequieto e poüco^.cllsB^I
plinado, transferiu-se de urna Abadía para outra ; em 1015 passoü.páía{
o mosteiro de S. Benigno cm Dljeon, donde partlu em 1029 para.a,Itáliá|
detendo-se no cenobio de Susa, sob o Abade Guilherme de Volplaho;'qüj'
biografía Glaber escreveu. Em 1030 passou para Cluny na Fransa^ér
1035 estava de novo em St.-Germain, onde velo,a falecer. — .Fól.:<er
Cluny (longe, portante de Roma) que ele escreveu a sua obra «Histu;
riarum libri quinqué», a qual abrange os acontedmentos do periodó'dfe|
900 a 1044; o texto é prolixo, confuso, envolvendo imprecisSes é contra?-vi
dic3es; nao obstante, nao deixa de merecer estima por constituir^
única fonte para se estudarem certos episodios da historia da Itália&dí
Alemanha e particularmente da Franga. '.-■■■.;^l¿iímam
Cf. M. Manitius, Geschichte der lateinischen Literatur das Mittelal-*||
ters II. München 1923, 347-53. \~WWm
2. Em vista do estado das fontes, os críticos mais receritl's'fl
em estudos serenos, tém levantado objecóes contra a notídávioe^
que Bento IX foi eleito aos dez ou doze anos de idade. Observan^
sim, os seguintes fatos : ■■■.•'v"1**''
a) bom número de historiadores dos séc. XI/XII, em!
julguem com severidade a conduta de vida do mencionado Poñti^
fice, nao fazem alusáo !á sua pretensa idade infantil. Tais autores!
sao, por exemplo. Desiderio de Montecassino, Hermano Gpiiíra^
to, Leáo de ostia. Lucas de Grottaférrata apenas réfpré' que|f
novo Papa era joyem (neos oon. Patrología grega, éd. Migníi^
CXXVII 484), sem descer a pormenores de idade. Um biógrafc||

— 515— '■•■'•::
• ,' ■ ■■(
«PERGUNTE E RESP0NDEREM05> 12/1958, qu. 10

de Sao Leáo IX (f 1054) dava a Bento IX o cognome de Parvu-


Iuz (= Pequeño), talvez para o distinguir dos outros dois «Teofi-
latos», seus antenatos existentes na familia dos nobres Tus-
culanos.
b) Sao Pedro Damiáo (f 1072), zeloso propugnador da
disciplina eclesiástica, narra que o proceder do novo Papa
Bento IX comegou a ser censurável logo após a eleicáo; o que ele
descreve, porém (e, em geral, as quedas moráis que outros his
toriadores, com ou sem razao, atribuem a Bento IX), nao seria
compatível com as condic.óes de um menino de dez ou doze anos
ou pouco mnis do idnde. Alóm disto, os documentos nos onsinnm
que o infeliz pontífice, desde o inicio de seu govérao, exerceu as
diversas fundes inerentes ao cargo, sagrando bispos, presidindo
a sínodos, canonizando santos, etc. Estas sao tarefas que urna
crianga ou um adolescente nao poderia exercer, e que tampouco
se podem atribuir a secretarios ou familiares do Pontífice.
c) Corroborando esta observagáo, note-se mais: difícil
mente se admitirá que tenham cooperado com um menino de dez
ou doze anos revestidos das insignias pontificias, como de fato
cooperaram cm Bento IX, homens reconhecidamente venerá-
veis, quais foram o chanceler Pedro, o abade Hugo de Farfa, o
abade Bartolomeu de Grottaferrata, o arcebispo Lourengo de
Amalfi e outros dignos varóes; supor-se-ia ncstos homens urna
falta de escrúpulos ou urna hipocrisia pouco coerentes com sua
fama,
d) Além disso, o que se sabe sobre a familia de Bento DC,
nao quadra com a pretensa idade de sua eleigáo : Alberico, o pai
do Pontífice, já era juiz em 999 e, sem dúvida, estava casado em
1001; Gregorio, irmáo de Bento IX, era pai de familia em 1030
e já prestaba juramento em ato judiciário no ano de 1014; um
dos seus sobrinhos é citado como bispo de Labico em 1044.
Apoiando-se nestes fatos, os estudiosos modernos, encabcga-
dos por L. Poole (Benedict IX and Gregory VI, em «Proceding
of the British Académy» 1917-18, pág. 199-235) e S. Messina
(Benedetto IX Pontefice Romano. Catania 1922), concluem que,
ao invés de doze anos, Bento IX deve ter sido eleito entre os seus
25 e 30 anos da idade, época em que era membro do clero de
Roma.' Nao há dúvida, porém, de que mesmo esta idade era de
masiado juvenil para fazer frente as responsabilidades do Sumo
Pontificado, Pontificado que Bento IX nao ornou com seu cur-
. rículo de vida.
Tal verificacáo, porém, nao surpreende o cristáo : éste sabe
que a «a fórca (de Deus) se revela na fraqueza (do homem)» (2
Cor 12,9) e que, por conseguinte, quanto mais saliente é a

— 516 —
BENTO PC. PAPA MENINO ?

mcapacidade humana nos episodios da historia da Igreia tanto1 '


mais ensejo também se tem para entrever e admirar o podeí £
de Deus, que, exercendo-se na Igreja, a esta conservou incólume
ate o día de hoje. "=#

Em conclusáo: aos olhos da critica objetiva, o episodio do-'^


«Menmo-Papa» se apresenta destituido de fundamento plausiver -^
merecendo ser colocado entre as ficgóes da historia. ' :'-'^

CORRESPONDENCIA MIúDA

°8 escI—imentos desejados ,

jo, mas o odio que naoseMX


que procura fugir do seu objeto, naosMX por
%5¿S£%£la por pr6pri
pr6pria iidti) d
inidativa) 8eparad° &
Pena,de .índ°le esP.ir¡t»al nSo é a única do inferno. Porque nao ?
vfda converjo °^ ^l*™ "5° s6Tnte aversSo a Deus' mas tam^m indd
vida conversao á criatura; o pecador nesta vida serve-se das criaturas ma-
tcriai. emv.rt.de seu prazer egoísta. Ora já nesta térra as criataas ma-
teñáis violentadas pelo hotnem exercem sobre éste urna sancáo espontá-
nea; o pecador e vitima de seus próprios desmandos. Tal reacáo das cria-
turas materia* se verifica, com toda a coeréncia, na vida futura, oS-
nando o que se chama a pena dos sentidos. uw»™

que setnomTnaT/o;o ^^T *"" ** SentÍd°S' ° ^^ é


Que será ésse fogo ? '
Os teólogos afirmam que '

.< j1'» Í5° se tr?ta de fogo meramente metafórico, equivalente ao


"ardor" do arrependimento interior. Este conceito nao satisfaría Isrepe-
tidas afirmagoes da S. Escritura que parecem visar um elemento diverso
do reprobo a agir sobre este; também nao satisfaría á nocáo de pecado
ácima recordada (= conversao k criatura); ™
2) nao se trata, porém, de um fogo da mesma especie que o fogo ter-
restrc, o qual devora sua presa e rápidamente se extingue: «non est ma-
tenahs talis qualis est apud nos. — Nao é material como o fogo entre nos
e material» (S. Tomaz, S. Teol., Supl. 97, 5 and 1).
A denominagño de fogo atribuida a ésse agente se deve ao faí» de que'
causa nos reprobos sofrimentos comparáveis aos da queimadura no orea-
nismo humano. Sao Tomaz tenta de certo modo elucidar a sua atuaclo,
lembrando o seguinte : todo espirito separado do corpo, como é a alma
humana, tem por si o poder de aplicar a sua inteligencia e a sua vontade
aos objetos de seu agrado, sem sofrer restri5áo por parte de algum corpo.
Ora no inferno, diz Sao Tomaz, existe um agente cuja influencia consiste
em limitar a atividade da inteligencia e da vontade do pecador, fazendo
que este assim coibido expié todas as desordens provocadas pelo uso de -'
urna. Uberdade desenfreada na tena; por conseguinte, o fogo do inferno ^
restringe
-—v a determinado
»""«""»uu local
'"tai a
a atividade
auviuaue da
aa inteligencia
inteligencia e
e da
da vontade
vontade dos
do *
reprobo — o que é penoso castigo para o espirito,
espirito que por si deseja arden-
arden' -

— 517 —
"•' s tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958
temente expandir-se na luz e viver intensamente a sua vida espiritual (cf.
S. Teol., Supl. 70,3; os fundamentos remotos desta doutrina sao os textos
bíblicos que falam de um "acorrentamento" dos reprobos no inferno • Jud
6; Apc20,2).
Além disto, o fogo do inferno deve exercer acáo também sobre os cor-
. pos dos pecadores após a ressurreicáo déstes-(por enquanto nao há corpos
no inferno); essa acáo deve ter índole física e mecánica apenas, sem pro-
; duzir combinacdes químicas (as quais provocariam alterado e corrupsüo).
Feitas estas observacoes, o cristáo verifica quáo sabio é guardar so-
briedade quando se trata de explicar o fogo do inferno. Diría S. Agostinho:
"A nnturcza désso fogo, o hipar do mundo ou da criacáo em que ele exis
tirá, sao temas que, a meu ver, nlnguóm snbe ox)ilmmr n nilo sor nquéle
a quem o Espirito de Deus o revele" (De civ. Dci XX 16, cd. Migne
lat. 41,682).
"Que concluiremos senáo que nossa ignorancia sobre o modo como
age o fogo do inferno 6 completa e que só podemos arquitetar hipóteses
mais ou menos plausíveis?" (A. Michel, Feu de l'enfer, em "Dietionnaire
de Théologie catholique" V 2. Paris 1939, 2235).
Ótima monografía sobre o assunto é a coletánea de artigos de índole
. bíblica, patrística, dogmática, historiográfica (historia das religioes) e
iconográfica devida a Carrouges, Spicq, Bardy, Héris, Dorival e Guitton,
e intitulada "L'Enfer". Paris 1950.
GATO (D. F.): O amigo pergunta que razóos tém os positivistas para
dizer que a Igreja Católica é urna criacáo da Idade Media.

'; . ' Eis como Augusto Comte procurava justificar a afirma$áo ácima.
''•; Distinguía entre Cristianismo e Catolicismo (ou Igreja Católica). O
primeiro lhe parecia ser um movimento religioso animado por fervor muito
;.."■..- -espontáneo, nao coibido por leis e autoridades religiosas. No séc. XI, dizia
;?.;• Comte, o Cristianismo se tornou Catolicismo, isto é, em virtude da agao de
:. ,'■ ICarlos Magno (t 814) consumada por S. Gregorio VII (t 1085) recebeu
í*r- sua organizacao social, sua constituigáo e sua .autoridade visível, enfim a*
:; ;; disciplina que impóe normas ao fervor religioso. O Catolicismo, para Comte,
'.£.•:■ representava o genio social aplicado á religiáo; por isto o Catolicismo, com
v.!H sua hierarquia sacerdotal, era altamente conceituado pelo filósofo, que,
./?'•;■ ab contrario, desprezava o que'ele chamava o Cristianismo.
■?,' Que dizer dessa teoría?
-;.; ■ .A distinsáo entre Cristianismo e Catolicismo é vá; éste segundo título
"■';"-. '■- apenas póe em realce urna modalídade do primeiro, ou seja, o aspecto de
réi:},, mensagem universal de Cristo. O Cristianismo, desde os seus inicios até
$M \■ "hoje, foi e é animado por duas foreas : o fervor místico ou o amor, e a lei
*íí~: ,ou o direito. Desde os tempos de Sao Paulo se notam entre os cristáos os
* inicios de organizacao hierárquica e o exercício de autoridad© visível (cf.
Uvf- principalmente as epístolas a Timoteo e Tito; 1 Cor 11-14). Está claro
Í,'V que sómente com o decorrer dos tempos e o aumento numérico do povo
■:•/■■ cristáo é que se puderam afirmar plenamente a autoridade e a organiza-
5áo no Cristianismo. — Sem disciplina nem legislacáo expressa por uir. i
autoridade visível, o entusiasmo religioso degenera em culto de fantasi: ■
. e aberracóes. E, a autoridade visível no Cristianismo, foi o Senhor mes;.
■<i: quem a instituiu, prometendo-lhe ao mesmo tempo a assisténcia necessá
■<'.'■-.-• para se tornar auténtica intérprete da Verdade (cf. Mt 16,18s; Le 22.2V:--
:;.■ Jo 21,15-17).

*■■:■-■■■" . _518 —
CORRESPONDENCIA MIÚDA

F. A. (S. Paulo): Mais vale assistir a duas Missas no mesmo diá do^T'i
que a urna só? , ; j'::*t'ii
Urna só S. Missa é infinitamente meritoria, capaz portanto de obter'^f
todas as gragas necessárias a quem déla participa. Acontece, porém, que á 'pi¿4
aplicacao dos frutos da Missa se faz nao em grau infinito,*mas' segundo V-íf^
criterios por vézes muito limitados, isto ó, faz-se na medida da fé e da.V^?
devogáo dos que participam de tal celebragáo da Missa (cf. a primeiraora-.ri--í>|
gao do Canon). Já que esta fé e devogáo podem'Sempre crescer nos fiéis, V^v*
é-lhes útil (e até necessário) assistir repetidamente á S. «Missa; de cada '•:'-"■;'.>;
vez poderáo participar com mais fruto, desde que estejam preparados. A •••..!■
periodicidade mínima obligatoria de assisténcia á S. Missa, para o cristáo, ■ •'-':>'
c semanal (todos os domingos...); os fiéis fervorosos tem por .norma" "■■■•'
muito recnmtintlúvcl a participagáo diaria do santo sacrificio do altar, . :^j
l'oile-su dar, porém, que alguém tenha fe c devogáo particularmente inten; ' -
sas para assistir a duas S. Missas consecutivas ou, ao menos, no decorrer ■. ■))
do mesmo dia; o Espirito Santo pode sugerir isto. Em tal caso, nao se .:\
deve sufocar a inspiracáo sobrenatural; ao contrario, é oportuno satis- ",'/
fazé-la. Note-se, porém, que a assisténcia á segunda S. Missa, a fim de ser " -
frutuosa, deve corresponder a genuína s§de interior; se fór considerada .";;
como um dever ou urna formalidade de que algúém se desincumbe distrai- ,':¿.¿
damente (seja por negligencia voluntaria, seja por cansago físico), já náo'.".íí-"#j
será proveitosa. ■■"•-;-*
Cf. "P. R." 3/1958 qu. 4. ' ■ ■'£:£

P. J. (Rio de Janeiro): É muito difícil julgar o caso que o bom amigó'-Aííf"


refere. Trata-se de urna questáo de consciéncia, na qual nao basta conhecerA/ViiM
apenas a face externa dos acontecimentos; é preciso saber com
qual a intengáo de quem agiu, a maneira própria como essa pessoa i
a situagáo. Ora nao nos é possível avaliar isto; só Deus julga as ct ,
cias. Por isto reeomenda-se nao julgar o caso .narrado, mas entregá-lo S^ísS.3
Senhor. Sabemos, de outro lado, que Deus nos vira sempre ao encontro?^^j'
-desde que O procuremos sinceramente através dos sacramentos. '3''W'
- 'víKíM
CASSEMIRO : Pode-se tranquilamente usar pluvial no caso. Para- >,'«J
montos de cor dourada podem substituir o branco, o vermelho e o verde," ^
desde que haja motivo para isso (carencia ou má conservagüo dos para^ ' ''
montos habituáis, desejo de dar maior brilho a urna solenidade). ';

ESTUDANTE (S. Paulo): Recebemos sua estimada cartinha, pela


<iual Ihc ficamos muito gratos. As suas nove perguntas nao nos é possível
responder de urna vez só. Oxalá tivéssemos seu enderégo!
Por ora o amigo encontrará resposta á questáo sobre a real presenga
de Cristo em muitas hostias, em "P. R." 9/1858 qu. 5; sobre Freud e a psi-
canálise, em "P. R." 8/1958 qu. 1; sobre pecado original e sex'o, em "P. R."
3/1957 qu. 9; sobre a confissáo sacramental dos pecados, em "P. R."
4/1957 qu. 3; 8/lí)57 qu. 4 e 5.
A obra "A Educagáo Sexual e Afetiva" de André Berge nao é reco- .
mendável. Embora professe ser cristáo (prefacio), o autor insinúa teses
materialistas, reduzindo muitas vézes o ideal de vida ao pleno gozo senti- '
mental (páginas 153. 177. 184s. 192. 195).

P. X. (D. F.): k guisa de bibliografía sobre comunismo e Cristia-


mio, citaremos :
Le communisme et les chrétiens,, coletánea de artigos por Ducatillon,
rdiaeff, A. Marc, D. de Rougemont, Daniel-Rops. Pa'ris 1937 (existe % ■
■ tradugáo portuguesa).
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 12/1958

Emile Baas, Introduction critique au Marxisme. Perspectives marxis-


.tes, Perspectives chrétiennes. París 1954 (existeem traducáo portuguesa).
G. Fessard, Le dialogue catholiquc-communiste est-il possible?
Paiis 1937.
Y. Calvez, La pensée de Cari Marx.

Por absoluta falta de cspaco, vemo-ños dolorosamente canstrangidos a


omitir a resposta a alguns prezados correspondentes. Se soubéssemos a
sua direcao, procuraríamos atender por carta aos seus quesitos.

Queiram corrigir :

"P. R." 9/1958 qu. 5, páj?. ."$72, no centro: em vez do "S. lOucaiislia"
ler "S. Escritura". Ib. qu. 7, pág. 378, 2' linha, ler "P. R." 7/1958, qu. 5.

A TODOS OS LEITORES, AMIGOS E BENFEITORES DE «PER-


GUNTE E RESPONDEREMOS" DESEJAMOS DE CORACAO SANTO
NATAL E FELIZ ANO NOVO.

Pela Redadlo e Administiasáo

D. ESTÉVÁO BETTENCOURT O.S.B.

*?. *'"
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

REDAOAO ADMINISTBACa.O
Calxa Postal 2666 E. Iteal Grandeza, 108 —Botafogo
Rio de Janeiro ' Tel. 26-1822 —Kio de Janeiro

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