Estranho
O gostar dela € estranho. Estranho nao por sua causa, mas por seus des-
dobramentos. Adora-la imensamente e ao. mesmo tempo reconhecet a
impossibilidade, vet-me inerte a assistir minhas expectativas se desfazerem
eteréamente no at, com falta de solidez ém suas bases ¢ inconsisténcia em
seu futuro. O meu gostar é tragico, d4.um tom fatidico a tudo, sobrevive
andando em nuvens ¢ um tropeco o derruba. Apés a queda, nao se levan-
ta e anda; chora a dor aos prantos, lan¢a lamentos aos céus, se artasta
pélos chaos, implota perdao, se humilha e resigna. O grande porém é que
meu estranho gostar é ambivalente. Se despedaca, mas acredita. Mesmo
conformado, persevera na busca, renasce e se alegra. Faz isto potque
amar é base para a vida, e em absolutamente nenhuma hipotese causa de
dor para a alma.
Estranha ambivaléncia. Gostar, resignar, querer, procurar esquecer,
sonhar todo os dias, ignorar. Pulsao de vida, pulsao de mortes Queré-la
jufito'4 mim a cada minuto, desejar avidamente auscultar cada respirar
seu, contemplat sua mecha de cabelos lancados sobre um ombro e sentir-
me tomado por uma vontade — estranha? — de envolvé-los entre meus
dedos; a pulsio de minha vida € cla. Empertigar sob o peso do.mundo
nas costas (angustia, sofrimento, um momento de falsa de expectativa) e
ter diante de mim o muro bloqueando o caminho, “falta de saida, falta de
perspectiva, falta de futuro”. Sei ela, pulsao de morte.
A sensacao de faltar algo é eterna. E torna tudo ainda mais estranho
aponto de me fazer ama-la tao intensamente, a ponto de continuar gostan-
do, mesmo levando a certeza do impossivel.
Guilherme Carvalhal