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A catequese do Vaticano II aos nossos dias
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A catequese do Vaticano II aos nossos dias

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A catequese pertence ao DNA da Igreja. Nascida dentro dos processos do catecumenato primitivo, como momento doutrinal de solidificação da fé que era transmitida ao lado de outras atividades, sobretudo bíblico-litúrgicas e exercícios de vida cristã, durante o longo período medieval e moderno do catecumenato social (a fé era transmitida vivencialmente pela comunidade cristã e pela própria sociedade), a catequese ficou reduzida ao ensino doutrinal, desligada do grande momento litúrgico-orante. O movimento catequético contemporâneo, culminando no Vaticano II, renovou-a por uma substancial mudança de paradigmas. É o que se mostra neste livro.
Após breve retrospectiva histórica da catequese na Igreja, detém-se em analisá-la nos diversos documentos conciliares e no seu impacto posterior até nossos dias. Analisam-se acontecimentos, documentos e suas consequências na prática da educação da fé, desde a publicação do RICA, passando pelo Sínodo de 1977 sobre a Catequese e sua exortação apostólica Catechesi Tradendae, pelos Diretórios de 1971, de 1997, e pelo Catecismo da Igreja Católica. Especial atenção merecem as iniciativas da América Latina, sobretudo do Brasil, como Medellín, Catequese Renovada, Aparecida e o Diretório Nacional de Catequese, até a recente publicação A alegria de iniciar discípulos missionários, com suas propostas de retorno aos verdadeiros processos iniciáticos. Após refletir sobre problemas e perspectivas atuais da catequese, a conclusão é justamente esta: hoje estamos a caminho de uma catequese a serviço da Iniciação à Vida Cristã.
LanguagePortuguês
Release dateMar 2, 2017
ISBN9788534945523
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    A catequese do Vaticano II aos nossos dias - Luiz Alves de Lima

    Apresentação da coleção Marco Conciliar

    OConcílio Vaticano II, concluído há cinquenta anos, refez a Igreja católica em muitos aspectos e, em certa medida, o próprio cristianismo. A intenção de João XXIII de promover um novo pentecostes na Igreja foi não somente anunciada em várias ocasiões, desde sua primeira inspiração, mas também uma tarefa de construção assumida por ele; tarefa conduzida pela força de sua autoridade e pelo vigor de seu carisma renovador. Sem a ousada inspiração e a liderança convicta e perseverante desse papa, certamente não teria havido o Vaticano II, ou não com a dimensão e a profundidade que o caracterizaram. Somente pela força carismática de líderes como João XXIII se pôde pensar em mudanças como as proporcionadas pelo Concílio numa instituição milenar com doutrinas e regras cristalizadas.

    Esse grande Concílio, o mais ecumênico de todos, refez a rota fundamental da Igreja ao colocá-la de frente com o mundo moderno. A Igreja, que estava distante da chamada modernidade e segura de sua posição e verdade, foi capaz de reposicionar-se e elaborar uma nova doutrina sobre o mundo e sobre si mesma. De isolada do mundo, assume-se como sinal de salvação dentro do mundo; de detentora da verdade, reconhece a verdade presente nas ciências e passa a dialogar com elas; então definida como poder sagrado, passa a compreender-se como servidora da humanidade. E o mundo torna-se o cenário do drama humano: lugar de pecado e de graça, porém inscrito no plano maior do amor de Deus, que nos cria e nos chama para a comunhão consigo. A Igreja e o mundo estão situados nesse plano misterioso de Deus, a ele se referem permanentemente e são compreendidos como realidades distintas e autônomas, porém em diálogo respeitoso e construtivo.

    O Vaticano II abriu uma temporada nova na Igreja como fruto de inesperada primavera, na intuição do papa João XXIII. A essa primavera sucederam-se novos ciclos com climas diferenciados, sem nos poupar de invernos rigorosos. As decisões conciliares foram interpretadas e praticadas de diferentes modos nos anos que se seguiram à grande assembleia, em função de lugares e sujeitos envolvidos no processo de aggiornamento. Por um lado, é fato que muitas renovações aconteceram em diversas frentes da vida da Igreja. Tanto no âmbito das práticas pastorais quanto no da reflexão teológica, o pós-Concílio foi um canteiro que fez a primavera produzir muitos frutos: renovação litúrgica em diálogo com as diferentes culturas, Igreja comprometida com os pobres, diálogo ecumênico e inter-religioso, doutrina social da Igreja, experiência de ministérios leigos etc. O novo se mostrou vigoroso, sobretudo nas primeiras décadas do pós-Concílio e, particularmente, no hemisfério sul, nas igrejas inseridas em contextos de pobreza e de culturas radicalmente distintas da cultura latino-cristã tradicional. Por outro lado, houve um esfriamento do carisma conciliar, à medida que a história avançava impondo suas rotinas, mas, sobretudo, uma leitura que buscava evitar a ideia de renovação-ruptura com a tradição anterior. Segundo essa leitura, o Vaticano II teria inovado sem romper com a doutrina tradicional, incluindo a doutrina sobre a Igreja. Essas perspectivas revelam, na dinâmica pós-conciliar, as lutas para construir o verdadeiro significado do Vaticano II, do ponto de vista teórico e prático. Trata-se de leituras localizadas do ponto de vista geopolítico e teológico-eclesial, com sujeitos e ideias distintos, assim como marcadas por esforços de demonstração da intenção original das decisões dos padres conciliares.

    Se esse dado revela, de um lado, as dificuldades crescentes de um consenso, expõe, por outro, a atualidade do Concílio como marco eclesial e teológico importante para a Igreja. Pode-se dizer que o Vaticano II começou efetivamente no dia seguinte à sua conclusão, em 8 de dezembro de 1965. Na Audiência de 12 de janeiro de 1966, o papa Paulo VI reconhecia esse desafio de colocar o Concílio em prática, comparando-o a um rio que iniciava seu fluxo e se dispunha para a Igreja como tarefa para o futuro. E esse rio avançou certamente por terrenos nunca previstos, fecundou novas terras e produziu frutos com sua água sempre viva. Por outro lado, foi um rio represado por muitas frentes eclesiais que temiam sua força; foi desviado de seu curso e canalizado para diferentes direções. Contudo, o rio jamais secou seu fluxo. Continua correndo na direção do Reino, levando sobre suas torrentes a frágil barca de Pedro com seus viajantes, ora cansados e temerosos, ora destemidos e esperançosos.

    O Vaticano II não foi somente um evento do passado, mas constitui, de fato, o hoje da Igreja católica, a fonte de onde a Igreja retira o sentido fundamental para sua caminhada histórica e para o diálogo com a realidade atual. Esse Concílio em curso completou cinquenta anos com uma história e um saldo que merecem ser visitados por todos os que estão atentos a sua importância para a Igreja em permanente sintonia com um mundo que avança rapidamente em suas conquistas científicas e tecnológicas. Se a modernidade perscrutada pelos padres conciliares já não existe mais, ela deixou, entretanto, suas consequências positivas e negativas para nossos dias; consequências que exigem de novo o olhar atento da fé cristã, que busca distinguir os sinais dos tempos e lançar os cristãos como sujeitos ativos no mundo: parceiros de busca da verdade e na construção da fraternidade universal.

    A presente coleção, planejada e oferecida pela Editora Paulus, pretende revisitar o Vaticano II por várias entradas e oferecer rápidos balanços sobre questões diversas, nesses cinquenta anos de prática e de reflexão. Cada uma das temáticas é abordada em três aspectos: a orientação conciliar presente nos textos promulgados pelo grande Sínodo, o desenvolvimento da questão no período pós-conciliar e sua análise crítica — balanço e prospectiva. Esse tríplice olhar busca conjugar o desenvolvimento da temática do ponto de vista teórico e prático, ou seja, seus desdobramentos no âmbito do magistério e da reflexão teológica, assim como suas consequências pastorais e sociais. A Igreja se encontra, nos dias atuais, num momento fecundo de renovação de si mesma, após o conclave que elegeu o papa Francisco. O Vaticano II se encontra, nesse contexto, numa nova fase e deverá produzir seus frutos, em certa medida tardios, em muitas frentes que ainda não haviam sido abordadas pelos Pontífices anteriores. A própria figura do atual papa remete à eclesiologia do Vaticano II, tanto em suas atitudes como em suas palavras. Está viva a Igreja povo de Deus, a Igreja dos pobres, a Igreja servidora, misericordiosa e dialogal. O Concílio tem fornecido, de fato, a direção das reformas enfrentadas com coragem pelo papa a partir da Cúria Romana.

    Esse contexto de revisão é animador e permite falar de novo do último Concílio como um marco histórico fundamental para o presente e o futuro da Igreja. É tempo de balanço e reflexão sobre o significado desse marco. Os títulos ora publicados pretendem participar dessa empreitada com simplicidade, coragem e convicção. Cada autor perfila a procissão dos convictos da importância das decisões conciliares para os nossos dias, mesmo sendo o mundo de hoje em muitos aspectos radicalmente diferente daquele visto, pensado e enfrentado pelos padres conciliares na década de 1960. O espírito e a postura fundamental do Vaticano II permanecem não somente válidos, mas também normativos no marco da grande tradição católica. Mas continua, sobretudo, um espírito vivo, na medida em que convida e impulsiona a Igreja para o diálogo com as diferenças cada vez mais visíveis e cidadãs em nossos dias e para o serviço desinteressado a toda a humanidade, particularmente aos mais necessitados.

    Embora não tenha produzido um documento exclusivo sobre a catequese, o Concílio apresentou intuições importantes para a renovação da catequese. Uma dessas intuições foi a insistência na necessidade da Igreja católica adaptar a sua linguagem para mais efetivamente ser fiel à sua missão de anunciar o reino de Deus na realidade presente. O Concílio optou por uma postura metodológica que pode ser vista também como postura pedagógica: um modo de colocar a verdade da fé em sintonia e diálogo com as verdades do mundo moderno. Também a sua teologia de fundo, esse diálogo, tem sua origem na autocomunicação de Deus, que fala aos homens de modo humano e quer conduzi-los à salvação. Os conteúdos e a linguagem conciliares permitem falar num Concílio eminentemente catequético, resultado de uma Igreja que quer ser misericordiosa e compreensiva com a humanidade em sua condição real, e não mestra da verdade que condena erros.

    Como bem demonstra padre Luiz Alves de Lima, todos os documentos conciliares têm elementos que contribuem para iluminar a realidade da catequese: o olhar atento à realidade, o discernimento dos sinais dos tempos e uma nova prática eclesial inspirada nos valores do reino.

    Por isso, é preciso recordar-se de que cada ensinamento da doutrina deve situar-se na atitude evangelizadora que desperte a adesão do coração com a proximidade, o amor e o testemunho (Francisco, Evangelii Gaudium 42).

    João Décio Passos

    Wagner Lopes Sanchez

    Coordenadores

    Introdução

    Já celebramos os cinquenta anos do encerramento do Concílio Vaticano II (11 de outubro de 1962 — 07 de dezembro de 1965). Nesse contexto, várias iniciativas foram tomadas para celebrar a grande efeméride. Entre elas, destaca-se a publicação, de grande êxito, do Dicionário do Concílio Vaticano II , uma iniciativa de professores da PUC-SP e da Editora Paulus. Além disso, a Paulus solicitou a vários autores para que ampliassem o próprio tema no formato de livro, para uma nova coleção denominada Marco Conciliar.

    Já cinquentenário, o Vaticano II não é um acontecimento passado e relegado aos anais da história. Pelo contrário, sua força e dinamismo continuam atuando na Igreja, que, com ele, quis fazer um profundo exame de consciência sobre si mesma (Lumen Gentium), de sua presença no mundo, entrando em maior diálogo com a cultura moderna (Gaudium et Spes); quis ainda aprofundar o significado da Palavra de Deus revelada na Tradição e Sagradas Escrituras a fim de recolocá-las no centro da vida cristã (Dei Verbum) e também renovar a própria liturgia, tão antiga e sagrada, mas, em muitos casos, obscurecida pela poeira dos séculos (Sacrosanctum Concilium).

    A riqueza renovadora conciliar não se circunscreve apenas a essas suas grandes constituições. Seus decretos e declarações também avançaram por problemas eclesiais candentes, primeiramente referentes às pessoas, como a missão e formação dos leigos, dos pastores (bispos e sacerdotes) e consagrados, os católicos orientais, e depois sobre problemas atinentes a importantes atividades eclesiais, como o trabalho missionário, o ecumenismo, a educação cristã, a liberdade religiosa, as relações com as religiões não cristãs, e a educação para a mídia moderna, juntamente com seu uso.

    Se pudermos sintetizar numa única palavra todas as grandes preocupações das assembleias conciliares, tal palavra seria o zelo e impulso pela Evangelização do mundo atual. Como renovar, através de todas as suas estruturas, pes­soas e instituições, o Anúncio do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo no mundo de hoje? O Concílio dedicou um de seus decretos para tratar da ação missionária da Igreja (Ad Gentes); entretanto, esse é um tema transversal ao longo de todos os seus textos, naturalmente junto com outros temas, como o aggiornamento da Igreja.

    Ad Gentes foi concebido dentro da concepção de missão naquele momento, ou seja, como diz o título, ação evangelizadora para povos não cristãos, que ainda não receberam a luz do Evangelho. Entretanto, passados cinquenta anos, e sobretudo sob a influência da Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI, do projeto de uma nova evangelização de São João Paulo II e Bento XVI, do Documento de Aparecida (CELAM) e da Evangelii Gaudium, do papa Francisco, sem deixar esse conceito de missio ad gentes, o termo evangelização amplia-se muito, compreendendo também, e sobretudo, a evangelização de populações outrora cristãs, e mesmo batizadas, mas hoje afastadas da Igreja.

    A catequese, concebida como educação da fé de adultos, jovens e crianças, atividade sempre presente na história da Igreja, não mereceu destaque especial do Concílio com um documento próprio. Entretanto, está presente explicitamente em alguns documentos. Mas a renovação catequética pós-conciliar beneficiou-se, sobretudo, de toda a renovação conciliar em seu conjunto. Muitos temas eclesiais renovados ou revistos pelo Concílio tiveram grande impacto sobre a catequese, tais como a própria visão de Igreja e sua missão no mundo, a renovada concepção de Revelação e Palavra de Deus, a reforma litúrgica, a restauração do catecumenato,[1] hoje adaptado também às populações de antiga cristandade, e muitos outros que são tratados ao longo dos textos conciliares.

    Essa foi uma das razões pelas quais os editores escolheram esse tema da catequese para compor a coleção Marco Conciliar. O motivo central, porém, está na importância que tem a renovação da catequese para a vida da Igreja, para a evangelização e para formar discípulos missionários, conforme o grande ideal de Aparecida.

    O presente texto, querendo tratar em primeiro lugar da renovação catequética a partir do Vaticano II, ampliou bastante sua temática. Para compreender a concepção conciliar sobre a catequese, julgamos por bem alargar a visão para antes e depois do Concílio. Assim, o primeiro capítulo é dedicado à história da catequese não somente para analisar sua origem, significado e evolução de sua concepção ao longo dos tempos, mas também para mostrar sua presença sempre valorizada e diversificada na vida da Igreja. Ao final desse capítulo se mostra como o movimento catequético, de origem europeia com repercussões no Brasil, foi um dos movimentos, nem sempre lembrados pelos críticos e historiadores, que antecederam e criaram o clima de realização do próprio Concílio Vaticano II.

    Com relação ao tema dessa coleção Marco Conciliar, o segundo capítulo é o mais importante por considerar a catequese nas discussões e decisões do Concílio; retomamos e ampliamos o que foi dito no verbete catequese do Dicionário do Vaticano II. No entanto, importantíssimos também são os capítulos seguintes em que o impacto do Concílio sobre a educação da fé aparece com toda a sua força, extensão e, sobretudo, evolução. Tal renovação conciliar começou a se realizar mesmo antes dos desdobramentos por parte da Sé Apostólica, ou seja, execução do que o Concílio havia ordenado. De fato, foi no âmbito da reflexão e renovação da catequese que, no Brasil e América Latina, começaram a ressoar os resultados conciliares em toda sua amplitude. Na Igreja brasileira, o Concílio começou a ser conhecido justamente através da efervescência da renovação catequética: no imediato pós-Concílio, além do entusiasmo e frenesi naturais provocados pelo grande acontecimento, foi momento de grandes avanços, progressos, sonhos e realizações; basta citar os grandes acontecimentos do mítico ano de 1968 no Brasil e na América Latina.

    O quarto capítulo retorna às ações da Sé Apos­tólica e mostra como os organismos romanos realizaram aquilo que o Concílio havia pedido, em âmbito catequético: surgem os grandes pronunciamentos catequéticos, elevando o movimento catequético, sempre impulsionado pelo Concílio, à sua máxima temperatura: RICA, Sínodo sobre a Catequese (1977), Catechesi Tradendae, Catecismo da Igreja Católica e Diretórios Catequéticos (1971 e 1997) são grandes frutos do Concílio que não só cumprem os mandatos conciliares, mas sobretudo avançam, e muito, na concepção e na prática da catequese na Igreja. E, de um modo geral, em toda a Igreja floresceu uma grande literatura catequética, podendo-se afirmar que nunca na Igreja se refletiu e se escreveu tanto sobre catequese como nos anos do pré e pós-Concílio!

    Adentrando o novo milênio, persistem as consequências do Concílio Vaticano II sobre a catequese, sempre respondendo aos novos desafios e, naturalmente, indo muito mais além daquilo que a grande assembleia conciliar havia impulsionado. As comemorações do V Centenário da Evangelização das Américas levaram São João Paulo II a desencadear o tema da nova evangelização, posteriormente estendido para toda a Igreja; nesse contexto, realizaram-se o Sínodo das Américas e de outros continentes. As Américas foram marcadas pelas cartas de São João Paulo II Ecclesia in America e Tertio millenio adveniente. No Brasil, o projeto evangelizador Queremos ver Jesus repercute os novos tempos, influenciando também a caminhada da catequese que desemboca na elaboração do Diretório Nacional de Catequese. Esse texto, juntamente com Aparecida que logo se lhe segue, despertam novo entusiasmo em vista de uma mais eficaz Iniciação à Vida Cristã a serviço da qual se coloca a catequese de inspiração catecumenal.

    Essa última evolução da catequese na direção de uma inspiração catecumenal, em termos de América Latina, tem seu ponto de chegada num breve, mas estimulante e provocativo documento do CELAM intitulado A alegria de iniciar discípulos missionários numa mudança de época (junho de 2015), que tratamos no final do capítulo V. Dedicamos um último capítulo para recolher de forma menos histórica, como os capítulos anteriores, e mais sistemática, os grandes problemas e perspectivas que de um lado provêm da renovação catequética conciliar e que, por outro, anima e impulsiona a catequese nos dias atuais, sobretudo, sob o prisma da iniciação à vida cristã e a dimensão catecumenal da catequese.

    Na conclusão geral, temas do discipulado, da iniciação à vida cristã, com seu novo paradigma catecumenal, e a mudança de época são tratados à luz de dois significativos acontecimentos na América Latina em 2014: um Congresso Internacional (Santiago do Chile) e um Seminário Nacional (Santo André, SP), ambos sobre essa dimensão catecumenal da catequese proposta para os dias de hoje. Em base a esses dois acontecimentos, recolhemos as considerações finais desse percurso que fizemos, desde os inícios da Igreja até o Vaticano II e suas repercussões cinquenta anos depois.

    São Paulo, 24 de maio de 2016

    Solenidade de Nossa Senhora Auxialiadora

    Pe. Luiz Alves Lima, sdb

    Capítulo I

    O movimento catequético pré-conciliar

    Entre os movimentos que antecederam o Concílio Vaticano II situa-se, além dos movimentos litúrgico, bíblico, ecumênico e teológico, também o chamado movimento catequético . Teve grande vigência na Europa, mas também em outras partes do mundo, inclusive no Brasil, como veremos.

    Antes, porém, será útil analisar a caminhada da catequese na longa história da Igreja, muito embora de maneira sucinta. Podemos falar em movimento catequético na Europa somente a partir do início do século XX, e na América Latina, sobretudo no Brasil, a partir da metade dele. Vamos, pois, em breves linhas, olhar para a presença da catequese, sua importância, seus momentos gloriosos e obscuros, ou mesmo desaparecimento, nos dezenove séculos e meio que antecederam o Vaticano II.

    1. A Igreja e a catequese na Antiguidade

    O cristianismo nascente em menos de três séculos transformou-se de religião fora da lei, periférica e perseguida, em religião oficial. Já no século IV, os cristãos adquiriram o direito ao culto público e à cidadania. Com o fenômeno posterior das grandes migrações do norte para o sul, em busca de melhores terras e condições de vida, o cristianismo também se tornou elemento unificador no continente europeu e no Oriente Próximo. As atividades da Igreja, sobretudo a evangelização e a catequese, para além de sua finalidade principal de formar discípulos e seguidores de Jesus Cristo, adquiriram também o caráter de instrumento de socialização e inculturação.

    A Igreja nos primeiros séculos

    Foi um tempo decisivo para a organização e fortalecimento da Igreja. A cultura grega ou helenística dominava o Oriente Médio (Israel, Egito e Síria de hoje) e grande parte da Europa. As duas primeiras gerações de cristãos realizaram um hercúleo trabalho de evangelização, conforme o Novo Testamento. Além de Pedro e demais apóstolos, dominam o cenário o apóstolo Paulo e seus companheiros, que, sob o ponto de vista humano e da historiografia, são considerados os fundadores ou pelo menos os consolidadores do cristianismo.

    É uma época densa de heroísmo e também de perseguições constantes. Os escritos apostólicos falam de doutrina, culto, constituição e disciplina. A Igreja-Mãe, Jerusalém, exercia grande influência e ainda não havia muita distinção entre Sinagoga e Igreja cristã. Os essênios, por exemplo, uma espécie de ordem religiosa, mantinham a força do judaísmo tradicional. Por seu rigor, podem ter atraído João Batista e influenciado aquilo que se chama de judeu-cristianismo. É nítido, nos escritos paulinos, o embate entre a nova proposta cristã e a força dos cristãos judaizantes para manter a tradição mosaica. Muito lentamente surgirá a separação definitiva entre Sinagoga e Igreja cristã. Também os escritos apócrifos deram grande realce a esses primeiros heróis da fé.

    Da literatura primitiva cristã destacam-se alguns livros mais relacionados à pregação missionária, catequese e organização eclesial: Didaqué ou Doutrina dos apóstolos (pequeno tratado pastoral-catequético), as sete cartas de Santo Inácio de Antioquia (que transmite a visão de uma Igreja em vias de organização e sustentada pela hierarquia) e a epís­tola de São Clemente de Roma (procura refletir sobre os valores judaicos e helênicos para os novos tempos). Tanto Inácio como Clemente fazem referências ao primado do bispo de Roma, sucessor de Pedro, no governo eclesial.

    Começou a haver divisões no corpo eclesial por questões doutrinais ou por não aceitarem a grande Igreja; são os heréticos e cismáticos. Um desses desvios da fé ortodoxa foi o gnosticismo, objeto de contestação por parte do Evangelho de João e que, de tempos em tempos, ressurge, como nos dias de hoje na civilização ocidental... Tais movimentos misturavam doutrinas antigas e novas com revelações e exaltações pessoais. Surgiram também os livros apócrifos, não reconhecidos pela Tradição, mas hoje muito estudados e com informações preciosas sobre o primitivo cristianismo. Fato importante é a fixação da lista oficial dos livros bíblicos pelo Cânon (catálogo, norma), cujo critério fundamental é a tradição apostólica e a sucessão dos apóstolos.

    Os primeiros grandes escritores e teólogos (Santos Padres) são chamados apologistas, pois defendem a fé do ataque de pensadores e filósofos que combatiam o cristianismo como uma nova seita exotérica e iniciática como tantas que surgiam naquele tempo. Eles exercem o grande trabalho de inculturação da fé, mostrando que a Igreja não é estranha à história e à evolução da cultura (como Irineu e Justino). Os grandes escritores do Oriente (Clemente de Alexandria, Basílio, Gregório etc.) tentam a síntese entre cultura grega e cristianismo, elaborando uma pedagogia humana e cristã. Um dos maiores deles é Orígenes (185-253), apesar de alguns erros devidos, sobretudo, a seus intérpretes; dono de vasta cultura, estabeleceu as regras de conservação e interpretação da Bíblia e lança os fundamentos da reflexão cristã ao longo dos séculos (teologia).

    Tertuliano e Cipriano destacam-se no Ocidente; eles se ocuparam mais das virtudes, educação cristã e estruturas eclesiásticas. Mais do que o centralismo romano, que sobreviveu mais tarde, predominou nesse momento uma Igreja mais sinodal: as assembleias regionais de bispos (sínodos) e mais amplas (concílio ecumênico) enfrentaram os erros doutrinais e as tentativas de separação. O primeiro Concílio Ecumênico foi o de Niceia, em 325, sobre cristologia e a formulação da fé (credo); seguiram-se depois: Constantinopla (381), sobre a divindade do Espírito Santo; Éfeso (431), sobre Maria Mãe de Deus (Teotókos); Calcedônia (452), sobre as duas naturezas, divina e humana, de Cristo.

    O cristianismo teve tão grande expansão no meio de muitas dificuldades e perseguições, à semelhança de Jesus Cristo, o Mártir por excelência. Conforme Tertuliano, os

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