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Arqueologia da persuasão: o simbolismo rococó da matriz de santa rita
Arqueologia da persuasão: o simbolismo rococó da matriz de santa rita
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Arqueologia da persuasão: o simbolismo rococó da matriz de santa rita

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Neste estudo, o arquiteto e arqueólogo João Carlos Nara Júnior nos oferece uma abordagem polissêmica da arte sacra do Brasil Colonial. Passamos a conhecer em detalhe a matriz de Santa Rita de Cássia em suas dimensões setecentistas e nas especificidades de sua arte rococó. Trata-se de uma das igrejas mais antigas do Rio de Janeiro, em que foram batizados e sepultados tanto nobres e fazendeiros do recôncavo da Guanabara quanto milhares de africanos que desembarcavam e logo seguiam para as Minas Gerais.

Através da sua decoração em talha de madeira, de suas pinturas e imagens, o autor explora os sentidos da reflexão arqueológica sobre as paisagens, a arte e as simbologia cristã colonial. Encravada no centro histórico da cidade, a igreja de Santa Rita tanto resiste como se impõe enquanto espaço material e imaterial de memórias, símbolos e consagrações.



Flávio Gomes — Instituto de História, UFRJ
LanguagePortuguês
Release dateJan 1, 2016
ISBN9788547303105
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    Arqueologia da persuasão - João Carlos Nara Júnior

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição – Copyright© 2016 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO ENSINO DE CIÊNCIAS

    No 450º aniversário de fundação da Mui Leal e Heroica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, dedico esta pesquisa à saudosa memória de meu pai, que gostava de me levar a passear, em meus tempos de criança, pelas velhas ruas do Rio.

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço aos professores André Chevitarese e Flávio Gomes, pela segura e competente orientação, assim como pela amizade e estímulo com que me guiaram na pesquisa que gerou este livro. Agradeço de forma particular ao André, por me reabrir as portas da Academia e por descortinar novos caminhos quando me encontrava em meio a tantas dificuldades.

    Um especial agradecimento vai ao ilustre corpo docente do Museu Nacional e à nossa diretora, professora Cláudia Rodrigues Carvalho; e aos meus queridos colegas discentes, que sempre contribuíram com sua cordialidade e disponibilidade. Também agradeço aos demais colegas servidores da UFRJ, pelo apoio e boa-vontade, especialmente à querida Claudine, sempre solícita e atenciosa. E, é claro!, como esquecer dos amigos do Escritório Técnico? Maurício, Eliara, Agenor, Igor, Lívia, Ricarte, Gil e Marta, Lisane e Frederico, Mozart, Cerix, Rodrigo, Leonardo, Renata, Cris, Alexandre, Miguel, Paulo e tantos outros que colaboraram com seu apoio, paciência, sugestões… e livros!

    Das Bibliotecas e Arquivos em que pesquisei, sou grato a todos os funcionários que auxiliaram na elaboração de minha pesquisa, assim como aos servidores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, pela disponibilidade e a atenção dispensada. Uma lembrança particular vai ao amigo José Luiz Macedo de Faria Santos, do Arquivo Nacional.

    Igualmente agradeço ao reverendo Pe. Wagner Toledo, pároco da freguesia de Santa Rita de Cássia, e ao Pe. Marcelo Nascimento, que me receberam com paciência e cordialidade, assim como aos amigos que trabalham na referida paróquia e na Irmandade do Santíssimo Sacramento: Sr. Rogério, Antônio, Josias e Jacira. Uma lembrança toda especial vai ao constante amigo Pe. Silmar Fernandes, grande colaborador de todas as horas, que sempre valorizou meu trabalho. Minha gratidão vai também, entre outros, a monsenhor Sérgio Costa Couto, ao cônego Pedro Nunes e aos padres Luís Madero, Marcos Santini e Alexandre Antosz.

    Recordo especialmente daqueles dois que me inspiraram coragem para começar a pesquisa: os professores Jorge Pimentel Cintra e Renato José de Moraes. Também agradeço de coração àqueles que generosamente me prestaram seu auxílio: ao amigo professor Mateus Rosada, que sabe tudo de barroco e cujas fotografias abrilhantaram este livro; ao ilustre Catedrático Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, que sempre confiou em minhas aventuras acadêmicas; ao professor e companheiro de lide Daniel Pêcego; à antropóloga Raquel dos Santos Sousa Lima, que me apresentou à Santa Rita; e à corajosa arqueóloga Hilziany de Gois Dourado, que me incentivou e enriqueceu com generosa bibliografia.

    Minha lembrança vai também àqueles professores que, de algum modo, me estenderam a mão ao longo desta caminhada: Johannes Meier, Rodrigo de Almeida Bastos, Renata de Castro Menezes, Daniel Justi, Rosina Trevisan, Vítor Teixeira, Matheus Oliva da Costa, Patrícia Ferreira dos Santos, Naylor Vilas Boas, Rodrigo Cury Paraizo, Nireu Cavalcanti, Jandira Neto e Ondemar Dias.

    Estendo a gratidão a tantos amigos — cujos nomes todos seria impossível assinalar —, pelo enorme incentivo e disponibilidade para ajudar a todo momento: Ricardo Miyashita, Andrei Rosas, Júlio César Chaves, Walter dos Santos Rodrigues, Alexandre Gonçalves, Henrique Elfes, Luciano Menegaldo, Luís Fernando Oliveira, Adriano Domeny, Gustavo França, Leonardo Barbosa, Rafael Loureiro, Sílvio Almeida, Ignacio Íñiguez de Onzono, Armando Gonçalves, Herbert Missaka, João Eduardo Bastos Malheiro de Oliveira, Rafael Medeiros, Ítalo Marsili, Victor Surerus, Cathy Freitas, Isaac Newton Raitz, William West Johnson, Marcos Nicodemos, Rafael Zelesco Barretto, Lucas Carvalho, Antônio Silva, José Flávio Ribeiro, Felipe Pouchucq, Hugo de los Santos Rojas, Daniel Forain, Brehnno Galgane Ferreira, Leonardo Talina, Victor Limonta, Mário Magela, Tatiana do Rego Monteiro Gonçalves, Carlos Alberto Alves.

    Deixo meu agradecimento cheio de afeto a Baru, sem cujo apoio e interesse, insistência e sabedoria, estima e cumplicidade, teria sido impossível chegar até aqui.

    Finalmente agradeço aos meus familiares, que sempre acreditaram nas minhas conquistas, particularmente a Mamãe, Yolanda, Izabelle, Fabrício, Jamile, Tatiana e Gabriela. Incluo com saudades a Márcia e o Papai, que com certeza me acompanharam desde o céu.

    E como não podia deixar de ser, agradeço devotamente à santa mística italiana Rita de Cássia, para quem não há impossíveis.

    A tarefa do arqueólogo não é uma tarefa fácil.

    Poucos de nós temos o amplo conhecimento e a capacidade de síntese que perfazem o mestre, mas todos nós podemos adquirir uma perspectiva dos fatos razoavelmente acurada.

    A dificuldade começa quando os fatos devem ser colocados em seus lugares na história do desenvolvimento arquitetônico. Na raiz de todo estudo deste tipo, esconde-se a admiração sobre como as coisas teriam sido antes.

    Para a História, a arquitetura não nasce pronta da cabeça do arquiteto. Está fundada na tradição local, foi enriquecida por mãos alheias, sofreu adaptação para atender a novos requerimentos. É nascida da terra, vem da imitação, cumpre uma função.

    Gertrude Lowthian Bell

    Amado Jesus,

    fazei-me participante

    de algo das dores

    de vossa Paixão.

    Santa Rita de Cássia

    PREFÁCIO

    Ao receber o convite do João Carlos para prefaciar este seu livro, senti-me bastante lisonjeado, mas, quase que concomitantemente a essa prazerosa sensação de ter sido agraciado por tão honrosa solicitação, uma lembrança me fez ver que só nos conhecemos há bem pouco tempo, quiçá uns três ou quatro anos, quando então passei a conviver mais de perto com ele. Essa inesperada lembrança se deveu ao fato de eu ter interiorizado a ideia de João Carlos ser um amigo de longa data, pois o vejo como parte da minha família, tamanha a comunhão, identidade, carinho e apreço que nutrimos um pelo outro. Mesmo tendo sido orientador acadêmico, juntamente com o Prof. Dr. Flávio dos Santos Gomes (IH-UFRJ), de sua dissertação de mestrado, a relação orientador/orientando sempre foi pautada em termos do respeito, da troca de ideias, nunca de maneira impositiva, muito menos hierárquica.

    Animou-me, desde os nossos primeiros encontros, quando ainda estava sendo gestada a ideia sobre o tema da pesquisa, o fato de ele ser arquiteto de formação, de trazer consigo um saber, um olhar, uma forma muito particular de abordar um objeto: para mim, enquanto historiador de carreira, uma troca muito enriquecedora. Não demorou muito e já tínhamos convergido para a necessidade de se estudar as talhas da Igreja de Santa Rita de Cássia, situada na Avenida Marechal Floriano, no coração do centro da cidade do Rio de Janeiro. As nossas conversas fluíram tão bem que João Carlos nem havia ingressado no curso de Mestrado em Arqueologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e já fazíamos planos sobre o desdobramento da pesquisa, já de olho no Doutorado, particularmente sobre os elementos históricos e arqueológicos presentes no entorno imediato da igreja, em particular no Largo de Santa Rita.

    Para além de todo o enorme esforço intelectual que é necessário fazer quando alguém decide se aproximar de uma área diferente daquela de sua formação original, este livro tem por mérito maior colocar em evidência a pequena, porém valiosa Igreja de Santa Rita de Cássia, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que se encontra hoje completamente perdida no interior de uma paisagem urbana sufocante e hostil, dominada por edifícios altos, por uma avenida de tráfico intenso e pelo diuturno barulho e poluição dos automóveis e ônibus. Quem passa muitas vezes nem percebe aquela joiazinha rara, motivo de muito orgulho para os amantes da história do Rio de Janeiro, que nunca teve qualquer uma de suas partes destruídas por incêndios (graças a Deus), cuja fachada sofreu pequenas intervenções pontuais, as quais não chegaram a alterar significativamente suas feições originais. Pode-se ainda ver no seu interior, em repouso perpétuo, os túmulos dos seus antigos fundadores, Manoel Nascentes Pinto e sua esposa dona Antônia Maria, no altar. Podem também ser admirados algumas preciosidades, por exemplo: o quadro de Santa Rita, pintado no final do século XVII; a imagem original da santa, importada de Portugal pelos fundadores da igreja; o lavabo barroco com sua águia bicéfala; os tapetes de azulejos; e os seus belíssimos retábulos.

    Ao longo de cada página, o leitor terá oportunidade de constatar o quão raro é este tipo de livro, pela qualidade dos temas tratados, pelo cuidado com o rigor científico, pela preocupação com a documentação, advinda de inúmeras consultas aos documentos disponíveis na própria Igreja de Santa Rita, bem como nas mais conceituadas instituições de pesquisa deste país, como o Arquivo Nacional, a Biblioteca Nacional, o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro e o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.

    Mas, apesar de sua excepcionalidade, este livro pode ser lido como um belíssimo cartão de visita de um pesquisador que ama a sua cidade, a sua história e que não mede esforços para torná-la cada vez mais conhecida do grande público, especialmente dos próprios cariocas.

    Como este prefácio está sendo escrito no mês de maio, nada mais justo que lembrar aos leitores que no dia 22 a Igreja Matriz de Santa Rita de Cássia celebra a festa de sua padroeira, bem como da sua própria fundação. Quanto ao número de velinhas no bolo, bem, elas podem variar, dependendo do marco selecionado para a sua comemoração: as novenas começaram em 1710; a primeira pedra foi lançada pelo bispo em 1720; a autorização pontifícia se deu em 1725; a nave da igreja ficou pronta em 1728; e a paróquia foi criada em 1751. Não importa qual desses acontecimentos o leitor possa tomar como marco de fundação — eu, particularmente, tomo o ano do início das novenas na antiga ermida, logo vamos precisar colocar trezentas e seis velinhas no bolo —, mas o importante é não esquecer de parabenizar essa belíssima padroeira: viva Santa Rita de Cássia.

    André Leonardo Chevitarese

    Maio de 2016

    Instituto de História

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    APRESENTAÇÃO

    O leitor tem entre mãos o fruto de meus dois primeiros anos de pesquisa sobre a freguesia de Santa Rita, terceira paróquia urbana do Rio de Janeiro. Durante esse tempo, procurei estabelecer um diálogo entre a Arquitetura, a Arte, a Arqueologia e a História, à medida que me debruçava sobre o tema que viria a se tornar para mim um case, um portal histórico que oferece um acesso privilegiado ao Rio de Janeiro setecentista. Este livro — cujo texto é substancialmente o mesmo do primeiro trabalho — permite, portanto, tantas abordagens quantos forem os interesses do leitor.

    Mergulhei em Santa Rita em três etapas, como um observador que aperta os olhos para ver melhor: seu tempo, sua igreja, seu simbolismo. Agora, de olhos mais abertos, a pesquisa prossegue explorando o que não se vê, especialmente o cemitério de pretos novos de Santa Rita, isto é, a necrópole para os escravos mortos antes de serem vendidos, o qual, no século XVIII, ficava defronte da matriz. O andamento das investigações pode ser acompanhado na página web: santarita.hypotheses.org.

    Por hora, convido o leitor a me acompanhar nesta viagem ao longo de três capítulos: a História de Santa Rita, sua Arquitetura e uma proposta de análise semiótica. Faço, porém, um alerta: o guia desta viagem é um arqueólogo. Não pretendi falar como arquiteto e urbanista, nem como historiador. Como arqueólogo, procurei tratar o tema sob um enfoque muito particular: o da cultura material. Ou seja, tomo como instrumento de trabalho os objetos mais do que os documentos (como faz o historiador); e avalio tais objetos não apenas enquanto artísticos ou habitáveis (como faz o arquiteto e urbanista), mas enquanto segmentos do meio físico culturalmente apropriados. Assim, a proposta de fundo deste livro é um método de análise estilística adequado ao horizonte da Arqueologia histórica.

    Talvez o leitor prefira apenas conhecer a história de Santa Rita: fique à vontade para saltar à seção 1.2. Ou então o leitor prefira apreciar sua arquitetura, que é a primeira aparição do rococó religioso na América: vá para as seções 2.3 e 3.2. Para os interessados nas implicações religiosas do tema, sugiro a leitura das seções 1.3, 2.2 e 3.3. As discussões teóricas e epistemológicas são abordadas nas seções 1.1 e 2.1.

    Faço votos de que este regresso às origens de Santa Rita sirva de estímulo para a preservação e a valorização da memória carioca e abra caminhos para novos projetos e pesquisas.

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ¹ ²

    LISTA DE FIGURAS

    LISTA DE MAPAS

    Sumário

    INTRODUÇÃO 

    Arqueologia patrimonial 

    Arqueologia aboveground 

    Potencial simbólico da arte e do estilo 

    1HISTÓRIA E CULTURA MATERIAL — A FREGUESIA DE SANTA RITA 

    1.1 Decoração religiosa como fonte indiciária 

    Indícios e fatos 

    Arqueologia histórica 

    Abordagem pós-processualista 

    1.2 Santa Rita, suas crônicas e fragmentos 

    Sítio Valverde 

    O cemitério de Santa Rita 

    A primeira fábrica rococó 

    1.3 Corpo barroco, alma pombalina, espírito rococó 

    Cultura material derivada da Reforma tridentina 

    Arte de crise, não crise da arte 

    De França à Paris dos Trópicos 

    2 ARQUEOLOGIA DA ARQUITETURA — A IGREJA DE SANTA RITA 

    2.1 Arquitetura como metáfora material 

    Mundo, corpo, palco 

    O templo enquanto espaço de poder 

    Metáforas e metanarrativas 

    2.2 Desenvolvimento arquitetônico das igrejas cristãs 

    Elementos originários 

    Distribuição funcional 

    Elementos específicos das igrejas barrocas 

    2.3 Arqueotectura 

    Metodologia da Arqueologia da Arquitetura 

    Técnicas e abordagens interpretativas 

    Análise arqueotectônica da igreja de Santa Rita

    3 ARQUEOLOGIA DA IMAGEM — A TALHA DE SANTA RITA 

    3.1 Iconologia 

    A abordagem empregada 

    O método iconológico 

    Estilo e outras categorias 

    3.2 Tipologias 

    Gramática visual 

    Sonho e alegoria 

    A talha ornamental 

    3.3 Análise contextual 

    Ambivalência 

    Eloquência 

    Audiência 

    CONSIDERAÇÕES FINAIS 

    Arqueologia da transição 

    Arqueologia underground 

    Política de memória 

    REFERÊNCIAS 

    Bibliográficas 

    Arquivísticas, cartográficas e iconográficas 

    GLOSSÁRIO 

    APÊNDICES 

    Introdução

    Pode-se falar de uma grande obnubilação da memória no nosso mundo contemporâneo; de fato, a busca da verdade é uma questão de memória, de memória profunda, porque visa algo que nos precede e, desta forma, pode conseguir unir-nos para além do nosso «eu» pequeno e limitado; é uma questão relativa à origem de tudo, a cuja luz se pode ver a meta e também o sentido da estrada comum.

    (Francisco, Encíclica Lumen fidei)

    Edifícios históricos reúnem símbolos, registram tendências e conservam os traços das sucessivas intervenções. Mas não só: sua relação com a cidade aporta indícios da cultura citadina, da importância política da região e da evolução de seu uso. Ou seja, os edifícios constituem simultaneamente documento e signo, porquanto são pluriestratificados, acumulam tipologias e dialogam com o entorno.

    Arqueologia patrimonial

    Um dos elementos mais caraterísticos da produção arquitetônica colonial brasileira foi a ornamentação das igrejas com talha de madeira, típica do Barroco. A representatividade da talha torna-a um objeto privilegiado de estudo, pois

    [...] o ornamento, mais do que um remanescente de uma técnica construtiva obsoleta, é um tropo de eventos sociais, políticos, econômicos e religiosos, permitindo-lhes serem compreendidos através de metáforas corpóreas³.

    Por sorte, o Brasil foi pioneiro no enaltecimento do Barroco, longamente descurado pelas pesquisas realizadas em outros países do Ocidente:

    O grande volume de empreendimentos materiais da cultura barroca hispânica na América é extraordinário: dúzias de catedrais, centenas de monastérios e milhares de igrejas, muitas delas ricamente adornadas com esculturas, pinturas e trabalhos de metal. Toda essa atividade artística é a expressão de um grande esforço cultural que também teve aspectos religiosos e intelectuais como, por exemplo, a fundação das universidades e as vidas de grandes missionários e santos. Nada disso recebeu atenção adequada por parte dos historiadores da cultura e da arte, e apenas nos dias de hoje estão sendo feitas tentativas para proteger ou tombar os monumentos sobreviventes. A causa de tal negligência é, em parte, a falta geral de apreço, no século XIX, pela cultura barroca e todas as suas obras, agravada ainda mais pela ruptura catastrófica no desenvolvimento cultural após as guerras de independência e separação da América Latina espanhola. A cultura barroca da América Latina não era somente uma cultura colonial, era uma cultura altamente centralizada e hierarquizada,

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